quinta-feira, junho 29, 2006

PROGNÓSTICO

Marcus Ottoni


“É natural que um governante queira inaugurar obras que iniciou, prestando, assim, contas de sua administração. Mas Lula é “arroz de festa”. Gosta de inaugurar obras suas, obras dos outros, inaugura pedra fundamental, terreno baldio que um dia será uma obra. Enfim, Lula gosta de palanques e não perde nem batizado de boneca. Questão de estilo.”
Lucia Hippolito

Flávio Florido/Folha


Nem louca nem charlatã

Prognóstico em futebol não é como em eleições depois que inventaram ibopes e datafolhas. Quando a bola rola, entram em campo fatores inimagináveis, que vão da escapadela noturna da mulher do juiz à contaminação tóxica das chuteiras da Nike.

Pelo futebol apresentado, tanto de França como de Espanha, o lógico era esperar-se um clássico Brasil X Espanha nessas quartas-de-finais da XVIII Copa do Mundo. Como futebol é futebol e a bola é redonda e não reclama para onde a mandam, seja com os pés, mãos, cabeças, joelhos, canelas, costas e boca, ela gosta mesmo é de ouvir o bater dos corações na hora em que encontra as redes.

Aí é beijada, acariciada, levada dentro da camisa à homenagear gravidez e também chutada para o alto ou de volta às redes, depende de quem a encontra depois que transpõe a linha fatal.

Quatro jogos definem agora os semifinalistas:

Alemanha x Argentina, Itália x Ucrânia, Inglaterra x Portugal e Brasil x França.

Como semifinais, teremos:

Alemanha X Itália, Alemanha X Ucrânia, Argentina X Itália ou Argentina X Ucrânia, por uma lado, e, pelo outro: Inglaterra X Brasil, Inglaterra X França, Portugal X Brasil ou Portugal X França.

Os meus prognósticos, tenho trazido-os aqui. Para mim, dá, nas semifinais, Argentina X Itália e Brasil X Inglaterra, embora meu coração penda para Portugal.

E teríamos a mais esperada de todas as finais de Copa, ainda segundo esses mesmos prognósticos meus: a inusitada disputa do titulo mundial entre as vizinhas sul-americanas, rivais nesse esporte bote aí quase um século.

Outras finais possíveis seriam: Alemanha X Brasil, Alemanha X França, Argentina X França, (...).

E me pergunto: não é futebol que você está discutindo? A Ucrânia, onde fica? Já está eliminada de véspera? E Portugal, de Felipão? Não pode dar a volta por cima e vencer a Copa, com todas as dificuldades depois do vale-tudo campal contra a Holanda?

Dá, não dá. Prognóstico, até pode. Mas ser pitonisa de futebol, sei, jamais serei. Até porque todos ou todas que tentaram adivinhar o futuro foram loucos ou charlatões.

Fico, no entanto, aguardando que o Brasil chegue à final, para que eu possa assistir a Brasil X Portugal ou Brasil X Inglaterra das semifinais.

Mas se der, na final, Ucrânia X Inglaterra, você vai torcer por quem? E, no caso de um Itália X Portugal?

Neuza Margarida Nunes, enviada do Alma à Copa da Alemanha



PICHILINGA

Todos os dias, ano após ano, de dia ou de noite, quando passava pela rua do mercado central, ou em outra artéria de sua cidade, já se inquietando de medo, como que o espectro da morte sobrevoando-lhe o pensamento, ouvia, sem querer ouvir, aquela voz metálica, qual ferro em brasa, atingindo-lhe o local mais fundo do ser.

A voz metálica e com uma dose elevada de cadência fúnebre e ritmada, penetrando-lhe o cerne, provocando dores lacerantes, ensejava-lhe verdadeiro torpor, que, como chicotada, feria-o e fazia doer todas as suas entranhas.

A voz fantasmagórica e torturante induzia como um estigma agourento e tétrico, outras vozes a seguir-lhe o intento, transformando a singularidade numa ação coletiva, parecendo um coro ensandecido e lúgubre, fustigando-lhe e quebrando as já sofridas forças, numa pré-loucura já sentida.

A voz dizia, cadencialmente, ao vê-lo passar cambaleante e trêmulo: Pichilinga, Pichilinga, Pichilinga.

Nada o fazia parar. Nem a dor estampada naquele rosto já sofrido e alquebrado.

Quanto menos se mostrava incomodado e mantinha-se em silêncio sem nenhum gesto, mais alto se ouvia a voz da chacota e do desprezo para com a sofrida criatura humana. Já não andava, arrastava-se.

Diante da maldade e da crueldade extraídas das cordas vocais daquilo que poderia tratar-se de um ser humano, as reações que se ouviam dos circunstantes não sinalizavam repúdio ou protestos, mas a aquiescência. Às vezes silenciosas outras tantas com sorrisos e gargalhadas de mofa.

Sempre fora de pequeno porte. Parecia mesmo uma pichilinga. A natureza não tinha sido, para com ele, muito pródiga, daí a ausência de beleza exterior, embora, quanto a isso, fosse resignado. O conformismo adveio-lhe da carinhosa maneira de tratamento da mãe que, com doçura e grandeza de espírito, compensava as carências físicas do filho, a quem devotava um amor incomum. Amor que lhe dava força e, vivendo por entre adversidades de toda ordem, nem assim se queixava ou se irresignava. Lembrava-se, nos piores momentos, reprimindo com coragem suas próprias reações interiores, quando a passividade parecia abandoná-lo, da voz meiga da mãe, que carinhosamente dizia:

“Quando perto estiver de revoltar-se com as injustiças mundanas, lembre-se sempre que, em silencio, muito mais sofreu Jesus.”

Aquele semblante e aquela voz, esta ao contrário da outra, eram o que o mantinha de pé, dando-lhe a resistência para continuar a sua melancólica existência.

Houve um tempo, recorria á memória naquele instante, em que tentara, por insistência da mãe, ter uma vida normal, como os outros jovens da sua idade.

Viúva desde muito tempo, todos os esforços desenvolveu, em casa e fora dos afazeres domésticos, para dar-lhe conforto e tranqüilidade, mesmo com as limitações inerentes a um lar carente. Os ingentes esforços eram sempre obstaculados por preconceitos, os mais diversos e diferentes, que iam da sua pequenez, magreza e feiúra à maneira desengonçada de andar, acrescida da origem humilde e sem tradição. Era um fardo grande e pesado que estoicamente carregava, sem ajuda de ninguém, apenas com pequenas costuras que fazia numa velha e surrada máquina deixada pelo marido falecido, juntamente com uma humilhante pensão, inferior a um salário mínimo.

Diziam que tinha direito a uma importância maior. Debalde procurava os órgãos previdenciários, indicados como aqueles que poderiam resolver o problema, pois a lei lhe dava direito. Matutava, via de regra:

“Lei! Lei corre léguas de gente pobre!”

Sequer davam-lhe resposta aos pedidos feitos. Na porta de sua pequena casa, praticamente um vão, recordava, apareceu um político. Tomou nota de tudo. Prometeu que voltaria com a solução. Fez várias visitas e contava todas as vezes uma bonita história. Mostrava, inclusive, com uns papéis na mão, o que ele chamava de “o andamento do processo.” Falava também numa tal de “máquina burocrática” que tudo ”emperrava”. Além disso, acenava-lhe com um plano de saúde.

Vieram as eleições. Na sua casinha, ainda de chão batido, que o marido a duras penas conseguira erguer, apareceu outra pessoa. Vinha em nome do tal político. Disse que estava pertinho da solução. Ele usou o termo – “estava prestes a sair o resultado.” Mas não chegara o enviado, desta vez, de mãos abanando, trouxera-lhe um papel impresso com nomes e números.

Nunca mais voltaram. Nem o político e nem o seu emissário de triste figura.
“Continuaria sozinha e sem ajuda, carregando a sua cruz”, pensou, ao contemplar, da soleira da porta, numa tarde sombria e quente, que pouca diferença fazia com as anteriores, aquela criatura de ombros caídos para um lado como se o peso das dores da alma se materializasse e se transportasse como um fardo para o seu debilitado corpo.

Mesmo forte, vendo a distância aquele corpo disforme, com os braços quase a tocarem o chão, com a cabeça baixa acompanhando as passadas desconexas, como se nenhum comando tivessem, não pôde conter o soluço e aquela sensação de sufoco. O amor pelo filho, que tinha uma dimensão incalculável, parecia retemperar-lhe as forças e o vigor físico, e repetia sempre, para si mesma, ser ele uma dádiva divina, nascido das suas entranhas.

E sozinha, às vezes, diante de uma pequena imagem de Jesus Cristo, posta em cima de uma tosca mesinha coberta com um roto pano de chita, exclama em oração contemplativa:
“Senhor, Senhor, ele é a razão da minha vida! Poupai-o de tantos sofrimentos. Que eu padeça por ele todas as dores, pois não é justo que, sendo puro e bom, seja tão cruelmente penalizado.”

Era uma oração repetida, dia após dia, sem que, em nenhum momento, a revolta lhe perpassasse pela mente, pois o espírito de religiosidade herdado da mãe dava-lhe sempre consistência e amparo em Deus. Saíra de casa contra a vontade dos pais, que lhe reprovaram, de maneira radical, o casamento. Teve que fugir. Sua mãe, de coração magnânimo, a havia perdoado, antes de falecer. O pai, nunca. A ninguém poderia culpar. Mas sempre pensava que um dia teria tranqüilidade e paz. Nunca teve.

Vendo aquela figura cambaleante vindo em demanda do lar, veio-lhe de inopino, à mente, o tempo da escola. Tinha que tentar. Afinal, ele era filho de Deus.

“Não fez Deus todos os homens à sua imagem e semelhança? Semelhança?”

Seu coração pulsava com força fora do tempo. Depois refletia, e de si para si dizia:

“Afinal, podem maltratar-lhe a carne, mas jamais terão a sua alma. O corpo pode até quedar-se desamparado, mas a alma ficará livre. Domina-se o corpo, não a alma.”

Esta convicção abrandava-a. Servia, por alguns momentos, de bálsamo. Aquele sofrimento iria eternizar-se, pois, ficando o filho, nunca teria repouso. Jamais o deixaria. Esse pensamento a fazia estremecer, sobrevindo-lhe a certeza de que o seu destino não estava em suas mãos. Dele, não podia dispor a seu bel-prazer, principalmente limitar o tempo de vida e, muito menos, prescrever a morte.

Havia instantes em que desejava, ardentemente, a coragem extrema para um fatal desenlace.

“Ambos eliminariam pelo ato extremo, as dores e os sofrimentos que os atormentavam” – pensava alto.

O coração lacerado pela angústia cedia lugar a um momento de tranqüilidade contemplativa, fazendo vir à tona aquela chama ardente de amor que a mantinha de pé e viva. Quando sozinha, pedia sempre perdão pelos pensamentos desatinados que a estavam levando à loucura.

“Não podia ceder às malignas tentações”- dizia, quando mais calma.

E nessas horas, vinham as recordações. A vida não fora sempre assim. Ele próprio, o filho, tivera momentos de alegrias, de entretenimentos, mesmo em um lar modesto. Suas limitações que, no início, não eram tão acentuadas, não impediam que tivesse tido uma existência plena de felicidade e até companheiros de infância que o faziam sonhar com uma vida normal, como as outras.

A convivência o fazia relaxar e mostrar-se ativo e com desenvoltura no relacionamento com os outros, quando se tornou visível, principalmente à mãe, que a tudo observava a demonstração de inteligência, sensibilidade e perspicácia diante de assuntos diversificados que surgiam durante aquela coexistência comum.

As marcas do tempo delimitaram a alegria. As deformações acentuavam-se, e a fazia recordar os lamentos de o personagem de um famoso autor inglês que lera na escola. Ela, pelo visto, foi quem mais se impressionou com o texto. Tinha-o na memória. “Tudo estava escrito” – murmurou, entre dentes.

E o texto, há muito tempo ouvido e lido, começou a surgir diante de si, a ponto de começar a dizê-lo, e quando notou o fazia em voz alta, provocando-lhe surpresa e calafrios:

“Eu que não fui moldado para jogos nem brincadeiras amorosas, nem para cortejar um espelho enamorado, eu que sou privado da harmoniosa proporção, erro de formação, obra da natureza enganadora, disforme, feio, inacabado, e de tal modo imperfeito que os cães ladram quando passo, coxeando, perto deles, já que não tenho outro deleite para passar o tempo estou decidido a ser...” “Não, não, não...” – interrompeu abruptamente.

Agora, tinha plena consciência do porquê de tamanha dedicação, do esforço tão ingente que sempre fizera. Tinha medo do estigma daquele personagem triste, doentio e amargurado nobre. Queria que o filho externasse amor, e não ódio.

Uma tarde foi sobressaltada por negros e arrepiantes pressentimentos. Sempre encarava com indiferença os maus presságios. Regra geral eliminava-os dos seus pensamentos.

Mas, algo mais forte surgia e, por mais esforços que fizesse, as dores físicas e espirituais cresciam de intensidade. Talvez os seus órgãos vitais já ânimos não tinham para continuar suportando.

“E aquela – disse- era a triste hora do regresso tortuoso para casa.”
Sonhara sendo coberta por nuvens negras que a faziam penetrar numa lúgubre e funesta floresta, com caminhos fantasmagóricos que a levavam ao encontro de horripilantes criaturas.

Algo acontecera. Tinha, e ia resistir.

Sem desvios, arrastava-se, sendo chicoteado com palavras que lhe doíam até à alma. Os espinhos que eram jogados no interior do seu ser pareciam tomar uma dimensão acima de suas forças.

O dono da voz terrificante o acompanhou repetindo a maldita palavra. Cambaleando e curvado, sentou-se no meio-fio. Nem assim a voz cessou. Pelo contrário, inclinando todo o corpo começou a repetir quase ao ouvido, enfatizando cada sílaba: pi-chi-lin-ga! Pi-chi-lin-ga! Pi-chi-lin-ga!

Num esforço sobre-humano, o pobre homem ergueu um pedaço de faca enferrujado que divisara ao sentar-se, cortando com um profundo golpe a jugular do seu algoz.
Olhando um pouco para cima, disse de maneira quase inaudível:

“Perdoe-me, eu não tive força, como Ele, para resistir.”

Dito isso, sem baixar a vista, começou a chorar.

Sua mãe, minutos antes, tivera um enfarte fulminante.

Elder Heronildes

por Alma do Beco | 5:00 AM | | Ou aqui: 0




quarta-feira, junho 28, 2006

ABILOLADO

Marcus Ottoni


“Essa obsessão de falar do passado é medo do presente. Ele tem medo de discutir a corrupção, o desgoverno, a ineficiência, a falta de equipe e a falta de projeto.”
Geraldo Alckmin

Franklin Serrão
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PROPOSTA

Quero acreditar na co-existência
Na possibilidade de poder viver
Deixar viver
Morrer por motivos naturais
Quero acreditar na co-existência
Não por amor, não por sentimento
Simplesmente por saber
Que não haverá amor que una
Dois opostos
Só a pura, fina, verdadeira consciência,
De reconhecer a impossibilidade
De encontrar outra solução

Deborah Milgram



Onézimo Maia

Onézimo Maia foi um grande poeta mossoroense, mesmo não sabendo ler e nem escrever. Faleceu em 26/02/2001.

Eis a prova:

Quando da entrega de uma viola pelo Governador a Chico Traíra, em Assu:

Canto pra Tarcísio Maia
Porque sou Maia também;
Eu sou Maia e vivo mal;
Ele é Maia e vive bem;
Ele tem o que não tenho
Eu tenho o que ele não tem.

Disse Ivanildo Vila Nova:
Você é bom repentista
mas falta material.

Onézimo:
Você canta Portugal,
Canta França, canta Hungria
Mas se eu tirar a tampa
Do baú da putaria
Nunca mais ninguém dá fé
da sua sabedoria.

No Sítio Pica Pau, o poeta Aldaci França, encerrando uma sextilha, disse:
A alma feliz coloca
um ponto final no pranto.

Onézimo:
Fico feliz quando canto
Meus versos de improviso;
Os dedos chutando as cordas,
Os lábio com ar de riso;
Sopra o vento de repente
Raspando o chão do juízo.

O poeta e advogado José Luiz provocou:
Veja que sou bacharel
e você o abilolado.

Onézimo:
Já vi whisky importado
Ter perdido pra Pitú
Saiba que um bacharel
Precisa de um papangu
Porque Monteiro Lobato
Cresceu com Jeca Tatu.

Em Jucurutu, numa festa do PMDB, Onézimo saudava a todos que lhe pagavam. O ex-Ministro Aluizio Alves, de saudosa memória, colocou uma nota de cinquenta reais em seu bolso.
Onézimo aproveitou para soltar a brincadeira:

Doutor Aluizio Alves
Agora compareceu
Botou a mão no meu bolso
Vou ver quanto ele deu,
Do jeito que ele é vivo
Pode ter levado o meu.

Uma vez apareceu um sapo no ambiente da cantoria, Onézimo não esperou:

O sapo tem muitas coisas
Mas nenhuma vale nada:
Tem couro e não dá baínha
Tem tripa e não dá buchada,
Tem sangue e não dá chouriço
Tem leite e não dá coalhada.

Onézimo foi convidado para cantar em um aniversário de uma criança e foi pessimamente recebido pelo dono da casa. Ao sair, não contou conversa:

Quando eu voltar aqui
Seu menino tem crescido
Sua filha tem casado
Já tem deixado o marido
Sua mulher tá com outro,
O senhor já tem morrido.

É só uma pequena lembrança do grande poeta mossoroense.

Elder Heronildes



Carta de Amor para Quem Partiu....

Aaaaaah.... se eu vivesse para chegar aos sessenta, setenta ou quem sabe aos oitenta, viveria cada segundo para você, assim como o tenho feito nos últimos anos. Se eu pudesse tomar tuas mãos nas minhas novamente, e gentilmente protegê-la ....., seria meu maior prazer. Se você me privilegiasse com sua companhia na história da minha vida, nos anos que mais à frente me esperam, envelhecer seria meu maior deleite.

Aaaaaahh.... se o destino assim permitir, tudo terá mais sentido. A chuva e sol, o amanhecer e o anoitecer, o compartilhar de um bom livro nas noites, o caminhar descalço na areia molhada da praia, ombro a ombro, sentindo sua pele roçar na minha, olhar para você sempre que estiver distraída, respirar fundo, e, sob o silêncio da brisa que afaga teus cabelos, agradecer por tê-la na minha vida.

Estou triste! Vivo absorto nas lembranças que você deixou nas fotos, e no vazio que abarrota meu coração. E enquanto o tempo passa sem você ao meu lado, tento gerenciar o tormento que ora domina meu consciente e meu inconsciente.

Aaaaaahhhh.....se tudo voltasse ao normal, e tua voz suspirasse novamente “eu te amo” aos meus ouvidos, e tuas sempre delicadas mãos tomassem as minhas e, ainda que bem menores, me protegessem da solidão, todos os meus medos se esvairiam.

Se eu chegar aos sessenta, setenta ou oitenta sem você ao meu lado, minha biografia haverá incompleta. Muito eu desejaria poder depositar os créditos dos bons momentos que tivemos juntos, sufocando os de infelicidade que tão raros foram.

As mãos, a praia, a areia, a brisa, tua pele e teu rosto maravilhosamente lindo, ficará congelado no tempo da minha memória. A cada segundo sem você, envelheço cronologicamente e me aproximo, do que, agora, mais me assusta — a velhice.

Te amo.

Charles Phelan

por Alma do Beco | 5:00 AM | | Ou aqui: 0




segunda-feira, junho 26, 2006

GATO POR LEBRE

Marcus Ottoni


“Nunca vendemos esperanças para entregar ilusões.”
José Serra

Yahoo


PAROLES

As palavras
Me corróem
Me ajudam sobreviver
Me proíbem esquecer
Tocam no meu ser

As palavras
Me perseguem
Me exigem falar
Me fazem calar
Evaporam no meu ser

As palavras
Me alucinam
Me prometem mentiras
Me mentem verdades
Penetram no meu ser

As palavras
Me rodeiam
Me divertem
Me acariciam
Me iludem
Me inspiram
Me fertilizam
Dormem no meu ser

Deborah Milgram



QUE BONITO É!

Nesta Terça-feira, dia 26, logo após o Jogo BRASIL x GANA, a cantora Elis Rosa e sua Banda sobem ao palco do Seaway Shopping para apresentar o show 'A MPB e o futebol'.

Saudações Futebolísticas

Zé Dias




Agora é Gana

Agora é gana. É partir para cima e fazer gol. Ou a volta é certa.

Robinho machucado, melhor guardá-lo para horas mais necessárias. É o nosso curinga.

Ronaldão reabilitado, com confiança em si e no time, deve levar adiante vitórias que deverão fazer o Brasil chegar à esperada final.

A vez dos gols de Ronaldinho Gaúcho vai chegar. E pode ser diante desta destemida Gana africana, que virá para as honras que vierem, ganhe ou perca.

Contra Gana, o jogo é muito para ele, como para Kaká e Juninho Pernambucano.

Falam do jogo violento dos últimos africanos na Copa. Mais violentos que os holandeses, com certeza, não chegarão a ser.

O time da Holanda foi para casa, mas deixou para trás um Portugal arrasado, destruído por pancadarias e cartões amarelos e vermelhos que deixarão lacunas intransponíveis para sonhos maiores de Felipão e os lusos patrícios. A Holanda perdeu, mas deixou a terra arrasada para novo plantio. Facilitou o serviço da rival Inglaterra e mostrou deselegância esportiva. Coisa feia, mesmo, a partir do momento que Portugal resolveu devolver porradas.

Argentina X Alemanha vai ser o jogo dos artilheiros. Alemanha com um futebol regular e crescente, Argentina com a bravura de sempre, mas futebol nem tão regular e, portanto, imprevisível, também como sempre. Deve partir para cima, para tentar decidir o jogo nos 30 primeiros minutos. Se não conseguir, vai ser difícil agüentar a superioridade física do time alemão e sua maior paciência em preparar as jogadas de gol, especialmente as vindas de atacantes que jogam de costas para o gol, preparando os arremates para quem está de frente, fora da área. Mas deve dar Argentina.

Pelo futebol apresentado, Espanha deve passar pela França e, se a zebra africana não nos surpreender, teremos um clássico Brasil X Espanha que não temos há muitas Copas. Seria um grande jogo para uma Copa que pode ter uma final mais inusitada e eletrizante ainda, com Brasil X Argentina, se esta segurar a provável Inglaterra das semi-finais.

Aí, ‘agüenta, coração!’, como diz o pavão da Globo.

Se a Copa é uma grande festa de confraternização dos povos, deve ser encarada assim especialmente ‘dentro das quatro linhas’.

Uma final de Brasil X Argentina, se pintar, pode ser um jogo tão ou mais tumultuado e violento como foi Portugal X Holanda.

Que, então, a Fifa escolha um juiz mais do que excelente para essa final que se prenuncia. E que este já venha com os cartõezinhos amarelos preparados, porque senão o descontrole pode ser lastimável para a prática do já secular ‘esporte bretão’, hoje senhor de todos os continentes.

Neuza Margarida Nunes, enviada do Alma à Copa da Alemanha




Professor Napoleão – X

- O movimento das diretas foi contra a ditadura militar, não foi professor Napoleão? Perguntou mais uma vez Marcus Frederico, demonstrando conhecimento do assunto.

- Com certeza. A ditadura estava a sufocar o povo há duas décadas, e a reação se fazia nos mais diferentes segmentos sociais. Entre os intelectuais, entre os estudantes, a classe média, todos estavam firmes por eleições diretas, o povo queria o fim do absurdo da ausência democrática em nosso país. Como o Brasil, vários países da América do Sul viviam sob ditaduras militares. E a União Soviética, desde a implantação do comunismo, também não dava ao povo o direito de escolher os seus principais governantes. Mantinha a opinião pública sob controle, prendendo quem quer que fosse contra o seu sistema. Stálin, um dos primeiros governantes soviéticos, autorizou a matança de milhares de opositores, e a KGB, espécie de polícia política do regime comunista, infernizava a vida da população, mantendo todos sob suspeita. Um inferno. O povo se rebelou num momento de dificuldade econômica. Começou a demonstrar insatisfação, até que o comunismo cedeu ao sistema capitalista do ocidente. Mas os países que se formaram pós queda do comunismo na União das Repúblicas Socialistas Soviética ainda estão muito longe da democracia. Abriram para o capitalismo, mas a democracia mesmo, ainda está longe de ser praticada.

- O senhor acha que os ideais socilistas morreram, professor? Voltou a perguntar Marcus Frederico.

Professor Napoleão achou curioso aquelas perguntas políticas formuladas por um aluno tão jovem, e respondeu com uma pergunta.

- Meu caro aluno, você me parece bem diferente dos demais. Essa sua preocupação com temas políticos me incentiva, pois, afinal, é através dela, da política, que se muda o mundo. Você é filho de político ou de algum professor de Ciência Política?

Marcus respondeu que não. Não era filho nem de político nem de professor de Ciência Política, mas que seus pais eram admiradores de um prefeito de Natal que morrera no exílio, quando da época da ditadura, e aquilo muito marcara as suas vidas, tendo ele se aprofundado em pesquisas para melhor conhecer as atividades do prefeito. Dessas pesquisas, surgira o gosto pelo tema e o socialismo sempre lhe parecera o caminho natural da humanidade, disse.

Professor Napoleão respondeu dizendo que até gostaria de discutir o assunto, mas como o tempo da aula estava praticamente esgotado, convidou Marcus a sala dos professores, dizendo querer conversar com ele.

© Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 8:37 AM | | Ou aqui: 0




domingo, junho 25, 2006

RUA SARMENTO

Marcus Ottoni


“Hoje estou aqui para dizer que decidi, humildemente, submeter meu nome e meu governo ao julgamento dos meus irmãos brasileiros.”
Lula

“Vai ser muito duro enfrentar a estrutura do poder político e econômico. Eu me orgulho de não ter me vendido nem me acovardado. Onde estiver vou poder olhar de cabeça erguida, porque a minha infância pobre eu soube honrar.”
Heloísa Helena

Marcelus Bob
Marcelus Bob

Necessária ilusão

Não sei se sou feliz
Ou se busco, ainda, sentir emoções
Depois que nada mais tenho.

Sigo, me alimentando
Nas velhas, e nas novas amizades
Omitindo o meu real viver.

Nesse teatro que é a vida
Transformo-me em ator,
E me iludindo vou sobrevivendo...
Até quando?

Carlos Barba dos Santos



Marcolino Pereira Diniz e Xanduzinha:
Imortalizados através da arte de Luiz “Lua” Gonzaga


Discórdias político-econômicas, as quais atingiram frontalmente a estrutura de poder que embasava o mandonismo local na República Velha, envolvendo João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e o “Coronel” José Pereira Lima, o qual foi considerado por Rui Facó o maior chefe político do interior do Nordeste, resultaram em um dos maiores embates armados do Brasil Republicano que figura na História como a Guerra de Princesa.

A contenda envolvendo o governo do estado da Paraíba e os principais expoentes do mandonismo local, nesse estado, teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando da invasão da então vila do Teixeira (PB), com o aprisionamento da família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao clã Pereira Lima de Princesa (PB).

Imortalizados através da genialidade ímpar de Luiz Gonzaga no baião “Xanduzinha”, gravado no ano de 1950, com letra do iguatuense Humberto Teixeira, Marcolino Pereira Diniz e Alexandrina Diniz foram remanescentes da campanha de Princesa. Marcolino se destacou como importante lugar-tenente do “Coronel” José Pereira Lima, a quem era ligado por laços de parentescos, sendo cunhado e sobrinho do mesmo.

Os dois protagonizaram uma romântica história de amor na área de exceção do sertão de Princesa. Marcolino disputou-a com fidalguia e serenidade com outro pretendente ao casamento, o médico Severiano Diniz, discípulo de Hipócrates que cuidou, junto com o Dr. José Cordeiro, do grave ferimento recebido por Lampião no célebre tiroteio contra a volante comandada pelo Major Teófanes Ferraz Torres, no qual o chefe bandoleiro teve o tornozelo profundamente afetado por disparo de arma de fogo.

Marcolino fôra incumbido pelo primo Severiano Diniz de entregar a Xanduzinha uma missiva expressando amor eterno em cada linha, não chegando à destinatária com a mesma intacta, pois a rasgou e mostrou-lhe os pedaços, aproveitando para pedir-lhe em casamento. Xandu, incontinenti, aceitou-o como esposo na hora. Nessa disputa romântica houve divisão na família Pereira Diniz, pois uma parcela ficou a favor de Marcolino e outra favorável ao Dr. Severiano Diniz.

Xanduzinha era filha do “Major” Floro Florentino Diniz, poderoso proprietário rural em Princesa e adjacências, dono da fazenda da Pedra, localizada na fronteira com Triunfo (PE), onde em 1922 o primeiro bando de Lampião, após este assumir a chefia do grupo das mãos do comandante Sinhô Pereira, foi flagrado em fotografia tirada por Genésio Gonçalves de Lima. No embate romântico, o “Major” Floro posicionou-se favoravelmente ao Dr. Severiano. A genitora da heroína de Princesa atendia pelo nome de Leonor Douesdtt Diniz, tendo se decidido em apoiar Marcolino na disputa pelo amor de Xandu.

As oligarquias Pereira Lima e Pereira Diniz enriqueceram principalmente com o cultivo e a comercialização do algodão, exportado para Europa e EUA, via Rio Branco (hoje Arcoverde, estado de Pernambuco), por ramal ferroviário, através do porto de Recife (PE), pela família Pessoa de Queiroz, ricos comerciantes com origens paraibanas.

Patos de Irerê, localizada no sopé da serra do Pau Ferrado, a 18 quilômetros de Princesa, era o reduto de Marcolino Pereira Diniz, onde ele cuidava dos seus bois zebus na fazenda saco dos caçulas, descansando após as labutas sertanejas em sua casa com varanda dando para o norte e para o sul.

Marcolino era filho do “Coronel” Marçal Florentino Diniz, poderoso e influente agro-pecuarista, dono da famosa fazenda Abóboras, localizada entre Serra Talhada (PE) e Triunfo (PE), a qual depois seria permutada com o “Coronel” José Pereira Lima, de quem era sogro e cunhado. A mãe do caboclo Marcolino, irmã do “Coronel” José Pereira, chamava-se Maria Augusta Pereira Diniz, filha do “Coronel” Marcolino Pereira Lima, natural de São João do Rio do Peixe (PB). O patriarca migrou dessa localidade paraibana em meados da segunda metade do século XIX e formou em Princesa um dos mais importantes blocos políticos que desfrutou a hegemonia política na Paraíba, principalmente após a consolidação do poder por seu filho José Pereira, quando do apoio a Epitácio Pessoa na disputa pelo senado na campanha de 1915, contra o monsenhor Walfredo Leal.

A ênfase à homenagem a Marcolino e Xanduzinha posteriormente por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira foi referendada quando das refregas da campanha de Princesa, visto que a fim de viabilizar a mobilidade tática das tropas legalistas do governo paraibano que se empenhavam em desbaratar a todo custo a experiência desencadeada em princesa, a qual com o apoio do Catete firmou Território Livre com absoluta autonomia, fragmentando-se durante meses do restante do estado da Paraíba, o Coronel Elísio Sobreira, comandante das forças militares a serviço do presidente João Pessoa, bem como Severino Procópio, delegado-geral do estado, além do Dr. José Américo de Almeida, Secretário de Interior e Justiça, dividiram o efetivo policial, composto se cerca de 890 homens, entre soldados e oficiais, em colunas volantes. O exército particular do “Coronel” José Pereira era estimado em mais de 1.800 combatentes, diversos desses egressos das hostes do cangaço e também da própria polícia militar paraibana, em razão de que muitos militares haviam sido incorporados à corporação pelo próprio “Coronel” José Pereira.

Assim, a Coluna Oeste, organizada pelo Tenente Ascendino Feitosa, responsável pelos trucidamentos do advogado João Dantas e do seu cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, o primeiro assassino do presidente João Pessoa, fragmentou-se e partiu do povoado de Olho D’Água, pertencente na época ao município de Piancó (PB), onde estava aquartelado o comando geral de operações da Polícia Militar paraibana, dirigindo-se à Princesa, transitando pelos povoados de Alagoa Nova (hoje Manaíra, estado da Paraíba), São José e Patos de Irerê. Os comandos desta parcela da Coluna Oeste estavam incumbidos ao Tenente Raimundo Nonato e ao Sargento Clementino Furtado, o “Tamanduá Vermelho” das galhofas dos cangaceiros, cuja presença em Mossoró (RN) foi assinalada em 1927 após o frustrado ataque de Lampião a esta cidade potiguar.

Em Patos de Irerê, mais precisamente no dia 22 de março de 1930, aproveitando a ausência masculina, pois todos os homens estavam no front, os comandantes aprisionaram todas as mulheres que ali se encontravam, incluindo entre estas várias esposas dos combatentes de Princesa, havendo destaque a Xanduzinha.

O grupo comandado por Marcolino interceptou soldado de nome Zeferino, o qual transportava mensagem do Sargento Quelé a Severino Procópio. O delegado-geral do estado se encontrava na ocasião em Piancó, inspecionando atividades militares.

A mensagem transportada pelo soldado informava sobre o intento dos comandantes em marchar sobre Princesa com as reféns formando cordão de isolamento, espécie de escudo humano que objetivava garantir a segurança dos militares. Pensavam que, agindo assim, nenhum defensor de Princesa ousaria atirar nos combatentes do governo paraibano.

O efetivo dessa parcela da Coluna Oeste estacionada em Patos de Irerê era composta de cerca de sessenta homens. Não havia quase nenhuma diferença entre imaginários e ações cangaceiras e volantes, motivos pelos quais os soldados, com raras exceções, se portaram de forma vândala e arrogante durante a ocupação de Patos de Irerê.

Notificado com urgência acerca dos acontecimentos gravíssimos verificados na localidade, o “Coronel” José Pereira autorizou a composição de um grupo de resgate, comandado por Marcolino Pereira Diniz, intuindo libertar as prisioneiras. Na maioria eram os esposos das mulheres seqüestradas. As prisioneiras, quando da invasão da localidade, estavam se preparando para se dirigir a Triunfo (PE), a fim de buscar lugares seguros para se homiziarem.

O violento combate teve início no dia 24 de março de 1930, prolongando-se das oito horas da manhã até as dezesseis horas do mesmo dia. As forças paraibanas perderam mais da metade do efetivo, enquanto do lado oposto houve apenas uma baixa, um senhor de nome Sinhô Salviano desprezou as ordens e, inopinadamente, ficou sob a mira dos soldados atônitos com a intensidade da contra-ofensiva.

Os soldados paraibanos resistiram galhardamente, mesmo em desvantagem numérica, embora inexpressiva, embora se levando em conta o armamento obsoleto, em vista que lutavam com armas geralmente fabricadas em 1912, enquanto os princesenses brigavam com equipamento e munição novos, conseguidos através de um verdadeiro esquema de fornecimento, no qual havia desde a participação de Júlio Prestes ao Catete, passando ainda pela família Pessoa de Queiroz.

Houve gestos louváveis entre as partes envolvidas na luta, com ênfase às ações humanitárias de um soldado de nome Quintino, o qual se compadeceu com o choro persistente de fome de uma criança, filho de Sinhô Salviano, um dos mais aguerrido e corajoso lugar-tenente do “Coronel” José Pereira. O militar, mesmo no mais intenso tiroteio, passou a colocar pequenas quantidades de leite e açúcar em caixas de fósforos à porta da família sitiada.

Por parte das mulheres que foram feitas reféns também houve gestos de perdão e amor ao próximo. Xanduzinha empenhou sua palavra ao Sargento Quelé após a derrota fragorosa da parcela da Coluna Oeste, embora não tenha aceitado. Contudo, aceitou-a para os soldados feridos. O restante dos militares que escapou com vida embrenhou-se em território pernambucano.

Antes da campanha de Princesa, e, principalmente, do ataque da Coluna Oeste a Patos de Irerê, Marcolino tinha os seus bois zebus, sua casa com varanda dando para o norte e paro o sul, seu paiol cheiinho de feijão e de andu, sem contar com mais uns cobres lá no fundo do baú. Seus estudos secundários foram realizados no conceituado Mackenzie, na capital paulista, cursando ainda até o terceiro ano da Faculdade de odontologia no Recife.

Homem rico, Marcolino era grande proprietário rural. Suas fazendas eram o Saco dos Caçulas e a famosa Manga, onde diversas vezes Lampião, com quem Marcolino firmou polêmica amizade, descansava dos combates. Quando Marcolino ficou prisioneiro em Triunfo (PB), após seu guarda-costa conhecido por Tocha assassinar em 30 de dezembro de 1923 o magistrado local, de nome Dr. Ulisses Wanderley, o “Coronel” Marçal Florentino Diniz recorreu aos préstimos do cangaceiro a fim de libertar o filho.

A fortuna do caboclo Marcolino ficou seriamente comprometida. O combate, mas, principalmente, a ira dos soldados, destruiu tudo. Canaviais, engenhos de rapadura, moendas, a casa, alvo das bombas “liberais”, nada escapou, só restando ao orgulho agro-pecuarista os cheiros de Xandu, por quem se arriscou para libertar, reeditando em pleno sertão da Paraíba a saga de Menelau no ensejo da guerra de Tróia.

Xanduzinha saiu ilesa do combate, bem como as esposas dos mais importantes cabos-de-guerra a serviço do “Coronel” José Pereira durante os turbulentos meses que assinalaram a aguerrida guerra civil paraibana.

A morena mais bela do sertão de Princesa manteve-se impávida ao lado do esposo durante a luta, e, após o término da mesma, recrudesceu a firmeza e a determinação a fim de reconstruir o que havia sido destruído durante as contendas, confirmando o que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira imortalizaram: “Ai Xanduzinha, Xanduzinha minha flor/ como foi que você deixou tanta riqueza pelo meu amor/ ai Xanduzinha, Xanduzinha meu xodó/ eu sou pobre mas você sabe que o meu amor vale mais que ouro em pó”.

José Romero Araújo Cardoso




Rua Sarmento, esquina da Rua Nova, 27 de novembro de 1845
Ficção

Na botica da Rua do Commercio, José Gervásio manipulava medicamentos, quando sua mulher anunciou:

- Gervásio, Sarmento está aí, querendo falar com você.

Gervásio livrou-se rapidamente de seu avental, tomou a bengala e a cartola e acorreu ao social de seu estabelecimento.

Sarmento, sempre cercado de puxa-sacos pouco competentes, era o presidente da Província e homem estimado. Poderia até dizer que o Cantão da Botica fervilhava àquela hora, como sempre fervilhava a partir das quatro da tarde, quando muitos se misturavam na conversa de todos os dias.

Muito ainda se falava na posse de Pedro II, o imperador menino, estória que os moleques não cansavam de escutar. Os assuntos eram poucos e as novidades chegavam das ribeirinhas, do cais do padre ou do cais da Ribeira, barcaças a entrar barra a dentro com o produto importado de todo o comércio.

- Gervásio, estou pensando em desmatar pra lá da rua Nova. Os rapazes e moças estão crescidos e é por lá que eles estão querendo construir suas casas. Alguns já estão casando...

Sarmento gostava das opiniões de Gervásio e, por isso, veio ao amigo para formar decisão. Gervásio fez a observação de que a Ribeira estava começando a ficar movimentada em torno do cais e concordou no desmatamento “para transformar o Alto em verdadeira cidade alta”.

- Eu presenciei essa estória e por isso eu a conto. Dizia o negro Zacarias, agarrado ao cabo do facão, a abater uma pobre maçarandubeira.

O negro Zacarias dizia ser adivinhador de futuro, mas ninguém ligava para ele.

Vez por outra, quando o coronel Odilon, irmão de Gervásio, chegava do Lloyd para a conversa de todo dia, o negro Zacarias dizia:

- Esse coronel ainda vai fazer um bem danado para à minha raça. Eu mesmo serei um que ele libertará.

E ninguém dava asas às conversas do negro Zacarias.

E Zacarias estava ali, por ordem de Gervásio, ajudando outros homens, a maioria negros, escravos de moradores da redondeza, no pesado do desmatamento.

- Isso aqui, muito depois da morte do imperador, vai ser o impulsionador de Natal para se tornar grande cidade.

E dizia que o imperador não terminaria seus dias no Brasil e que, antes de sua volta para Portugal, os escravos seriam libertados.

Eu conto essa estória porque o negro Zacarias morreu, tive notícia ainda agorinha, vítima de uma picada de cobra coral, enquanto limpava um lugar debaixo do cajueiro grande, para descansar. Gervásio não conseguiu salvar o negro!

Zacarias dizia que o coronel Odilon seria um grande defensor da libertação dos escravos e que, depois da ida do imperador para Portugal, o Brasil teria um governo diferente, com um imperador escolhido pelo povo.

Mas Zacarias era um negro doido e ninguém dá bola para um negro doido!

E Zacarias dizia que a rua não duraria muito com o nome de Sarmento, o homem que mandou abrir o mato. Quem vai querer vir morar aqui? Eu mesmo, quando casar, vou montar minha casa na Ribeira.

E, não sei porque, ele passou bem uma hora resmungando: Inhomerim! Inhomerim! Eu sei lá o que significa isso! E depois dizia: Pedro Soares! Pedro Soares! E virava para mim e dizia que iam mudar Pedro Soares para “as bandas do morro”.

Eu, que não sei quem é Pedro Soares, não o imagino fazendo o quê, pelas bandas lá do morro. Ele quer ser devorado por algum Potiguar ainda renitente, diabos?

O negro contava a estória de um presidente que seria assassinado, gerando muita comoção. Um presidente da Paraíba, mas que teria repercussão ali, na rua Sarmento que ele ajudava a abrir.

E dizia que nada seria mais importante que o lugar onde derrubava o cajueiro grande.

Dizia que ali seria um ponto, um grande ponto, onde um português montaria um café, na frente do qual um instrumento estranho emitiria notícias de uma guerra espalhada pelo mundo, razão pela qual metade da população da cidade falava um idioma que ele dizia não entender.

Ele dizia que via carroças imensas rodando por ali, e sem ninguém no chicote, porque nessas carroças não existiam jegues ou bois.

Dizia que dali partiria para uma grande luta um administrador da cidade, que iria cuidar de fazer com que os meninos aprendessem a ler, mas que seria muito injustiçado, morrendo muito longe do seu chão. Que esse administrador seria finalmente reconhecido e que voltaria a vagar por aqui, pela eternidade, de pés no chão.

Zacarias dizia que por ali passariam grandes homens e que ali seria o centro de todos os grandes acontecimentos da cidade.

Mas Zacarias é só um negro doido e eu ainda tenho que ir ao baldo, tomar um banho e carregar no lombo do jumento uns potes para que minha mãe Joana tenha água para levar a casa.

Que negro mais doido, esse Zacarias! Foi morrer logo agora, que o presidente Sarmento vem para a inauguração da rua que destocamos, depois de cinco semanas de trabalho.

Como, agora, o coronel Odilon vai libertá-lo, se está morto?

Newton Machado Wanderley



Professor Napoleão - IX

A 7ª D era o terror da escola, onde estudavam os mais indisciplinados, segundo o corpo de professores. O mestre parecia desconhecer aquele detalhe. Enfrentou a classe como se de nada soubesse. Entrou, deu bom dia, se apresentou como fazia em todas as turmas, não se esquecendo de lembrar a História com H maiúsculo.

- Qual o último assunto dado pelo professor Amenófis, pessoal? Perguntou.

Doris, a mais bagunceira das meninas, garota inteligente, super perspicaz, tomou a palavra diante de algumas vozes que se manifestavam e não deixou por menos:

- Professor Napoleão, todos nós já ouvimos falar de suas aulas. Todos estão adorando. O bom seria o senhor falar sobre o que o senhor achasse mais interessante, pois o que o professor Amenófis nos ensina aqui não tem o menor interesse.

Napoleão parece não gostou do que a sapeca havia dito:

- O professor Amenófis é um dos melhores professores de História que se conhece nesta cidade. A diferença é que estou aqui de passagem, sem obrigações com a seqüência do conteúdo que deve ser ministrado, preenchendo o espaço com assuntos sugeridos por vocês. Assim, é claro, a aula se torna mais interessante, pois nada do que aqui conversamos será cobrado em avaliação. Uma conversa, simplesmente, mas dentro do que se supõe seja História. O professor Amenófis leva muita desvantagem diante disso. Ele é o titular da disciplina e deve seguir o roteiro que lhe foi confiado.

Marcus Frederico era um aluno desses que adoram ler. O que lhe chegava às mãos devorava, mas estava longe de ser o primeiro da turma. Lia sobre o que lhe interessava. Matéria de escola, não dava tanta importância. Foi ele quem sugeriu o tema da aula.

- Professor, a que o senhor atribui o fim do comunismo no mundo?

Para um garoto de treze anos, aquela pergunta parecia até bem fora de faixa, já que nessa idade os garotos dão pouca importância a assuntos políticos. Napoleão logo percebeu que não era a toa a fama daquela turma. Vá ver estão mais politizados que os demais, daí a irreverência, pensou. Perguntou o nome do garoto que lhe fizera a pergunta e respondeu, com convicção.

- Como historiador, ainda não convém analisar esse episódio. Ele é muito recente, e a História é muito cautelosa com fatos recentes. Corre-se o risco de interpretações apressadas, errôneas, daí os historiadores preferirem levar 20, 30 anos para uma versão final sobre um acontecimento.

- Mas professor, nós não queremos que o senhor seja tão rígido assim. Queremos só uma opinião. Não precisa ser uma versão histórica, definitiva, uma opinião sua e isso nos basta.

- A minha opinião eu posso até externar, mas só se vocês prometerem que, ao comentar o assunto, vão lembrar de que se trata apenas de uma opinião. Não do professor, mas do cidadão Napoleão.

- Como historiador, não devo ainda nada dizer.

Todos pareceram compreender a argumentação do mestre, derretido em cuidados no trato de assuntos de sua especialidade. Daí ele começou, surpreendendo a todos:

- Eu acredito que todo aquele momento vivido pelo Brasil em busca de eleições diretas para presidente repercutiu na alma dos povos. O sentimento do povo nas ruas, a busca pela democracia, a ânsia do povo brasileiro por liberdade, foi algo acompanhado no mundo inteiro, e o Brasil sempre foi um país simpático a todas as nações. Daí a repercussão do movimento democrático no mundo.

© Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 8:24 AM | | Ou aqui: 0




quinta-feira, junho 22, 2006

MISTÉRIO DA NOITE

Marcus Ottoni


“Olhe o Fred no jogo contra a Austrália. Ele entrou, deu um toque na bola e marcou. Assim, talvez o Ronaldo precise de um pouco de sorte também.”
Pelé

Júlio César Pimenta


Mistério da noite

Não é fácil o dia dela. É quem abre as portas e quase sempre é a última a sair do bar de Nazaré.

Pelas 9:00h da manhã, chega e já vai direto à vassoura de piaçaba. Trabalho pouco, pois que, de véspera, já deixou quase tudo limpo e arrumado. Apenas retoques finais de vestígios deixados pelos últimos fregueses da noite anterior. Um guardanapo jogado debaixo de uma mesa, uma ponta de cigarro apagada na sola do sapato do mal-educado.

Coloca mesas e cadeiras de plástico para fora, na calçada, e vai para a cozinha preparar o feijão já devidamente catado na tarde anterior e deixado de molho, na água, para amolecer.

Prepara o tempero do feijão e o põe no fogo, já temperado. Depois, águas para ferver, para o arroz e macarrão de todo dia. Retira as carnes do frízer e aí começam a chegar os clientes de ponto, para uma chamada ou duas, de cachaça.

Lá pelas 11:00h é que começam a aparecer os chegados à cerveja e os diaristas do almoço. Peixe, carneiro, porco, carne-de-sol, costela. É o cardápio de todo dia, só diferenciado no sábado, dia de fava e de expediente menor.

Morando na Zona Norte, logo Nazaré apercebeu-se de que ninguém ia importar-se com suas dificuldades de transporte, esticando saideiras noite adentro, fazendo-a correr riscos de sujeitar-se a corujões nem sempre vindos.

Até que determinou horário para fechamento: 22:00h.

A turma não deixou por menos. Logo batizou o estabelecimento de “Fecha às 10”.

Nazaré, mais preocupada com seus próprios problemas do que com as queixas dos recalcitrantes, nem era com ela. E manteve o seu horário de funcionamento, reduzido, aos sábados, para as 5:00h da tarde.

Só na terça-feira, o horário muda. Por conta de um Dia da Poesia caído numa terça-feira de Lua Cheia e muita comemoração pelas adjacências do Beco, a turma preparou uma performance poética com show final de Cida Airam para as calçadas de Nazaré e a festa não deu certo: era noite de reunião da Maçonaria, no andar de cima, e os bodes ficaram impossibilitados de qualquer discussão sobre assuntos em pauta, dada a algazarra que faziam os poetas lá embaixo.

- Dona Maria!

Nazaré já sabia. Era o “chefe deles” querendo pôr fim à festa dos poetas.

Confusão armada, ameaça de não renovar o contrato de locação do imóvel, que a eles pertence, Nazaré fica doida, sem saber o que será da vida sem os seus de todo dia.

Nada que um bom discurso, ampliado para que o mundo, inclusive o lá de cima, ouvisse e não resolvesse.

- Intolerância!

Aquilo era um ato de intolerância e tolerância é palavra-chave para todo bom maçon.

- Tá bom. Cida canta, se encerra a festa e a pendenga está resolvida.

No outro dia, a sentença: às terças, a partir das 19:00h, quando começam a chegar os maçons para a reunião semanal, bar fechadinho da silva para a tranqüilidade de todos: fuzuê etílico mantido, mas trégua às terças, após as 19:00h.

A conversa, porém, não é sobre Nazaré ou Dona Maria, para o vizinhos, mas sobre Tásia, a personagem protagonista principal desta crônica.

É que, apesar da labuta, do fogão e temperaturas quentes do ambiente, o suor a escorrer-lhe pelo corpo por muitos desejado, seios fartos e quase sempre soltos, sobre malha a torneá-los, Tásia não descuida da vaidade e procura manter-se em forma para mostrar-se aos admiradores.

O ruim da história é quando chega a hora de lavar o banheiro e tomar o banho. Ruim para os que estão nas mesas, pois, para ela, essa é a hora sagrada e sua, só sua, dane-se Nazaré, seu Milton, o cliente mais estribado, a moça donzela a trancar-se em cólicas urinárias.

Segurem todos suas necessidades, porque, no mínimo, serão 80 minutos de porta fechada. Sem ter para ninguém.

A hora preferencial é a de começo de movimentação de final de tarde, clientela chegando, mas muitos já ali, mesas cheias de cerveja e bexigas também, apertadas, à espera do surgimento da divina no salão, cheirosa como nenhuma outra, a mais cheirosa entre qualquer dondoca vinda do mais caro dos caros salões de beleza espalhados pela cidade.

Cheirosa e sorridente.

É como se fosse a senha para os mistérios da noite.

Ela fica por ali, atendendo os últimos pedidos de cozinha, mas já não é mais a mesma. Até arrisca a piaçaba meio disfarçadamente, mas sua hora chegou. Fica até o fechamento do bar, mas é outra. Completamente outra.

O que será de sua noite é o maior mistério que o estabelecimento não guarda, pois estará fechado e ela no mundo.

Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 12:00 PM | | Ou aqui: 0




quarta-feira, junho 21, 2006

ALEGORIA DA VEZ

Marcus Ottoni


“O Brasil não pode ver a repetição do filme O Exterminador do Futuro no ano que vem.”
Deputado Roberto Freire



O TIRANETE E A ALEGORIA DA VEZ

"O pezinho de laranja que nós plantamos já não está apenas no brotinho: as laranjas já começaram a aparecer, já estão maduras, a gente já pode chupá-las. Muito mais do que chupá-las, a gente já pode distribuir essa laranja para uma parcela muito grande da população."
Lula

Traidor, não se poderia mesmo esperar um discurso revolucionário deste aprendiz de tiranete. Mas a alegoria da vez — pífia e medíocre como as demais — diz mais do que aparenta dizer: revela o ainda deslumbramento e a crença cega da origem messiânica do títere despótico — essa, a pior mistura: não tendo o novo para apresentar, arrima-se na falácia que lhe mandam (subliminarmente) dizer: toma-a para si, como se de si fosse e cega-se para o contraditório (por quê? Porque é vazio de Discurso — o “D” aqui, maiúsculo).

Mas, a alegoria. Fosse aquele que pensávamos, diria: “Plantamos a laranja; já madura, chupê-mo-la!”. Mas, não. O “nós” do déspota não inclui nós outros, cara pálida. O “nós” são (é) eles (ele). O individualismo mostra a sua cara aqui: “O pezinho de laranja que nós plantamos...” e desemboca na apropriação da coisa pública, aqui: “a gente já pode chupá-las...”, para cair (repare que, até então, o povaréu nem lhufas) no messianismo/paternalismo descarado:“a gente já pode distribuir essa laranja para...”. Ah, bom; agora, sim.

É esse o senhor que se aboleta no poder e quer dizer nossos destinos. Que arrota que não há nesse país ninguém mais ético do que ele. Alto lá, meu rei! Olhe primeiro para o vosso rabo! Repare no que faz os seus sob a sua complacência.

Falto de projetos (onde o Projeto para esse país? Alguém dá notícias de algo que se assemelhe a um PPA?), só lhe resta as inaugurações de pedras fundamentais. Obras para o devir — se vier.

Humilhando a escumalha, ao mesmo tempo em que dela recebe os louros, esmola-a com bolsas disso e daquilo, neologismos para as cestas básicas da Emergência de antanho.

E acha que é exemplo para o Mundo.

Onde as Reformas Estruturantes ? Estaria de bom grado apenas a “reforma” da Previdência — nada além do que um saque ao bolso do trabalhador, uma vez que as outras (Reformas Política e Tributária, principalmente; além da Trabalhista, Sindical, etc, prometidas), como diria um jornal argentino aborbando o futebol da Seleção Canarinha, “Fica pra próxima”?

Enquanto isso, temos que aturar o discurso alienado e alienante dos dois extremos, respectivamente: da choldra e da turma da boquinha. Sim, porque fora disso não há salvação: não há explicação plausível.

E segue o “Nosso Guia” na interminável cantilena desvirginante: “Nunca nesse país, etc, etc,”, ou: “Pela primeira vez nesse país, etc, etc...”. Cabral que se cuide.

O Partido que lhe sustenta (sustenta?), de lideranças degoladas pela corrupção, só não está na lama porque é a própria lama. Lama cercada de outras lamas, diga-se.

Antoniel Campos



Retirantes do Pajeú

O manto da noite faz sombras no sertão,
Acompanhado dum terrível vento forte,
Que mostra o véu da assustadora escuridão
E solta gritos parecidos com o da morte.
Sob um casebre construído de argamassa,
Mulheres magras, meditando, fazem prece,
Com temor da morte que por a porta passa,
Trazendo o medo que o candeeiro estremece.

Vendo, na tela do sertão, macabras cenas,
Velhas beatas rogam a Deus num só lamento,
Como se fossem condenadas Madalenas,
Derramam prantos, se afogando no tormento.
Mesmo de longe, são ouvidos os louvores,
Cheios de rezas, choros, súplica e oração,
Vendo o sol que já secou o "Pajeú das Flores"
E sugou toda a água que tinha no chão.

Assim que à noite com o véu desaparece
O "Rei do fogo" surge de forma inclemente.
E a escuridão perde a roupagem e fenece,
Para nascer o dia com o seu clima quente.
De longe, o vento traz um sórdido calor,
Dando impressão que vem do fundo dum vulcão,
Pra exalar sobre a terra um lúgubre ardor,
Num prenuncio que vai pegar fogo o Sertão.

O pajeusense ver murchar toda a esperança
Diante da cena que surge na alvorada,
E diz pra esposa que prepare a criança,
Pra começar, em breve a triste retirada.
Ergue o olhar, desfalecido e sem ter brilho,
Tendo, no corpo, pendurado um matulão,
No qual só tem como alimento para o filho,
A rapadura, a farinha e o feijão.

Da porta, ele olha pra lagoa calcinada,
Onde o cascalho se parece com uma brasa,
Fazendo crer que toda terra ressecada
Recebeu o forte calor que no inferno abrasa.
Sobre um curvado e ressequido umbuzeiro,
Um urubu, com paciência aguarda a morte
Do pajeusense, que parece um marmeleiro,
Quando outrora, foi um vaqueiro bravo e forte.

Sentada no banco, padecendo de miséria,
A sua esposa se parece com um graveto,
Que de tão magra, sente na frágil matéria,
O braço da morte, mostrando o traje preto.
O decaído seio, sem ter leite e mole,
Com aparência duma velha fruta murcha,
O qual, a magra filha lânguida se bole,
E, tremendo de fome, com os lábios puxa.

Mas, ao invés de encontrar leite, é o sangue
Que aparece do magro seio como alento,
Pra alimentar o esquálido corpo langue,
Que sente na alma profundíssimo tormento.
De coração seco e nos olhos a lágrima,
Sente um vazio no peito e na vista um véu,
Fazendo o íntimo sentir mórbida lástima,
E, dentro da boca, um amargoso fel.

Os pajeusenses partem, dando adeus a terra,
Tendo a saudade como a sua companhia,
E olham pro vale, pra campina e pra serra,
Vêem abutres que chegam pra vil profecia.
Uma criança fraca chora, bem baixinho,
Levada pela mãe, agarrada ao vestido,
Cambaleando sobre o tortuoso caminho,
Entre as juremas, sobre o solo ressequido.

Pela caatinga, não escutam a passarada,
Só os gemidos que ecoam no deserto,
Soprando sobre outra casa abandonada
Onde o fantasma da morte esteve perto.
Pelas estradas, xiquexiques, marmeleiros,
Mandacarus, coroa-de-frade e jurema
São parecidos com ignotos guerreiros,
Sobre a película dum estranho cinema.

Se arrastando, passam pelo leito do rio,
Onde existiam correntezas, em outras eras,
Que, esbravejando, enchiam secos baixios,
Com a voraz valentia de mil panteras.
Agora, só vêem esquálidos garranchos,
Cada um preso entre as brechas dum lajedo,
Tendo seus galhos estendidos como ganchos,
Parecendo homens condenados ao degredo

A infindável procissão dos retirantes
De pés descalços, sobre os duros carrascais,
Dá gritos de dores, de agruras e de ais;
Sofrendo quedas, andando cambaleantes.
Magras mulheres, pais famintos, tristes filhos,
Mostram a ausência duma Nação indiferente,
Que não enxerga os sertanejos maltrapilhos,
Onde o poder é um governo sempre ausente.

Sentindo a pele ressecada pelo o sol,
Os pajeusenses sofrem o peso do verão,
Onde a esperança é um cinzento arrebol
Anunciando uma vida de escuridão.
Ontem, aurora de velozes cavaleiros,
Que, na caatinga, laçavam o valente touro.
Hoje, crepúsculo de condenados vaqueiros,
Perseguidos pela morte, com seu agouro.

Só deixaram para trás decrépitas casas,
Onde brincava a criança enternecida,
Agora, só sentem a companhia das asas
Dos urubus, como uma lúgubre guarida.
Em vão, buscam encontrar algum aposento,
Mas só encontram algumas árvores nuas,
E, cabisbaixos num tristonho andar lento,
Vão mastigando amargosas raízes cruas.

De vez em quando, olham para o horizonte,
Dando mil passos, tortos e desconjuntados,
Mas só enxergam a sequidão atrás do monte,
E, lá em baixo, os descampados roçados.
O pai olha o filho que está magro de fome,
Tão desnutrido e fraco que o faz tremer,
E nem botou sequer um apelido ou nome
Porque sabe que em breve o filho irá morrer.

Ao lado da mãe, uma esquálida menina
Como um graveto duma árvore quando seca,
Que de tão fraca o pequenino corpo afina,
Conduz nos braços uma risonha boneca.
Para o humilde e confessionário brinquedo,
Fala baixinho, prometendo uma comida,
Na intimidade de um inocente segredo
Onde a esperança, no coração, é sentida.

Sob o sol, que derrama o raio abrasador,
A procissão, sem rumo, de magros famintos,
É cruelmente trespassada pela dor,
Numa confusa estrada, com mil labirintos.
Os pajeusenses olham as casas sem portas,
Por onde a fome já abriu cruéis caminhos,
E assistem um cenário de vacas mortas,
Caídas sobre carrascais, entre os espinhos.

A companhia, que a pobre família tem,
É uma nuvem de famintos urubus,
Que, parecidos com fantasmas, vêm do além,
Pra rondarem os magros corpos quase nus.
Gritos, revoltas, choros, dores, maldições,
Súplicas, rezas, ladainhas e lamentos,
Se misturam com longos prantos e orações,
Numa tragédia dantesca de mil tormentos.

Passando num vale, onde tinha uma fonte,
A procissão, fantasmagórica e sofrida,
Olha perdida, procurando um horizonte,
Onde, talvez, encontre algum traço de vida.
Mas só enxerga uma cinzenta sequidão
Sobre a planície, sobre o vale e sobre a serra,
Onde o ardente sol causticante do verão
Deixa uma marca de tragédia sobre a terra.

Os pajeusenses, com sede procuram água,
Mas encontram desertos e vazios poços,
Que inunda os corações com um rio de mágoa,
Secando as almas de corpos que só têm ossos.
Com as mãos, buscam água no chão ressequido,
Ouvindo som, que sai da agourenta acauã,
Que, sobre um toco, solta um funesto gemido,
Profetizando que a busca por água é vã.

Sem casa, sem terra, sem pátria ou nação,
A multidão de homem, mulher e menino,
Vai tropeçando nas pedras do seco chão,
Dando mil passos para um confuso destino.
A procissão dos famintos mostra um País
Que é tão grande, mas é dividido pra poucos;
Enquanto um grupo de ricos canta feliz,
A multidão de famintos chora como loucos.

Gilmar Leite



Professor Napoleão - VIII

Eu pensava sobre isso quando Serginho voltou a perguntar sobre a nossa História.

- Professor, e depois de Gaspar de Lemos, que registros históricos nós temos sobre a presença de europeus em terras potiguares?

- Registros, mesmo, não se tem. Sabe-se que franceses, holandeses e ingleses aqui aportavam e levavam grandes quantidades de pau-brasil, muito procurado na Europa, pois servia para tingir tecidos, dar cor às roupas das ricas cortes dos reinos europeus. Quando o Brasil foi loteado em capitanias, o Rio Grande do Norte era a maior delas, abrangendo terras hoje pertencentes a Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão e até uma parte do Pará. Mas os seus donatários nunca se preocuparam em colonizá-la devido a belicosidade dos índios potiguares, que viviam no litoral. Como os piratas chegavam para levar o pau-brasil e ir embora, sem demonstrar interesse na terra, os índios os tratavam bem e até os ajudavam no corte e transporte da madeira até os seus navios, em troca de qualquer bugiganga que os fizessem felizes. Os portugueses se sentiam os donos da terra e por isso tratavam os índios com desrespeito, querendo subjugá-los, maltratá-los, escravizá-los. É claro que eles reagiam e tornaram-se inimigos mortais dos portugueses. Tanto que eles, os portugueses, só começaram a habitar a terra quase cem anos após a descoberta de Cabral.

- Cem anos, professor? Indagou Thyago Cortez, espantado com tanto tempo.

- Cem anos, meu filho. Natal é uma cidade que nasceu cidade. Como era um ponto estratégico do litoral e os piratas viviam por aqui ameaçando a posse da terra, o então rei de Portugal e Espanha, Dom Felipe II, que era espanhol e herdara, por parentesco, também o trono de Portugal, deu a ordem de se construir um forte na foz do rio Grande, chamado de Potengi pelos nativos, para garantir a segurança da população que habitaria terras mais seguras, rio a dentro, elevadas, que lhe garantiria maior segurança.

- Onde professor, onde eram essas terras, em Macaíba? Perguntou Serginho pensando fazer alguma brincadeira com a cidade vizinha. Mas ninguém nem deu bolas para a referência que parecia gaiata. Napoleão, sério, sem perder o seu ritmo, simplesmente continuou:

- Vocês sabem onde fica a antiga Catedral, ali, na praça André de Albuquerque, na Cidade Alta?

- Ali, onde tem o Memorial Câmara Cascudo, professor? Perguntou Margarida, moradora da rua Santo Antônio, ali no centro, onde tem a Igreja do Galo.

- Sim, minha filha. Exatamente por ali. Em torno daquela área, foram construídas as primeiras casas de Natal, fundada em 25 de dezembro de 1599, e que, por isso, por ter sido fundada no dia em que se comemora o nascimento de Jesus Cristo, é que se chama Natal.

A aula já passava do tempo normal e ninguém percebera que o toque para a seguinte já havia sido dado havia cinco minutos.

Napoleão se despediu da turma prometendo voltar dali a dois dias, e se dirigiu para a 7ª D.

© Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 7:24 AM | | Ou aqui: 0




segunda-feira, junho 19, 2006

O BOM 1 X 0

Marcus Ottoni


“No futebol, há regras. E elas são respeitadas. Aqui e ali, um ou outro jogador tenta enganar o juiz. Alguns até conseguem. Maradona, por exemplo, fez o seu gol de mão. “Foi a mão de Deus”, diria depois. Mas, quando pilhados em falta, jogadores costumam aceitar, ainda que contrafeitos, a punição.
Na política, dá-se o oposto. Jogadores faltosos continuam jogando. Mesmo quando flagrados. Há regras e juízes também na política. Mas elas, as regras, são ignoradas. E eles, os juízes, impotentes para restabelecer a ordem em campo. Os jogadores fazem as suas próprias regras.”

Josias de Souza



Ah, como é bom um 1 X 0 !

Depois do jogo Brasil 1 X 0 Croácia, o mundo parece que acordou: não havia o time dos sonhos nem o quadrado mágico era tão pródigo assim.

Os argentinos tomaram gosto e estamparam em manchete: “Eles são humanos.”

Desumanos foram eles, que, logo a seguir, humilharam sérvios e montenegrinos, impondo um 6 X 0 acachapante.

Ontem, Brasil contra Austrália, Ronaldo gordo voltou a jogar futebol nem tão gordo, mas o suficiente para mostrar disposição de recuperação para superar intempéries físicas. Serviu a jogada do primeiro gol, de Adriano, e esteve bem melhor que no jogo contra os croatas.

O diabo é que nem tecnicamente ele foi tão fenômeno. Mas também não fez feio, apesar de uma ‘cheirada’ em plena área adversária e um chute a gol que não pegou bem na bola.

A República Tcheca decaiu no conceito. Outras seleções subiram de cotação. Destas, resta saber qual delas é a verdadeira ‘Fúria’: se a Espanha ou a Argentina de futebol abusado e artilheiro.

O que parece certo, no entanto, é a tese de Parreira: não importa o espetáculo, mas o resultado. Para ele, Copa é um crescendo, no qual os times evoluem e vão mostrando volume, aperfeiçoamento coletivo.

Nem Argentina nem Espanha parecem ter a regularidade de jogo que uma Copa exige. Não adianta ser a “Fúria” de hoje e a ressaca de amanhã: um 1 X 0 tira qualquer time da competição nas fases finais.

O Brasil mostra esta regularidade e este futebol crescente dos campeões de Copas. E já mostrou que tem banco para as horas difíceis e decisivas. Coisa que a Argentina também tem.

A partida contra o Japão vai ser um treino no qual nos damos o luxo de até perder. Aí, a grande oportunidade para dar a Ronaldo a condição física que busca e o reencontro com o seu futebol. Testar o banco mais ousadamente, também.

Robinho, nas duas oportunidades que teve, mostrou que merece posição. Tirar Ronaldo é que não vai. Fred entrou, fez o gol que consolidou a vitória, mas não deu ainda para mostrar como o time seria com ele.

O elo de marcação/armação é que esteve meio ausente no jogo contra os australianos. O time, porém, está se encontrando.

Que venham nipônicos e a fase eliminatória.

Aí, perdeu, morreu.

Não dá para perder e o torcedor vai ver como é bom um 1 X 0, jogando bem ou mal, evitando a loteria da decisão em pênaltis.

Neuza Margarida Nunes, enviada do Alma à Copa da Alemanha



Capital Sedex Saudade

“Saudade é quando uma mão gigante aperta seu coração”
Mário Prata

Pense numa coisa que te incomoda bastante... pode ser uma coisa simples, como: pedra no sapato, fila de banco, namorado atrasado, carro enguiçado, comida queimando na panela, internet fora do ar, dor nas costas... Ou algo pior ainda, que te incomode mais, tipo: entrar no cheque especial, vírus no computador, ser abandonado no altar, choro simultâneo de cinco crianças mimadas, o Calypso, dez kg a mais na balança(!!!!), perder um vôo pra Nova York, demissão... enfim, qualquer coisa! Pensou?

Agora misture tudo e multiplique por dez, por cem, por mil!!!! Assim é a saudade, uma coisa que incomoda.

Natal sempre foi uma cidade tirana para quem tem afeto. Uma cidade meio “Sedex”, que recebe e envia visitantes aos mais diversos destinos. Ainda criança, tive que me acostumar com as intermináveis seqüências de despedidas dos amigos. Aliás, despedida não é uma coisa que se acostuma, apenas se sofre.

A sensação que deu a partir de tamanha rotatividade, era que todo mundo de Natal queria ir embora e todo mundo que chegava de outras cidades queria ficar.

Nunca entendi bem essa dinâmica, mas sei que os motivos que fazem as pessoas partirem são quase os mesmos que fazem os visitantes irem ficando.

A vida quase pacata, o oásis natural a nossa disposição, o autocontrole da cidade (mesmo que isto seja uma ilusão), a qualidade de vida, o ar mais puro da América Latina e esse solzão de braços abertos para a vida cotidiana, são itens sedutores à primeira vista. Com o passar do tempo, seu ritmo acaba ficando maior do que o da cidade e você fica se sentindo um pouco limitado.

Depois vem a questão da diversão. Os habitues da noite acabam sendo os mesmos, quando você define a balada aonde vai se divertir, antes mesmo de chegar ao local desejado, já sabe quem vai encontrar por lá. Isso acontece todas as noites, todas as vezes que você sai, durante toda a sua vida.

A vantagem disso tudo é que dá pra crescer organizado, planejado e dar a sua contribuição para a história da cidade, sem falar na segurança. As pessoas são mais confiáveis – ou não! – os frutos do mar são uma delícia, as frutas frescas são néctar, o sol forte no “juízo” e o ritmo de vida cadenciado da beira-mar são um convite à moleza... à preguiça. Realmente tentador!

Qualquer pessoa um pouquinho estressada abriria mão de tudo por uma rede, numa varanda, de frente pro mar. Em Natal esta troca fica mais fácil. Para quem foge de bala e seqüestro nas grandes metrópoles, morar em Natal é a mesma coisa de ter uma suíte vip no limbo.

Mas não estou aqui para questionar tudo isso, não pretendo traçar um perfil psicológico social de quem mora, morou ou vai morar em Natal. E também não estou renegando minhas origens. Amo Natal como um filho ama seu pai, como um aluno admira seu professor, como um cão de guarda protege seu dono.

Mas um dia, após muitas despedidas... chegou a minha vez de partir.

Hoje quero falar da minha vontade de tomar suco de cajá, de comer feijão verde com paçoca, de andar descalço pela rua, de dormir pelado por causa do calor, de encontrar meus cachorros na volta pra casa, de dançar forró agarradinho, de saber as fofocas da turma, de me jogar em Pipa, de ouvir o nosso sotaque, do tempero de Mãinha, de Mãinha, de ficar suado, de curtir de olhos fechados o show do Mad Dogs, da despedida poética do pôr-do-sol do potengi, da brisa do mar, da boa vontade do nordestino, da nossa espontaneidade, da nossa garra de viver!!! Hoje quero falar de saudade...

Acima de tudo a saudade é uma dor, uma desproteção, uma idealização do passado. Sim porque a saudade é seletiva!!! Ninguém sente saudade da surra da infância, das coisas que não deram certo ou do que não foi vivido. Sente-se saudades do que te liga a felicidade de ontem, das diferenças que nos unem a uma coisa ou a alguém, das sensações que temperaram sua vida pelo menos por um minuto, do que te dava alegria, segurança.

Mas também está intimamente ligado ao desejo, e ao inevitável sentimento de posse que alimentamos. Um latifúndio sentimental que criamos dentro de nós e que nos transportam de uma saudade para a outra, mais ou menos como acontece com o amor.

Hoje sinto saudades de verdade, acho que pela primeira vez na vida. A saudade de quem deixou um rio grande por outro, de quem trocou um porto seguro por um porto alegre. Hoje, sinto a saudade de quem um dia vai voltar.

Acho que ter saudades é amar de longe.

Marcílio Amorim



Biró de Onofre

Ele nasceu em 15 de novembro de 1926 e faleceu no fatídico dia dois de agosto de 1976. Veio ao mundo na cidade de Pombal, Estado da Paraíba, e lá também desencarnou. Visitei seu túmulo a cinco de novembro de 2005, em companhia de alunos da graduação do curso de Geografia do Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, quando de viagem de estudo de campo programada para a disciplina Geografia das Indústrias e dos Serviços.

Não pude lhe fazer visita de túmulo no dia de finados, razão pela qual solicitei ao corpo discente que coordenei em atividades de campo para acender velas comigo no jazigo onde ele repousa eternamente.

Nunca havia tocado com ênfase no assunto, é algo que me incomoda, pois se trata do meu pai, um homem a quem dedico muitas reflexões e orações. Foi ele quem começou a me ensinar os segredos do sertão, mostrando-me o que representava cada filete d’água do rio Piancó, os métodos para pescar e caçar e a serventia de cada espécie de nossa flora tão ameaçada pela ação do homem nos dias de hoje.

Recordo-me bastante de Biró de Onofre, não obstante ter apenas seis anos, perto de completar sete, quando ele fez sua última viagem rumo ao além. Ele era baixinho, moreno de cabelos lisos e fala mansa e pausada. Conversava sempre fitando as pessoas nos olhos, bem no fundo dos olhos. Creio que foi dele que herdei isso.

Papai, porém, tinha na imprudência, uma marca registrada. Ele não tinha medo de absolutamente nada, era corajoso ao extremo. Nada se constituía em mistério para ele, tudo era natural e passível de ser desvendado. Mas a imprudência de Biró de Onofre lhe foi fatal, ele desprezava toda e qualquer noção acerca de cuidados. Pena que ele achasse o contrário.

Chorei no seu túmulo quando da visita efetivada por não ter tido como ir ao dia de finados de 2005 em Pombal. Chorei muito, me lembrando de muitas coisas que passamos juntos, lembrei também as inúmeras surras que levei dele. Papai era um siri na lata quando se zangava, ninguém conseguia controlá-lo.

A tragédia de Biró de Onofre aconteceu numa segunda-feira. Era a primeira segunda de agosto, quando a tradição judaico-sertaneja prescreve a necessidade de não haver manuseio de instrumentos de metal.

Tudo começou quando a trifásica que corta o terreno de Chiquinha de Dozinho, irmã do meu avô, começou a tangenciar as galhas da cajazeira que ali existia. Descargas impressionantes foram lançadas ao chão, causando espanto e terror às nossas primas da rua de baixo.

Biró, intempestivo e sem nada temer, observou o pavor de todos e logo começou a arquitetar seu último plano. Tinha que cortar àquelas galhas imediatamente, antes que algo pior pudesse acontecer. Conhecedores do temperamento espalhafatoso e surrealista de Biró de Onofre, alguns parentes acionaram a companhia energética paraibana, tentando evitar o iminente, o inevitável. Ele estava disposto a se arriscar, num gesto de altruísmo, intuindo que vidas não fossem ceifadas.

Papai, o senhor deveria ter pensado mais, ter raciocinado sobre inúmeras hipóteses, principalmente no sofrimento do seu filho único que tanto te amou e ainda te ama. O senhor deveria ter pensado em sua esposa que varava plantões no Hospital Distrital, mas, para ele, era a aventura de mostrar que não tinha medo que mais importava.

Ele me deixou de manhã, bem cedinho, na casa da irmã, minha mãe Cora, minha e também de Natalzinho. Rumou para a rua de baixo irresoluto. Tinha que cumprir àquela “missão” e se imortalizar no imaginário sertanejo, que tanto louva os bravos e destemidos. Mas a prudência deveria norteá-lo, não poderia pensar apenas na “glória”. E que glória é essa? Será “glorioso” deixar um órfão e uma viúva desamparados? Será “glorioso” morrer como herói?

Na cajazeira, os galhos vibravam ao sabor dos ventos, cada centímetro quadrado da árvore escondia a asa negra da morte. Era uma aventura inusitada que ele abraçava.

Dona Porcina de Zé Vicente, com a experiência dos sertanejos, logo percebeu o objetivo de Biró de Onofre. Avisou-lhe que ali não era lugar para se aventurar, para mostrar valentia. Tentou de todas as formas demovê-lo daquela empreitada absurda. Afinal, a companhia energética estava a caminho. Mas, desprezando os avisos, o que era natural num homem que não tinha medo de nada, ele subiu na cajazeira e logo começou a podar os galhos traiçoeiros da frondosa espécie nativa do semi-árido.

Não demorou muito e Chiquinha de Dozinho também engrossou a corrente a fim de que ele parasse com àquela sandice. Cortar uma árvore cujos galhos estavam em contato com uma trifásica era o mesmo que estar buscando a morte.

Mas ele nem ligou, continuou seu trabalho fatal. Era a última etapa de sua vida, não mais teria as chances que Deus havia lhe concedido. Antes disso, ele foi vítima com o primo Zé Cardoso de uma descarga elétrica estupenda, quando trabalhavam estendendo a fiação telefônica pela zona rural de Pombal. Os fios haviam se conectado com a mesma trifásica que o levou à eternidade.

Às 10 e 30 da manhã do dia dois de agosto de 1976, Biró de Onofre se despedia da vida, vítima daquilo que tanto lhe aconselharam a não fazer. A última galha era a mais perigosa, mas ele nem queria saber disso. Tentou cortá-la, e conseguiu o intento, mas como era bastante pesada, logo ela envergou em direção à alta-tensão, fulminando-o instantaneamente.

Biró, Severino Cruz Cardoso, este era seu nome completo, o senhor devia ter tido um pouco de paciência, pois depois de sua desencarnação os funcionários da companhia energética, comandados por um primo legítimo de sua esposa, chegavam ao local para fazer o trabalho que não era de sua competência.

Rogo a D’us Todo Poderoso, o D’Us de nosso povo, o Grande Arquiteto do Universo, simbolizado na estrela disfarçada em Rosa no frontispício da casa dos seus tios Aarão Ignácio Cardoso D’Arão e Facunda Alencar, que lhe conduza ao reino dos justos e dos honrados, pois és a essência das reminiscências e das saudades de alguém que ficou neste plano terreno a chorar sua perda, a remoer a saudade de sua presença. Que D’us te proteja e te dê os Céus como recompensa pelo seu gesto de extremo altruísmo que protagonizastes.

José Romero Araújo Cardoso



Professor Napoleão - VII

O professor agradeceu educadamente o elogio feito pela aluna, mas nada comentou, tentando dar continuidade ao assunto. Logo que retomou a palavra, Margarida voltou à carga e perguntou ao professor o que seria essa palavra esquisita que ele acabara de pronunciar: chantou.

- Ah, desculpe, minha menina. Chantar é enterrar, colocar no chão, fixar à terra... Quando de volta ao Brasil, em 1501, um ano, portanto, depois da descoberta de Cabral, Gaspar de Lemos vinha com a missão de registrar a posse da terra através do chantamento de pedras que traziam o brasão português, para os que aqui aportassem soubessem serem essas terras pertencentes a El Rey de Portugal. E para felicidade nossa, foi aqui no Rio Grande do Norte o primeiro lugar a receber um desses marcos, o Marco de Touros, que vocês podem ter o prazer e a curiosidade de conhecer no Forte dos Reis Magos, onde hoje se encontra.

- Como assim, professor, Marco de Touros no Forte dos Reis Magos? Perguntou Serginho, embaraçado com aquela informação.

- É que, apesar de ter permanecido quase quatrocentos anos em Touros, no mesmo lugar em que Gaspar de Lemos o fixou, o marco estava sofrendo avarias, o povo do lugar tirando lascas para fazer chá, imaginem vocês, chá de pedra, julgando ser este chá, o chá dessa pedra branca e resistente, milagroso. Foi só alguém inventar essa história de milagre e pronto, o Marco, que é, na verdade, o primeiro da História do Brasil, passou a correr perigo, todos querendo uma lasquinha sua.

- E o que aconteceu, professor, perguntou Thyago Cortez, interessado.

- Aí resolveram removê-lo e o trouxeram para Natal, sendo colocado no Forte, onde estaria bem mais protegido, e poderia ser visto por um maior número de pessoas.

- Mas, professor, não deviam ter feito isso! Não dava para botar uns guardas perto dele, protegendo-o contra os que acreditavam em seus milagres?

- Não sei. Não cabe a mim julgar. História é História e essa ciência não trabalha com hipóteses, mas com fatos ocorridos, comprovados por provas materiais. O que se sabe é que ele foi removido e se encontra onde está. Você quer minha opinião? Eu acho que ele deve voltar para o seu lugar de origem, o mesmo em que Gaspar de Lemos o deixou, só que providências devem ser tomadas para que se evite a sua perda. Talvez com a construção de um monumento ou de um memorial, de algo que o deixe a vista de todos, mas protegido contra a ação dos homens, sempre depredadores.

Era interessante como o professor Napoleão discorria sobre aquele assunto tão besta, conhecido de todos dos livros de História, mas que passara despercebido de todos. Afinal, é um privilégio para o Rio Grande ter esse marco aqui. Ele foi o primeiro do Brasil, ainda nem chamado de Brasil, agora Terra de Santa Cruz, depois que Gaspar de Lemos constatou não ser essa terra uma ilha, mas um grande continente. Eu pensava sobre isso quando Serginho voltou a perguntar sobre nossa História.

© Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 11:06 AM | | Ou aqui: 0




sábado, junho 17, 2006

PRIMEIRA VEZ

Marcus Ottoni


“Pela primeira vez, este povo está comendo, os pobres estão tomando café da manhã, almoçando e jantando.”
Lula

Léo Sodré


Troféu O Poti

Hoje, às 16:30h e amanhã, às 18:30h, a TV Câmara, Canal 37, a cabo, estará mostrando a entrega do Prêmio Cultural Diário de Natal.

Confira a lista dos ganhadores do troféu O Poti

Instituição que mais apóia a cultura sem fins lucrativos - Casa da Ribeira
Empresa que mais apóia a cultura - Banco do Brasil
Produtor cultural - Eduardo Alexandre
Dança - Edson Claro
Cinema - Jussara Queiroz
Escultura - Dimas Ferreira
Literatura - Oswaldo Lamartine
Teatro - Lenilton Teixeira
Pintura - Erasmo Andrade
Música - Manoca Barreto
Conjunto da Obra - Grupo Araruna
Artista do Ano - Elino Julião

No Programa Câmara Cultural, também na TV Câmara, amanhã, às 09:30h, Eduardo Alexandre entrevista o jornalista Osair Vasconcelos, diretor de redação do Diário. Ele fala de jornalismo e da cerimônia de entrega do Prêmio Cultural Diário de Natal.


Bardalo’s na Copa

Neste domingo, a partir das 11h, tem feijoada no Bardallo’s e telão para os que quiserem assistir ali o jogo Brasil X Austrália.

Em exposição, a série Futebol, desenhos de Newton Navarro, e coletiva de artes plásticas "Um time de arte na Copa", com Marcellus Bob, Eduardo Alexandre, Marcelo Fernandes, Carlos Sergio Borges, Valderedo Nunes, Serrão, Falves Silva, Fábio Eduardo, Venâncio Pinheiro e J. Medeiros.

Destaque: O dono da bola, de Franklin Serrão.



Escanteio

No campo, os deuses existem
consagrados nas arquibancadas
da fama

Há que fazer o gol
E fazer muitos
Fazer bonito
Driblar o adversário
e a maldade do mundo
da notícia

São santos os edsons
Arantes de nascimento
Leônidas
da Silva, Zicos
Garrinchas

A eles não basta ser ronaldos
há que ser romários
robinhos
gérsons e rivelinos
domingos de guia

A eles, uma partida
gloriosa partida
de gols
ou o impedimento e vaias
à falta deles

Na rede, a bola repousa
Venceu a meta
Foi explosão e lágrimas
esquecidas na discussão
sobre o jogo seguinte

Eduardo Alexandre



Abolerado poema visual

Na teoria do conhecimento,
o pensamento mítico é uma forma de compreender intuitivamente a realidade. Ingênuo, fantasioso, não critico, anterior à razão,
é atribuído as sociedades mais arcaicas como maneira de se situar no mundo,
dan­do substância a ação humana.
Não obedece a lógica, nem verdades (empírica ou científica),
nasce do desejo de entender o mundo
para afugentar o medo e a insegurança.

O desenvolvimento do pensamento refle­xivo
(dos gregos à idade contemporânea)
condenou à morte o “pensamento mítico”?
Negar o mito seria negar uma das forças fundamentais da existência humana.
O ritual é mito tornado ação. Práxis deificante.

O futebol é exemplo nato de um ritual.
Esquecer o cotidiano e irracionalmente,
exacerbar o desejo de fazer o atual sagrado.
Uma bola, vinte e dois ridículos humanóides, onze de cada lado,
em busca do gol faceiro.
Ato sublime de banalidade que assume um contorno mágico.

Uma copa do mundo é a materialização cabal da globalização
a imagem e semelhança da “aldeia Global” macluhaniana.
Todo planeta abobalhado em volta da tela quadrática,
massa estupefata no vácuo de um evento irascível,
público transmutado na simultaneidade efêmera.

A única prática hegemônica geopolítica do mundo é o futebol.
A FIFA detém a supremacia inconteste.
Enquanto noutros esportes existem várias federações,
no futebol a FIFA é absoluta.
Em qualquer lugar da terra
(até em Itajá, terra do “mexicano” Zinha e do nosso Souzinha)
só é possível exercer a profissão de jogador
se for ligado à instituição toda poderosa.
Sem choro, nem vela ou (H)avelange.

No nosso terreiro, que tange a alegria além da prova dos nove,
o futebol tornou-se entidade nacional, aglutinador de identidade.
O país se confunde ou foi salvo pelo esporte.
No futebol a nossa miscigenação condenada à sua inferioridade inata:
climático-telúrica, asnal-lusitana, católica-humanita,
resplandeceu aos quatro cantos da geóide.
Alertando que todos os gens sapiens reunidos numa persona só,
corporissantificado na malandragem macunaímica,
poderia representar uma tênue possibilidade
de as zonas tórridas vingarem
mesmo que seja num futuro - que teima em porvir.
Ginga, suor, e, claro, lágrimas.

Na inversão da realidade,
o simulacro da felizcidadania ("do tamanho de um super Maracanã")
a bordo da incauta cultura do aviltamento desmemoriado.
Como filosofar se não sabemos alemão?
Brasil: macunaímico país de domingoooools!

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Plínio Sanderson



Professor Napoleão - VI

Napoleão nunca ficava a vontade quando abordado sobre questões divinas. Preferia mudar a conversa. Homem de ciência, um historiador, decerto não acreditava em nada que não tivesse comprovação científica, já deixara isso claro. E essas coisas de fé, de paixão, preferia não se posicionar, deixara claro quando lhe perguntaram, ninguém sabe porque, se ele torcia pelo Flamengo.

- Gosto muito de futebol. Muito mesmo. Mas não me acho no direito de escolher um time para mim. Gosto de todos. E gosto quando ganha o que joga melhor. Aprendi a não me prender a paixões materiais, dissera, deixando clara a sua posição.

Quando estava nessa parte de sua fala, vendo que o assunto poderia se esgotar por ali, sem maiores conversas, ou se prolongar pelo dia todo, resolvi arriscar sobre a História do Rio Grande do Norte.

- Professor Napoleão, é verdade que mesmo antes de Cabral, o Rio Grande do Norte já havia sido visitado por navegantes europeus?

Napoleão não levou muito e já estava respondendo.

- É possível. Naquela época, a América já havia sido descoberta por Colombo e navegantes tanto da Espanha como de outros países navegadores da época, como franceses, holandeses e ingleses, já se aventuravam ao mar Atlântico, buscando riquezas ou atraídos por imensa curiosidade, com certeza em busca de algo que se transformasse em riqueza. O mundo sempre girou em torno do dinheiro, do poder e da glória.

A turma, simplesmente, estava paralisada, boquiaberta, esperando sempre o minuto seguinte, a nova informação trazida pelo baixinho.

- O primeiro registro que se tem de Rio Grande do Norte na História é um fato até bem pitoresco para nós. Vocês se lembram que após descobrir o Brasil, que ainda não era Brasil, era Ilha de Vera Cruz, Cabral continuou seu caminho para as Índias, mandando para Portugal a famosa carta de Pero Vaz de Caminha, aquela que fala que aqui, em se plantando, tudo dá? Pois bem, essa carta foi levada para Portugal por Gaspar de Lemos, que não seguiu a esquadra de Cabral exatamente para levar a boa nova ao Rei. Esse mesmo Gaspar de Lemos foi incumbido de voltar à Ilha de Vera Cruz para chantar alguns marcos de terra, garantindo sua posse para Portugal, apesar da garantia do Tratado de Tordesilhas, que lhe assegurava esse direito.

© Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 7:25 AM | | Ou aqui: 0




quinta-feira, junho 15, 2006

RELÓGIO

Marcus Ottoni


“A nove dias da convenção que vai oficializar o seu nome como candidato à reeleição, Lula ainda não atraiu para a sua chapa nenhum partido político. Corre o risco de disputar a eleição com o apoio solitário do PT. O PC do B, única legenda que admitira a hipótese de coligar-se à sua candidatura, ameaça dar meia-volta.”
Josias de Souza





Retrovisor na Casa da Ribeira

Ângela Castro, Khrystal, Luiz Gadelha, Simona Talma e eu, Valéria Oliveira, estaremos, pela primeira vez, todos juntos, no palco da Casa da Ribeira, dia 17, sábado, às 21h, em única apresentação, mostrando nossas parcerias e canções conhecidas, escolhidas livremente por cada artista.
Nos acompanharão neste show Antônio de Pádua (trompete, cavaquinho e pandeiro) e Fidja (percuteria).
Esse é o novo formato escolhido pelos que fazem o Retrovisor para o mês de junho.

Informações (a partir das 16:00h): 3211 7710

E o melhor!
Daremos como brinde o CD demo do Retrovisor para aqueles que pagarem o ingresso inteiro.

Agradecemos aos nossos apoiadores e esperamos a presença de todos vocês.

Acessem nosso blog e saibam mais novidades sobre o show.
http://www.projetoretrovisor.weblogger.terra.com.br

Valéria Oliveira



O Relógio

Fatos, fotos
Atos mortos
O tempo
Não volta mais
Fatos, fotos
Ratos e a flor de lótus
Mas o tempo
Não volta atrás
Fatos, fotos
Lembrar e esquecer
Pois o tempo
Não volta jamais.

Marcelo Bolshaw



Nossa gastronomia morta

Aulas pela manhã e o nada para fazer à tarde, porque estudar mesmo só em véspera de prova, e, assim mesmo, de cara amarrada, revolta toda da vida com aquela obrigação inquisitorial de conhecimentos.

Adolescência chegando, o melhor programa era tomar rumo da Cidade Alta para assistir uma chanchada no Cine Rio Grande. Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade. Era o máximo, todo o reino da Atlântida aos nossos olhos!

Melhor ainda era o pós-filme no canteiro que separava as duas pistas de rolamento da Avenida Deodoro da Fonseca, numas biroscas de madeira onde se vendia caldo de cana com pão doce e cachorro-quente de carne-moída e vinagrete, entre duas fatias de pão francês.

Ali, servia-se o melhor elixir da vida: o refresco de mangaba, fraquinho, que delícia!

A combinação das duas preciosidades, o nosso cachorro-quente e o refresco de mangaba, era tudo: a receita gastronômica mais simples e saborosa da cidade. Nem com Crush, aquela combinação perdia parada. Nem com refresco de cajá.

Dava nem para lembrar os decotes e coxas das vedetes nos musicais de enredos bestas.

Para trás, havia ficado o compra-e-vende e o troca-troca de revistas em quadrinhos das manhãs dominicais nas calçadas do Cinema Rex. Os seriados e o filme do dia.

Tarzan, o Zorro da espada e do pançudo sargento Garcia, filmes de piratas atraíam multidões de meninos às casas de projeção da cidade. Casas cheias também em vésperas de semana-santa, com ‘Marcelino, Pão e Vinho’ ou algum épico bíblico. Rio Grande, Rex, Nordeste, Poti, São Luís e São Pedro, o dito pulguinha, coitado, eram os cinemas da cidade.

Se alguém queria namorar alguém, convite para assistir um filme era fatal. Era a senha para o sim, se aceito. E podia reservar dinheiro para a compra do drops Dulcora.

Depois, o cachorro-quente ganhou salsicha e pão especial e ‘evoluiu’ para hot dog, ficou sem graça, entrou para a família dos amburgueres importados e os acompanhamentos passaram a ser batata-palha, quetitchupe e maionese, mostarda e Coca-Cola.

Os quiosquezinhos do canteiro central próximos ao Cinema Rio Grande foram mais tarde demolidos e deles só restou a saudade dos doces e deliciosos refrescos de mangaba. Quem perdeu, perdeu. Nunca vai se deliciar da mais simples e apetitosa iguaria de rua do cardápio natalense de antanho.

Quem muito procurar os sabores daquela época pode até ser que ainda encontre, em algum ponto perdido, um caldo de cana com pão-doce.

Nem isso, porém, também de doce e deliciosa combinação de sabores, vai substituir o prazer das papilas gustativas diante das fatias de pão com carne-moída e vinagrete, o nosso legítimo cachorro-quente, também servido nos jogos do velho Estádio Juvenal Lamartine, acompanhado do refresco de mangaba fraquinho das biroscas do canteiro central da avenida Deodoro.

Eduardo Alexandre



Professor Napoleão - V

- E aí, como é que vamos viver com toda essa água cobrindo o planeta? Ninguém perguntou isso a Napoleão, Sanderson?

Sim, Andréa havia perguntado. Napoleão respondera que se ainda houvesse humanidade nessa ocasião, com certeza ela saberia sobreviver a isso.

Dito isso, a classe estourou em curiosidade, contou Sanderson.

- Vamos viver no fundo do mar, feito aquelas estórias dos quadrinhos, em bolhas? Perguntara o próprio Sanderson.

Napoleão quis se esquivar, disse não querer fazer projeções, mas acabou conversando sobre o assunto, como sempre.

- A humanidade, apesar de tudo, tem se mostrado sábia em todos os momentos de sua existência. Ela poderia até optar por viver embaixo das águas, dela retirando o seu alimento e o oxigênio necessário a sua existência. Mas creio que ela teria outras alternativas, bem mais simples, como viver sobre as águas, em ilhas flutuantes ou cidades construídas sobre palafitas de concreto, aproveitando melhor a luz do sol. Depois de um certo tempo, com certeza o nível das águas estabilizaria e essas cidades sobre palafitas não seriam de todo impossíveis. Acho que seria uma opção viável ao homem. Ele poderia até fazer tudo o que vem fazendo durante todo esse tempo, plantando, criando animais, construindo cidades, mas que seria obra de vulto para a engenharia, seria. Mas não impossível.

Sanderson contou que, dito aquilo, tocou, e o professor prometeu voltar ao assunto, já que a turma pedira para que continuasse por mais um tempinho falando sobre aquela possibilidade do homem viver sem os pés no chão.

Conversamos mais um pouco e aí tivemos que ir embora, a aula acabara e somente nós ficávamos ali, sem ver o tempo passar, conversando sobre a aula de História.

Quando cheguei em casa para o almoço, papai, já na mesa, foi logo me perguntando:

- Como é, meu filho, você já teve a aula do professor Napoleão?

Aquilo me intrigara, pois, apesar de muito impressionado com a aula do professor Napoleão, eu não fizera nenhuma referência em casa, apenas correra para os livros de História, pesquisara sobre assuntos que sempre atraíram a minha curiosidade, mas nada dissera. Com certeza, nenhuma referência eu houvera feito ao professor na minha casa. Como, então, papai se referia a ele? Perguntei e ele me disse que havia sabido do milagre, daquele feitiço de um professor fazendo com que todos se voltassem para o estudo de sua disciplina, através de uma colega sua, de hospital, que também tinha um filho no colégio. Que o assunto foi tratado entre os médicos do hospital, por um bom tempo, antes que se dispersassem cada um na sua função.

Durante a tarde, pelo menos cinco dos meus colegas me telefonaram combinando assuntos que levaríamos para a sala de aula, no outro dia, no primeiro horário. Todos estávamos combinando para nos deter em História do Rio Grande do Norte, como eu propusera, ao final da aula anterior. Mas havia aquela pergunta sobre a possibilidade do homem vir do macaco e, aí, com assunto tão controvertido, podia até ser que eu nem tivesse chance de abordar o assunto.

Na manhã daquela segunda aula do professor Napoleão, poucos não foram os alunos que madrugaram na escola. Era uma coisa impressionante: o assunto professor Napoleão dominava todas as atenções, e até algumas mães de alunos se mostraram interessadas em assistir a aula, sendo desaconselhadas pelo diretor, que disse aquilo poderia atrapalhar a preleção, encabulando o professor.

Mesmo antes de tocar a entrada de aula, todos já estavam em seus lugares, livros de História abertos em assuntos que iam da diáspora do povo judeu até a chegada do homem a Lua, do naufrágio da embarcação que levava o bispo Caminha em nossas costas, tendo sido o bispo comido por canibais após escapar do afogamento, até o governo Collor, com as trapalhadas de PC Farias.

Quando Napoleão entrou em sala foi logo respondendo a pergunta da aula anterior, mesmo sem ninguém sugerir.

- Charles Darwin, um brilhante pensador, estudando a evolução dos animais, foi quem propôs a tese da descendência humana através de um processo evolutivo que vem de um primata que, com o tempo, vai se transformando por motivos diversos, como os recursos que cria para a sua sobrevivência, até se tornar o Homo Sapiens Sapiens dos nossos dias. Uma coisa boba, hoje fartamente comprovada através de achados fósseis que nos permitem ver com mais clareza essa afirmação. Qualquer livro de História Geral traz essa evolução, mostrando o homem ainda curvado, andando quase de quatro, até os nossos dias, depois de passar por uma fase denominada Homo Erectus, quando ele deixa a postura dos símios e assume definitivamente a que tem hoje, caminhado com equilíbrio sobre os dois pés.

- Cruz credo, professor! Nós então não fomos criados imagem semelhante a Nosso Senhor?

© Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 3:44 PM | | Ou aqui: 0


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