Enquanto realidade de uma cidade e de um tempo sem lei e sem cura (?), um trágico momento para cidadãos sob mira de possibilidades funestas. Tristes tempos impossíveis a uma manhã de domingo anunciador de primaveras.
Eduardo Alexandre
Simone Sodré
Leonardo Sodré
Amanhã Alex Gurgel e Hugo Macedo, professores da Aphoto darão entrevista às 8h30 a TV Cabugi, na Pedra do Rosário, onde aconteceu um assalto domingo a eles e a um grupo de alunos que estavam participando de aula prática. Alguns estudantes, como a médica Simone Sodré e sua filha Louise, ficaram "invisíveis" aos ladrões pivetes, que não levaram nada delas.
O ímpar na fotografia
Era claro como o dia, o dia.
As cores ali, bem definidas.
"Highlights / shadows".
Apesar das sombras, não havia nada encoberto, não havia nada anunciado.
O dia era claro e bonito. Para qualquer lente.
Éramos doze, eu incluída. Ouvimos a História contada pelo Professor Plínio e captamos cada figura correspondente sob a orientação dos Professores Alex Gurgel e Hugo Macedo. Eu apenas acompanharia minha filha que relutou em usar minha câmera, preferindo a sua, compacta. Então, pude participar nessa carona.
A cidade calma, seus monumentos iluminados pelo sol, os bancos das praças, com seus ocupantes, me fez desconfiar que ainda estava muito cedo. Ainda havia sonhos sob as copas daquelas árvores, nove da manhã. Cedo para quem dorme. Há os que dormem nas praças.
Estava tudo quieto e certo. A missa, crianças com seus melhores vestidos com babadinhos tremendo sob a brisa, as avós, as famílias.
O galo, inerte, lá de cima, se pudesse, avistava tudo. Teria anunciado.
Só o que não estava certo: O prédio do IPHAN na sombra. Isso era ruim, as cores não sairiam tão boas, avisou o Professor Hugo, enquanto o Professor Alex aproveitava uma tomada de ar do Professor Plínio que falava dos nossos monumentos, para avisar da “regra dos terços” e salientar as molduras.
Ainda não dava pra avaliar as fotos no visor da câmera, logo, algo só poderia dar errado em casa, já no computador. Mas, também... com uns professores como esses... Os três. O número mágico da fotografia.
Passamos pelas igrejas e fomos até a Santa. De longe, tudo limpinho, revitalizado, pronto pra turista ver. Lembrei de quando adolescente fui muitas vezes contemplar ali, o por do sol. Comentamos, então, o quanto é bela a parte histórica da cidade. Das cidades. Queríamos incluir Natal.
Cuidamos que todos estivessem sempre juntos, pois notamos a ausência de policiamento. Decidimos voltar.
Incrível ter lido o quanto é mágico em fotografia o número ímpar, em especial o três. O Professor Alex não parou de lembrar da regra dos terços, uma faixa enorme em frente ao rio convidava os fiéis para o “terço do por do sol”.
Veio o trio e assim mesmo sem vírgulas anunciou o assalto com armas em punho e dedos nos gatilhos com um estatuto como escudo.
Só o galo poderia ter avisado. Só o galo.
PS: Enquanto não encontramos razões, procuramos culpados.
O poder da Arma e a arma do Poder
Uma pedra no rosário da violência cotidiana
Plínio Sanderson
Fatídico: a cidade deu as costas ao rio que lhe deu como nome, Grande do Norte. Entre lusco-fusco e perpétuos movimentos das marés, só resta os dejetos, inclusive, alguns próprios humanos. Contradizendo lendas, incrustadas nas estórias ribeirinhas quase esquecidas, onde outrora, nadava Cascudo por linhas fluvialmente sinuosas.
Se ninguém sabe ao certo quem fundou Natal, há polêmica também quanto aos dizeres ungidos na santa, que aqui aportou alheia ao futuro incerto da freguesia daquela zona marginal, entre a canguleira Ribeira e a cidade xaria.
Na tradição oral, dois sabedores da história paroquial, profº Panqueca (filho do primeiro poeta da terrinha, Lourival Açucena) e Chico Bilro, diziam que a padroeira chegara em datas diferentes (1753 ou 1736?) e afirmavam versões discrepantes: “No ponto onde der este caixão não haverá nenhum perigo” (panqueca). “Onde essa santa parar nenhuma desgraça acontecerá “(Bilro). Ingênuos, não vislumbraram a usura intrínseca e a agonizante enfermidade da alma humana.
Antes, feira e entreposto comercial. “Cedo era visitada por gente séria e alta... depois ficava movimentada, mais sedutora, mais perigosa, cheiro confuso, luzes vermelhas, alegria, rumor, pertubação, feira do Passo”.
Nos confins dos tempos atuais, espremida entre a urbe impiedosa e o manguezal do tédio, resiste uma comunidade que assolada, teima sobreviver na selva da pedra. Droga efêmera que destrói famílias e demole lares. Desconstrução de pedra sobre pedra, (des)equilibradas entre trilhos que levam a caminhos sem chegadas ou volta nenhuma. Insolente, a Santa aponta o caminho (nada bíblico) das pedras, desembocando no âmago existencial ou nos descompassos de pobres criaturas guabirus.
Vem à tona, pertinentes problematizações:
A maioridade aos dezesseis anos... Quando se permite que adolescentes votem o destino de todos, por que não assumirem seus próprios atos? É questão conceitual, a cidadania pressupõe direitos e deveres iguais, é a clássica noção de isonomia da polis grega. A impunidade das leis, faculta a desmoralização das mesmas. A coercitividade é inerente a todo fato social diz Durkheim.
Outra ponderação cabível é a inércia do estado, dentre todas suas características, a mais contundente é o monopólio da violência através de seus aparatos militares (polícias, forças armadas). Quando esse monopólio da violência é confrontado por traficantes, milícias, grupos paramilitares, e esses ameaçam o fim desse monopólio, o estado entra em colapso, começa a deperecer e mergulhar na mais sombria barbárie.
Lentes quaisquer já não conseguem desenhar silhuetas de luz no humano, nem focar nesse breu insólito, o contorno de gente, que como num flash mágico eclodiu para brilhar e não pra morrer ou matar tão bestialmente.
O dia que a pedra chorou
Franklin Serrão
Os cliques falavam sozinho naquele silêncio do Potengi. A pedra do Rosário era a única testemunha ali. Mas o poeta perdeu o controle diante de tanta beleza. Começou a recitar sua poesia em alto e bom som.
Arte nunca foi receita. Pensou o poeta. E recitou mais alto ainda. Como deve fazer os poetas. Era cedo, e o barulho acabou acordando os bandidos da sua memória. Lembrou-se como tudo começou:
-Valeu a pena. Tudo graças a minha mãe. Pensava o poeta.
Eram apenas 10 degraus da escada para vencer. Alguns metros de solo e lá estava a mesa de Edgar Allan Pôla. A senhora chegou até a mesa negra, pois a mão direita nela, como que se apoiando, disse:
- O senhor tem que me ajudar.
Edgar Allan Pôla era o presidente da associação dos artistas plásticos de Natal. Um ativista cultural. Cuidava de poesia, também. A associação ficava locada no primeiro andar, em prédio histórico. Sua vizinhança era formada por um bar, quase um prolongamento da associação. Era para esticar o expediente da moçada. Poetas, músicos, escritores e artistas plásticos.
Aquela tarde foi atípica, e a visita inusitada. Acostumado a rotina de artistas, produtores culturais, gente do governo. Não se lembrava de algo semelhante.
-O senhor tem que ajudar. Insistia a senhora.
Depois de vencer os duros degraus da escada, não conseguia expressar outra frase.
Allan Pôla conhecia quase todos os artistas de Natal. Não imaginava ele que em breve conheceria um dos mais fantásticos de todos. A senhora era sua mãe, e seria, em pouco tempo, a ligação entre esses dois universos inquietos. Allan Pôla e o poeta ensandecido.
-Meu filho vem me dando muito trabalho seu Allan Pôla. Ele não quer mais estudar, não trabalha, nada consegue animá-lo. Esta me dando muito trabalho. Anda repetindo pelos quatro cantos da casa que é poeta. Então eu vim aqui. Quero que o Sr cuide dele. trago ele amanhã.
E ela levou o poeta.
O encontrou selou uma amizade de trinta anos entre Allan Pôla e o poeta ensandecido. Que tornou-se um poeta mesmo. Poeta das cores, das idéias. Acima de tudo, inquieto.
Recentemente interessou-se por fotografia. Resolveu dar um apoio a outra entidade artística cultural. Essa, de fotógrafos.
Convidou Allan Pôla, discutiram uma das mais bonitas paisagens da cidade. Resolveram levar a turma da associação de fotógrafos para lá.
Os versos do poeta acordaram mais do que peixes, memórias e caranguejos. Os bandidos mirins da favela ribeirinha, que dormiam naquele momento. Foram se certificar que barulho era aquele.
O final da aula de campo foi triste. Os bandidos mirins (que no Brasil são protegidos pela Lei) roubaram os equipamentos fotográficos dos alunos e fugiram favela adentro.
O rio ficou triste, a ponte sozinha, a pedra do rosário tentou pedir desculpas, mas nada aconteceu além do impune. Horas depois, tudo voltou ao normal. Nenhum rastro no local. Somente alguns funcionários da prefeitura, devidamente uniformizados, executavam o velho proselitismo na comunidade. Estavam chumbando um Moloq.