quinta-feira, junho 29, 2006

PROGNÓSTICO

Marcus Ottoni


“É natural que um governante queira inaugurar obras que iniciou, prestando, assim, contas de sua administração. Mas Lula é “arroz de festa”. Gosta de inaugurar obras suas, obras dos outros, inaugura pedra fundamental, terreno baldio que um dia será uma obra. Enfim, Lula gosta de palanques e não perde nem batizado de boneca. Questão de estilo.”
Lucia Hippolito

Flávio Florido/Folha


Nem louca nem charlatã

Prognóstico em futebol não é como em eleições depois que inventaram ibopes e datafolhas. Quando a bola rola, entram em campo fatores inimagináveis, que vão da escapadela noturna da mulher do juiz à contaminação tóxica das chuteiras da Nike.

Pelo futebol apresentado, tanto de França como de Espanha, o lógico era esperar-se um clássico Brasil X Espanha nessas quartas-de-finais da XVIII Copa do Mundo. Como futebol é futebol e a bola é redonda e não reclama para onde a mandam, seja com os pés, mãos, cabeças, joelhos, canelas, costas e boca, ela gosta mesmo é de ouvir o bater dos corações na hora em que encontra as redes.

Aí é beijada, acariciada, levada dentro da camisa à homenagear gravidez e também chutada para o alto ou de volta às redes, depende de quem a encontra depois que transpõe a linha fatal.

Quatro jogos definem agora os semifinalistas:

Alemanha x Argentina, Itália x Ucrânia, Inglaterra x Portugal e Brasil x França.

Como semifinais, teremos:

Alemanha X Itália, Alemanha X Ucrânia, Argentina X Itália ou Argentina X Ucrânia, por uma lado, e, pelo outro: Inglaterra X Brasil, Inglaterra X França, Portugal X Brasil ou Portugal X França.

Os meus prognósticos, tenho trazido-os aqui. Para mim, dá, nas semifinais, Argentina X Itália e Brasil X Inglaterra, embora meu coração penda para Portugal.

E teríamos a mais esperada de todas as finais de Copa, ainda segundo esses mesmos prognósticos meus: a inusitada disputa do titulo mundial entre as vizinhas sul-americanas, rivais nesse esporte bote aí quase um século.

Outras finais possíveis seriam: Alemanha X Brasil, Alemanha X França, Argentina X França, (...).

E me pergunto: não é futebol que você está discutindo? A Ucrânia, onde fica? Já está eliminada de véspera? E Portugal, de Felipão? Não pode dar a volta por cima e vencer a Copa, com todas as dificuldades depois do vale-tudo campal contra a Holanda?

Dá, não dá. Prognóstico, até pode. Mas ser pitonisa de futebol, sei, jamais serei. Até porque todos ou todas que tentaram adivinhar o futuro foram loucos ou charlatões.

Fico, no entanto, aguardando que o Brasil chegue à final, para que eu possa assistir a Brasil X Portugal ou Brasil X Inglaterra das semifinais.

Mas se der, na final, Ucrânia X Inglaterra, você vai torcer por quem? E, no caso de um Itália X Portugal?

Neuza Margarida Nunes, enviada do Alma à Copa da Alemanha



PICHILINGA

Todos os dias, ano após ano, de dia ou de noite, quando passava pela rua do mercado central, ou em outra artéria de sua cidade, já se inquietando de medo, como que o espectro da morte sobrevoando-lhe o pensamento, ouvia, sem querer ouvir, aquela voz metálica, qual ferro em brasa, atingindo-lhe o local mais fundo do ser.

A voz metálica e com uma dose elevada de cadência fúnebre e ritmada, penetrando-lhe o cerne, provocando dores lacerantes, ensejava-lhe verdadeiro torpor, que, como chicotada, feria-o e fazia doer todas as suas entranhas.

A voz fantasmagórica e torturante induzia como um estigma agourento e tétrico, outras vozes a seguir-lhe o intento, transformando a singularidade numa ação coletiva, parecendo um coro ensandecido e lúgubre, fustigando-lhe e quebrando as já sofridas forças, numa pré-loucura já sentida.

A voz dizia, cadencialmente, ao vê-lo passar cambaleante e trêmulo: Pichilinga, Pichilinga, Pichilinga.

Nada o fazia parar. Nem a dor estampada naquele rosto já sofrido e alquebrado.

Quanto menos se mostrava incomodado e mantinha-se em silêncio sem nenhum gesto, mais alto se ouvia a voz da chacota e do desprezo para com a sofrida criatura humana. Já não andava, arrastava-se.

Diante da maldade e da crueldade extraídas das cordas vocais daquilo que poderia tratar-se de um ser humano, as reações que se ouviam dos circunstantes não sinalizavam repúdio ou protestos, mas a aquiescência. Às vezes silenciosas outras tantas com sorrisos e gargalhadas de mofa.

Sempre fora de pequeno porte. Parecia mesmo uma pichilinga. A natureza não tinha sido, para com ele, muito pródiga, daí a ausência de beleza exterior, embora, quanto a isso, fosse resignado. O conformismo adveio-lhe da carinhosa maneira de tratamento da mãe que, com doçura e grandeza de espírito, compensava as carências físicas do filho, a quem devotava um amor incomum. Amor que lhe dava força e, vivendo por entre adversidades de toda ordem, nem assim se queixava ou se irresignava. Lembrava-se, nos piores momentos, reprimindo com coragem suas próprias reações interiores, quando a passividade parecia abandoná-lo, da voz meiga da mãe, que carinhosamente dizia:

“Quando perto estiver de revoltar-se com as injustiças mundanas, lembre-se sempre que, em silencio, muito mais sofreu Jesus.”

Aquele semblante e aquela voz, esta ao contrário da outra, eram o que o mantinha de pé, dando-lhe a resistência para continuar a sua melancólica existência.

Houve um tempo, recorria á memória naquele instante, em que tentara, por insistência da mãe, ter uma vida normal, como os outros jovens da sua idade.

Viúva desde muito tempo, todos os esforços desenvolveu, em casa e fora dos afazeres domésticos, para dar-lhe conforto e tranqüilidade, mesmo com as limitações inerentes a um lar carente. Os ingentes esforços eram sempre obstaculados por preconceitos, os mais diversos e diferentes, que iam da sua pequenez, magreza e feiúra à maneira desengonçada de andar, acrescida da origem humilde e sem tradição. Era um fardo grande e pesado que estoicamente carregava, sem ajuda de ninguém, apenas com pequenas costuras que fazia numa velha e surrada máquina deixada pelo marido falecido, juntamente com uma humilhante pensão, inferior a um salário mínimo.

Diziam que tinha direito a uma importância maior. Debalde procurava os órgãos previdenciários, indicados como aqueles que poderiam resolver o problema, pois a lei lhe dava direito. Matutava, via de regra:

“Lei! Lei corre léguas de gente pobre!”

Sequer davam-lhe resposta aos pedidos feitos. Na porta de sua pequena casa, praticamente um vão, recordava, apareceu um político. Tomou nota de tudo. Prometeu que voltaria com a solução. Fez várias visitas e contava todas as vezes uma bonita história. Mostrava, inclusive, com uns papéis na mão, o que ele chamava de “o andamento do processo.” Falava também numa tal de “máquina burocrática” que tudo ”emperrava”. Além disso, acenava-lhe com um plano de saúde.

Vieram as eleições. Na sua casinha, ainda de chão batido, que o marido a duras penas conseguira erguer, apareceu outra pessoa. Vinha em nome do tal político. Disse que estava pertinho da solução. Ele usou o termo – “estava prestes a sair o resultado.” Mas não chegara o enviado, desta vez, de mãos abanando, trouxera-lhe um papel impresso com nomes e números.

Nunca mais voltaram. Nem o político e nem o seu emissário de triste figura.
“Continuaria sozinha e sem ajuda, carregando a sua cruz”, pensou, ao contemplar, da soleira da porta, numa tarde sombria e quente, que pouca diferença fazia com as anteriores, aquela criatura de ombros caídos para um lado como se o peso das dores da alma se materializasse e se transportasse como um fardo para o seu debilitado corpo.

Mesmo forte, vendo a distância aquele corpo disforme, com os braços quase a tocarem o chão, com a cabeça baixa acompanhando as passadas desconexas, como se nenhum comando tivessem, não pôde conter o soluço e aquela sensação de sufoco. O amor pelo filho, que tinha uma dimensão incalculável, parecia retemperar-lhe as forças e o vigor físico, e repetia sempre, para si mesma, ser ele uma dádiva divina, nascido das suas entranhas.

E sozinha, às vezes, diante de uma pequena imagem de Jesus Cristo, posta em cima de uma tosca mesinha coberta com um roto pano de chita, exclama em oração contemplativa:
“Senhor, Senhor, ele é a razão da minha vida! Poupai-o de tantos sofrimentos. Que eu padeça por ele todas as dores, pois não é justo que, sendo puro e bom, seja tão cruelmente penalizado.”

Era uma oração repetida, dia após dia, sem que, em nenhum momento, a revolta lhe perpassasse pela mente, pois o espírito de religiosidade herdado da mãe dava-lhe sempre consistência e amparo em Deus. Saíra de casa contra a vontade dos pais, que lhe reprovaram, de maneira radical, o casamento. Teve que fugir. Sua mãe, de coração magnânimo, a havia perdoado, antes de falecer. O pai, nunca. A ninguém poderia culpar. Mas sempre pensava que um dia teria tranqüilidade e paz. Nunca teve.

Vendo aquela figura cambaleante vindo em demanda do lar, veio-lhe de inopino, à mente, o tempo da escola. Tinha que tentar. Afinal, ele era filho de Deus.

“Não fez Deus todos os homens à sua imagem e semelhança? Semelhança?”

Seu coração pulsava com força fora do tempo. Depois refletia, e de si para si dizia:

“Afinal, podem maltratar-lhe a carne, mas jamais terão a sua alma. O corpo pode até quedar-se desamparado, mas a alma ficará livre. Domina-se o corpo, não a alma.”

Esta convicção abrandava-a. Servia, por alguns momentos, de bálsamo. Aquele sofrimento iria eternizar-se, pois, ficando o filho, nunca teria repouso. Jamais o deixaria. Esse pensamento a fazia estremecer, sobrevindo-lhe a certeza de que o seu destino não estava em suas mãos. Dele, não podia dispor a seu bel-prazer, principalmente limitar o tempo de vida e, muito menos, prescrever a morte.

Havia instantes em que desejava, ardentemente, a coragem extrema para um fatal desenlace.

“Ambos eliminariam pelo ato extremo, as dores e os sofrimentos que os atormentavam” – pensava alto.

O coração lacerado pela angústia cedia lugar a um momento de tranqüilidade contemplativa, fazendo vir à tona aquela chama ardente de amor que a mantinha de pé e viva. Quando sozinha, pedia sempre perdão pelos pensamentos desatinados que a estavam levando à loucura.

“Não podia ceder às malignas tentações”- dizia, quando mais calma.

E nessas horas, vinham as recordações. A vida não fora sempre assim. Ele próprio, o filho, tivera momentos de alegrias, de entretenimentos, mesmo em um lar modesto. Suas limitações que, no início, não eram tão acentuadas, não impediam que tivesse tido uma existência plena de felicidade e até companheiros de infância que o faziam sonhar com uma vida normal, como as outras.

A convivência o fazia relaxar e mostrar-se ativo e com desenvoltura no relacionamento com os outros, quando se tornou visível, principalmente à mãe, que a tudo observava a demonstração de inteligência, sensibilidade e perspicácia diante de assuntos diversificados que surgiam durante aquela coexistência comum.

As marcas do tempo delimitaram a alegria. As deformações acentuavam-se, e a fazia recordar os lamentos de o personagem de um famoso autor inglês que lera na escola. Ela, pelo visto, foi quem mais se impressionou com o texto. Tinha-o na memória. “Tudo estava escrito” – murmurou, entre dentes.

E o texto, há muito tempo ouvido e lido, começou a surgir diante de si, a ponto de começar a dizê-lo, e quando notou o fazia em voz alta, provocando-lhe surpresa e calafrios:

“Eu que não fui moldado para jogos nem brincadeiras amorosas, nem para cortejar um espelho enamorado, eu que sou privado da harmoniosa proporção, erro de formação, obra da natureza enganadora, disforme, feio, inacabado, e de tal modo imperfeito que os cães ladram quando passo, coxeando, perto deles, já que não tenho outro deleite para passar o tempo estou decidido a ser...” “Não, não, não...” – interrompeu abruptamente.

Agora, tinha plena consciência do porquê de tamanha dedicação, do esforço tão ingente que sempre fizera. Tinha medo do estigma daquele personagem triste, doentio e amargurado nobre. Queria que o filho externasse amor, e não ódio.

Uma tarde foi sobressaltada por negros e arrepiantes pressentimentos. Sempre encarava com indiferença os maus presságios. Regra geral eliminava-os dos seus pensamentos.

Mas, algo mais forte surgia e, por mais esforços que fizesse, as dores físicas e espirituais cresciam de intensidade. Talvez os seus órgãos vitais já ânimos não tinham para continuar suportando.

“E aquela – disse- era a triste hora do regresso tortuoso para casa.”
Sonhara sendo coberta por nuvens negras que a faziam penetrar numa lúgubre e funesta floresta, com caminhos fantasmagóricos que a levavam ao encontro de horripilantes criaturas.

Algo acontecera. Tinha, e ia resistir.

Sem desvios, arrastava-se, sendo chicoteado com palavras que lhe doíam até à alma. Os espinhos que eram jogados no interior do seu ser pareciam tomar uma dimensão acima de suas forças.

O dono da voz terrificante o acompanhou repetindo a maldita palavra. Cambaleando e curvado, sentou-se no meio-fio. Nem assim a voz cessou. Pelo contrário, inclinando todo o corpo começou a repetir quase ao ouvido, enfatizando cada sílaba: pi-chi-lin-ga! Pi-chi-lin-ga! Pi-chi-lin-ga!

Num esforço sobre-humano, o pobre homem ergueu um pedaço de faca enferrujado que divisara ao sentar-se, cortando com um profundo golpe a jugular do seu algoz.
Olhando um pouco para cima, disse de maneira quase inaudível:

“Perdoe-me, eu não tive força, como Ele, para resistir.”

Dito isso, sem baixar a vista, começou a chorar.

Sua mãe, minutos antes, tivera um enfarte fulminante.

Elder Heronildes

por Alma do Beco | 5:00 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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