quarta-feira, abril 30, 2008

AH, SE VOLTO!

Marcus Ottoni

"Todas as decisões passam apenas pela vontade dos que controlam os diretórios nacionais, estaduais e municipais, como se eles fossem gestores de uma grande empresa cujos sócios não têm direito a voto ou opinião."
Leonardo Sodré


Hugo MacedoBeco da Lama

Por Denise Machado
http://www.jerimumnopapo.com.br/nacapital_11.asp


Deve ser muito bom lá estar no dia de hoje!

Que bequinho danado de bom! Histórico, poético, muito Zeca Baleiro e um peixe... Olha, é por nada não, mas não conseguiram sujar o beco.

Ele é limpo e sem desgastes, é atrativo e turístico, mas não é pra qualquer um. Tem que ser credenciado, competente e organizado para se misturar na lama desse beco. O mais importante: tem que estar preparado para conhecer pessoas fantásticas e não reverenciá-las com esmero, pois que fica chato.

Eu conheci “o Professor” e fiquei passada, tamanha era a certeza de suas divagações. Portador de HIV, aposentado “forçado” e inteligência a mil, criativo e rápido, bom de conversa. Olhou pra mim e me adivinhou, sem analise, já que não se fez necessário. Me disse que uma lógica não é uma justificativa, que tudo caminha para a educação, sem lógica, o que é óbvio para a dona de casa, a bióloga, a jornalista ou a economista. Entendeu? Pois é, muito bom! Diz que temos que começar a trabalhar com austeridade, mas austeridade com respeito, senão fode tudo.

E o respeito com que nos tratam ali, no Beco da Lama? Olham para nós com simplicidade e igualdade, dignamente. Não tem essa de encarar, azarar e incomodar. Não. Definitivamente, tenho que melhorar meu vocabulário, ler mais livros, ouvir mais MPB, impregnar-me mais daquela lama... E lá eu volto. Ah, se volto!



Para o quê ou para quem servem os partidos políticos?

Leonardo Sodré

Jornalista

O leitor atento do noticiário político da capital do Rio Grande do Norte deve estar curioso com relação à importância dos partidos no processo sucessório do prefeito Carlos Eduardo Nunes Alves (PSB), em outubro. Explico: O dia a dia das editorias políticas dos jornais impressos e os que circulam na Internet não falam noutra coisa que não seja as alianças que estão sendo tramadas para eleger esse ou aquele candidato.

O curioso de todo esse processo reside no fato de que todas as decisões passam apenas pela vontade dos que controlam os diretórios nacionais, estaduais e municipais, como se eles fossem gestores de uma grande empresa cujos sócios não têm direito a voto ou opinião. Até os ditos mais democráticos impõem de goela abaixo aos seus associados suas decisões, mesmo que elas contrariem os desígnios da formação da legenda. Sim, porque cada agremiação existe por um objetivo e uma filosofia.

Na Grécia e em Roma da antigüidade, o nome partido significava a existência de um grupo composto de uma mesma idéia ou uma mesma doutrina, mas foi no século XVIII, na Inglaterra, que essa palavra passou a significar uma instituição que congregava partidários de uma idéia política, que depois passou a ser utilizado em todo Mundo. Ou seja, por si só o partido tem o dever de defender o seu objetivo principal na disputa política. O cidadão escolhia o partido que fosse de encontro a sua idéia, a sua revolução pessoal interior, ao seu desejo de mudança ou de manutenção de um sistema ou ordem que fosse bom para si. E, aí ele discutia, votava e participava, enquanto os seus dirigentes representavam a vontade de todos os participantes. Você leitor, conhece as ideologias dos partidos que estão disputando o poder municipal?

Provavelmente você pensará que o PT, o PSB, o PMDB e o PV, por uma enorme coincidência histórica foram formados baseados num mesmo ideal. Claro! Você dirá. Afinal o prefeito que é do PSB, quer um candidato do PT. O PT quer um vice que saia do PMDB ou do PSB. A governadora Wilma de Faria, que é do PSB, e que discute o nome do candidato de sua preferência com o PT e o PMDB, não quer o candidato do PSB e o PV aceita qualquer vice, almejando que a governadora lembre-se do partido dela -, apóie a candidatura da legenda. O PMDB, também aceita um vice do PT ou do PSB.

Você é de algum partido? Conhece bem os seus objetivos? Será que já foi chamado para opinar e entender todo esse processo que envolve milhares de pessoas e que está somente nas mãos de meia dúzia? Ou será melhor nos resignarmos à constatação do renomado sociólogo e mestre em filosofia, Nildo Viana, considerado um dos maiores pensadores brasileiros, que definiu os partidos atuais como organizações burocráticas que se fundamentam na ideologia da representação política portanto sem ideais -, e não no acesso direto do povo às decisões políticas e que possuem como objetivo conquistar o poder?

LeoSodré
(84) 9431-5115
www.becopress. blogspot. com

por Alma do Beco | 2:28 PM | | Ou aqui: 0




quarta-feira, abril 09, 2008

BECO SEM CHORO

Marcus Ottoni

Apesar de ainda não ter sido inaugurado, o espaço, localizado na Rua Câmara Cascudo (atrás do ateliê do artista plástico Flávio Freitas), está funcionando às sexta-feiras, a partir das 19h, para abrigar a roda de choro que era promovida desde 2006 no Beco da Lama.
Em matéria de O Poti/Diário de Natal

Alexandro Gurgel

Buraco da Catita será inaugurado dia 23


Panteísta

dia chumbo

poeta do sangue e da chuva

zingra mares, pontes e dunas dromedárias

em transumância à Santíssima Rita

passárgada oceânica

atlântida suspensa em rede atlântica

na chuva, plantar

lantanas, nuvens e onze-e-meias

no chão/jardim molhado pelo céu.

e, se todos os deuses e deusas

comungarem

num frame de instante zênite

adentrar em (mais um) arco-íris

reverberando em mim

pó de estrelas em matizes cintilantes.

Plínio Sanderson





Os chorões pedem passagem


Com o jeito meio bossa nova, seguindo o estilo jobiniano de ‘‘um banquinho e um violão’’, foi assim, na informalidade, sem compromissos com regras e fiel apenas ao desejo de praticar a música, que surgiu em 2006, em pleno Beco da Lama (reduto tradicional da boemia natalense), um grupo disposto a tocar o choro, ritmo genuinamente brasileiro. A reunião de instrumentos e vozes começou a atrair curiosos e, através de uma das mais antigas formas de divulgação, o boca a boca, a cada encontro mais e mais pessoas apareciam. Esse é o embrião de mais um espaço cultural, voltado para o fazer musical brasileiro, que será inaugurado em 23 de abril, na Ribeira. Por enquanto o local estampará na fachada o nome ‘‘Buraco do Catita’’ (alcunha provisória).

Os idealizadores são enfáticos ao garantir que não têm qualquer pretensão comercial, o único objetivo é o fazer musical, em especial a divulgação do chorinho. Apesar de ainda não ter sido inaugurado, o espaço, localizado na Rua Câmara Cascudo (atrás do ateliê do artista plástico Flávio Freitas), está funcionando às sexta-feiras, a partir das 19h, para abrigar a roda de choro que era promovida desde 2006 no Beco da Lama. Também não existe qualquer cobrança de ingresso ou taxa para assistir aos ‘‘ensaios’’, por enquanto as despesas estão sendo bancadas pelos próprios músicos, ‘‘nem a cerveja que vendemos a gente tem lucro. Compramos e vendemos pelo mesmo preço. Tudo que temos lá, como freezer e outros objetos foram fruto de doação’’, revela um dos idealizadores do espaço, o músico Camilo Lemos.

Inspiração

O nome do local, que também inspirou o nome do grupo Catita Choro e Gafieira surgido após os encontros no Beco, tem como base o choro Catita, composto por K-Ximbinho, o maior nome do chorinho potiguar. A data escolhida para a inauguração, 23 de abril, é a data de nascimento de Pinxinguinha, o grande compositor do choros do país. Além disso, na mesma data é comemorado o Dia do Chorinho.

A inauguração contará com 14 atrações locais, distribuídas ao longo de três noites. O repertório será composto apenas por chorinhos, entre os convidados estão: Manoca Barreto, o duo Groove & Primata, Diogo Guanabara, Takasax, Jubileu Filho, Beethoven e outros. Na noite do dia 25 a programação será entregue a roda de chorinho. O encerramento das festividades de inauguração será em 26 de março, com uma feijoada, a partir do meio dia, na qual o microfone será comandado por Khrystal cantando apenas sambas.

Além das apresentações musicais haverá três debates sobre música brasileira, que serão comandados pelo produtor musical José Dias e pelos professores Márcio Tassino e Agostinho Jorge de Lima. ‘‘Com isso também faremos uma homenagem a João Juvanklin, um grande compositor de choros, que está com o trabalho esquecido aqui em Natal e ainda compõe’’, lembra Camilo.

Após a inauguração, o grupo que idealizou o espaço pretende estabelecer uma programação fixa para o Buraco da Catita. ‘‘A princípio funcionaremos só na sexta com a roda de choro e no sábado com a feijoada e o samba. Mas depois queremos fazer saraus poéticos às quartas, nas quintas ter apresentações de jazz ou bossa nova’’. Também será reservado um dia para os ensaios da banda regida pelo maestro Neemias Lopes. ‘‘Será um espaço para os músicos se encontrarem, a idéia é ser um ponto aglutinador. Também queremos fazer no local um dia dedicado ao teatro, poesia, literatura. Pretendemos criar uma biblioteca e uma cdteca, mas ainda estamos em fase de experiência. Depois vamos promover alguns eventos e tentar viabilizar patrocínios. Queremos trazer músicos de fora também, mas manteremos as noites de sexta com a entrada gratuita e sem o pagamento de cachê aos músicos’’, revela.

Opinião

‘‘Acho Camilo um louco. Ele está bem intencionado e teve a oportunidade de abrir um bar voltado para a divulgação da música brasileira. Isso é coisa de gente que quer bem a vida. Normalmente as pessoa abrem lugares e não se preocupam em transformar a sociedade, mas nós temos a obrigação de tentar melhorar. É uma iniciativa louvável’’, elogiou o produtor José Dias que na época da inauguração do Buraco da Catita irá comanda um debate sobre a música brasileira a partir de 1900 até os dias atuais.

HAYSSA PACHECO
Da equipe de O Poti


Amado amor
(Para o meu amor maduro)
Leonardo Sodré


Às vezes sonho em me dirigir ao “meu redator”. Mas, nesse caso, estaria escrevendo para mim mesmo, único no silencioso espaço das crônicas. Mas, acho charmoso ter uma direção, um alvo entre o escrevinhador e os leitores, como uma justificativa do pensamento que irá circular sabe Deus por onde. Penso que nessa terra de Poti quem inventou isso foi o saudoso cronista Berilo Wanderley. O jornalista Vicente Serejo faz isso diariamente na sua “Cena Urbana”, com uma maestria impar.

O redator existia para organizar o que os repórteres escreviam nas antigas redações de jornais. E, para alguns repórteres especializados em assuntos polícias, muitos dos quais não escreviam “uma vírgula”, para escrever a notícia que lhe era passada de forma oral. Mas, veja senhor leitor, estamos chegando ao terceiro parágrafo com um assunto totalmente divergente do título. Um redator agoniado com o horário de fechamento do jornal, já estaria de cara amarrada.

Ah! O amor, o amado amor, senhor leitor, tão falado e tão discutido desde que o tempo é tempo e que as noites e os dias se sucedem neste Mundo de contrastes. E quem haverá de defini-lo?

Lembro-me de muitas discussões nesse campo de quando eu era jovem. Muitos esbravejavam dizendo que não havia definição para a palavra e o sentimento “amor”. Outros, no afã dessa descoberta, veja só senhor leitor, se reportavam a uma antiga história que relatava a melhor definição de “saudade”, outro sentimento intensamente discutido. Contavam que uma alta autoridade federal havia perguntado a um matuto numa beira de estrada:

- O senhor pode me dizer o que é saudade?

Para florear o relato diziam que o matuto havia olhado com pena para aquelas homens dentro daquele carro de luxo, com ar-condicionado, cuspido os bagaços de cana que estava chupando encostado ao seu jumento e dito:

- Ora, “saudade” é a vontade de ver de novo...

Dizem que o “Aero-Willys” com placa de Brasília saiu mais rápido do que chegou.

E o amor, senhor leitor, como será que um homem simples como aquele definiria? Existem amores de variados tipos? Quem sabe, um departamento do amor dentro de cada um de nós?

Durante toda vida sentimos o amor. O amor pelos pais, pelas coisas que conquistamos, pelas pessoas que entram em nossas vidas e se instalam tão completamente, que quando saem deixam vazios incômodos que somos incapazes de preencher, embora o mundo nos ofereça inúmeras opções.

E a decepção senhor leitor, quando você maldiz o amor que sentiu, quando se sente traído por ele e o gosto de éter invade a sua boca de tristeza? Por que fui amar? – pensa. O que fazer senhor leitor? Morrer de amor? Quedar-se à solidão no meio de uma multidão que não entende o seu sofrimento e diz: “ora, parta para outra, dê a volta por cima”, enquanto você se espreme diante de todos pensando na música: “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor...”

Inimaginável em forma, ele, senhor leitor, o amor, é para permanecer sempre conosco. É para ser guardado como bem precioso. É para servir de inspiração. Para ser a bengala que muda a trajetória de um tempo ruim. Para ser vetor do perdão...

O amor não deve ser motivo de vergonha, de arrependimento. O amor é para ser exercido em nome de um recomeço, de uma nova vida, de suporte de mudanças e determinações. O amor, ora senhor leitor, é para ser amado como companheiro e entendido como dom de Deus: O amado amor.



HIPÓCRITA
*Rubens Lemos Filho

Natal, anos 60. Vestia um paletó que o tornava muito mais velho que os vinte e poucos anos que tinha. Saía de casa, num dos bolsos, com um velho terço deixado pelo avô. A noite começava a cobrir a cidade e a enfrentar o calor escaldante. Durante o dia, o cidadão que ainda não era pai, mas haveria de ter lindos herdeiros fiéis em Cristo, dava aulas de Educação Moral e Cívica, numa das tradicionais escolas da província.

Defendia os bons costumes, a fé como instrumento de sucesso na vida e a disciplina como rainha da harmonia. Pregava a concórdia, sorria um sorriso sempre igual a cada um dos seus alunos entediados. Corrigia os desatentos, lamentando não acumular então, a disciplina de Educação Religiosa (na época, só o catolicismo), geralmente sob a responsabilidade dos padres de verdade, ele que sonhara com uma batina até a descoberta do nanismo. Na maldita noite do pecado, penitenciara-se com os joelhos dobrados sobre caroços de milho, que quase perfuraram sua ossuda pele de coroinha.

Na Igreja, igualmente ajoelhado, arquejado porque tinha quase 1,80 de altura, construía uma visão gótica sob os anjos, arcanjos, santos e santas da velha catedral. Recitava, calado, salmos, versículos, orações, segurando o terço e penetrando mistérios. Deus estava acima de tudo, há, sim, só ele.

A pé mesmo, chegava à livraria onde era tratado como prodígio, pois já lera, rapazinho, Eça de Queiróz, Machado de Assis, José de Alencar e rejeitara blasfêmias como Marx e Engels. "Dionisíacos!", berrava certo fim de sarau, empolgado com os vinhos servidos e a matreirice dos velhos freqüentadores, quase todos reacionários, conspiradores, alguns remanescentes espiões nazistas.

Naquele dia que a noite acariciou e expulsou o calor e ele caprichara na reza solitária na igreja, não beberia. Havia vestido o terno preto, gravata da mesma cor por cima da camisa branca, porque seria iniciado noutra missão. Os velhotes estranharam quando ele saiu mais cedo do que o habitual horário.

Sorrateiro como um vampiro, na quase-madrugada que colocara os últimos boêmios para dormir, bateu na porta de uma elegante residência à rua próxima. Veio um cidadão formal que o atendeu já sabendo da visita. "Ele o espera". Por não haver espelho, o cristão professor não viu brilhar os seus olhos nem deles desabrochar um sorriso idiota. "O senhor não sabe a alegria e o prazer de estar aqui", derramou-se dobrando a coluna quase a ponto de beijar a mão do senhor sisudo a quem entregou uma lista. "Aqui estão, aqui estão todos, esse é da turma A, esse é da B, esse é da C, agitadores, comunistas. Em nome de Deus, peço-lhe humildemente que cumpra sua missão". E despediu-se, sem ouvir resposta.

Na manhã seguinte, fez um olhar compungido quando vários carros militares pararam em frente ao colégio e homens armados desceram, algemando e prendendo adolescentes. Alguns deles, nunca voltariam. Teatral no movimento de contorcer a cabeça, o jovem cristão fez o sinal da cruz: "Deus os leve". E foi dar sua aula estranhando toda a algazarra jamais vista por ali.

PS. Esta é uma história de ficção. Qualquer semelhança com personagens ou fatos terá sido mera coincidência. Mesmo.



Três variações sobre um mesmo tema (solidão)
Cefas Carvalho

1

Clarissa estava na sala, com a TV ligada sem som e ouvindo uma música qualquer no rádio. Tomava um sorvete de flocos e tentava não pensar na solidão. Contudo, jamais se sentira tão solitária na vida, a tal ponto que a solidão parecia circular no apartamento, como um incenso.

O telefone tocou. Clarissa se levantou sobressaltada. Era raro alguém lhe telefonar. Terminara com Marcos havia coisa de um ano, tinha poucos pretendentes, se afastara das amigas e tinha poucos e distantes familiares. Por vezes pensava que seu telefone era um objetivo decorativo da casa, como o elefante indiano de porcelana na estante. De qualquer forma, correu e atendeu o telefone:

- Alô?...

- Juliane?

Pensou em dizer que era engano, que ali não havia nenhuma Juliane. Contudo, hesitou um minuto. Achou a voz masculina ao telefone bastante atraente e sentiu uma inveja quase demente da tal Juliane, fosse ela quem fosse...

- Aqui não tem nenhuma Juliane. Tem eu, Clarissa, serve?

Silêncio do outro lado da linha. Percebeu que o homem hesitara um segundo.

- Desculpe, Clarissa, pensei que era o número de Juliane...

- Não, esse é o meu número, de Clarissa Romão dos Santos, a seu dispor...

- Bem, não queria te atrapalhar...

- Você não me atrapalhou em nada. Eu estava na sala do meu apartamento, sozinha, sem nada para fazer, tomando um sorvete de flocos...

- Nossa, você é sempre assim direta?

- Pelo contrário. Costumo ser tímida e introspectiva, mais do que devia, pelo que dizem meus amigos. Tanto que estou há um ano sem namorado.

- Você não parece do tipo que fica sozinha...

- Eu pareço de que tipo?

- Não quis ofender... você parece ser aquele tipo de mulher decidida, determinada, que fala o que pensa e luta pelo que quer...

- E você parece ser o tipo de homem que não perde a oportunidade de galantear uma mulher, é... como é mesmo seu nome?

- Felipe.

- Pois é, Felipe. Bem, acho melhor você ligar para sua namorada, a Juliane, ela pode estar preocupada...

- Minha namorada? Eu nem a conheço. Apenas tenho que dar um recado para ela ir numa livraria pegar um material... Estou fazendo um favor para amigos...

- Ah, sim...

- Você deve ser uma pessoa bem interessante, Clarissa...

- Isso é uma cantada, Felipe?

- Não. Contada é se eu a convidasse para tomar um chope hoje a noite no Praia Shopping...

- Isso é um convite.

- Com certeza.

- Não sei se devo aceitar... Eu nem te conheço...

- Isso não combina com você. Nos encontramos hoje às nove na praça de alimentação do Praia Shopping, ok? Vai ter um, show de Isaque Galvão, vai ser bem legal. Depois eu te deixo em casa. Não aceito um não como resposta.

- Eu... Está certo. Às nove estarei lá.

- Se você furar comigo ligarei para seu número amanhã...

- Pode deixar que eu vou.

- Acredito em você Clarissa. Um beijo e até às nove.

- Um beijo, tchau.

Clarissa desligou o telefone e lentamente caminhou para a sala. Terminou o sorvete, desligou a TV e o som e correu para o guarda roupa para ver se aquele vestido preto que as amigas diziam que realçava seu busto estava limpo...

2

Clarissa estava na sala, com a TV ligada sem som e ouvindo uma música qualquer no rádio. Tomava um sorvete de flocos e tentava não pensar na solidão. Contudo, jamais se sentira tão solitária na vida, a tal ponto que a solidão parecia circular no apartamento, como um incenso.

O telefone tocou. Clarissa se levantou sobressaltada. Era raro alguém lhe telefonar. Terminara com Marcos havia coisa de um ano, tinha poucos pretendentes, se afastara das amigas e tinha poucos e distantes familiares. Por vezes pensava que seu telefone era um objetivo decorativo da casa, como o elefante indiano de porcelana na estante. De qualquer forma, correu e atendeu o telefone:

- Alô?...

- Juliane?

- Sou eu...

- Olá, quem fala é Felipe. Você não me conhece, eu sou amigo de Tales, da editora. Ele quer que você passe na livraria Siciliano, do Midway Mall, até as cinco e pegue o material de divulgação do livro com Rafaela...

- Ora...está bem...

- Anotou tudo, não? Alguma dúvida?

- Nenhuma...

- Então tá legal. Boa sorte e obrigado!

- Tchau.

Desligou e caminhou para sala, refletindo no que fizera e no que deveria fazer. Terminou o mousse, desligou a TV e o som e sentou-se á mesa da cozinha. Não deveria fazer nada. Mas, algum demônio cochichou algo em seu ouvido, de forma que as quatro e quarenta daquela tarde, vestida em seu blazer azul marinho, entrou na Siciliano e perguntou por Rafaela.

- Sou Juliane... – murmurou, temendo ser desmascarada, humilhada, ficar pior do que jamais estivera na vida.

- Ah, muito prazer. Aqui está o material – falou, colocando em seus braços um pacote – Pode mandar os CDs para a imprensa e distribuir os cartazes. Não vou ensinar padre nosso a vigário, você sabe o que fazer. Deixe-me ir que estou ocupadíssima hoje.

Clarissa subiu até a praça de alimentação, pediu um café expresso e abriu o pacote. Tratava-se do material de divulgação de um livro: “Poesia e textos do Beco da Lama”, organizado por um tal de Eduardo Alexandre. Já ouvira falar do Beco da Lama, mas não sabia exatamente o que era. Leu nos cartazes coloridos vários nomes, Antoniel Campos, Chagas Lourenço, Leonardo Sodré, entre outros, mas jamais ouvira falar de nenhum deles. Viu o material, CDs, disquetes, marcadores de livros, esboços... subitamente se arrependeu do que fizera e sentiu vontade de devolver o material. Mas tinha vergonha de voltar á livraria. Na verdade, jurou nunca mais entrar naquela livraria. Pegou o ônibus de volta para casa e, entre lágrimas, jogou o material pela janela do ônibus, desejando jamais ter atendido aquele maldito telefonema, jamais ter fingido ser a tal Juliane. Desejando jamais ter nascido.

Em casa, mal entrou abriu a geladeira e pegou um pote de sorvete napolitano de um litro. Sentou-se ao sofá, sem ligar a TV e o som e começou a tomar o sorvete, deixando as lágrimas caírem na colher...

3

Clarissa estava na sala, com a TV ligada sem som e ouvindo uma música qualquer no rádio. Tomava um sorvete de flocos e tentava não pensar na solidão. Contudo, jamais se sentira tão solitária na vida, a tal ponto que a solidão parecia circular no apartamento, como um incenso.

O telefone tocou. Clarissa se levantou sobressaltada. Era raro alguém lhe telefonar. Terminara com Marcos havia coisa de um ano, tinha poucos pretendentes, se afastara das amigas e tinha poucos e distantes familiares. Por vezes pensava que seu telefone era um objetivo decorativo da casa, como o elefante indiano de porcelana na estante. De qualquer forma, correu e atendeu o telefone:

- Alô?...

- Juliane?

- Aqui não tem nenhuma Juliane. Você ligou errado.

- Ih, é 3089-7634?

- Não. É 7631.

- Ah, desculpa, digitei o número errado.

E desligou. Clarissa voltou para a sala, sentou-se ao sofá e pegou a tigela de sorvete de flocos, se sentindo ainda mais solitária que antes. Sabia que teria que ser forte para agüentar a tarde que terminaria e mais uma noite sozinha. Mais uma noite sozinha...

por Alma do Beco | 1:20 PM | | Ou aqui: 1


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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