quarta-feira, novembro 26, 2008

MARIZE

Marcus Ottoni


"Pacientes morrem à espera de UTI no Walfredo Gurgel"
Manchete de matéria do Diário de Natal



Jornalismo solar

Marize Castro reúne neste livro três dezenas de entrevistas que andou fazendo com poetas, escritores, cronistas, jornalistas, artistas plásticos, dramaturgos, todos seduzidos pela arte de escrever. “Todos sangrando pelo mesmo lugar: a literatura”, como ela mesma gravou no rodapé desse mural-plural que foi desdobrado, aos domingos, nas páginas do jornal Tribuna do Norte, no decorrer do ano de 2001. Abriu-se nesse período um dos momentos mais ricos do jornalismo cultural de Natal, um ofício que Marize sabe exercer com maestria, provado com sobra quando dirigiu O Galo, da Fundação José Augusto, que foi ao tempo de sua existência um dos jornais culturais mais importantes deste país.

Nestas páginas do Além do Nome temos mais de 50 anos da história das artes em Natal registrados nos depoimentos dos entrevistados, autores e personagens alçados à mesma ribalta. Querendo, pode-se até fincar um marco. Ali, onde e quando aconteceu a primeira exposição de arte moderna na cidade nos anos 50 do século que passou. Dorian Gray, no centro do palco, lembra esse passado. Mas não é somente toda uma rica e agitada trajetória que aqui é contada, deliciosamente contada, através do texto claro, enxuto, objetivo, elegante e poético de Marize, que sabe que “O jornalismo tem asas, e deve voar, mesmo com turbulência, para céus límpidos. Cristalinos.”, como ela, poeta, jornalista, editora, cantou e voou em busca do “jornalismo solar” onde tudo pode se transfigurar, metamorfoseando-se através da imaginação refinada.

Todas as conversas de Marize com seus convidados foram informais, descontraídas, bate-papos amenos – mesmo quando provocativos – às vezes numa mesa de bar, diante do Potengi ou do mar Atlântico, ou num banco de praça, à sombra das árvores do Bosque dos Namorados ou dos oitizeiros da Praça André de Albuquerque – ali diante da primeira igreja ao redor da qual a cidade nasceu –, às vezes num alpendrado suburbano ou no canto de uma biblioteca particular. Digo mais: lendo as entrevistas, o leitor faz um adorável passeio pela cidade de Poti mais acolhedora. Redescobrem-se as velhas ruas do Centro: rua Felipe Camarão, rua São Tomé, rua da Estrela, rua Professor Zuza, Beco da Lama, rua Letícia Cerqueira, rua Camboim. Toda uma geografia sentimental que se estende à Ribeira, desce ao Canto do Mangue, sobe à balaustrada de Petrópolis, passa pela Praia do Meio, alcança o Barro Vermelho, Lagoa Nova, Lagoa Seca, Ponta Negra, acompanha os morros do Tirol, tabuleiros mais distantes.

Nesse andar pela Cidade, conduzido pela sensibilidade de Marize e tocado pela emoção que o seu texto oferece, o leitor tem a impressão que a poeta e jornalista andou desenhando pelos muros e paredes centenas de grafites apanhados na prosa com seus entrevistados, gente do quilate de um Alex Nascimento, de um Anchieta Fernandes, de um Dorian Gray Caldas, de um Dailor Varela, de um Tarcísio Gurgel, de um Franklin Jorge, de uma Diva Cunha, uma Carmem Vasconcelos, uma Iracema Macedo, uma Nivaldete Ferreira, um Luís Carlos Guimarães, um Nei Leandro de Castro, um João Gualberto, um Celso da Silveira, um Gilberto Avelino, um Paulo de Tarso Correia de Melo, um Diógenes da Cunha Lima. Tem mais gente, tem outro tanto desses pastores das letras.

“A poesia faz-se de coisa simples. Este é o seu mistério”, quem fala assim é o poeta Dorian Gray Caldas. Nesse mesmo grafite imaginário, o pintor Dorian acrescenta: “Eu gostaria de, na minha pintura, chegar mais próximo do poeta”. Mais adiante, o leitor andarilho pode se deparar num dos muros da rua da Estrela com essa inscrição de Nivaldete Ferreira: “Creio nos grandes amores, nos amores desmesurados, aqueles que nunca traem”. Ou numa das fachadas da rua São Tomé, lá está o poeta Paulo de Tarso Correia de Melo: “As grandes fontes poéticas são as populares. Desde Homero”. Franklin Jorge, mais adiante, numa parede da rua Princesa Isabel: “O mundo é uma carniça”.

O leitor poderá se encontrar com o poeta Alex Nascimento numa das esquinas da rua São João, em Lagoa Seca: “O único escritor que eu respeito, e para quem todo mundo tem que se ajoelhar, é William Shakespeare”. Na rua Professor Zuza está Nei Leandro de Castro, escrito na parede: “Poesia para mim é destino. O poeta deve agradecer esse dom, esse surto de divindade, mas não deve se orgulhar disso, e sim, agradecer sempre”. Na claridade de Petrópolis lêem-se uns versos de Iracema Macedo: “O meu poema é um cio, uma dor que me cuida, um cão, uma mãe que canta, um corpo moreno que luta”.

O passeio traz o leitor de volta a uma Natal de trinta, quarenta anos atrás. E nas lembranças desses poetas de agora, alcança-se um passado mais distante ainda. Chega-se aos terreiros de Luis da Câmara Cascudo, Auta de Souza, Ferreira Itajubá, Jorge Fernandes, Jaime dos Guimarães Wanderley, Esmeraldo Siqueira, Othoniel Menezes, Palmyra Wanderley, Antonio Pinto de Medeiros, Veríssimo de Melo. Celso da Silveira, poeta, jornalista e ator, disse para Marize Castro: “Quem me lançou na literatura foi Veríssimo de Melo”.

Deambulando com Marize Castro vamos nos encantar com o lirismo e a ternura de Luís Carlos Guimarães (“Meu poema lírico era o realejo na boca de um menino, o aprendiz e a canção”), lembrando seus primeiros encontros com Newton Navarro, aí pelos anos 1950: “Newton era um guia para a gente, era um grande orador. Ele desenhava a conversa com as mãos. Ele magnetizava, imantava. Era o cronista, o pintor, o contista, o poeta”.

Vamos por este passeio seguindo as trilhas sugeridas no jornalismo-poesia de Marize. Juntos degustaremos, na hora crepuscular, uma taça de vinho, e ela dirá baixinho, com aquele jeito e olhar – meio cúmplice meio alheio – de menina de Vila Nova, que “literatura é tatuagem perpétua”.


Sexta-feira (28 de novembro), às 18:30h, no Largo Dom Bosco (antiga rodoviária), 3º Encontro Natalense de Escritores.

Woden Madruga

Barro Vermelho, em Natal,

outubro de 2008.

por Alma do Beco | 6:16 AM | | Ou aqui: 0




quarta-feira, novembro 19, 2008

NAVARRO

Marcus Ottoni


"Não queria ter saído."
Maurílio Pinto, lamentando sua saída da Subsecretaria de Segurança


Alexandro Gurgel



Newton Navarro

Elder Heronildes


Newton Navarro completaria este mês, oitenta anos. Pode-se dizer, seguramente, que ele enche uma época, enche o tempo, enche uma vida, pelo transbordamento da sua vulcânica inteligência e da sua inquietude na tessitura pluralística de uma arte que glorifica, pela sua monumentalidade, o ser humano, em seus diferentes contextos e circunstâncias. É a persononificação da arte em sua plenitude, na dimensionalidade da sua exuberante criatividade, que parece algo divinal, descendo em cachoeira incontida para dar sentido ao finito existencial.

Tinha prazer em cantar a vida e trazê-la, na simplicidade grandiosa de suas telas ou na radiosa harmonia de suas poesias, ou ainda, na eloqüência de gestos e de ações, na descritividade de suas crônicas, ou ainda na urdidura elaborativa dos seus contos e novelas; trazer e fazer da vida uma entidade comum, no chão do nordeste que tanto quis e amou.

Segundo lembra Luiz Carlos Guimarães, nosso grande poeta, ele mesmo dizia que sua “temática era o nordeste. Mesmo quando pinto Dom Quixote, eu o pinto vestido de vaqueiro, com traços característicos dos homens nordestinos. 'Eu sou uma resposta do que vi e vivi'.”

Pelo poder criativo que nele abundava, graças à força da arte que se entranhava de maneira indissociável à sua alma, em permanente ebulição, unia na mesma grandeza, beleza e musicalidade, a pintura, a poesia e os mais diferentes textos, sem seccionar o nexo, a cadência e a harmonia.

Talvez por isso é que Luiz Carlos Guimarães, em discurso na Academia, proclamou com autoridade de amigo e de grande poeta:

“Essencialmente um poeta, Newton Navarro transformava em poesia tudo que tocava.”
E falando sobre a grandeza do escritor e do pintor, revela:

“Valendo dizer que escrevendo é um pintor e pintando e um escritor, numa conjugação de ambivalência que o torna um artista multifacetado e completo. Desconheço quem tenha demonstrado tamanha vocação de artista. Múltiplo, dominava com igual talento todas as áreas da atividade intelectual”, sentenciou, concluindo, Luiz Carlos Guimarães.

Ler Navarro é uma satisfação. É um instante de enlevo e de envolvimento. A alma sente a inspiração penetrante das imagens esvoaçantes dos seus textos. Na prosa, exala poesia. Na poesia, transborda uma magia de encantamento que enreda a ala nas teias da sublimação total.

Na crônica 'Joana – Sem', que linda e penetrante imagem:
“Sei de Joana que é muito pobre e por isso remenda seus sonhos com pedaços de nuvens.”

Poesia pura numa simples crônica.

Faz-me lembrar o que disse Affonso Romano de Sant’Anna sobre Rubem Braga, ao prefaciar “Livro de Versos”:

“E, no entanto, todos sabem que ele é dos maiores poetas da língua, só que em prosa.”

As narrativas de Beira Rio atingem um clima de nostalgia, fazendo surgir profundos sentimentos de saudade, de muitos e de quantos eram cúmplices fiéis e constantes de noites alegres e de indormidos e fervorosos instantes de serenatas, cânticos dolentes como uma espécie de reverencia espiritual àquela:

“Beira – Rio tem sido Pátria de apátridas e canto protetor desses deserdados que herdam, no entanto, o templo amplo e solto do não ter nada.”

Amou e cantou a Redinha, despojada e bela. Viveu os seus momentos e dali extraiu crônicas luminosas, revelando mitos, pessoas simples, lampejos de amores, de encontros e desencontros, fazendo do mar o estuário de suas visões nostálgicas, num sentimento de clareza que só a praia lhe proporcionava, vendo integralmente “O território livre da Redinha”, porque: “Há um misterioso chamamento que vem das bandas de lá. Vem no vento manso que arrepia o rio.”

E mais:

“O convite chega até você de muitos modos e de formas diversas. O nome adocicado e leve, da praia, do lado de lá, já por si mesmo é um convite: Redinha”.

Há, por acaso, neste Estado, alguém que haja cantado e docemente elevado o nome Redinha, como Newton Navarro?

Câmara Cascudo lhe devotava grande afeto e admiração, além do respeito à sua inteligência e sua verve poética, que se completava pintando, escrevendo (prosa) e falando. Fazia belíssimos discursos, às vezes, até inquietantes discursos.

Ele também gostava, admirava e cultuava o grande Mestre. E certa ocasião, num vislumbre poético, disse:

“A janela de Cascudo é a última luz que se apaga nas noites de Natal.”

Viveu intensamente os dias, todos os dias, como se fosse o último. Exteriorizou, de diversas maneiras e modos, a carga de energia interior que possuía, como se pressa tivesse de realizar com intensidade a obra que realizou, com estilo inconfundível e em gêneros diversificados, que lhe eram peculiares e singulares.

E ao fazê-lo, exercitava com a plena convicção de que “o estilo não passa do movimento da alma”, no dizer de Michelet. “Sua alma é um único e ininterrupto grito, e sua obra é a interpretação desse grito” (Kazantkákis).

por Alma do Beco | 9:56 AM | | Ou aqui: 0




terça-feira, novembro 11, 2008

RECAÍDA

O DIA DAS FLORES DE GARDÊNIA - A FOTO

Yasmine Lemos



Fotos: Plínio Sanderson / Yasmine Lemos / Zé Torres




















































por Alma do Beco | 10:31 AM | | Ou aqui: 0




segunda-feira, novembro 10, 2008

MÃE

Marcus Ottoni


"O avanço da maré, que em alguns pontos chegou a 500m nos últimos 20 anos, segundo relatos de proprietários e moradores, ameaça varrer do mapa construções erguidas em algumas das mais concorridas praias da região, como Pititinga, Muriú, Barra de Maxaranguape e Maracajaú."
O POTI, 09/11/2008

Plínio Sanderson

Nação Potiguar

 

Tu és a linda princesa nordestina

Sobre a margem do velho Potengi;

Os cantares do povo deixam em ti

A cultura com roupas tão divinas.

 

 

Os pintores em telas tão grã-finas

Mostram a alma dum povo a florir,

Pelo tom dum pincel que faz surgir

Os costumes de forma cristalina.

 

 

Foste outrora habitada por guerreiros,

Os caciques, pajés e feiticeiros,

Filhos nobres das terras potiguares.

 

 

Teu sorriso deságua no atlântico;

E "Praeira" enfeita o teu cântico,

Ofertando a canção aos grandes mares.

 

Gilmar Leite




CENTRO CULTURAL
Com a fama de andar meio parado, o Beco da Lama recebe hoje à tarde festa promovida por organização dissidente



BECO DA LAMA TENTA RETOMAR VANGUARDA CULTURAL

Onde anda Gardênia? Por aí. A tarde era quente no Beco da Lama, mas não impedia o pessoal de entornar algumas. Rum, cachaça ou cerveja, tanto faz. Faltavam pouco mais de 24 horas para a grande festa do Gardênia's Day e tanto não havia nem sinal do homenageado como os organizadores confortavelmente batiam um papo cabeça na mesa do bar. Beco da Lama é assim, baby. Não podia ser diferente.

Último reduto da boemia e da "arte de resistência" na cidade vendida dos reis magos, o beco andava parado ultimamente, dizem as boas línguas. Por isso, este respeitabilíssimo Gardênia's Day, que rola hoje a partir das 15h, em frente ao bar de dona Nazaré, no coração do centro histórico, não tem outro motivo senão dar uma sacudida na bagaça. A cantora e compositora Edja Alves será apresentada ao público. Pedro Mendes e Tertuliano Aires ainda farão os seus shows em meio a exposições de fotografia e artes plásticas.

Das veias criativas do Gardênia's Day, não sairá nada além de arte, irreverência e duas siglas. E nem precisa. Como é sabido, os visitantes periódicos do Beco da Lama um belo dia criaram a SAMBA - Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências, em fins da década de 90. Insatisfeito com a pouca movimentação, Eduardo Alexandre juntou-se a outros boêmios e criou a BAMBA - Boêmios Amigos do Beco da Lama e Adjacências.

No entanto, a dissidência não ganhará ares de rivalidade. Para ser sincero, a leveza com que os representantes da BAMBA tratam a questão é hilária. De sacanagem, já rola a onda de criar a MUAMBA - Movimento de Unificação dos Amigos do Beco da Lama. E haja sigla. Eduardo Alexandre resume a história assim. "Tudo parte da irreverência, não existe essa rivalidade. Na eleição passada, teve gente que concorreu pelas duas chapas, sem problema algum", conta, apaontando para o artista plástico Franklin Serrão.

Com certeza, não importa se é a BAMBA ou SAMBA ou a MUAMBA, ou qualquer outra, que faz a festa acontecer nos becos irregulares do centro histõrico. Contanto que aconteça. Natal precisa. Pede. Clama de joelhos. Ao definir a importância do Beco da Lama, Eduardo Alexandre contou ao JH Primeira Edição que os movimentos do beco conseguiram resgatar o centro histórico do abandono e da marginalidade. Do abandono, tudo bem. Mas não da marginalidade. Nada é mais marginal, na cidade do sol, que o Beco da Lama. Mas marginal no bom sentido, de quem está à margem e se coloca como alternativa frente à "cultura oficialesca" de "não me toques" da capital.

E olha que no fim da reportagem aparece Gardênia. De camisa rosa e unhas pintadas, ele posa para a foto com a língua para fora. O pessoal aplaude. Gardênia está com o olho machucado e algum engraçadinho também pintara a foto dele no cartaz, deixando ambos de olho roxo. Irreverência sem limite, Gardênia apareceu. Natal precisa de Gardênia.

Isaac Lira
JH Primeira Edição
08 de novembro de 2008

por Alma do Beco | 7:01 AM | | Ou aqui: 0


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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