domingo, dezembro 30, 2007

POR UM 2008 ALVISSAREIRO

Hugo Macedo

A foto do ano
no fim do ano

por Alma do Beco | 9:15 PM | | Ou aqui: 0


À EIRA

Marcus Ottoni

"Não há uma disciplina, um departamento, um curso nas universidades ou no ensino médio que trate de preservação histórica."
Edgard Carvalho, ex-presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Artistico e Turístico, SP

Bar de Pedrinho, anos 90

Sóbria poesia

Ab-sinto...

Cair em cachos

À eira, à guisa d'uma cachoeira

Tequila...

Sal, limão, etílica comunhão

Vinho...

Vem um sono bom, antes a efusão

Vem-me Bacante, uma d'elas que sou

Baco? São

Hummm, um Run...

Ou Ver-mute...

Mutantencarnado, róseo

Na passagem, "mezzo" rasgante

Na chegada, suave

Whisky...

Que lida! Uma sede na partida

Vodka com licor de café...

Uma paixão

Um Blackout

Borbulhas de Champanha ou...

Cerveja...

Refrescante para a sede urgente

Veja!

Há tantos goles pr'um porre

E para lavar?

Mansamente

Cachaça...

Na calçada ou num boteco

Ou no Pedro Abech...

Um caju no "tira"

- Mais uma lapada!?!

...o eco

Ah! água ardente!

Água benta na minha boca

De saliva sedenta e cedente

Sou a Santinha da aguardente...

...No Beco da Lama a fama

Da Odete um petisco

No Nasi uma meladinha...

A pinga, o mel, o limão, gira e mexe

D'um só gole desce

- Que poesia sóbria é a minha?

Civone Medeiros


O ano termina triste

O ano de 2007 termina velho e triste diante da enormidade dos sofrimentos que vêm afligindo a humanidade.

O Paquistão ferve de violência diante do assassinato de uma líder política. Na Venezuela, o falastrão ditador Hugo Chávez começa preparativos para resgatar reféns da FARC presos desde 2002, com claros objetivos políticos.

No Brasil, o ano velho termina registrando o maior acidente aéreo da história com um avião da TAM que bateu em um prédio após uma polêmica operação de pouso, ambientado numa crise que havia começado ainda em 2006, quando um avião da Gol caiu, após um suposto choque com outro avião.

A Polícia Rodoviária Federal registrou durante o feriadão de Natal, em todo o Brasil, recordes de mortes em estradas. A Saúde não evoluiu, apesar de todo o dinheiro arrecadado pela CPMF ao longo de 13 anos, que acaba no próximo dia 31. E o governo, diz que isso irá prejudicar uma “Saúde” que não tem mais como ficar pior.

Os atrasos nos aeroportos já viraram piada mundial e o sistema aéreo não evolui porque uma Lei não permite a concorrência internacional em vôos domésticos. A malha rodoviária continua ruim e o meio ambiente continua sendo agredido de forma intensa, apesar de todas as “providências” anunciadas pelo governo Lula.

Na política, o combalido 2007 viu a permanência dos escândalos em várias esferas, com especial enfoque para a crise moral ocorrida com o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, que continua com o seu mandato, apesar de tudo – e de Mônica.

Quase se arrastando em direção às sombras, o enrugado 2007 apenas sorriu quando viu os inúmeros noticiários sobre o poder de compra dos pobres, eleitores fiéis do presidente Lula, que tiveram suas rendas acrescidas pelos vários programas de ajuda governamental.

Ele, 2007, ficou apenas meio tenso quando observou a legião de pessoas que estão vivendo sem trabalhar diante dos benefícios das inúmeras “bolsas” e torceu para que sejam criadas aposentadorias especiais para toda essa gente que não vai aprender a trabalhar. Ele ainda se preocupou com 2008, inquieto, doido para nascer diante das inúmeras promessas de mudanças para melhor.

Para o experiente 2007, que já olha o horizonte quase sem ver, 2008 está muito otimista.

Leonardo Sodré



Waldick não é cachorro, não

A atriz Patrícia Pilar afirmou há algum tempo que sempre gostou de Waldick Soriano. Segundo ela, as músicas do ícone do brega têm um “que” de especial que sempre a deslumbraram. E no ano passado, ela - que reconhece não ter preconceito musical - resolveu fazer um filme sobre a vida do artista.

Waldick Soriano compôs verdadeiras pérolas da música romântica brasileira, mas sempre foi ignorado – pior do que isso: sempre foi discriminado – pela elite, pelas pessoas que acham que têm “bom gosto musical”. O artista baiano, hoje aos 72 anos de idade, de origem pobre, foi estigmatizado e sofreu o mesmo tipo de discriminação da qual foram vítimas artistas populares como Odair José, Aguinaldo Timóteo, Lindomar Castilho, Paulo Sérgio, Nelson Ned e muitos outros. Compondo e cantando um tipo de música cujo tema central geralmente era a história de amores frustrados, e geralmente com um visual berrante e inusitado – geralmente de mau gosto - , a geração brega teve seu momento forte em meados dos anos 70, em pleno apogeu da ditadura militar. Os cantores bregas não tinham uma formação cultural sólida e suas canções não tinham nenhum apelo social. Odair José era uma raríssima exceção: por compor músicas elevando a auto-estima das empregadas (Deixe essa vergonha de lado), protestando contra o programa de controle da natalidade oficial do governo no período da ditadura (Pare de tomar a pílula), quebrando, pioneiramente o preconceito contra as prostitutas (Eu vou tirar você desse lugar), foi chamado pelo jornalista Luiz Antônio Mello de “o Bob Dylan da Praça Mauá”.

Fazendo shows em circos, cinemas e clubes do interior, ganhando cachês muito abaixo da média dos “medalhões” da MPB de então, os bregueiros eram campeões na venda de discos, davam enormes lucros às gravadoras, mas mesmo assim, além de serem vítimas do preconceito da época, ainda enfrentavam (por incrível que pareça!) a perseguição da Censura, embora fossem, na sua grande maioria, pessoas despolitizadas.

O brega sempre foi considerado como um subproduto do gueto da cultura de massa, apesar de ser apenas um movimento – e de grande importância – musical. O santo protetor do brega, São Caetano Veloso, deu o primeiro passo para resgatar o movimento ao regravar, ainda no final da década de 60, “Coração Materno”, de Vicente Celestino. Depois, continuou quebrando tabus: gravou Odair José (Eu vou tirar você desse lugar), Peninha (Sonhos e Sozinho) e, mais recentemente, Fernando Mendes (Você não me ensinou a te esquecer). A partir de então, os intelectuais passaram a achar “genial” na voz de “Cae” musicas que eram “inaudíveis” na voz dos seus criadores. Por sua vez, o historiador baiano Paulo Cezar de Araújo, no livro “Eu não sou cachorro, não”, colocou o brega no seu devido lugar, como movimento musical.Graças a tudo isto, aos poucos, a música brega passou a ser vista com outros olhos. Claro que não se pode afirmar que a música brega é rica em poesia e harmonia; mas a intelectuália brasileira precisa seguir o exemplo Paulo Cezar de Araújo e Caetano Veloso: reconhecer a importância do brega e respeitar os artistas do movimento como profissionais e como seres humanos. É bom se ligar no resgate que a Patrícia Pilar está fazendo. Afinal de contas, Waldick não é cachorro, não.

Fernando Luiz Tavares

por Alma do Beco | 8:02 AM | | Ou aqui: 0




sexta-feira, dezembro 28, 2007

1501

Marcus Ottoni

"Nossa gente está protestando nas ruas. Ela era uma mulher de ferro, que tinha anunciado mil vezes que a matariam. Foi um ataque contra o Paquistão."
Ghulam Abbas, secretário-geral do Partido do Povo Paquistanês na região de Punjab, sobre o assassinato de Benazir Bhutto


DEUS.DOC

Eduardo Alexandre

deus.doc

the computer

in winword

seis ponto zero

deus.doc

WINDOWS

MEU DEUS, DIANTE DE TI

ESTOU PERDIDO

SEM CONHECER OS TEUS SEGREDOS

AS TUAS MANHAS

TEUS CÓDIGOS

OU ÍCONES

MEU DEUS DIANTE DE TI

ESTOU PERDIDO

DIANTE DE TANTAS POSSIBILIDADES

E NÃO SEI USÁ-LAS

DEUS LEVE-ME AO

TUTORIAL

OU AO HELP

HELP GOD COMPUTER MMMMMM




MMMMMMM MMMMMMM MMMMMM MMMMMM

MMMMMM O QUE É ISSO CHEIO DE VERDES E AZUIS ?

MARGENS

IMAGENS

QUE NÃO SEI DE ONDE VÊM...

GOD COMPUTER, AJUDA ESTOU PRECISANDO

UNLOCK. RESET. F1. CAPSLOCK

A\: QUE DIABO EU TECLO?

TIMES NEW ROMAN

REC. INSERIR

QUE É QUE EU FAÇO DO MEU

486 DX 40 4 MB DE RAM?

PAGE DOWN \*\* PARK

Natal-Rn, novembro de 1994



Beco da Lama, 1501

Antes dos poetas, antes das hebdômadas hostis de cada esquina, do lendário Câmara Cascudo, o Beco da Lama já existia. Noutra geografia, mas existia.

Sua vegetação era rasteira. Existiam aguapés secos, maceiós desgovernados.

Um gramado de restinga aprisionava a areia ao solo.

Assim, foi o beco um dia. A areia fina, grãos polidos pelo vento, cartão postal que impressionava olhos desprotegidos. Era terra de lobos vermelhos, leões de todas as cores e tamanhos, veados voadores, peixes que andavam e cavalos que nadavam.

Lembro-me da primeira vez. Do dia que venci todos os obstáculos primários e caminhei pelas ruas do Beco. Foi enfiando os pés nas areias fofas e quentes da praia que derrotei as primeiras léguas. Driblei tanto a fauna faminta quanto a flora melindrosa.

Foi chegar ao Beco pela primeira vez e ver sua alegria incomum, sua rotina que teima em surpreender.

À meia légua da desembocadura do grande rio, vi um grupo de mulheres jovens. Do estirâncio, elas observavam a geografia estrangeira que galopava lenta pela praia.

Em minha direção, resolveram caminhar. Rapidamente. Um passo majestoso, curto, ligeiro. Caminhavam ansiosamente felizes. Simplesmente caminhavam. Felizes. Assim, o grupo chegou bem próximo de mim.

Pareciam comentar sobre o achado.

Começaram a tocar-me. Seus braços e ombros esbeltos, alegremente, estudavam milímetro por milímetro do meu corpo.

Fiquei corado de vergonha. Procurei afastar-me discretamente. Não cheirava bem. Foi inútil: antes de somar alguns passos, elas me cercaram e começaram a tocar-me novamente. Sorrisos largos, seus pudores nus. Um carrossel holandês de belas mulheres girava embriago, fazia o meu sangue ferver. Elas eram lindas, seus corpos perfeitos. Pareciam amigáveis e não ligaram para o meu aspecto asqueroso de rato de navio.

Pensei ser a visão do paraíso. Um paraíso jamais imaginado. As conseqüências disso, uma ereção monumental.

Medo, euforia, prazer, dúvida? Não sei ao certo, só me lembro de salivar. Salivar muito.

Meus cabelos crespos aprisionavam suas mãos. E elas puxavam, e doía. Tocavam meus pudores, amassavam meu órgão ferido de tanta manipulação. Antes de tudo escurecer, eu apenas desfrutava, sem nada expressar.

Acordei amarrado pela cintura. Senti nos lábios um gosto adocicado de uma bebida lombrosa, misteriosa, amarga, que embaçava meus olhos.

Aos poucos, a embriaguês transformou-se em lucidez gostosa. Meu corpo estava

relaxado. Apesar do galo na cabeça dormente, meu corpo estava relaxado.

Eu podia ver mulheres e homens consumindo, até a exaustão, o precioso

néctar. As mulheres serviam-no aos homens, que bebiam e dançam. Uma

multidão.

Pintados, emplumados, com instrumentos de sons, enfeitados. Produziam um ritmo dançado por toda a tribo. Percussão e harmonia.

Corpos cobertos por penas brancas e cocares de penas vermelhas puxavam fila indiana. Fila que se estendia por centenas de metros. Ela dava voltas no entorno da aldeia. Num mesmo ritmo. Uma marcha poderosa.

As mulheres cantavam e beberam por último. Pintaram seus corpos nus, ostentaram adereços emplumados e saíram também como em procissão. A noite era toda de festa.

Vi um homem enorme que segurava um pau igualmente grande. Estendido por trás da cabeça, em posição de ataque. Fiquei sóbrio nessa hora. A corda amarrada à minha cintura nua, como um cabo de guerra, roubava-me o fôlego.

Desta vez, o tacape foi mortal.

Soube, depois, que comeram minha carne moqueada junto a ervas. Mulheres fizeram papa de mandioca, banquete de ritual.

Fui devorado para ser eterno entre eles. Para ser um deles. E acho isso bom.

Sob uma única condição, pesa pequeno fardo: em troca, uma maldição guia meu espírito pelos tempos, não tenho escolha: sempre quero voltar e tem que ser para o mesmo lugar do ritual: todas as vezes, nascer, viver e morrer no Beco da Lama.

Franklin Serrão

por Alma do Beco | 4:46 AM | | Ou aqui: 0




quarta-feira, dezembro 26, 2007

FORÇA MAIOR

Marcus Ottoni

"Cappio não é um ingênuo e nem um fundamentalista. Todos o consideram um homem de fé que tem 40 anos dedicados aos mais pobres e a estudar o rio São Francisco, símbolo para ele da vida que oferece água aos camponeses ribeirinhos, e cujos 2,8 mil km percorreu durante um ano junto com um sociólogo e um agricultor para, em seguida, escrever um livro."
El País


entre tantas lutas que você curta
às vezes curtas
às vezes brutas
todas elas tantas lutas
mesmo que seja um bode que voce chuta
ou aquele colírio que parece uma gruta
saiba que o amor ainda surta
mesmo para o mais podre filho da puta
e que Deus não é uma marca que multa
aqui, ali, em baixo, por cima da disputa
queira que a mais doce arte, tão culta
abençoe teus beijos, abraços e todas as frutas
e mesmo que chore, repita e durma de forma tão abrupta
uma força maior do que tudo, está acima do que você pensa que é fajuta

Carlos Gurgel


FIO DE ARIADNE, CRISTAL DE LUA, POESIA FEITO CARLOS

Marcílio Farias

“Os romanos, em geral, confiam apenas na força para a realização de seus projetos, e pensam que é um dever nacional finalizar suas empreitadas, apesar dos protestos do mundo. E mais ainda, acham que nada se lhes é impossível, uma vez que põem na cabeça uma idéia louca qualquer.” (Polibius)

O poeta desfia e desfaz a linguagem do poder. Ele nos entrega, cru e nu, o veio nervoso e exposto da linguagem que toca no invisível ponto onde emoção e razão se abraçam, permitindo que o código íntimo da nossa humanicidade se revele – e ensine, desvele, ilumine.

A poesia contemporânea serve mais do que nunca à linguagem do fascismo corporativista, cheio de meias e duplas palavras, cômodo restolho e repouso de mentes conformistas e conformadas. Linguagem feita de escombros e esqueletos apodrecidos, código morto como a linguagem de um Ocidente prostituído até a alma em nome da ganância, do petróleo, da guerra e do medo.

Quando Gurgel lançou, há mais de trinta anos, o seu primeiro trabalho (Pulsações), foi como se o Mar Vermelho se abrisse deixando passar um forte feixe de assombrosas iluminações, tal qual Rimbaud, que, duzentos anos antes, desmantelara as platonices dos simbolistas, românticos e tantos outros bajuladores dos governos e das sociedades que subservientemente lambuzavam com sentenças cheirando a morte, mofo e indolência.

Hoje, em plena era da nova Pré-Historia fascista, antevista por Pasolini, Battaille e Barthes, leio com emoção o novo trabalho daquele a quem sempre considerei e considero a voz mais importante da poesia do meu século. “Apaixonada Poesia Louca” (Edições Fundação José Augusto, 2002) nos dá a voz veemente, vibrante e tranqüila de um poeta para quem ‘poetizar’ e ser são um só e o mesmo.

Thomas Merton nos alertou há quase meio século para a importância do poeta, do verdadeiro poeta, como o único capaz de sentir e reagir contra o que ele chamou de “doença fascista da linguagem do Ocidente”, a qual, desde a formação do Sacro Império Romano Germânico, infectou com duplicidade e mentiras o universo do dizer desse Ocidente.

O poeta, o verdadeiro poeta, seria aquele que, mais do que antena de sua raça (a raça poética), seria o verdadeiro guerreiro do conhecimento estético, o homem estético de Schelling, o qual, em seu trabalho quase monástico de contemplação ativa do mundo, dar-nos-ia as boas palavras, as palavras reais vinculadas a uma profunda interação/integração entre homem e mundo.

Gurgel sempre foi esse tipo de guerreiro. Sempre foi o nosso poeta “maior”. Este livro mais recente que agora leio prova e comprova a assertiva de Merton.

Como o não-dizer do Vaygharava tântrico ou o Swastiasta védico, o texto de Carlos continua simples em sua enigmaticidade. Palavra tão simples, tão cristalina, que o mistério daquela dimensão vertical (Maritain) da existência nos toma de assalto por uma pura obra de circunstância do belo. Mas não o belo dos poetas de fim-de-semana, os quais usam artifícios lingüísticos para incensar os próprios egos e se atrevem a chamá-los de poesia. Não: a simplicidade (e complexidade) do signo gurgeliano carrega uma vertente ontológica irredutível a formulações. Cristal de lua.

“Incólume

Como picolé ao sol

Os pecados têm vida longa

Eles se sustentam

Ao redor de nossos sonhos juvenis” (pg. 25)

Quando Bataille nos lembrou (há quase um século) que a transgressão é o caminho mais óbvio na luta contra a ignorância do nosso trágico Ocidente, ele poderia muito bem ter utilizado como exemplo esse texto de Carlos:

“Brincar com fogo

é como ajuizar pecados mortais” (pg. 35)

Mas o poeta, cuja poesis consolida nesse novo opus uma serenidade antevista em seus primeiros trabalhos, não se acomoda na firmeza e consistência de sua artesania incomparável: ele continua trabalhando e esfoliando verbo e dizer, escavando e espremendo signo e significado, torcendo-o e torturando-o, porque sabe que nossa linguagem ocidental está prenhe de toda uma contextura fascista, opressora, negativa e negadora de si e do homem que a utiliza. O verdadeiro poeta, como Carlos, jamais consentirá com esse processo.

“Burros gemem no meio da noite

No meio da cidade do meio da noite

Burros gemem no meio da cidade

No meio dos burros a cidade geme

No meio da cidade no meio da noite

A cidade geme no meio dos burros” (pág. 96)

Ao parodiar uma forma ‘escritural’ (iâmbico-pentamétrica que atrasou a poesia do ocidente em mais de 100 anos e foi salva no século passado por Eliot e Pound), Carlos se dá ao luxo de ‘desmantelar’ a estrutura sem propor nada mais que a própria transgressão de seu intento trans-(não ‘meta’)-lingüístico. Considero o poema acima como um dos mais importantes momentos da poesia de nosso tempo. Lembrando Bataille mais uma vez, Gurgel nos leva a contemplar ativamente o fato lingüístico através do puro olhar da frase provocante, insidiante, transgressora.

Não me admira o fato de Carlos jamais ter recebido o reconhecimento nacional e internacional que merece. Natal sempre foi avessa e cruel com seus artistas, justificando aquela frase crítica de ninguém é profeta em sua própria terra.

Mas me irrita o fato da cidade (que, ao que parece, dá mais valor a uma centena de estrangeiros e mafiosos pseudo-milionários do que aos seus poetas, pintores e músicos —qual o justo reconhecimento que Eduardo Alexandre de Amorim Garcia teve pela ousadia transgressora da Galeria do Povo?) ainda não ter atentado para o fato de ter em seu meio um “inventor” de formulações poéticas inigualáveis, que, aos 13 anos de idade, antecedia movimentos poéticos que o sul do país (via Chacal, Ronaldo Bastos, Chico Alvim e tantos outros cariocas hoje em dia louvados em todo o pais como ‘inovadores’) só iria reconhecer no final dos anos 70.

Isso me irrita pois mais uma vez prova o que Mário de Andrade já dizia a Peregrino Junior em 1929, entre um uísque e outro, na Rua do Ouvidor: ‘Junior, o que estraga esse pais não e’ a cachaça mas a burrice”.

Na era da globalização da estupidez e da internacionalização fascista do medo; na era da linguagem ideologizada e ideologizante do medíocre e do superficial, a poesia de Carlos espalha uma sanidade que o mundo só conheceu com Rimbaud, Lautreamont, Bataille, Pasolini e Barthes. Uma sanidade que nos dá o visível da existência através do não-visivel do sentido e do significado. Fio de Ariadne reconstruído com a vida vivida por e para a disponibilidade poética, labirinto de sensações e sentimentos que só um poeta maior pode ser capaz de construir e navegar serenamente.

“O sol quando se Poe

Amanhece cedo

Depois

Quando vem a gritaria do mundo

Ele se esconde” (pg. 97)

por Alma do Beco | 3:08 AM | | Ou aqui: 0




segunda-feira, dezembro 24, 2007

ESTRELA DO MAR

Marcus Ottoni

"Se tentarem me derrubar, terão que me tirar morto do Palácio do Governo."
Evo Morales, presidente da Bolívia


Travessura

a lua

na poça da rua

finge-se estrela do mar.

Márcia Maia



Madama Baticum

Aroldo Martins


Tontas iaiás balouçam os corpos revoltosos num rendilhado de saias alvoroçadas, multicoloridas, num ritmo de tantãs atordoando os enfeitiçados.

Os atabaques percutem em estonteante pulsação, mesmerizando as iaôs dançarinas - algumas, manifestadas, desatando a rir em achaques e tremeliques - ululando ao léu, noivas de uma lua em sombrio e tenebroso minguante.

Um mão-de-faca acende bugias. O terreiro reluz na penumbra num bruxuleio misterioso de flamas dispersas, entre sombras escondidas.

Longe, doce e harmoniosa corimba é entoada, enquanto atravessas com mavioso canto o espesso negrume dos incensos, os olhos estranhamente luzidios fulgurando na meia escuridão.

Albina, gema do Areal, dona de perfumadas noites de macumba, rainha dos encantados hotentotes, maga da indiara cabocla, é bem-vinda mãe.

Senhora dos seres dos mares, conselheira da mãe-d’água, tu que abafas o silvo da pérfida caninana, livra-nos da besta-fera, afasta-nos dos hodiernos miasmas da Ribeira.

Se, num teu pesadelo, ao vislumbrares, em soturna noite de trovoadas no Refoles, um vulto chagado cavalgando uma mula-sem-cabeça e que, em disparada, uiva, paralisando as ostras, gorando as ninhadas dos pequeninos maçaricos, manda-o de volta para a aldeia, mãe: aquele é o calunga de Zé Pretinho, nosso primeiro enforcado oficial.

Mas, se em tua mansuetude dormitas entre nuvens e em lindos sonhos avistares um caboclo velho soprar volutas de um boró, provocando o panapaná das borboletas; colher a dália e; espantar a osga cantarolando a música do primitivo gentio, traze-o, mãe, faz ogã de mim, cambone teu, e desce, Albina, baixa nesse povo que te ama aquele que mexeu com catimbó; aquele que tudo sabe, faz e acontece, esse buliçoso e serelepe Zé Pilintra de marca maior: o encosto de Cascudo.



Rua da Conceição

Jeanne Nesi


Até o ano de 1700, existiam em Natal apenas duas ruas: a da Cadeia e aquela que era chamada O Caminho do Rio de Beber Água, hoje representado pelas ruas Santo Antônio e Conceição. Aquele rio de Beber Água era o antigo Rio Tiuru, Tissuru, da Cruz ou do Baldo.

Registro de concessão de terras, de 6 de agosto de 1791, refere-se à rua da Conceição atual, àquela época descrita como a “rua direita, que vai por detrás da matriz”. Em 1808 apareceu, pela primeira vez, a denominação da rua da Conceição, conforme documentação relativa a uma doação de terras, concedida pelo Senado da Câmara do Natal, em 14 de junho de 1808, a Antônia Rita.

Em data anterior a 1791, a atual rua da Conceição constituía-se apenas das cercas que limitavam os fundos dos terrenos, cujas frentes estavam voltadas para a rua da matriz. Existiam também no lado poente, o Armazém Real da Capitania do Rio Grande, ocupando o terreno onde hoje encontra-se implantada a sede do IPHAN, no Rio Grande do Norte, restando do velho Armazém, uma relíquia histórica – a parede de sua fachada posterior, construída em alvenaria de pedra e cal.

O capitão José Alexandre Gomes de Melo recebeu uma doação de terreno, em 21 de agosto de 1819, “para fazer casa no fundo da sua, em que mora, na rua da Palha”. A casa residencial já existente, onde morava José Alexandre foi o primeiro sobrado particular construído em Natal. O prédio chamado “sobradinho” ainda existe na rua da Conceição, encontrando-se tombado em nível nacional, nele funcionando o Museu Café Filho.

Em 1822, segundo informação de Pizarro e Araújo, existia o edifício da Fazenda Pública, na rua da Conceição, no mesmo local hoje ocupado pelo edifício do Palácio do Governo.

Até o início deste século, a rua da Conceição era pouco habitada, nela ainda havendo terrenos desocupados. Segundo Câmara Cascudo, “em 1834 havia um matagal espesso num dos lados. Tão denso que escondeu durante duas horas, os assassino do tenente-coronel José Leite do Pinho”. Em 1897 a Intendência Municipal realizou um recenseamento urbano. Joaquim Severino, o agente encarregado do censo da rua da Conceição, registrou a existência de 33 casas e 204 habitantes.

Com o objetivo de instalar o parque do atual Palácio do Governo, foi derrubado, em 1908, um trecho da rua da Conceição. Em 1914, outro quarteirão foi demolido, a fim de ser construída a atual Praça 7 de Setembro. Uma das casas destrídas era conhecida como a “Casa do Nicho”, a antepenúltima à esquerda, antes da atual Ulisses Caldas”. Aquela casa apresentava, na parede de sua fachada principal, um nicho, “fechado com portinhas de madeira. Abrigava um vulto de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da rua e origem do topônimo”.

A Casa do Nicho tornou-se um ponto de romarias, onde o povo parava para rezar, acender velas e pagar promessas. A edificação pertencia a joaquim Inácio Pereira (o 1º), passando posteriormente, por herança, às mãos do seu filho homônimo, o Comendador e Vice-Cônsul de portugal, joaquim Inácio Pereira (o 2º).

Em meados do século XX, Luís da Câmara Cascudo localizou aquela imagem de Nossa Senhora da Conceição, em poder da viúva de Calixtrato Carrilho, Idalina Pereira carrilho. Assim Cascudo descreveu a imagem:

“É uma figura de 29 centímetros e meio de alto, esculpida em madeira, num relativo estado de conservação. Tem as mãos postas, os pés ocultos em nuvens, de onde emergem cinco cabecinhas de anjos, encimando-a uma coroa de prata, já escura, de pobre valor. É trabalho de influência nitidamente portuguesa, denunciando a prestigiosa tradição dos santeiros de Braga, especialmente no manto ornamental, azul-oiro, no exterior e vermelho-oiro na parte interna. O manto não recobre a cabeça da imagem mas o faz um pano branco, com verso imitando brocado. Está com o pescoço nu, gola deitada e olhos de vidro".

Na rua da Conceição existiu um outro palácio, que serviu de sde ao Poder executivo no período de 1862 a 1869, o qual foi demolido juntamente com outros prédios, para nos terrenos ser construída a Praça 7 de Setembro.

Naquele velho palácio realizou-se um dos mais famosos bailes em Natal, no dia 2 de dezembro de 1868, em cuja ocasião foi servida, pela primeira vez na Cidade, bebida gelada. O gelo veio a Natal, embarcado desde o Recife.

No final do século XIX, concentravam-se na rua da Conceição, os principais jornais natalenses. "Ali vibravam as grandes folhas que apaixonavam centenas de correligionários e enfureciam outras centenas adversas. Ali viveu A Situação, do Dr. Henrique Câmara, em 1877; O Correio de Natal, de João Carlos Wanderley, em 1878; A Liberdade, órgão do Partido Liberal, em 1885; O Nortista e o Diário de Natal, de Elias Souto, 1895; A Capital, em 1908, de galdino Lima, Honório Carrilho e Juvenal Antunes e dezenas de jornaizinhos impressos nessas tipografias". Existia ainda naquela rua, o Bilhar Americano, a Alfaiataria de Gabriel Narciso Aranha, o Armarinho de Manuel Joaquim da Costa Pinheiro e a Padaria Flor de Natal, além de várias casas residenciais.

No terceiro quartel do século XX, a rua da Conceição sofreu outra mutilação, perdeu outro quarteirão constituído de valioso casario colonial, para dar lugar ao imponente e moderno prédio da Assembléia Legislativa.

Em recente restauração empreendida na praça por detrás da igreja matriz, pela Prefeitura Municipal de natal, o Caminho do Rio de Beber Água perdeu a sua principal característica, que era a ligação entre as ruas da Conceição e de Santo Antônio. O trecho foi fechado com o objetivo de ampliação da praça Padre João Maria. Uma pequena obra que prestou um grande desserviço à memória cultural da Cidade.

Atualmente a rua da Conceição está reduzida a um pequeno trecho. Nela destacam-se os prédios do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, o Museu Café Filho, instalado no velho sobradinho e a casa onde hospedou-se o padre João Maria, quando chegou a Natal, para assumir a paróquia de Nossa Senhora da Apresentação, atualmente ocupada pela sede da 3ª Sub Regional do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio Grande do Norte.


Eu, por mim mesmo

Fernando Kallon


Sempre achei que toda confissão

não transfigurada pela arte

é indecente.

Minha vida está nos poemas.

Meus poemas são eu mesmo,

nunca escrevi uma vírgula

que não fosse uma confissão.

(Mário Quintana)


Infância e juventude no Tirol. Antiga rua Revisão, hoje Nelson Fernandes, próximo à praça Augusto Leite. Naquele tempo ainda havia mangueira, campo de pelada e terrenos baldios: o paraíso dos meninos vadios.

Amizade com a família Rebouças. Todos músicos: Marcos (falecido), Marcelo, Marcílio e Marcone. Os acordes do violão em serenatas, bordando o silêncio nublado das noites suburbanas. A infância embalsamada eternamente na pirâmide da saudade. Os primeiros versos vaga-lumes bailados na sombra.

O sangue fervendo nas veias em ebulição das aventuras.

Sonhando com os olhos vendados.

Quebrar o “gato no pote” da rotina.


“Caminho com todos que caminham. Não poderia permanecer imóvel, assistindo a procissão passar” (Gibran).


Primeira carona, de navio, aos 16 anos para a Bahia via Recife e Maceió. Chegada noturna em Salvador. Navio atracando ao largo: meu primeiro “Descobrimento do Brasil”. Batuque de atabaques do candomblé e toques de berimbau. A magia e o mistério da malícia e da ginga do bailado da beleza negra enluarada no jogo de capoeira de Angola. “Salve o mestre Pastinha, salve os filhos de Zumbi, capoeira de Angola se pratica por aqui” como diria meu camarada e amigo do peito Iaponan Camafeu de Ogum.

Na madrugada, saveiros silenciosos que partem, navegando com suas velas brancas beijadas pela banda refrega do vento sudoeste. Proas apontadas para esverdeada tocha da estrela da manhã. Pendurada na cumiera do céu, como uma aranha luminosa, tecendo com seus raios sua teia na sombra, a estrela Aldebarã. No jardim nublado do tempo, a neblina aguando a rosa dos ventos. Navegar é preciso. Viver “nunca” foi preciso.

Calça o leme, finca o mastro, abre o pano, amarra os “tais”, aperta a mura, puxa a escota, que o vento é em popa, não precisa bordejar. Joga água no pano proeiro, que nos vamos marear pras águas lá de fora, das ondas de alto mar, do reino encantado da Rainha Iemanjá, Janaína, Inaê, Marbô, Dandalunda, Mãe Sereia, Princesa de Aiocá. Quantos nomes ela terá? Só o devoto saberá!

As canções praieiras de Dorival Caymmi: o guru musical do mar.

Bahia: o deslumbramento!

O amor à primeira vista. O sonho realizado deixa o poeta maltrapilho de alma coroada.

Bahia: o encantamento!

Bahia, que depois eu voltaria, como alguém que volta para a amada.

Bahia: “Jorge” para sempre “Amado” . Vida “noves fora”: poesia...

Meu coração, cigarra vadia cantando de noite, cantando de dia.

“Não vadeia Clementina! Fui feita para vadiar...”

Volta para Natal. Tirol. A avenida Alexandrino de Alencar, era a fronteira para o bairro de Lagoa Seca. Do outro lado, a turma da “barra”. Raul, Garcia, Bianor e Paulinho Marinheiro.

Turma da Barra com sua discoteca universal, que abriu ainda mais o leque musical. Naquele tempo não era bom se aventurar para os lados da avenida 4 sem um cabo de aço como cinturão e um canivete no bolso. Pare! Olhe! Escute! Como em sinalização de cruzamento de via férrea, é prudente você seguir as instruções do aviso ao transpor os limites do gueto potiguar, para evitar acidentes fora do trabalho. No morro e na favela, o “perigo” é uma máscara de espantar otários. Se você tem passaporte de malandragem, dirija-se à plataforma de embarque e boa viagem. Noel Rosa só pode nascer no jardim da boemia. Que fiquem quietos os espinhos comportados. “Purifiquem-se pelo pecado”, como já dizia Rasputin. “Poetas do mundo todo, uni-vos”.

Década de 60: Natal em efervescência cultural. A turma do poema processo, Dailor Varela, Falves Silva e sua extraordinária exposição no “Francesinha”. Zizinho me empresta Neruda que eu nunca devolvi, me esqueci. Amnésia alcoólica. Ainda bem. Francisco Borges “França” da avenida 7, que me apresentou a maravilha da literatura russa, Dostoiévski, Gorki, Gogol, Tolstoi, Turqueiev, Maiakóvski, Pusckin, Lermontov. O músico João de Deus me apresenta a Walter Varela, “Berbe”, que me levaria pela primeira vez a Maracajaú. Formação do conjunto musical “os Berbes”, do qual, juntamente com meu amigo ariano, Graco Legião, seria compositor e participaria de um Festival de Música do SESC.

Ida para o Rio de Janeiro.

Intercâmbio poético com poetas anônimos que circulam pelos jardins do M. A. M. Morada no bairro do Estácio. “Se alguém quer me matar de amor, que me mate no Estácio” (Luís Melodia).

Viagem do Rio de Janeiro para São Paulo de trem com Dieter Bischoff, um pintor andarilho de Bremen, Alemanha. Viajamos grande parte do interior de São Paulo. Estadia em Ilha Bela, na casa do pintor basco Fernando Odriozola. Volta para o Rio de Janeiro.

Festival de Música de Pedra Azul, em Minas Gerais. Novamente Salvador, ilha de Itaparica.

Aracaju, Maceió, Recife, onde me fixei um tempo na praia da Barra de Jangada, quando ainda era ainda uma pacata aldeia de pescadores. Olinda.

O movimento hippie assanhando a cidade como uma caixa de marimbondo. Amizade com a tribo pernambucana. Grupo Ave Sangria, de Marco Polo. Dom Tronxo, Marconi Notaro, Lula Côrtes. Conjunto Semente Proibida, do baterista Israel. Julinho do IPSEP em dueto de violão e flauta com Graco Legião. Morada um tempo na praia de Candeias, que a lua cheia na noite incendeia.

De volta a Natal. Depois de um tempo na praia da Redinha, fazendo dieta de cachaça com peixe frito e tapioca, novamente a estrada da “Canção da

Estrada Aberta”, como o poema de Walt Whitman, “On the Road” do beatnik Jack Kerouac.

Fortaleza, Canoa Quebrada. Teresina, São Luis, uma cidade encantada como Salvador e Natal. Belém do carimbó, do pato no tucupi, da maniçoba e do tacacá. Mercado Ver o Peso. Ilha do Marajó. Brasília, São Paulo. Santos. São Vicente. Novamente Natal. Praia do Meio. Molecagem na beira-mar. Rua do Motor. Morro de Mãe Luiza, Areal, Canto do Mangue. Rocas de todos os Canguleiros do mestre Itajubá.

Praia dos Artistas, Galeria do Povo, Partido do Povo Brasileiro, King Eduardo Alexandre, meu rei de “...e nem assim saberei”.

Maracajaú. O poeta hipnotizado por serpentes marinhas. Cantar as canções que Maracajaú canta dentro de mim. A continuação das canções “berbeanas” de Walter Varela, acalentando o silêncio noturno da aldeia adormecida. De manhã cedo, o grito de aboio de Dom Miguel Paiva chamando o gado. Pastoril Coco de Roda. Violões acompanhando modas praieiras. Pescaria de tresmalho. Caçoeira. Paquetes que trazem o caíco, jangada que vem de longe trazendo peixe graúdo. Pescaria de dormida das “cavalas”.

O “escaldaréu” debaixo dos coqueiros acompanhado de pimenta e cachaça. Confraternizações de amizade do povo do mar, meus amigos pescadores de Maracajaú, todos eles atracados no porto do meu coração. No reino da humildade, disfarçados palácios de palha.

Novamente gira a roda do destino me levando pra viajar. Areia Branca. Praia de Upanema. Lugar do meu amigo pescador “Budé” e de Francisco das Chagas, “o Raul de Upanema”, com a magia colorida de seus pincéis. Entrada, Praia Grande. Redonda, Morro Pintado, Cristovam, Ponta do Mel. Rosado, Macau, Diogo Lopes, Zumbi.

Perambulando pelo interior do estado com um parque de diversões, depois com a companhia do “Espanhol Circo”, do nobre Nelito.

Viajando com os ciganos, o povo Calon, “o povo do vento”, a magia, o mistério e o encantamento da raça cigana: peregrinação milenar da liberdade. Os acampamentos ao redor das cidades, na beira das lagoas, dos rios. A alma cigana não cabe dentro de uma casa. Eu já fui “juron”. Hoje, sou “kalon” de força absoluta nos versos do violeiro Ivanildo Villanova, exilado no quilombo de Sibaúma. Pipa, Tibau do Sul. Barra de Cunhaú, Baia Formosa, Redinha. Pirangi do Sul, Pirangi do Norte. Praia de Santa Rita.

Agora, no verde vale do Pium. Parceria com Edinho na música “Natal de João”, gravada por Cida Lobo. Compositor fundador do grupo Alcatéia Maldita, com diversas composições, entre elas, “O Pescador”, “Vela de Barco”, “Alçapão”, “Gavião de Penacho”, “Cio de Cobra”, “Ribeirando a Ribeira”, “Formigas Transando”, “Funeral Cigano”, “Campos de Algodão”, “Cavaleiros do Sabá”.

Parcerias com Raul Andrade, Graco Legião, João de Deus, Edinho e Jorge Macedo.

Recentemente fazendo trabalho com uma letra “Viola Feiticeira” com uma parceria musical de Tertuliano e Nagério. Autor de mais letras: “Tenda dos Orixás” com composição musical de Maurício Zaratustra Queirós. Poeta. Sem profissão definida nem indefinida.


“Aquele que não vive seus dias no reino dos sonhos, será sempre escravo das horas” (Gibran).

por Alma do Beco | 8:43 AM | | Ou aqui: 0




quinta-feira, dezembro 20, 2007

GURI

Marcus Ottoni

"O senhor não vai bagunçar a minha audiência. Aqui não é a Câmara dos Deputados. Você chegou aqui com uma carinha de coitadinho, de humildezinho, que veio do Pará ou não sei lá de onde. Mas aqui o senhor não manda. Fique quieto e responda às perguntas."

Maria de Fátima Costa, juíza titular da 10a. Vara da Justiça Federal, em Brasília, ao deputado Paulo Rocha (PT-PA), um dos 40 acusados do Caso do Mensalão, depois que este respondeu de dedo em riste ao procurador da República José Alfredo de Paula Silva.

Foto: Karl Leite

Pragmatismo


Não amei a deus

Nem ao diabo

Para nenhum dos dois

Acendi minhas velas

Não me ajoelhei

Em orações

Não me joguei na cova

dos leões

Vade retro satanás

Vade retro querubins

Não quero mais dualidades

Luz e trevas

Meias verdades

Se sou pó, ao pó voltarei

Dormir, talvez sonhar

E só


Cefas Carvalho





JANGO EM SANTA CRUZ

1962. João Goulart (Jango) era o presidente do Brasil. Aluísio Alves era o governador do Rio Grande do Norte e José Ferreira Sobrinho, meu tio, irmão do meu pai, era o prefeito de Santa Cruz.

O Major Theodorico Bezerra, deputado federal, era o líder político da região do Trairi e havia conseguido junto ao Presidente Juscelino, seu companheiro do PSD, o asfaltamento da estrada que liga Natal à Santa Cruz, concluída no governo de João Goulart. O Governador Aluísio Alves, por sua vez, estava trazendo, para o Rio Grande do Norte, a energia de Paulo Afonso e a primeira cidade a ser implantada, era Santa Cruz, no Trairi.

Com as obras concluídas, marcou-se a inauguração. Palanque armado na praça, todos os preparativos prontos, aguardando o governador que viria com todo o seu secretariado, além dos deputados estaduais e federais, e a comitiva do presidente da República.

A cidade inteira se agitava, aguardando a visita de personagens ilustres do Estado e do País: a estrada asfaltada traria para Santa Cruz uma quantidade de automóveis, ônibus, mixtos e caminhões nunca vista antes na região. Todos os municípios próximos e até de regiões mais distantes mandaram seus representantes para receber o presidente da República.

Início da noite, a praça apinhada de gente esperando ouvir o discurso das autoridades. O Governador Aluísio Alves, grande orador, fez um empolgante discurso, resgatando uma promessa de campanha: trazer a energia de Paulo Afonso para o Rio Grande do Norte. O presidente ressaltou o apoio dado através da CHESF, para a concretização do sonho dos norte-riograndenses, e do Ministério dos Transportes na melhoria da rodovia ligando a região à capital do estado.

Terminada a festa de inauguração, todas as autoridades presentes se dirigiram para o Trairi Club, para o coquetel de comemoração.

O clube estava lotado. Lá fora, o povo cercava a entrada principal, querendo ver o presidente. O Exército guarnecia toda a entrada e as laterais, com o auxílio da segurança da presidência.

Quando terminou o coquetel, Jango aproximou-se da porta de saída, ladeado de autoridades e seguranças. Caminhando na frente, firmemente, deixava notar o defeito da perna direita, cujo joelho não dobrava, vítima que fora de uma doença na adolescência.

Quando pôs os pés na calçada, eu, muito pequeno, corri em sua direção. Um soldado do Exército tentou me alcançar, colocando a mão sobre meu ombro e segurando pela camisa, quando ouviu a voz do presidente:

- Deixa!

Eu me aproximei, meio atônito, estirei a mão de menino para cumprimentá-lo. Ele apertou minha mão, e falou com a voz grave:

- Como vai, guri?

Continuou seus passos firmes e eu fiquei imaginando: o que será "guri"? Feliz da vida, por ter apertado a mão do presidente.


Chagas Lourenço

por Alma do Beco | 9:55 AM | | Ou aqui: 0




sexta-feira, dezembro 14, 2007

RUA SÃO PEDRO

Marcus Ottoni

"Já tem gente falando em pesquisa no rastro das eleições municipais do ano que vem. Por estas brenhas potiguares fala-se até de senhores e senhoras abrindo os cofres generosos de procedência duvidosa. Privados e semi-oficiais. No colunismo social (ah, o colunismo social potiguar!) percebe-se os primeiros arrepios."
Woden Madruga

Recanto de cultura


Paulinho a Cores e Chagas Lourenço

Bob Motta se apeia da moto, tira o capacete e se apresenta num boa tarde sonoro e sorridente. Traz, pronta na língua, a poesia matuta feita no dia, e vem conferir a aceitabilidade da dita.

Mesa boa em Nazaré, Bob senta e a conversa segue adiante, Chagas Lourenço contando proezas de sedução fácil de rapazote, nos tempos que amigou-se com Neuza Margarida Nunes e vivia na Ribeira, de cabaré em cabaré, haja cachaça!

- Seu Chagas, o senhor é fichinha pro mano véio aqui. Desafiou Bob Motta.

Espantado, Chagas deu uma tragada no seu Ramon Allones cubano; desceu a mão ao copo de cerveja geladinha que estava sobre a mesa, acompanhou as volutas de fumaça no ar; até que resolveu responder:

- Mais do que eu, eu sei que você conhece do assunto, seu Bob. Mas mais do que eu e Paulinho a Cores junto, você não conhece, não!

Percebendo o desafio aceito, Plínio Sanderson arregalou mais ainda os olhos e o Bardin fez tremer no pandeiro toque de execução de sentenciado.

- Esperaí queu vou pegar caneta e papel! Foi o tempo que Cabrito pediu para registrar o entrevero para a Capitão Gancho Produções Artísticas.

Eu vi Danusa de Salles,

dizer na televisão,

que nas Rocas, tão querendo,

fechar nossa diversão.

O fim da Rua São Pedro,

além de me causar medo,

me entristece o coração.

Sapecou Bob, em meio ao silêncio que se fez ao retorno de Cabrito.

Não era à toa que o assunto girava em torno de cabaré: aquele era o dia do fechamento da Rua São Pedro a chumbreganças comércio/amorosas.

E se falava de Maria Boa, Rita Loura, o Arpege, recursos, até da Transamazônica, manguezal da Praia do Forte.

Chagas estava numa de nostalgia de fazer dó. Como Neuza fazia falta! E lembrava as madrugadas de fim-de-farra tomando as saideiras com caldo de feijão a cavalo da Tenda do Cigano.

Conhecia tudo, o menino. Mas o dia era de Bob e ele estava interessado na estória. Consentiu e Bob levou adiante:

- Se eu fosse capaz de impedir esse estrupício, eu iria à Promotoria pra dizer:

Ilustríssimo Promotor:

No aspecto cultural,

nas Rocas, rua São Pedro,

é, além de colossal;

manancial de memória,

que se confunde com a história,

da cidade do Natal.

Como todo bom bar que se preza tem a mesa dos comunistas, Albérico, o diretor de organização do PCdoBeco se levantou, dedo vibrando no ar:

- Valeeeeeeeeeeeu, Bob Motta! Alguém tem que levantar a bandeira da defesa da Rua São Pedro!

Quando sentou, na aba lateral do bucho, levou beliscão forte de Marta, para fazê-lo esquecer tempos outrora ali vividos, gastando em três dias todo o salário do mês, ouvindo música de radiola de ficha, a rapariga no colo, e a vida que pediu a Deus no mundo.

Em nome da boemia,

sob o céu de azul anil,

não feche os bregas, doutor;

Se as radiolas de ficha,

deixarem de funcionar,

doutor, com toda certeza,

o senhor vai se tornar,

digo, nos versos que faço:

O coveiro de um pedaço,

da cultura potiguar...

Albérico não agüentou de emoção e levantou bruscamente, aplaudindo. Todos os outros comunistas foram solidários e levantaram também.

A última foi Marta.

- Eu sabia que um dia você ia entender porque eu dizia que a Rua São Pedro era um recanto de cultura da cidade do Natal... Disse Albérico, olhando-a nos olhos.

Levou um muxicão tão do condenado, que desandou e derrubou duas cadeiras, numa das quais estava a bolsa de Marta, que caiu na lama do beco de Nazaré.

Edgar Allan Pôla


BARES E CABARÉS DE NATAL, NOS ANOS 60


Pouco mais de dez por cento,

eu tenho da tua idade.

Minha querida cidade,

eu louvo a todo momento.

Natal, és um monumento,

a transpirar de emoção.

Guardo no meu coração,

também na minha retina,

minha Natal pequenina,

meu amor quatrocentão.


Falando tão bem assim,

da minha linda cidade,

com toda sinceridade,

acrescento, outrossim.

E não falo só por mim;

Natal, prá teus filhos, és;

inspiração nota dez.

E esse poeta apresenta,

na década de sessenta,

seus bares e cabarés.


Era o vício que se tinha,

visitar depois da aula,

Francisquinho, Zéfa Paula,

Acapulco e Francesinha.

Otávio, Raquel, Aninha,

Arpege, Plaza, Ideal,

Rita Loura, que legal.

Margô, lembro em minha loa,

Virgínia e Maria Boa,

que era a melhor de Natal.


A Ribeira era um tesouro.

Lá na Quinze de Novembro,

com saudades, eu relembro,

Magrifh e Rosa de Ouro.

Quem ía furar o couro,

no Bar da Tripa passava.

Na Pensão Coimbra dava,

um beijo numa pequena,

no Beco da Quarentena,

certamente se encantava.


Cleide Drinks era cheio.

E lá na Tenda Cigana,

se tomava muita cana,

na velha Praia do Meio.

Fazendo grande arrodeio,

nas Quintas, se ía bater.

No Soçaite, espairecer,

depois de comer cióba,

ía lá prá Maria Taióba,

continuando a beber.


Ainda lá, digo a vocês:

Madalena, Elisa, A Lua,

mais abaixo, na outra rua,

o Meu Rico Português.

Lá no Quilômetro Seis,

Dona Nêga e As Duas Rosas.

Jovens, alegres, formosas,

deixavam o cabra nos trinques,

Milagres e Tetê Drinks,

As Divinas e Maravilhosas.


Voltando à velha Ribeira,

lá na Boate Alabama,

com a cara cheia de rama,

na Rua São Pedro inteira.

No final da brincadeira,

Duruca fazia alí,

ensopado de sirí,

e quem passasse batido,

comia o peixe cozido,

na Peixada Potengi...

Bob Motta

por Alma do Beco | 7:50 PM | | Ou aqui: 0


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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