quarta-feira, dezembro 28, 2005

TODOS AO CENTRO HISTÓRICO



"Eu não prometo, eu garanto."
Luiz Inácio Lula da Silva



Na antiga Rua da Palha e adjacências,
o I Réveillon do Centro Histórico

Era na Praça da Alegria e na Rua da Palha que aconteciam os ajuntamentos sociais da cidade. Para ali, convergia a sociedade natalense em suas festas: o São João; o dia da padroeira, Nossa Senhora da Apresentação; Natal e; Ano Novo. Hoje, a Praça da Alegria chama-se Praça Padre João Maria. A Rua da Palha, Vigário Bartolomeu.

Na Rua Grande, nossa primeira artéria, hoje Praça André de Albuquerque, ficava a catedral de Nossa Senhora da Apresentação, capelinha que deu origem ao arruado que viria a ter sua primeira Rua Direita, planejada, na Rua do Caminho de Beber Água, depois chamada Rua da Conceição, a segunda da cidade. A Travessa do Tesouro (Rua Cel. Cascudo) levava os afoitos à “Vai quem quer”, que abrigava prostíbulos de poucos amores e muita confusão, a hoje Rua Mossoró.

Para ir à Ribeira, o natalense descia a rua 25 de Dezembro, hoje chamada Avenida Câmara Cascudo.

É nesse local, hoje ameaçado de esquecimento em decorrência da expansão da cidade, onde será realizado, por uma iniciativa da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências – SAMBA e apoio da Capitania das Artes, Sectur e Prefeitura Municipal do Natal, que patrocina o evento, o I Réveillon do Centro Histórico.

Para uma festa de resgate histórico/cultural como esta, não podia faltar aquele que levava a gente natalense, no começo do ano, para as Rocas, num festejo de devoção aos Reis Magos em sua capelinha: o boi-de-reis. O auto folclórico mais característico da cidade será encenado e dançado pelos deixados por Manoel Marinheiro, nosso maior mestre na atividade. Será às 22:00 horas do dia 31 de dezembro, em plena Rua da Palha, que depois, às 23:00 horas, assistirá ao rock regado a Beatles d’Os Grogs.

Meia-noite no Centro Histórico tem queima de fogos. Quebrando o silêncio dos rojões, os clarins ganharão a noite ao som do Zé Pereira e de marchinhas e frevos que nos chegavam dos carnavais pernambucanos de Olinda e Recife, evocação.

Enquanto a bandinha pega o Beco da Lama levando foliões pelos pontos históricos do velho centro, os que preferirem ficar vão assistir à apresentação da cantora revelação da cidade, Khrystal, num show que decerto ficará na memória de quantos o virem.

03:00 horas da manhã, bandinha chegando de volta ao palco da Rua da Palha, o mais esperado momento: o show de Elino Julião, esse norte-riograndense que durante anos acompanhou gente como Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, maiorais da autêntica música nordestina. Elino promete um show especial. Uma apresentação para calar todas as bocas que acham que sua música não combina com festa de passagem de ano.

Para encerrar a festa, às 05:00h da madrugada, esse que foi revelado pelo próprio Beco da Lama em festa da SAMBA e que hoje tem até fã-clube de Orkut e leva centenas de pessoas para os seus shows: Cabrito e Balalaika Brega Band, cantando as mais românticas canções.

Melhor, em outro ponto da cidade, não vai ter.
Quem for, vai ver.

(Eduardo Alexandre)



I RÉVEILLON DO CENTRO HISTÓRICO
DAS 22:00h DO DIA 31 DE DEZEMBRO DE 2005 ATÉ ÀS 06:00h DE 1º DE JANEIRO DE 2006
CONCENTRAÇÃO: RUA VIGÁRIO BARTOLOMEU COM CORONEL CASCUDO

Programação:
Dia 31 de dezembro
22:00h – Boi de Manoel Marinheiro
23:00h – Os Grogs

Dia 1º de Janeiro
00:00h – Queima de fogos
00:10h – Banda de Frevos Demalaecuia
01:00h – Khrystal e Banda
03:00h – Elino Julião
05:00h - Cabrito e Balalaika Brega Band

Contato:
Eduardo Alexandre: 9414-9394 3222-0821




Cidade do Natal
Luís da Câmara Cascudo

Durante cinqüenta anos, Natal progrediu tão pouco que melhor seria dizer que não progrediu. De 1810 a 1860, raros melhoramentos. Em 1810, Koster descreve-a com 700 habitantes; a rua Grande, larga praça vestida de camapu e mata-pasto, com orgulho administrativo da Câmara e cadeia acaçapada, o palácio rococó dos capitães-mores e as três igrejas: Matriz, Santo Antônio e Rosário.
Quatro ruas de poucas casas desembocavam na rua Grande. Anos depois é que se fechou o lado leste e a rua da Conceição abrigou o Governo e outros centros de poderio e papelório. Da Rosário, ao que depois de 1850 começou a ser rua do Comércio, se estendia o denso dos oitizeiros, sapotis e pitombas, o verde-claro imóvel das carrapateiras ramalhudas e das mangiriobas franzinas. Ao sul, margeando risco do “caminho de beber”, embastia-se a mataria de gameleiras, paus-d`arcos, aroeiras e pau-ferro.
Do Bardo ou Baldo ao monte, toda a elipsóide sul a leste, a vegetação irrompia vigorosa e alta, farfalhante e ampla. Casinhas rompiam a rua Nova (atual Av. Rio Branco), em largos espaços de faxinas, onde surgia, medroso, o ensaio das flores de casa, cravos brancos em panelas trepadas, maravilhas rasteiras, o rubro veludo dos amarantos, jasmins de cheiro suave, as perpétuas brancas, as saudades delicadas, os primeiros estefanotes, as bocas-de-leão, as cravinas simples, os rosedás insolentes de perfume. Perto dos galinheiros de reserva, as altas espirradeiras, as palmas dos tinhorões, sombreando as pequenas touceiras de nuvens do céu. Nas praçuelas, gameleiras, oitis, castanholas e mungubeiras estendiam sombras... No Bardo, lagadiço cercado de barro batido, fazia-se ponto de banho festivo e de peraltice ingênua. Depois de 1859 ou 60, a praça das laranjeiras reunia os pisa-flores chilreantes, de casacão de belbutina, colete rombudo, calças justinhas com fileiras de botões e o pescoço enrolado na gravata manta, com três voltas à Feijó, comendo o queixo e escondendo a testa nas abas do chapéu revirado, chititi como se dizia naquele tempo.
Depois da “ladeira” (muito tempo após, rua da Cruz) a Campina guardada, perene e seguro o grande pântano alimentado pelas marés. Havia uma pontezinha. Era um quadrado imenso, desolado, silencioso.
Corria, de sul a leste, o canavial cerrado; após, com bruscos trechos de areia lodosa, o coqueiral, espanando palmas até as encostas de Areal e Rocas. Cercadas, pelas dunas e pelos coqueiros, cinqüenta ou cem casas tímidas e espaçadas anunciavam a cidade. Gameleiras, tatajubeiras, mungubeiras davam o lugar das prosas. Era a Ribeira, pequena, triste, atufada em brejos, circundada de lagoas, de atoleiros, de pântanos. Era o alvo das rajadas do cholera e de bexigas. Lugar enfim onde moravam a pobreza, a indigência e a miséria – gritava, em 1850, Carlos Wanderley, no relatório da Assembléia.
O Potengi invadia, lambendo as pedras das calçadas, as rua enfileiradas. Vez por outra, terrenos alagados cediam e as construções vinham abaixo. Em 1869, é que o Dr. Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque mandou fazer um anteparo. Dez anos depois, o Dr. Rodrigo Lobato Marcondes Machado informava sobre o serviço do cais – importante melhoramento empreendido no intuito de repelir as marés que ameaçam avassalar os terrenos e as casas...
Com Manuel Ribeiro da Silva Lisboa a cidade do Natal não tinha aspecto pomposo. As ruas em miserável estado, sem calçamento e entulhadas de areia; sem água, sem iluminação, sem cadeia e sem nada, declarava Parrudo. Novas ruas iam aparecendo no Bairro Alto – Cidade – como era chamado. O primeiro médico, Dr. José Bento Pereira da Costa, é de 1842.
Em 1859, o presidente João José de Oliveira Junqueira inaugura a iluminação a querosene, alguns lampiões, sugeridos, nove anos antes, por João Carlos Wanderley. Luz a gás tivemos com o presidente Antônio dos Passos Miranda, em 1870. Pouco tempo antes, 1870, Natal possuía ruas calçadas, alguns chafarizes e o velho desejo – o piso de pedras na ladeira. A Ribeira estava sendo o bairro comercial, dinheiroso, materializado. A rua do Comércio³ já estadeava prédios e armazéns repletos de açúcar, algodão, sal, peles, embarcados pelas sumacas e barcaças bojudas para Pernambuco, o grande comprador.
A cidade se alastrava, lenta, dos dois núcleos. De um lado, paralelo ao rio, corriam as casinha e cochicholos de palha. Da rua Grande, destronada pela rua da Conceição, partiam lances de moradas vaidosas em sua brancura e no chiste das janelarias altas e telhados em cauda de andorinha. São ponto de gente graúda: rua Grande, rua da Conceição, rua da Cruz, rua do Fogo, rua das Laranjeiras, Rua Nova... Nos domingos existem os lugares de passeios e de caça. Caminho Novo, Barro Vermelho, Passagem, Quintas, Refoles. E, desde 1850, a praia da Redinha, pouso dos presidentes, local das peixadas e serenatas dominicais. Apesar disto, J.C. Fernandes Pinheiro escreve em dezembro de 1871 – Em verdade a cidade do Natal, mesmo vista de fora, parece justificar o trocadilho que lhe ouvi aplicar – cidade-não-há-tal. Para o Dr. Henrique Pereira de Lucena, Natal era uma vila insignificante e atrasadíssima do interior (1872). Com as eras de oitenta, a política subjuga a Província. Os presidentes tratam de eleições, intrigalhas, discurseiras.
Os partidos tomam a sério os programas e os lugar-tenentes se digladiam em artigalhões e passeatas. Assim, até a proclamação sonolenta da República. O fato interessante de 1889 é ter o Conde D´Eu mandado o navio esperar por Silva Jardim, galo de campina da propaganda, que tinha ido arengar em São José de Mipibu.
A cidade do Natal, fundada no século XVI, nasceu no século XX. Os intermediários são períodos de história guerreira, política ou dorminhoca. Faz de conta que não existiu.

A sociedade

A sociedade era patriarcal. O elemento estrangeiro era nulo ou nenhum. No interior das moradas, a sala de visitas era lugar de uso raro. Pouca mobília. Jacarandá para os ricos. Pau preto, amarelo, madeira nova para os medianos. Tosco e louvado engenho dos artesãos primitivos servia de aparelhador incipiente. A sala de jantar é que era o domínio da dona de casa. Aí reinava a palavra, provando o ponto nos doces, trocando bilros e espiando a tarefa das mucamas favoritas. Pouca convivência social. Amizade de vizinhos faziam-se as palestrinhas corridas através das varas de cerca divisória. Limitava-se à cambiagem de receitas e de meizinhas caseiras. Acocorada nas esteiras amarelas sobre o tijolo vermelho, a dona nucleava a vida íntima, recatada e simples dos antigos. De muito em muito é que ousava espreitar pelo rotulado um vulto estranho à terra. Lugar de reunião era a Igreja. A semana santa era tempo de festa de olhos. Aí se espanejava a casaca de baetão, as calças de duraque, o chapelão alto.
A senhora se orgulhava do roçante, vestido de seda, a mantilha negra ocultando o duplo bandó, ou o cocó, onde o trepa-moleque se fincava, o pescoço rodeado de colares e fios de luxo, santinhos, espíritos-santos, figas de guiné e medalhinhas e, nos dedos, grossas memórias de ouro de moeda do Reino. O ciúme à portuguesa circundava-a de pavor. O marido fechava-a, murava-a, distanciando-lhe a existência livre e respirável. E de sua parte vivia na rua, palrador, discurseiro, politicóide, discutindo nomes sob as gameleiras, incorporando aos séquitos oficiais, grudados aos salões do ser. Presidente, longe de casa sem noção de vida, de lar e de carinho continuado.
As distrações eram de fundo religioso. Os Santos Reis, antefestejados com serenatas e cantigas típicas à porta dos amigos – tirando os Reis. Carnaval de entrudo com empapanguzados gritadores e encamisados sensaborões. Santo Antônio, São João, São Pedro com fogueiras, comidas de milho, fogos do ar, bailarico e banho de madrugada, sob os dendezeiros e ingazeiros do Baldo. Chegada de presidente anunciada pelos canhões da fortaleza, procissão de penitência, assombradora e tétrica e, em novembro, festa da padroeira, com as novenas, fogos de vista, bailes do noiteiro na entrega do ramo e jogos florais, duelo lírico e satírico, na alegria dos palanques erguidos em outeiros – eis o ciclo das diversões sociais. Os presidentes, exilados por dois ou três anos em Natal, procuravam as praias, os sítios com água corrente, faziam calçadas, teciam pilhérias, enchendo o tempo de espera para melhor província ou deputado geral.
A cidade sem iluminação, sem calçamento, sem segurança afastava a vida noturna.
Quem saía em visita, previamente anunciada, fazia-se preceder de escravos com tochas resinosas ou lampiões. Toda gente andava armada. Pela noite velha, os ladrões eram caçados a tiros afugentadores. Da Cidade à Ribeira, o silêncio apavorante criou lendas, assombrações e malefícios na Ladeira. Os paredões de barro vermelho, escondidos sob as celsas, salsas bravas, ortigas e mata-pasto, intimidavam. E à distância, o viver próprio dos dois bairros, a nenhuma convivência entre famílias, criou inimizades e apelidos: xarias e canguleiros.
Ao ruflo da caixa das nove horas, o silêncio caía, tangível, sobre a cidade quieta. O casario fechado e mudo não escoava réstia de luz. Ao longe, o clarão oscilante e rubro da candeeiro público. Vagos rumores de passos. E, ao estribilho das corujas, noitibós e caborés respondia o canto coral da saparia boiando n`água negra das poças. Compreende-se o prestígio dos alegres, dos vivos porta-vozes da risada, da gargalhada lusitana, da gaitada brasileira, o riso largo, sacudido, dobrado, interminável. A estes uniam-se as tradições de valentões, porque andavam à noite, de inteligência pelos versos rabiscados e de insubstituíveis, se tocavam um instrumento musical.

Alexandro Gurgel

Isaque Galvão com o Esquina 16, dia 23 último, no Bar de Nasi: Festa de Confraternização dos Amigos do Beco da Lama. Nossos agradecimentos a todos.

SENHORA MINHA

dizer-te para sempre ao verso primo,
assim, logo de cume,
sem ver se o verso meço, pauso e rimo
como de costume.

dizer que para sempre é quase nada
— além também seria —,
e nada é toda hora já esperada
— mais esperaria —.

dizer-te, a princípio, que só vivo
porque te fazes perto.
e mesmo se distante, mais cativo
sou do que liberto.

dizer, senhora minha, em teu ouvido
que tu me tens inteiro.
e ouvir o teu dizer mais atrevido:
tu me tens primeiro.

dizer-te que me apraz os teus impulsos,
caprichos, dengos, mimos.
bem quando entrecortando teus soluços,
sem motivo rimos.

dizer tantos dizeres já não ditos,
um gesto, uma coisa amena.
aos poucos eu despi-la aos olhos fitos.
tu, mais obscena.

calar, por um momento, meus dizeres.
deixar que te reveles.
e ouvir a voz dizer nossos quereres
pelas nossas peles.

tomar, na mesma boca, bem gelado,
um seco ou um campari.
o som pouco importando: blues ou fado,
desde que não pare.

e o beijo finalmente beijo seja
— nem dado, já o era —,
num tanto que nem falta e nem sobeja,
nem se faz espera.

(...)

manhã, inda teu corpo ao meu imisso,
e tu ias e eu vinha,
a ti completamente submisso,
tu: senhora minha.

Antoniel Campos


Carlos Humberto Dantas
Woden Madruga


A fila da noite de autógrafos do livro de Alex Nascimento (Amor e Outras Mentiras) se arrastava pelo enorme salão de festas do América, ao fundo o belo mural de Newton Navarro (que os homens o conservem como está), quando o poeta Carlos Gurgel se aproxima e me dá a notícia: morreu Carlos Humberto Dantas. Tinha sido no dia anterior, 20, uma terça-feira. Os cadernos culturais da semana silenciaram: sequer uma simples nota de três linhas. Do lado de lá da cultural oficial, nenhuma vírgula. Na mesma noite do livro de Alex, pedi a Carlos Gurgel que escrevesse sobre Carlos Humberto, o artista plástico, o poeta, o agitador cultural. Dos melhores artistas de sua geração, uma geração que vem do final dos anos sessenta e que se afirmava na década seguinte com J. Medeiros, Falves Silva, Avelino de Araújo, Venâncio Pinheiro, o pessoal da Arte-Correio, por aí. Pintor e poeta. Poeta premiado, ganhador dos prêmios mais importantes da província: o Auta de Souza, o Otoniel Menezes. Agitador cultural e editor do “Jornal do Livro” , que saía com o selo da editora “Natal dos Argumentos”, também sua criação. Estive na missa do 7º dia, celebrada na igreja de Santa Terezinha. Tirando a família, meia dúzia de amigos. Nenhum artista plástico, nenhum poeta desta terra que tem mais poeta do que gente, terra de artistas... Minto, estava presente Carlos Gurgel. É dele o belo artigo que transcrevo agora:


Fértil e Frágil

Carlos Humberto era um gentleman. Um gentleman da miséria humana. Refinado e atencioso. Silencioso e educado. Ele se lambuzava com a miséria e era um intelectual. Tinha extrema dificuldade de organizar a vida prática. Não socializava. Era solitário. Via tudo e anotava as cores e as dores do mundo.

Fictício e real, anacrônico e imaginário. Desembocava com seus olhos de lince, vários lances que admirava. Mexer com códigos verbais, escondendo neles a sua revolta, rebeldia e inconformismo. Via a vida como um eterno passageiro que agonizava. Que agüentava impropérios de quem dele e dela nada sabia. E ele não revidava. Ele escolhia as cores e as palavras para destilar todo o seu inconformismo da complexidade do que é viver. Do que é sobreviver. Do que é sofrer.

Essa mania de ser artista custa caro. Principalmente estando de bolsos vazios. Este estigma de ser visto como desordenado. Um fora de ordem. Ele (Humberto) não ligava, não tava nem aí para a decifração do que era sistemático e cientificamente dentro dos padrões. O que agoniava ele, era ele perceber que o mundo é hipócrita. E ele sendo proscrito, não conseguia dialogar com a terra.

Por isso (e por outras) ele se mostrava arredio. Nunca vi Humberto com uma turma. Ele nunca vez parte de uma galera. Eu acho que minto: a galera dele era outra: ele navegava, viajava, lapidava todas as formulações mentais para entender esse mundo que imaginamos viver.

Sim, a gente imagina viver. É tudo ilusão, superstição, emulação, tentação e expiação.

Carlos era gauche. Direitinho como Drummond falava. Carlos era um errante. Um mutante. Um elegante que caminhava constantemente em terreno minado. Ele não se sentia confortável, olhando, pensando e percebendo o que esse mundo apronta. E o sinal mais evidente disso que estou dizendo, eram os seus dois espantados olhos.

Sim, através da visão, enxergamos e sentimos com mais virulência, toda a monstruosidade do que é viver.

Carlos estava sempre largado. E acelerando coisas. (Contradição?). Dando conta de espantos e desmaios. Suspirando com sua lente a necessidade de catalogar paragens.

O artista carrega consigo as dores, as cores de um mundo múltiplo e disforme. Insistente e guerreiro, o artista formula, recria, persegue, induz, fareja, promete, silencia, adormece, propaga, eterniza, levita, transcende, avisa, sustenta, reclama, beija, vigia, concentra e libera descobertas.

Sim, somos todos possuidores de energias. E de fantasias. Alergias e alegrias.

Carlos era mágico. Ele sobreviveria diariamente da forma mais junkie. Underground. Possuía o dom franciscano. Ele nunca explodia. (E sempre explodia). E penitenciava ao redor dos seus labirintos, as suas preferências obscuras.

Era humano e extremamente criativo. Era capaz de rapidamente de encontrar respostas para as cores e o alfabeto das suas inquietações vivenciais.

Amava o obscuro e a complexidade do ver. Registrava tudo. Nada passava desapercebido. Era um vigilante das horas mais estranhas e do silêncio da alma. Dialogava com deuses e diabos. Ria e chorava. Ele era noturno, mais também tinha fé na luz do dia. Sentia a pulsação da hipocrisia humana. Refazia com seu riso raro, o testemunho de uma pessoa singular. Nesse ponto Carlos e Cirilo eram irmãos. Era cumpridor de noias e traumas. Tentava compartilhar com elas, uma amizade duradoura.

Assim, com o passar do tempo, a sua arte foi tornando proporção divina. Varava noites pensando sobre o respeito humano. Sobre a cor que teimava em não se apresentar. Sobre a arte de ser cronista dos desesperos e dos miseráveis desejos mundanos.

Carlos era puro. Ele era uma criança. Brincava com despenhadeiros e com o ímpeto de se sentir outsider. Negligenciava meio termo e a difusa confusão que se estabelecia quando solicitado para compreender lições e ilações sociais.

Ele morreu louco. Insano. E rebelde.

Ele viveu as últimas horas de um mundo que ele mesmo amava. Mesmo sabendo da inteira ignorância que reina entre nós.

Carlos se foi. Aonde ele está, certamente confirmará suas contravenções. Suas revoluções. Suas inquietações.

Seu singular faro e fórum. Discípulo e profeta da esculhambação do que é viver.

Carlos Gurgel

por Alma do Beco | 8:54 AM | | Ou aqui: 0




domingo, dezembro 25, 2005

ALMAS DO BECO

Marcus Ottoni


“Não tem coisa pior do que a inveja de um ex-marido quando vê sua mulher feliz com outro homem ou um governante percebendo o sucesso da pessoa que o sucedeu.”
Luiz Inácio Lula da Silva

Karl Leite


Natal:
chamada para a estação das lombras

Na época de Natal, quando toda a cidade é engolfada num clima postiço e afetado de fraternidade, e se é enfiado numa camisa-de-força que a todos empurra para um consumismo desenfreado, por ser a data máxima da cristandade, ou seja, o nascimento de Jesus, festejado no calendário pela comunidade composta de povos e países tidos como cristãos, a tristeza também faz morada nos corações.

Para muitos, contraditoriamente, ao invés dessa data lembrar o princípio de um tempo novo, nascença de uma esperança inédita, pelo surgimento de um horizonte inovador, segmento inicial de uma ação benfazeja, que poderia ter continuidade no tempo e no espaço, a atmosfera pode ser marca de recolhimento e melancolia, fronteira de embaraços e indisposições.

É o caso de muitos que freqüentam e vivem no Beco da Lama, em Natal, capital do estado potiguar, denominação consagrada popularmente e que se sobrepõe ao nome oficial da rua Dr. José Ivo. Artéria que corta o coração do Grande Ponto, o Beco da Lama abriga e exibe variadas demandas, num ritmo flexuoso e repleto de vibrações, recordando um rio sinuoso e trepidante, ora turbulento, ora sereno, mas muito certamente sempre apaixonante para quem com ele mantém contato, mesmo sumário, instável ou impreciso.

Com a rua Coronel Cascudo, forma uma zona de passagem, rota de pródiga multiplicidade de tipos humanos, autodenominada “Quatro Bocas”, ilustre como parte do corredor cultural, na região histórica do centrão velho da capital, compreendendo a extensão entre a Cruz da Bica, no Baldo, até o Teatro Alberto Maranhão, na Ribeira velha de guerra, adentrando a avenida Duque de Caxias, em busca das Rocas profundas.

Neste cenário multipolar, encontramos, na semana de véspera do Natal, o freqüentador cativo e cicerone essencial da freguesia, Ivan Teixeira da Costa, 63, tornado morador honorífico do território por direito adquirido há mais de 25 anos.

Filho da Cidade Alta, sem proventos de aposentadoria, Ivan Teixeira, que tirou o tempo regulamentar na Marinha, ganha a vida “a fazer mandado de um e de outro”, como se define, sendo um “braço” indispensável, como agregado, do Bar da Odete, uma das locomotivas do comércio etílico do trecho e comerciante “tombada”, pela tradição, como dona de botequim e fornecedora de quitutes culinários, com cerca de 80 anos de vida e mais de 30 anos no setor.

Negro polivalente, embora sem tinturas de letras ou competências em números e operações, Ivan é o terceiro rebento de uma família de 12 irmãos, sendo um dos caçulas, Walniro, jogador de futebol que atuou no Rodoviário por longo tempo. De relações sentimentais, registra ter vivido dez anos com Myriam, que “tirou de Maria Boa”, residindo no Recife, onde tiveram um filho, falecido com oito meses.

Graças às ocupações e serviços eventuais, em contratos de curta duração, a fazer bicos também em casas de jogos e carteados, pela assiduidade no trampo e a lealdade aos ares e azares do Beco, Ivan se tornou seu porta-voz oficial, sendo seu historiador, repórter, fiel paladino e, principalmente, observador privilegiado e acurado dos causos e acontecências de toda a zona ao redor.

Neste início de manhã, estamos diante de Henry Jekill, o médico do período vitoriano criado por Robert Louis Stevenson que, através de seus estudos de medicina transcendental, consegue transmutar seu corpo entre sua personalidade normal, Jekill, e seu lado negro e obscuro, Mister Hyde. Como alcoólico, Ivan sofre na pele e na alma todas as conseqüências da dependência, adquirida em anos de exclusão e privações pelas condições precárias de sua viagem em mares de penúria.

A essa hora, ainda não apareceram no Beco os famosos “papudinhos”, dos quais iremos falar, pessoas que costumam amanhecer bebendo e que, segundo José Moisés de Moura, do Museu da Cachaça, no Recife, costumam ingerir até dois litros de aguardente por dia. Longe de nós a idéia de compartilhar uma “meiota” com os cus de cana que daqui a pouco infestarão o Beco, à procura de uma adega, e cuja aspiração maior será o dia em que o mar possa virar pinga ou criarem a cachaça em pó.

“Tenho uns 45 anos de bebida”, conta Ivan. “Cheguei por aqui em 80. Tenho uma faixa de uns 25 anos. Comecei a ajudar Odete quando ela saiu do Arrastão, em 70, onde a conheci, um bar que era vizinho ao Saci. O Beco já esteve em situações piores, hoje está bem melhor. Inclusive já foi mais violento. A maioria dos papudinhos que morreram, quando bebia fazia muita confusão. Era coisa de briga, por bebida, não era de atacar, nem de assaltar. Se você não pagasse uma bebida para ele, ficava com raiva. Já estava melado, dizia: ‘você está com dinheiro, não quer pagar’. Queria meter a porrada no cara. Pedia um cigarro e, se você dizia: ‘não tenho’, ele falava: ‘você tem’. E aquilo ali dava uma briga.”

Não queremos lembrar o começo de toda a desgraça, que infelicita tantas famílias, iniciada ainda no século 16, quando os escravos eram obrigados a amaciar a carne do cachaço – nome dado ao porco – com a bebida alcoólica feita de cana-de-açúcar.

Para nós, quem fala é o Mestre-Sala dos Mares, o “Navegante Negro”, da música de João Bosco e Aldir Blanc. Na realidade, o “Almirante Negro”, homenagem prestada na obra ao líder da surpreendente Revolta da Chibata na Marinha brasileira, João Cândido Felisberto (1880-1969). João Cândido liderou, em 1910, o levante armado dos marujos contra o uso de castigos físicos na Marinha. Herança militar portuguesa, os maus-tratos eram uma regra entre os navais. O uso do açoite como medida disciplinar continuou sendo aplicado nos marinheiros, como no tempo do pelourinho. A Revolta da Chibata é o resultado de uma consciência política até então desconhecida na classe operária do país.

Estamos sentados na casa de jogo, ao redor de uma mesa redonda, e ele vai girar a roleta da morte, abrindo seu “baú dos ossos”, para fazer, nessa véspera de Natal, um doloroso inventário. Sintetiza, com afetuosa formalidade, miudezas e detalhes de cada uma das almas que recordará no encontro, em torno de 25 pessoas de suas relações, mortas, acrescidas a cada encontro posterior, na maioria negros, excluídos, como se fora uma “limpeza étnica”, há de se pensar, involuntária, mas porventura com culpas distribuídas a granel.

A expectativa de vida por estas bandas, segundo o relato, ao contrário da estabelecida para o potiguar, hoje fixada em torno de 69,4 anos, segundo o IBGE, com 11,2 anos a mais ganhos nos últimos 24 anos, no Beco não alcança a faixa dos 40, chegando ou ultrapassando a faixa com muita sorte do vivente.

Um comentário feito à queima-roupa, sobre o extermínio do “mal”, deixa entrever a absorção por Ivan de um valor estranho, como se concordasse com a espécie de “extermínio” verificado na área, quiçá ansiada pelos bebuns chiques e integrantes da classe média, os que ainda podem pagar para beber nas calçadas e no meio do Beco, escancarando a pouca valia da vida, na rotina da exclusão a que estão submetidos os papudinhos:

“Hoje, no Beco da Lama, as pessoas não são mais perturbadas pelos papudinhos. Se foram todos. Ou grande parte deles.”

Refere-se aos “mortos e desaparecidos” pobres do Beco. Se eles diferem dos mortos-vivos que vagueiam pelos bares, em outras rotas e com outros vínculos, é apenas pela cor da pele e o peso do bolso. No mais, o espectro fantasmagórico e de vazio existencial dessas falanges etílicas pouco varia.

“Vamos falar dos mortos”, pedimos. Fale um pouco de Neco.

“Teve o Neco, que, podia-se dizer, morava no Beco. Ali havia a feira de frutas, na rua da Emmanuelle (Cel. Cascudo) e, quando o pessoal tirava a mercadoria e fechava as bancas, ele dormia debaixo das lonas. Teve também Fu Manchu, que dormia por ali. O pessoal tirava as frutas, ele fazia a dormida: forrava com papelão e dormia. Dormiam, às vezes, 15 de uma vez.”

Dona Maria Matarazzo, a mulher que catava papel, é um capítulo especial. Trata-se de uma família que se alojou na casa da esquina do Beco com a rua Cel. Cascudo. Com o dinheiro da catação de papel, além do lucro obtido no bar que montou na própria residência, onde servia refeições, ela criou a família que teve com ‘seu’ André, o chefe da família e principal provedor.

“Dona Maria morava na casa velha e tinha um bar. Espécie de bar e ‘restaurante’, pois servia almoço, tudo. E esse pessoal, a maioria dos que morreram, vivia lá dentro do bar dela. O Fu Manchu mesmo, nessa noite em que morreu, o Burlamaqui pagou um copo de cana, cheio. Era mais ou menos umas 10 horas da noite. Ele saiu tombando, tombando, mas ninguém estava nem pensando (nisso). Pensava que ele estava embriagado. Aí, arriou. No outro dia de manhã, o pessoal começou a passar, e notaram: ‘esse cara está morto’. Aí chamaram o Itep. Examinaram, ele estava morto. Dona Maria foi morar em Igapó. Mas os dois já faleceram. Ela, com 80 anos. Já Louro, o filho, negociava com churrasco na esquina do Beco da Lama. Todos eles bebiam. Louro passou mal, caiu, desmaiou. Levaram para o hospital e disseram que ele teve um derrame. Teve um neto deles, Júnior, que a gente viu nascer, que foi para a banda de Ponta Negra. Ficou meio adulto e desapareceu. Mataram pra banda de lá.”

– E Cavalinho?

“Cavalinho bebia todos os dias no Bar de Odete. Aí, começou a emagrecer e disseram que ele estava com Aids. Mas ele sempre ajudava em casa de jogo, de baralho, e principalmente no (clube) América. Quando começou a adoecer, ficou bem magrinho, abandonado pelas ruas, sem ninguém querer conversa com ele. Uma noite, ele achou-se mal mesmo e correu para o América, perto do Quartel da Polícia. Quando chegou perto do América, deu uma carreira e dessa carreira já caiu morrendo. Já Chico Dundun morreu ao lado do Banco do Brasil, onde hoje estão os camelôs, no Shopping Popular (por trás do Correio da Rio Branco). Ele vivia igual aos outros, aqui no Beco. A moradia dele era essa. Quando foi um dia, ali nas barracas, ia dormir debaixo da mangubeira, onde o pessoal estacionava os carros. Eles ficavam tudo ali, o pessoal que fazia frete, os carroceiros. Esse morreu de cirrose. A barriga cresceu muito, mas ele continuou bebendo direto.”

Fala de Burlamaqui, de cerca de 70 anos. “Ele tinha dois filhos, que ainda olhavam por ele, mas continuava bebendo no Beco. Os filhos sempre vinham atrás, mas ele não queria ir para a casa dos filhos, não se dava com as noras. Ele sempre me contava isto. Porque ele chegava embriagado, isso tudo, preferia viver pelas ruas.”

Conta sobre Pororoca.

“Pororoca vivia em casa de jogo, mas, antes disso, trabalhou muitos anos no Cartório de seu Armando (6º Cartório, de Armando Fagundes), ao lado da Prefeitura. Depois que perdeu o emprego, foi embora para São Paulo, onde passou uns oito anos. Quando voltou, ficou pastorando motos, na praça Padre João Maria. E sempre gostava de tomar sua pingazinha. Pegou um enfraquecimento, não procurou se cuidar e, com o tempo, se acabou.”

Ele não detalha a morte de Washington Soares, conhecido como Ratinho, assassinado no Beco na sexta-feira dia 10 de maio de 2002, aos 37 anos, por agressão violenta sofrida da parte dos soldados PMs lotados na Assembléia Legislativa, Marcos Aurélio Lopes, na época com 29 anos, Itagibá Ferreira de Lima, 37, e Luiz Araújo do Nascimento, 36. Presos após se apresentarem espontaneamente à Polícia Civil e autuados em flagrante delito por homicídio, na 1ª Delegacia de Plantão, em Candelária, pelo delegado Custódio Ricardo Arrais Neto, seriam liberados pela juíza Maria do Socorro Pinto de Oliveira, do Plantão Judiciário da zona Norte, através de alvará de soltura dos três acusados, que reassumiriam o exercício de suas funções na AL, na gestão do deputado Álvaro Dias (PDT).

Mas relata sobre os dois Ticos.

“São dois Ticos. Tico 1 e Tico 2. Tico era um era marceneiro e trocou a profissão por cachaça, preferiu a bebida. E aonde chegava, dormia, apesar de dormir mais no Beco. Quando levaram ele para o hospital, estava quase morto, ao lado do Bar do Nazir. Uma senhora ia passando num carro, e perguntou: ‘o que esse rapaz tem?’ Os outros disseram: ‘ele está se sentindo mal’. Ela pediu: ‘Bote ele no carro, que vou levar para o hospital’. Ele ficou lá e, com três dias, morreu. Um rapaz do hospital, que sabia que ele andava por aqui, falou para mim: ‘olha, ele não tem família, não? Porque o corpo dele está lá e estão pra levar para o Itep. Se a família não procurar, vão agir de outra maneira. Levam para (os acadêmicos) estudar.’”

O outro Tico, aleijado, era pastorador de carros.

“Ele era manobreiro na rua Felipe Camarão. Depois, abandonou o trabalho, entregou-se à bebida, e morreu em frente ao bar de Odete. Ele pediu um copo com água e, enquanto fui pegar, olhei para trás, quando gritaram: ‘Tico emborcou’. Nesse emborcado dele, chamaram o carro da Samu, examinaram, mas disseram: ‘está morto. Agora é problema do Itep’. E o Itep veio e levou.”

Ivan era amigo de Elias, 36 anos, último a morrer no Beco, no domingo 27 de novembro.

“Elias estava com ataques de epilepsia alcoólica. Na última vez, levaram ele para o hospital e o médico falou que se ele continuasse a beber, estava arriscado a morrer. Então, no domingo que ele morreu, estive com ele aqui, me chamando para ir no banheiro, conversando, tudo bem. Eu disse: ‘pode ir, que eu vou subir para o Bar de Odete’. Com um pedacinho, ele sobe e fica de frente ao Bar conversando com um tal de Samuel, que faz mandado. Eles dois conversando e eu sentado dentro do bar, olhando pra eles. Com um pedacinho, o Samuel se levanta. O Elias se levantou e deu um impulso para a frente, um pulo, e bateu com a cara no chão. E ali ficou. O Samuel correu e chamou a Samu. Só que não deu o endereço do Beco da Lama; deu da Cidade Alta. E a Samu ficou rodando pela praça Padre João Maria. Com 40 minutos é que disseram: ‘rapaz, é ali, no Beco da Lama’. Quando ela chegou e virou ele, disseram: ‘está morto’. E eles mesmo telefonaram para o Itep.”

Ivan fala de Reizito:

“Reizito era de Mãe Luíza, mas ultimamente estava morando aqui, numa casa de jogo. Tinha parado a bebida e falava que estava com um problema de garganta. Mas eu pensei que o problema dele fosse só garganta. Era o câncer na garganta. E ele não estava podendo mais tomar nem água. Não comia mais nada. Quando chegou o carnaval, que agora vai fazer um ano, ele inventou de tomar uma cana muito forte. Três dias depois do carnaval, sentiu-se mal, foi para a casa da irmã, que levou para o hospital, mas ele não resistiu. Tinha 56 ou 57 anos.”

A história de Manuel Bixiga.

“Manuel Bixiga tinha como viração entregar jornal, A República, de manhã bem cedo. Tinha uma freguesia a quem saía entregando, para ganhar um trocado para beber cachaça. Sentava-se no Bar de Odete, do lado de fora, com uma cadeira e uma mesa, botava uma meia, e passava o restante do dia, todinho. Mas passou a dar aqueles ataques de epilepsia, por causa da bebida. Quando foi um dia, ele bebeu durante o dia aqui e, de tardezinha, disse: ‘agora, eu vou lá para a Rodoviária velha’. Quando ele foi atravessando a avenida – me contaram isso –, caiu e um carro passou por cima. Tinha uns 48 anos.”

Tem a história do Mago das Quengas.

“Mago das Quengas era um profissional (conserto) em porta de aço. Aqui na cidade ele era o que mandava. Mas, infelizmente, levou um corte, numa porta dessas, enferrujada, e não cuidou. Pegava o restante da bebida e botava em cima do corte. Depois, deu o mal (gangrena). Levaram para o hospital e o médico disse: ‘está com o tétano. Tem que cortar. Se não cortar, ele morre’. E aí cortaram. Depois, ele ficou bom da perna, cortada, e voltou a beber no mesmo canto em que bebia, no Beco da Lama, agora de muleta. Quando caía (bêbado), ficava fazendo presepada com a perna e com a muleta, atrás de dar no povo, revoltado. Mas era um grande profissional. Chefe de família, era o pai de Ferro, que também morreu com o sangue aguado de cachaça.”

Fala de Marconi:

“Marconi era um rapaz que começou vendendo cachorro quente na Vigário Bartolomeu (no tempo da boate Vice-Versa, ele botou um cachorro quente defronte à boate e fez amizades com artistas e intelectuais, como Marize de Castro, de cujo Jipe ele cuidava, fazendo as manobras.) O pai dele deve ter morrido também. Negociava na av. Deodoro, com um carrinho, vendendo confeito. Estava muito acabado. Marconi bebeu aqui na quinta-feira e, quando foi na sexta, à noite, sentiu-se mal, em Mãe Luiza, onde morava, num quartinho. E aí parece que pediu para levarem ele para o hospital, mas não resistiu e morreu. Tudo foi bebida.”

Conta a história de Zildo da Verdura:

“Teve Zildo da Verdura, que bebia todos os dias, no Bar de Odete. Ele gostava de fazer os mandados dela: ia comprar o leite de Odete, o pão, em troco de bebida. Tomava uma dose, duas, ficava satisfeito. Teve uma época em que ele passou quatro meses sem beber, pois teve problema, foi operado. E aí o médico proibiu ele de não beber mais. Mas ele não acreditou, e voltou a beber, como bebia anteriormente. Sentiu-se mal assistindo televisão, na casa da mãe dele, e ali morreu.”

Tem a história do Cabo Ciço:

“Cabo Ciço, a última vez bebeu muito aqui, no Bar de Odete, no dia que recebeu dinheiro no final do mês. Ele era da Polícia Militar e da Prefeitura. Recebia pelos dois. E aí bebeu muito. Nesse dia, saiu do Bar de Odete de noite, para beber no bar de uma menina por nome Maria Cristina, do Bar de Nazaré mais à frente (por trás de Assembléia Legislativa). E lá bebeu muito mais. Depois foi para casa. Com poucos dias, disseram que estava em casa muito doente. Em seguida, veio a notícia, pelo filho dele, que veio no Bar de Odete, para pegar os documentos e saber quanto devia. Eu sei que o filho pagou a conta e tudo e levou o restante dos documentos.”

Narra a história de Natalino:

“Com Natalino, era costume dele ir todo dia de manhã ao Bar de Odete. Até mesmo para abrir o bar. Porque eu dormia no bar, e ele batia na porta de manhã, bem cedo (5 horas), para tomar uma dose de cachaça. E, numa sexta-feira, ele bebeu e foi lá para o Bar de Pedrinho do Catombo. Depois, às 9h da manhã, voltou, dizendo que estava com muita falta de ar, se sentindo mal. E nesta sexta-feira mesmo, à notei, ele faleceu.“

Na atualidade, Ivan fala das criaturas em presença no Beco da Lama, como o Tapura, que para todos é uma novidade.

“Outro que está vivo, e ainda é novo, é o Tapura. Quando os companheiros dele morreram, e ele se viu só, danou-se para Mossoró, passou mais de ano por lá. Agora, dois meses atrás, apareceu de novo, enchendo o saco. O Tapura é branco, deve ter no máximo 23, 25 anos.”

Ivan recorda da morte do músico Mainha, que entra na lista, embora fosse um aposentado, que desfrutava da amizade dos companheiros, no Beco.

“Mainha era músico, e sempre pedia para morrer no Beco da Lama. Ele tinha satisfação em dizer: ‘o meu prazer é morrer no Beco da Lama’. Até que morreu. Tomou uma dose de uísque, nesse dia que morreu, e quando saiu do Bar de Odete, sentou-se na porta do bar e ficou meio assim, triste. E aí emborcou. Quando emborcou, gritaram: ‘Mainha está morrendo!’. Era o coração.”

Ao contrário da compulsividade, astúcia e crueldade que se encontram na base do extermínio de jovens envolvidos no tráfico de drogas, e que tem levado à morte segmentos inteiros da juventude natalense carente da periferia, na faixa que se limita aos 24 anos, com os excluídos do Beco revela-se a inexistência de uma estrutura de organização do trabalho dentro do sistema legal, e políticas públicas que ofereçam alfabetização, saúde, trabalho, habitação.

Paulo Augusto
Jornal de Natal

por Alma do Beco | 9:56 AM | | Ou aqui: 0




sexta-feira, dezembro 23, 2005

RÉVEILLON DA RUA DA PALHA

Marcus Ottoni


"Encontramos evidências de que pagamentos foram efetuados pontualmente em períodos de aprovação de certos projetos. O mensalão é difícil negar.”
Deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR), relator da CPI dos Correios

HOJE, A PARTIR DAS 19 HORAS, NO BAR DE NASI


CONFRATERNIZAÇÃO DOS AMIGOS DO BECO DA LAMA
FALAS E CANJAS
MARCELO TINOCO E BANDA CORDAS DE VIOLA
ESQUINA 16

Ilustração: Assis Marinho
Foto: Candinha Bezerra / Arte Final: Valdelino


Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Capitania das
Artes realizam o I Réveillon do Centro Histórico de Natal

Com apoio da Prefeitura Municipal do Natal e Sectur, a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências - SAMBA e Capitania das Artes realizam, a partir das 22:00 horas de 31 de dezembro deste ano até às 06:00 horas do dia 1º de Janeiro de 2006, na rua Vigário Bartolomeu (antiga Rua da Palha, onde foram realizados os primeiros carnavais da cidade) o I Réveillon do Centro Histórico.

A festa começará com a apresentação do Boi de Reis do mestre Manoel Marinheiro, seguindo-se a apresentação de Os Grogs, ainda no dia 31. À meia-noite, haverá queima de fogos e logo após toma o chão do Beco da Lama e Adjacências a banda de frevos Demalaecuia, do maestro Gilberto, que percorrerá bares e pontos históricos da Cidade Alta. Enquanto a Demalaecuia percorre as ruas do centro histórico da cidade, a programação de palco segue paralela com a apresentação da grande revelação da música natalense de 2005: Khristal e Banda.

Previsto para início às 03:00 horas da madrugada do primeiro dia do ano, seguir-se-á show de Elino Julião, com 15 músicos acompanhando o consagrado cantor/compositor norteriograndense. Elino promete um grande show aos presentes, relembrando grandes sucessos do seu conhecido repertório. Às 05:00 horas da manhã, fechando a programação elaborada pela Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências, o popular Cabrito e a Balalaika Brega Band levam o melhor da música romântica para o público que prestigiar o evento.

Foi na antiga rua da Palha, hoje rua Vigário Bartolomeu, onde foram realizadas as primeiras festas de passagem de ano e os primeiros carnavais de Natal. Para o diretor executivo da Samba, Eduardo Alexandre, “é uma honra imensa para a Samba trazer de volta ao centro o antigo glamour das festas que animavam ‘os cantões’, como eram chamados os pontos de convergência social da cidade.” Para ele, relembrar que a Praça Padre João Maria chamou-se um dia Praça da Alegria; que a rua da Conceição chamou-se Rua do Caminho de Beber Água e Rua Direita; que a atual avenida Câmara Cascudo chamou-se Rua 25 de dezembro e; lembrar aspectos de uma cidade hoje esquecida, é trazer de volta esse passado bonito que não quer morrer.”

A parceria ora firmada entre Samba, Capitania das Artes, Prefeitura Municipal e Sectur será mantida para festas pré-carnavalescas e carnavalescas do centro do cidade, e a Prefeitura já garantiu para 2006 obras de infra-estrutura no Beco da Lama e Adjacências para tornar aquele ambiente melhor urbanizado, seguro e limpo, tornando possível melhor aproveitamento cultural do centro da cidade. Para depois do carnaval, a parceria será também mantida, já havendo discussões de como fazer-se o Dia Nacional da Poesia, comemorado a 14 de Março.


O carnaval na Rua da Palha

Quando comecei a me entender de gente, o carnaval de Natal era na rua da Palha (hoje Vigário Bartolomeu), no trecho compreendido entre a rua Ulisses Caldas e a praça do padre João Maria. Instruirei os que não conheceram Natal desse tempo. Era um trecho de uns 300 metros, em moderado declive, as casas todas residenciais, distendidas inteiriçamente no alinhamento da rua.
As janelas numerosas, à razão de cinco ou mais por casa, eram observatórios privilegiados e ficavam sempre repletas. À calçada, punham-se cadeiras que dilatavam a área de conforto dos moradores da rua da Palha...
E, assim, brincava-se uma brincadeira quase inocente, que consistia em circular rua acima, rua abaixo, distribuindo confetes e seringadas de lança-perfume. Quase todos procuravam acertar o jato de lança-perfume na vista uns dos outros, pelo que as crianças se apresentavam em geral protegidas com uns óculos tipo aviador.
Havia abundância de mascarados com a preocupação do engraçado. Podia ser que nem sempre despertassem o nosso riso abundante, mas bem que mereciam uma comovida admiração esses bravos foliões. Como deviam padecer sob as cômicas caracterizações que escolhiam: às vezes, conduziam objetos mortalmente incômodos; outras vezes, afivelavam máscaras martirizadoras como enormes cabeças de bichos; por vezes, ainda, enfiavam roupas antigas, pesadas e sujas, sob as quais suavam em profusão. E havia, também, os que adotavam disfarces raciais e, então, se tisnavam densamente.
Sinceros e resolutos foliões! Para eles, o carnaval era uma breve oportunidade em que podiam dar vazão a sua sopitada vocação crítica.
O que havia, porém, de mais expressivo no carnaval de Natal ao meu tempo de menino, era o misterioso “Zé Pereira”. Misterioso, sim, porque provinha de um clube de rapazes da sociedade, os quais saiam à rua uma única vez por ano, no sábado de carnaval, à meia-noite. Partiam do Natal Clube e percorriam toda a cidade num bonde especial, que, àquela época, os automóveis eram raros e precários.
Lá em casa, os meninos eram postos a dormir na hora do costume, às 7 horas, mas, em verdade, ficávamos numa vigilante excitação íntima. Até meia-noite, todavia, o sono já nos havia vencido, de sorte que quando estalavam os clarins do “ Zé Pereira” e o bonde se movimentava na nossa rua, bem perto do Natal Clube, éramos levados à janela tontos de sono, olhos pesados, mente turva.
O “Zé Pereira” passava rapidamente, era uma imagem breve e confusa. O que se prolongava era o ressoar da sua música; era, sobretudo, o bombo predominante. E durante os três dias, todos entoavam os versos do “Zé Pereira”:

“Viva o Zé Pereira,
Que hoje à rua sai.
Quem não come, cheira;
Quem não tomba, cai:
Zimbararal! Zimbararal!
Viva o carnaval!

Umberto Peregrino
In Crônica de uma cidade chamada Natal. Editora Clima. Natal/RN, 1989.





À sombra de frondosas árvores, os Cantões

Os costumes de uma época enraízam-se de tal modo no espírito humano que se tornam uma característica.
Somente a evolução através do tempo poderá tornar-se agente transformador, substituindo os antigos por novos hábitos, na sociedade.
Em sua residência, o Vigário Bartolomeu costumava receber os amigos, à tardinha, na calçada, à sombra da própria casa, segundo hábito daqueles tempos em Natal, cidade provinciana. Ali, eram dispostas cadeiras constituindo as tradicionais “rodas” para as “prosas”, hoje denominadas “bate-papos”, as quais se prolongavam até certas horas da noite.
Essas “prosas” eram comuns nas calçadas das principais residências da cidade, ou à sombra de frondosas árvores existentes nas praças, destacando-se a do “Cantão da Matriz”, sob majestosa gameleira da Praça da Alegria, hoje padre João Maria, próxima à Matriz, e a da “Botica”, situada à rua do Comércio, hoje rua Chile, formada na farmácia do Dr. José Gervásio de Amorim Garcia, político em evidência naqueles tempos. Eram elas os pontos de reunião dos principais da terra, onde se tratava de assuntos de interesse político-sociais.
No “Cantão”, reuniam-se os que obedeciam à chefia política do padre João Manoel de Carvalho, sendo freqüentadores assíduos, além de outros, o comendador Joaquim Guilherme de Souza Caldas e o coronel Felinto Elísio de Oliveira Azevedo. O da “Botica” era chefiado pelo Dr. Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto. Nele, encontravam-se os Garcia – José Gervásio de Amorim Garcia, proprietário da farmácia e parentes, inclusive Francisco Amintas da Costa Barros.
Nessas “rodas”. passavam-se em revista os acontecimentos da cidade e do país, sociais e políticos, quando não constituíam mero passatempo entre amigos, no relato de anedotas, na decifração de charadas ou tornando-se oportunas para as partidas do jogo de gamão ou de dama.
Os casos políticos eram nelas ventilados, analisados, discutidos e consertados os planos, enquanto (...) surgiam os planos para os conluios político-partidários. Dir-se-ia que elas bem sintetizavam a vida social da cidade. (...)

Antônio Fagundes
In O Vigário Bartolomeu (Traços Biográficos). Natal, 1976.




HISTÓRIA DA CIDADE DO NATAL

A Praça André de Albuquerque
Viu a cidade criança.
A Catedral sabe histórias
que nenhuma História conta.

Caminhos de buscar água
- rua Santo Antônio antiga.
Na margem verde do Baldo
Dorme a Santa Cruz da Bica.

Xarias e Canguleiros
Descansam no chão da História,
depois de tantas batalhas
e tantas perdidas glórias.

Itajubá, nas serestas,
incendiava o luar,
com seus versos delirantes
de vento leste e de mar.

Auta de Souza morrendo
na Avenida Rio Branco,
Lírio moreno, entre rosas
Sangüíneas e lírios brancos

Praieiras de Othoniel
tiritando na alvorada,
entre acordes e soluções
de violões em serenatas.

No velho Paço da Pátria,
de patrióticas feiras,
a manhã passa lenta
sobre as louças das louceiras.

O trem passando na ponte,
Sobre o rio Potengi.
Natal, perdi-me ou achei-me,
Depois que te conheci?

Os limites da cidade
eram quatro: balaustrada
de Petrópolis, Ribeira,
Alecrim, Tirol. Mais nada.

Na calçada do Rosário,
Cascudo e Sílvio Pedroza
colhiam o sol do crepúsculo
como alguém colhe uma rosa.

A cidade era uma Festa,
No Natal e no São João,
entre os sonhos a igualdade
De Djalma Maranhão

O bondinho do Tirol
Cochilava em cada esquina.
Numa delas, descobri
Teu sorriso de menina.

Depois, o tempo passou,
o bonde não voltou mais
não voltou mais a cidade
do meu tempo de rapaz.

Agora, a cidade antiga
cresce no tempo e no espaço
e o progresso a moderniza
a cada dia que passa.

Mas os sonhos continuam
os mesmos sonhos de outrora,
acalentando a esperança
que renasce a cada aurora.


Deífilo Gurgel
Natal – maio de 1989.
.
.
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Quarenta anos depois

Foi bonita a festa. Dos 25 alunos da turma de 65 da Faculdade de Direito de Natal, dois faltaram por motivos particulares e oito porque levados definitivamente pela Indesejada das Gentes. Revi colegas, amigos, amigas que eu não via desde o final do curso, ou desde 1968, quando me fui para o Rio de Janeiro, fugido e mal pago.

Uma tarde de mesa farta: comida para um batalhão de infantaria, bebida para saciar a sede de todos os freqüentadores do Beco da Lama e adjacências. Mas não foi isso o que mais me impressionou. Passando os olhos pela mesa animada, verifiquei que na minha turma de Direito não havia um só mau caráter, dela não saiu nenhum Josef Dirceu, nenhum juiz ou promotor desses que se vestem com a capa suja de Torquemada e usam o cargo para contrariar até as causas mais justas. Nenhum arrogante, dono da verdade, desses que têm a satisfação psicótica de perseguir, prejudicar, destruir.

Mas, tudo bem, deixemos que os Torquemadas continuem defendendo suas teses no círculo mais infernal do poeta Alighieri. Falemos da alegria do reencontro. Alegria de ver que todos os meus colegas se saíram bem na vida, uns ainda atuando em escritórios de advocacia, a maioria no bem-bom de confortáveis aposentadorias. Todos foram vitoriosos na carreira jurídica, com exceção de um aprendiz de poeta meio rebelde, meio maluco, que tentava afogar nos copos a angústia de ter casado aos 21 anos de idade, no 1º ano da faculdade, com uma mulher de quem nunca gostou. E olhe que a mulher não era rica, não era fácil e não tinha nenhum traço de Gisellinha Bündchen.

Bom, mas falemos de alegria. As colegas de turma estão ótimas – uma delas entrou para a Ordem das Carmelitas Descalças, sua vocação desde os tempos da faculdade. Está feliz, radiante. Outras estão casadas com os mesmos maridos há 40 anos e ainda acham graça, quer dizer, estão muito bem. Uma outra morou nos Estados Unidos, onde ensinou os ianques a fazer cuscuz, tapioca, grude e munguzá; passa as férias na Bélgica e qualquer dia quer casar de novo e morar na Austrália. Tem peito para isso. Ah, sim, havia uma musa vertical, bela, caicoense, cobiçada e inalcançável até nos meus sonhos mais ousados. Eu sempre quis erguer em sua homenagem uma estátua maior do que a de Augusto Severo, ela com um decote generoso e uma braçada de margaridas. Todos os dias, antes da chatice das aulas de Direito, eu beijaria o colo do monumento e acariciava as margaridas de bronze. Ah, a mulher cobiçada revelou na festa que só por timidez não devolvia os olhares com que os colegas da faculdade a bombardeavam minuto a minuto. E se soubesse que eu queria erguer uma estátua para ela, com certeza teria sorrisos e desejos voltados para mim. Essas palavras, ditas 40 anos depois, ainda conseguem alterar o meu ritmo cardíaco.

E mais não falarei. Apenas peço um minuto de silêncio em homenagem aos ausentes: Claudionor de Andrade Júnior, Gilka Farkat, João Cantídio, João Neto, Juvenal Barbosa, Maria Senhorinha, Pedro Camilo e Perceval Amorim. Todos, como no poema de Manuel Bandeira, dormindo profundamente.
Nei Leandro de Castro
Tribuna do Norte

por Alma do Beco | 7:21 AM | | Ou aqui: 0




domingo, dezembro 18, 2005

DESAMOR

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"Vai ter um momento em que eu vou decidir e quero que vocês saibam: o dia que eu decidir, se for para ser candidato, é para ganhar as eleições aqui neste país outra vez. Se decidir não ser candidato, iremos escolher um companheiro para ganhar as eleições."
Luiz Inácio Lula da Silva






LUA CHEIA

Hoje eu ainda não escrevi nada
Fiquei lendo com a caneta
O papel guardado no canto
Eles pensam que me dominam
Porque a caneta esporra
Quando vê o papel em branco
Eles pensam que me bolinam...
Hoje eu nem queria escrever nada
E aí fazer o que?
Que outra coisa melhor
Faz o tempo passar porra!
Eu juro que não queria
Fazer sexo com a Calígula grafia
Eu sei que Só doma o ímpeto
Quem sabe brincar de gangorra
Mas hoje eu não preciso escrever
Nem me expor em palavras
Hoje eu só quero ler
Ouvir o tempo na rua
Ficar calado
Como hoje eu não quero escrever nada
Subscrevo-me escravo da lua
E das vogais
Com sol antes
E tudo mais...

Que não seja só hoje sorte nua!!!!!

Mário Henrique Araújo




Tec Tec

Cocei a barba e olhei em desespero para a tela do monitor... o computador travara novamente. Reiniciei o bicho e corri para a cozinha, rumo a uma xícara de café. Foi quando me bateu uma saudade quase alucinada da minha Underwood que definhava esquecida debaixo da cama...

Lembrei das Olivettis e Remingtons que já haviam passado elas minhas mãos, mas o fato era que a Underwood fora a última máquina de escrever da minha vida, adquirida em uma loja de objetos usados, alguns anos antes do demônio colocar o computador em minha vida. Recordei do teclado duro e pesado, em cujas letras mecânicas eu tinha de passar óleo regularmente. Como esquecer o tec tec infernal gerado pela junção dos meus dedos com as teclas?...

Juntos produzimos trabalhos de colégio, crônicas, contos, poesias melosas (que depois mergulharam no cesto de lixo), cartas de amor e também de ódio...

Tantos textos, tantas emoções...

Como não recordar do barulho devastador produzido pelas teclas, a tal ponto dos vizinhos imporem uma lei no condomínio proibindo o uso de máquinas datilográficas após às oito da noite. Terminei de beber o café e voltei para o computador na esperança de voltar a utilizar aquele aparelho diabólico. Inútil. O bicho não ligava. Ajoelhei-me frente à cama – não para implorar nada a deus ou a qualquer outra pretensa divindade – mas para conferir se minha Underwood estava lá embaixo.

Retirei-a com carinho da sua catacumba, limpei-a com água e óleo e coloquei-a com delicadeza em cima da minha escrivaninha. Estalei os dedos – nada como os velhos rituais – e tec tec tec, lá estávamos eu e o teclado mecânico em pleno funcionamento, produzindo textos e ruído em harmonia, era como se estivéssemos fazendo amor.

Produzido o texto, rodei a bobina para retirar a primeira folha de papel ofício. Nenhum risco de deletar o texto, nenhuma mensagem de que eu tinha cometido uma operação ilegal, nada disso...

O pior que poderia acontecer era eu derramar café em cima da folha. Olhei minha Underwood como quem olha a mulher amada e jurei nunca mais esquecê-la debaixo da cama ou em qualquer outro lugar inóspito. Que o demo levasse embora o computador, os disquetes, a Internet e orkut et caterva. Eu só queria, a partir dali, o tec tec da minha máquina.

Cefas Carvalho



Onde se tira o pão não se come a carne

Nada de palavras, apenas gestos, a linguagem inteligível no barulho do inferninho. O namorado estava ali, escondido por trás da cortina de fumaça, curtindo a embriaguez da música, enquanto a moça desfilava de braço em braço, distribuindo paixão de boca em boca, aquecendo o ego da parede fria com o sarro de corpos em chamas.

Sei que ao cronista cabe a observação das ocorrências banais e concordo com a máxima segundo a qual "onde se tira o pão não se come a carne", mas nem sempre o pão domina a vontade quando a carne esperneia. Pensei em me jogar nos fatos para me contar depois. Pensei no medo, na responsabilidade, na torpe traição às palavras.

Daí a patética confusão de vozes entre o sangue do campari e o ouro de tolo do uísque. Desejei fogo, pedi água; desejei loucura, pedi juízo; desejei cama, pedi que me acordassem; desejei a guerra entre gregos e troianos, pedi a poesia de mestre Otacílio Batista, "Mulher nova, bonita e carinhosa/ faz o homem gemer sem sentir dor".

E o namorado? Pobre namorado! Chapado, largado, sentado na esquina dos delírios onde o vento faz a curva, Belzebu ganhou os chifres e Judas perdeu as botas. E a moça? Linda moça! Beijo-de-moça, baba-de-moça, peito-de-moça alimentando a alma impura daqueles que acreditam na eternidade da poesia de certos incêndios.

Será que aquela maluca leu Florbela? Sim, é claro, para "Amar só por amar: aqui... além.../ Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente.../ Amar! Amar! E não amar ninguém!", desconsiderando recordações e esquecimentos, convencida de que "Quem disser que se pode amar alguém/ Durante a vida inteira é porque mente!".

Pedi insistentemente que tocassem Mrs. Robinson, "dos Beatles", em homenagem à figura. "Não é Beatles, é Simon e Garfunkel", disse alguém. Talvez não fosse a canção apropriada. Eu, no entanto, precisava dizer a ela, de alguma forma, que observasse o entorno e percebesse os olhares de simpatia. A banda não colaborou.

O namorado sumiu. Partiram com ele no momento em que Buda era incensado com ervas de aroma afrodisíaco. A moça ficou mais solta ainda, completamente livre para a filantropia, para a entrega, para massagear línguas, para testar a resistência deste pobre coitado que insistia em não virar personagem de sua própria crônica.

Cid Augusto


DESAMOR

A “Lei de Chico de Brito” funcionou na Câmara Municipal de Natal. Por orientação do prefeito Carlos Eduardo Nunes Alves a bancada de posição fechou a questão
para derrubar todas as emendas (Orçamento do Município para 2006) apresentadas pela
oposição, inclusive a que beneficiava o Centro Histórico e Cultural de Natal,
conhecida como emenda “Beco da Lama”, que foi apresentada por Hermano Morais,
Salatiel de Souza, Gilson Moura e Renato Dantas. Ela destinava, para obras físicas
emergenciais, 200 mil reais. Uma gotinha no oceano de um orçamento anual de 695
milhões de reais. Outra, dos mesmos vereadores, de 2,2 milhões para melhorar
hospitais públicos e resolver o impasse da saúde (em greve), e que retirava valores
destinados à propaganda oficial, também foi rejeitada, num gesto de política intolerante
que vem de dentro das paredes azuis da prefeitura da cidade.

Durante a votação, que acompanhei representando o diretor executivo da Samba
- Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências, Eduardo Alexandre, observei
que os vereadores Júnior Rodoviário, Dickson Nasser e Júlio Protásio, do Bloco Parlamentar em Defesa do Beco da Lama, votaram contra o projeto, na primeira oportunidade que tiveram de exercer a defesa do reduto cultural mais tradicional da cidade. Por isso, em combinação com os vereadores restantes, que votaram a favor do Beco (Hermano, Renato e Salatiel), decidimos por eliminá-los do Bloco Parlamentar. Os três prometeram entrar com recurso junto ao diretor executivo para tentar o retorno.

Nem a imprensa, nem a oposição e nem alguns vereadores da posição entendem a
forma intransigente de governar do prefeito Carlos Eduardo. Para muitos, principalmente os jornalistas que cobrem a Câmara Municipal de Natal, é impressionante que Carlos Eduardo não fique sensível ao Centro Histórico, lugar que ele próprio freqüenta e que durante muitos discursos, mesmo fora da campanha, prometeu ajudar. Ninguém entende que ele esteja apoiando o Reveilon da Cidade nesse local e não queira realizar nenhuma obra estruturante, principalmente para preparar uma festa – que ele prometeu ir com sua família – que irá acolher muitos turistas. Ninguém compreende Carlos Eduardo, que ao invés de aceitar as colaborações inteligentes da oposição, prefere chamar os vereadores de “politiqueiros”, quando todo mundo sabe da calamidade pública que vive o seu governo na área de saúde. Aliás, calamidade decretada por ele mesmo.

Descartes dizia que “o homem vive entre Deus e o nada e precisa fazer uma escolha”.
O nosso contemplativo prefeito precisa fazer a escolha de Deus, de amor a cidade, sair da beirada do nada para evitar escorregar nos abismos dos equívocos. Um pouquinho de
reflexão e humildade funciona como caldo de galinha, não faz mal a ninguém.

Leonardo Sodré

por Alma do Beco | 11:56 PM | | Ou aqui: 0




domingo, dezembro 11, 2005

Légua a Toa

`Sem mim, não há outro nome.`
Luiz Inacio Lula da Silva


“Já fui gente. Hoje sou um bregueço”
Tribuna do Norte
11.12.2005

Manhã ensolarada. Perto das 9h chegamos à casa de Dona Militana, ou - como prefere - Dona Maria José. Sentada no chão da área, com o cachimbo na mão, ela nos olha desconfiada. Tem no pescoço um rosário e no peito o slogan “Hard rock café”. O lugar é pequeno e muito humilde. Bastante diferente do Palácio do Planalto, onde dias antes ela foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural (maior condecoração cultural do País).

Tímida, desde que entramos ela mantém uma das mãos na boca; enquanto nós permanecemos tensos. O silêncio só é quebrado quando ela nos surpreende cantando o drama de Juliana e Dom Jorge, uma homenagem à “nossa Juliana” (risos). A partir daí, a cancioneira relaxou e trouxe às horas seguintes muitos risos e emoção, lembranças do “tempo que era gente”. A entrevista a seguir mostra que antes de ser a maior romanceira de quem se tem notícia no Brasil, Dona Maria José é uma lutadora. Euclides da Cunha tinha razão: “o sertanejo é antes de tudo um forte”.

Beleza de seu cancioneiro não reflete a realidade

Desde que foi descoberta, nos anos 90, Dona Militana já foi destaque na imprensa nacional por diversas vezes. A romanceira potiguar faz sucesso entre pesquisadores e intelectuais brasileiros e estrangeiros, que vêem nela a maior representante viva do canceioneiro ibérico no Brasil. Até o Ministério da Cultura também reconheceu seu valor, lhe outorgando, recentemente, a “Ordem do Mérito Cultural”, maior comenda cultural do país.

Mesmo ante todo esse reconhecimento, as autoridades estaduais e municipais não lhe oferecem o devido apoio. Atualmente, ela sobrevive com uma aposentadoria de um salário mínimo. Visivelmente abatida pela idade e crises de pressão alta, Dona Maria José reside com uma filha e diversos netos num casebre, em São Gonçalo do Amarante. Para se ter idéia de sua situação, a cancioneira não recebe os direitos autorais com a venda do CD Cantares, desenvolvido pela Fundação Hélio Galvão, dentro do projeto Nação Potiguar. Ela diz que recebeu apenas 100 cópias. Outro exemplo do descaso foi o espetáculo Auto do Natal de 2004. Dona Militana fez uma apresentação especial e até hoje não recebeu o cachê prometido (R$ 2.000).

Apesar de ser um dos maiores ícones culturais do Estado, uma visita à casa de Dona Maria José revela uma situação de abandono. Diante do quadro, o temor é que o devido reconhecimento seja providenciado tarde demais.



A lua cortou minha sina, a maré levou minha sorte.
Militana Salustino do Nascimento

Quem é
“Meu nome é Militana Salustino do Nascimento. O povo agora me chama de Dona Militana. Nome véio feio. Duro. Eu prefiro Maria José, que era o nome que minha mãe queria. Minha madrinha que mudou. Quando ela foi me batizar butou nimim (sic) o mesmo nome de mamãe. Ela passou a vida toda me chamando de Maria José, mas agora só me chamam Militana”.

Idade
“Nasci na era de 25. A 19 de março, às 12 horas do dia. Foi aí meu nascimento. A lua tava de minguante, a maré tava de vazante. A lua cortou minha sina, a maré levou minha sorte. (...) Foi lá em Barreiro aonde eu nasci, em São Gonçalo aonde eu me criei, no meu Sítio Oiteiro”.

Família
“Houve 18 filhos. Eu só criei sete, Deus criou o resto. Tenho 63 netos e 25 bisnetos. Dá pra ir? (risos). Irmãos, foram 12.

Infância
“Eu me criei foi na roça, trabalhando mais papai. Comecei a andar mais ele pros roçado com sete anos de idade. Mamãe dizia, ‘tu acaba com essa menina, Atanásio”. E ele: ‘quem num tem cachorro caça com gato, a companhia que eu tenho é ela’.

Criação
“Saísse de casa, pra ver a pisa! Quando papai me mandava ir em algum lugar, ele dizia ‘é um pé lá e outro cá!’ Eu me ia no meio do mundo desbandalhada. Eu apanhava, que eu era ruim que só o diabo. Toda vez que eu saía de casa, quando chegava a cepa já tava separada. E eu criei os meus do jeito que eu fui criada”.

Vivência
“No tempo que eu era gente, eu só temia Deus e mais ninguém. Agora mudaram meu nome, mudei minha natureza. Dei muita queda em gado dentro do roçado. Tá pensado que eu era desse corpo, é? Eu tô desse corpo agora, que sou véia, acabada. Eu já fui gente. Agora sou um bregueço. Quando eu era Maria José, era ruim que só o diabo. Foi num foi, a munheca comia. Mas eu fazia as coisas na minha razão. Desde os meus doze anos eu só ando com uma faca”.

Os romances
“Eu aprendi porque Deus me deu memória. Eu tenho mais de 55 romances aqui no quengo. (Ela sabe histórias cantadas desde a Idade Média. Aprendeu com o pai, seu Atanásio. Enquanto trabalhava na roça ele cantava os romances, que a menina Militana não podia repetir.) Ninguém da família aprendeu. E nem vou ensinar. Só quem tá com essa missão de aprender é Rafael, meu neto, de nove anos. Dos irmãos, só quem aprendeu fui eu”.

Encontro com Lula
“Lá tava o presidente, aí eu digo: ‘Mandei fazer um relógio da pata de um caranguejo. Pra marcar a hora e minuto dos dias que eu não te vejo’. Ele disse: ‘Cante de novo!’. Aí eu digo: ‘Eu não sinhô! Quem canta de graça é galo’ (Risos). Mas deixe que eu fui pra Brasília a chamado dele. Ele me deu uma caixinha assim com uma medaia (sic). Eu gostei. Tinha um bocado de gente lá”.

Morte
“Medo?! Ara se num tenho. E quem num tem? No dia, Manoel Luís (marido) me chamou e disse: ‘Maria, eu tô me acabando. Tô indo imbora’. Eu disse pra ele: ‘Vai com Deus, esquece do mundo’. Uma lágrima eu não butei, nem reclamei, nem coisa nenhuma. Eu empurrei ele pra cama. Acendi a vela e coloquei na mão dele. Aí ele morreu. Eu não tava nem aí. Ele não vivia em casa. Não vivia trabalhando pra me dar de comer. Eu vivia dando murro pra criar meus filhos. Só quem sabe da minha vida sou eu mesmo, eu contando ninguém acredita. (Aparenta amargura) É isso mesmo. Não tenho ninguém mais por mim.

Mãe
Quem era por mim era minha mãe. Deus levou muito cedo. Ela morreu de repente. Foi assim: quando eu fui chegando na porta, ela tava perto da banca de santo. Ela rezou o rosário e foi botar em Santa Terezinha aí gritou: ‘Ai, Meu Deus, que dor e essa na minha cabeça!?’. Papai correu e disse: ‘Tá se acabando minha Maria...’. A gente acendeu a vela e botou na mão dela e ela passou-se. (Baixa a cabeça, olha em volta. A romanceira está triste...)

Vida
“Num mudava nada na minha vida não. Só podia ser do jeito que eu era. E a senhora é feliz? Eu sou feliz nada... Seria se tivesse minha saúde...”



Légua a Toa

“Mundo pequeno”?
Não é esse o tal
sertão?
Não é esse o meu
sertão.
Se é,
não é
pequeno.
Ser tão
é ser grande,
infinito.
Sertão,
capítulo do livro,
todo o livro
que li
até aqui.
Por que o sertão existe,
então?
Se nas páginas
que seguiram,
sol em riste,
planta seca
no chão,
disseste ser mundo pequeno
esse meu mundão.
E não ser tão.
Ser tão grande,
afinal,
ou não?
Ser tão
será em vão?

Livio Oliveira

por Alma do Beco | 1:38 PM | | Ou aqui: 0




sexta-feira, dezembro 09, 2005

UM LADRAO DE ESCRAVOS



`Eu não fiz nada de errado. As pessoas são levadas a botar todo mundo que milita na política no mesmo saco.`
Vice Jose Alencar


UM LADRAO DE ESCRAVOS

Coronel Odilon de Amorim Garcia
(Fortaleza-Ce, 01.01.1846 - Natal, 28.04.1922)

Agente do Lloyd, professor, abolicionista. Nome de rua em Areia Preta, Natal, e de escola estadual em Macau.

Filho de tradicional família cearense, com suas raízes na cidade de Aracati, nasceu em Fortaleza e estudou na Inglaterra. Chegou a Natal no final da década de sessenta do século XIX, fez concurso para professor do Atheneu, tendo sido, segundo suas próprias palavras, `lente de ingles por 33 anos`. Foi o primeiro professor desta língua estrangeira na cidade.

Representou a Companhia Nacional de Navegação, depois transformada em Lloyde Brasileiro, a partir de 1871, sendo responsável pela chegada do primeiro navio de grande porte a Natal, o `São Jacinto`. Permaneceu nesta atividade durante 51 anos, quando transferiu a representação ao filho que tinha o seu nome e que durante mais 49 anos continuou na representação da Companhia.

O `Coronel Odilon`, como era conhecido, foi, até o seu falecimento, vice-consul da Inglaterra, exercendo tambem a representação da Suécia, Uruguai e Noruega no Estado. Esta sua familiaridade com embarques e desembarques de passageiros e de cargas foi muito valiosa na sua atividade como abolicionista.

Cascudo refere-se a isso do seguinte modo: `João Avelino e Odilon Garcia especializaram-se em furtar escravos e embarcá-los para o Ceará. Rondavam a casa, pulavam o muro, convenciam os negros de que a liberdade era digna de um atrevimento, ajudavam a arrumar os molambos e fugiam carregando trouxas, redes, moleques, guiando a caravana ate um ponto escondido onde a barcaça, quase sempre o iate `Jiriquiti`, esperava, balancando-se nas águas verdes do Potengi` (Cascudo, p.351, 1980).

Já bem idoso, Odilon Garcia confidenciou a sua neta Lucy Garcia que `o que ele mais se orgulhava na vida era ter sido ladrão de escravos, pois o bem mais importante na vida de um homem e a liberdade.`

Pertenceu ao Partido Conservador, da facção do conselheiro Tarquínio Bráulio de Souza Amarante, que tinha o costume de reunir-se na na farmácia do comendador Jose Gervásio de Amorim Garcia, irmão de Odilon. Este grupo era conhecido como o `Grupo da Botica`. O Coronel participava diariamente destas reunioes, conversando, jogando gamão, planejando. Foi vereador em Natal e chegou a exercer a Intendência. Morou sempre na Ribeira, sendo um dos benfeitores da igreja de Bom Jesus e, segundo Cascudo, foi o ultimo morador da rua Doutor Barata.

Jardelino Lucena

In 400 Nomes de Natal - Prefeitura Muncipal do Natal.



Moacyr de Góes
Histórias e delírios nostálgicos
Diário de Natal, 09 DEZ 2005

Um amplo panorama político, uma aula de história e os delírios de um experiente escriba. Talvez esses três pontos possam dar a dimensão da nova obra do professor aposentado da UFRJ e escritor potiguar Moacyr de Góes, Chão das almas, que será lançada hoje durante o projeto O livro e a leitura, promovido na Praça Pedro Velho (Praça Cívica). Na ocasião, ele irá proferir a palestra O processo criador na literatura, a partir das 16h, no auditório Luís da Câmara Cascudo, montado no local, e em seguida haverá o lançamento, pela editora Edufrn. No próximo ano, o livro também será lançado no Rio de Janeiro. A entrada é gratuita.

A obra integra uma trilogia, cujo primeiro título foi lançado há exatos 20 anos, Entre o rio e o mar. Nessa obra o autor conta fatos históricos que ocorreram no Brasil, de 1945 a 1968, e a eles mistura personagens fictícios, responsáveis pelo romance da publicação. O segundo livro se remete a um período anterior, entre 1930 e 1946. ‘‘Utilizo a mesma metodologia do primeiro livro. O meu olhar parte sempre daqui de Natal e os personagens fictícios recriam os tipos da cidade. Gosto muito do bairro das Rocas, já que na época do projeto De pé no chão também se aprende a ler (programa de alfabetização popular, promovido pelo governo Djalma Maranhão, e implantado pelo próprio Moacyr que na época exercia a função de Secretário de Educação), as nossas experiências sempre começavam por lá, então me familiarizei muito com o bairro. Não me prendo a realidade local, mas a vivência da história é sempre aqui, o caldo cultural é natalense’’, lembra Moacyr e ainda ressalta que o livro também traz fatos da política nacional e internacional.

Segunda obra

A obra inicia com a Revolução de 30, passa pela rebelião comunista de 35, pelo Estado Novo, pela 2ªGuerra, as mudanças sofridas em Natal em conseqüência da grande batalha e a parte histórica termina em 1946, quando a base de Parnamirim foi transferida para o governo brasileiro. ‘‘Na última parte do livro, a qual chamo de parte 0, dedico a ficção, ao meu delírio, aí ninguém me pega’’, diz lembrando que os outros livros da trilogia também seguem essa mesma estrutura. O referido capítulo recebe o nome de Nas asas do pavão Mysterioso (cuja grafia segue a veracidade do título da literatura de cordel). Nesse momento da narrativa os personagens fictícios estão em Moscou fazendo um curso, na iminência de serem presos, quando o pavão aparece para trazê-los de volta ao Brasil, ‘‘o pavão conta a eles o futuro, pois com o olho esquerdo ele enxerga o futuro e com o direito o passado. Essa é a parte do realismo mágico da América Latina, na linha de Gabriel Garcia Marquez’’, avisa.

Apocalipse

O título termina com o apocalipse de São João, no qual um dos personagens é Afonso Laurentino Ramos, amigo do autor e diretor de Projetos Especiais do Diário de Natal. ‘‘Ele surge na frente, comandando 10 personalidades do Rio Grande do Norte que foram alvo de uma coleção, lançada por este jornal. Ele vem embaixo de uma umbrela que é segurada por Joaquim Caldas Moreira, uma espécie de historiador do qual fui amigo. Nos meus livros coloco todos os meus amigos’’, lembra o escritor.

O autor recorda que a idéia da trilogia surgiu a partir de uma pergunta de um repórter potiguar, quando ele estava na fase de pesquisa da obra que será lançada hoje, ‘‘estávamos na praia de Pirangi em uma entrevista. Falamos do Entre o rio e o mar e do meu projeto de lançar este livro de agora. Foi então que ele me perguntou se seria uma trilogia e eu fiquei com essa idéia na cabeça. É tanto que em setembro passado comecei a fazer a pesquisa do último livro da trilogia, no qual falarei da geração pós-golpe de 64 indo até i ano 1988, quando Ulisses Guimarães levantou a constituição cidadã’’. Como as outras suas obras, esta deverá ter uma ‘gestação’ de quatro a cinco anos até ser lançada.

por Alma do Beco | 10:48 AM | | Ou aqui: 0




terça-feira, dezembro 06, 2005

ACONTECEU QUANDO AQUILO ACONTECEU

Marcus Ottoni
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"O fracasso virou sucesso."
Lula, em pleno delírio.

"Isso aconteceu quando tudo aquilo aconteceu ao partido."
Vice-presidente José de Alencar, reconhecendo que sua empresa, a Coteminas, recebeu dinheiro vivo (hum milhão de reais) não contabilizado do PT de Delúbio.


Fábio Eduardo

ACASO

Toco na sensibilidade
Mutuamente dividida
Meramente assumida

A saudade dorme

Para meu espanto
Ela cresce, ela alegra , ela insiste

Tranquila e permanentemente
Inspira...

Só me resta
Manter distância

Deborah Milgram



Do teatro de bonecos ao mundo
da arte fantástica de Fábio Eduardo

Em cenas bucólicas, podemos ver um carro de boi carregado da cana-de-açúcar, um pasto florido da última invernada e um vaqueiro em primeiro plano, mostrando os detalhes do gibão pelas costuras no couro; a indumentária do Boi de Reis em movimento, refletindo nuanças pelos espelhos que explode luz nas tiras de sedas dos galantes; meninos soltando pipa na beira de uma praia distante e o colorido dos papeis de seda, estampado nas pipas; o azul do mar, a vila de pescadores...

Todas essas imagens, impregnadas de lirismo, são frutos da arte fantástica que está representada nos quadros do artista plástico natalense Fábio Eduardo.

Quem vê a qualidade das pinturas de Fábio Eduardo, não imagina que o artista começou ainda no jardim de infância do Padre Thiago, no bairro de Igapó, onde despertou sua veia artística quando coloria as capas das provas e trabalhos escolares. Durante as primeiras letras, as professoras perceberam o talento do jovem Fábio e começaram a incentivar o talento com cadernos de desenho, material para colorir e outros mimos.

Hoje, aos 35 anos, Fábio Eduardo lembra como começou sua carreira artística, quando aos nove anos, fazendo o primário, recebeu um convite para participar de um concurso “Mural Cidade da Criança”, em 1979. Na escola estadual Ary Parreiras, no Alecrim, através da disciplina “Educação para o trabalho”, aprendeu a fazer talha em madeira, pintura em vidro, em azulejo, em tecido, entre outras atividades artísticas. Vendo um caminho lucrativo com sua arte, começou a fazer pinturas em camisas e vender na escola. Observando o talento de Fábio, um amigo o chamou para trabalhar numa serigrafia, fazendo arte final para estampas de camisetas com motivos marinhos: praia, sol, surf, garotas, ondas...

Na sua adolescência, entre o intervalo intelectual na escola Augusto Severo, o jovem artista-surfista gostava de deslizar nas ondas da Praia dos Artistas com sua prancha parafinada. Na Rua Campos Sales, descobriu o “Atelier Central”, que viria a mudar sua vida. Fábio começou a estudar arte e desenvolver seu talento tendo como primeiros mestres João Natal, Jayr Peny, Alcides Sales, Luís Élson e Jomar Jackson. De acordo com Eduardo, a identidade maior pela pintura foi despertada quando passou a freqüentar o atelier pessoal do artista Jayr Penyr, em Mirassol, onde aprendeu as primeiras pinceladas profissionais.

A partir de 1987, participou de salões de arte e concursos como uma forma de mostrar seu trabalho para a crítica especializada. Montou um atelier no bairro Passo da Pátria, formando um grupo de arte chamado “Passo a passo”, onde também participavam o artista plástico Luiz Anísio, o fotógrafo Adrovando Claro, o artista plástico Jaelson Júlio, o poeta João Andrade e o poeta Alexandre Tavares. Entre outros trabalhos, o grupo fez uma série de exposições coletivas itinerantes, cujo título era “Papel e Tela”, onde havia a junção de artes plásticas e literatura. O grupo chegou a fazer uma exposição no Museu Assis Chateaubriant, em Campina Grande.

Em Natal, o Passo a Passo mostrou seus trabalhos na Galeria Criare, Galeria Newton Navarro, Fundação Hélio Galvão, entre outros locais.No inicio dos anos 90, na procura de novas perspectivas, Fábio Eduardo encontrou acolhimento para sua carreira “solo” na “Oficina Viva”, do designer e artista plástico Venâncio Pinheiro, onde teve incentivo para fazer sua primeira exposição individual intitulada “Corpo e Movimento”, na galeria de arte da Biblioteca Câmara Cascudo.

Apresentando as obras de Fábio Eduardo entre as pessoas de sua influência, Venâncio Pinheiro abriu portas para o mercado das belas artes natalenses, através de Chico Miséria, na Gleria Hombre. Naquela época, Fábio conheceu o marchand Isaac, na “Taba Galeria de Arte”, passando a vender obras na própria galeria e participar de exposições promovidas pelo marchand. Seu trabalho despertou também a atenção de outros conhecidos empresários especializados em obras de artes. Entre eles, Antônio Marques, que dispõe de uma ampla galeria no Centro de Turismo, onde coleciona um acervo contendo os principais artistas plásticos potiguares.

Arte Fantástica

Em 2003, Fábio Eduardo fez sua segunda exposição individual chamada “Aquarelas”, na Sparta Book & Store, produzida por Dorian Lima. Durante essa fase de maturidade artística, Fábio encantou o modernista, poeta, escritor e pintor, Dorian Gray Caldas, um dos papas do cenário literário e artístico norte-riograndense, que escreveu: “Uma arte tonal desenhada, plana, de belas figuras idealizadas sem o estorvo das pompas artísticas ou o excesso de conteúdo histórico. Fábio pinta quadros para serem vistos, contemplados na intenção descritiva”.

Atualmente, no trabalho de Fábio Eduardo há traços cubistas e futuristas, com uma temática figurativa, sobretudo regional, baseada no folclore e na literatura de escritores como José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Ariano Suassuna. Suas telas exploram o universo dos teatros de bonecos, dando aos personagens uma estampa cibernética num misto de homens e andróides.

Nos quadros de Fábio Eduardo, as personagens tradicionais são compostas dentro da visão de um futuro lúdico, trazendo influências da Escola Fantástica em telas a óleo ou aquarelas.

Usando uma linguagem figurativa, o artista busca humanizar a fantasia, de uma maneira simples e ao mesmo tempo sofisticada, capaz de evocar a fusão da arte contemporânea com lampejos estéticos de vanguarda.

Hoje em dia, sua obra já está espalhada pelas galerias de artes brasileiras e européias. Em Natal, Fábio Eduardo trabalha no projeto “Danças Folclóricas”, com uma série de 15 painéis em óleo sobre tela, esperando ser aprovado pelas Leis de Cultura. Recentemente, um dos maiores artistas da taba dos Igapós recebeu um convite, através de uma curadora gaúcha, para fazer uma exposição da sua obra em São Paulo. Conforme Fábio Eduardo, ainda não há data marcada, mas os entendimentos já estão sendo feitos.

O homem do campo no seu dia a dia, as brincadeiras de crianças, as danças folclóricas, as festas populares, os santos padroeiros, os heróis, os bandidos, os cangaceiros e toda a fauna do repertório popular nordestino estão presentes no imaginário de Fábio Eduardo, um natalense que desperta reconhecimento no cenário das artes pela identidade universalista impressa nos seus quadros. Apreciando a arte de Fábio, temos a certeza que estamos diante de um artista fantástico.

Alexandro Gurgel

por Alma do Beco | 7:17 AM | | Ou aqui: 0




domingo, dezembro 04, 2005

EM SONHOS NAVEGANDO


Marcus Ottoni
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... é de se supor que a PF requeira a prisão de Valério e nós temos interesse nisso. Mas ele parece agir com absoluta confiança na impunidade. Quem tem meios, recursos e forças que o Marcos Valério tem, é difícil dizer se amanhã ele estará respondendo pelo que fez.
Relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR)

Karl Leite

A lua e Vênus, hoje, cedinho da noite

ENTRELINHAS

Cheiros, rostos, nomes
Ruas, becos, praias
Músicas,
Códigos
Sorrisos tímidos
Mesclados
Ao sagrado passado
Com gosto
Indefinido
tremendamente gostoso
de sal
Ou será de mel?

Deborah Milgram



SEGUNDA-FEIRA

Ai, segunda-feira...
Quem hoje me lê tentando não lembrar dela?
Segunda-feira é um daqueles dias que dificilmente não acordamos pesados, cansados; como se quase precisássemos de um guindaste para nos arrancar da cama. E, quando finalmente conseguimos, olhamos para ela e fazemos imediatamente uma versão daquela música de Lenine; "a cama me chama, chama..."
Mas, indiferente, isto é, quer dizer, fazendo um esforço enorme para ser indiferente aos apelos sensuais e aconchegantes dos meus lençóis de seda (acredite se quiser) prosseguimos na nossa cinza vida de gado de cada segunda-feira.
Depois de enfrentar engarrafamentos que geram muitos bocejos, a fluidez das ruas mais desocupadas serve para dar continuidade ao despertar, através das ultrapassagens que descarregam adrenalina no sangue. Pronto! Encontrei o que preciso para começar o dia acordada: adrenalina. E para acelerar o despertar dos sentidos, as outras "inas" permitidas: cafeína e nicotina, antídotos para o excesso de melatonina de um relógio biológico completamente dessintonizado com as obrigações do cotidiano.
E cá estou eu, em plena segunda-feira, ainda não completamente acordada, ensaiando escrever para o próximo domingo. Abordar o cotidiano de forma preferencialmente humorada, poética, meio erótica, performática, não é tarefa tão simples quando não se consegue vivê-lo temperado com tais ingredientes. E o que fazer sem as asas da onírica senhora inspiração aberta sobre mim? Então procuro as leituras. Elas descem em cascata nos e-mails que deslizam tela abaixo. Através do olhar, que tento deixar atento, procuro mensagens, notícias ou comunicações instigantes. Preciso urgentemente de mais adrenalina, endorfinas, seratonina e todas as "inas" produzidas naturalmente pelo nosso corpo em situações agradáveis para continuar o dia.
O longo jejum dos ursos polares, motivado pelo inverno rigoroso, fruto do efeito estufa; as pendengas de uma bruxa virtual com um arengueiro que desconfia de sua identidade sexual ou as paixões arrebatadoras do premiado poeta Antoniel Campos, que deixa ofegante seus leitores, são temas que trazem novo despertar. Ler as considerações científicas, filosóficas e religiosas sobre o Santo Daime, conclui o processo de abertura dos olhos e da mente. Pronto! Acordei de vez!
Talvez precise mesmo é de natureza. Do Deus das pequenas coisas que me levam até Ele, o Deus maior. Talvez precise de passaporte para as viagens interiores, como fazem os Daimistas, para proceder descobertas, encontrar respostas; definir conclusões que persistem inconclusas e repetem-se como fantasmas apavorantes que minam as forças, e sugam energias como vampiros sedentos. Talvez precise de mais tempo para enfrentar estradas nebulosas, dúvidas atrozes, expedições desbravadoras de territórios desconhecidos; para decifrar as múltiplas opções criptografadas nas reticências que preenchem os espaços existentes entre os ou...ou... Talvez precise de mais café novamente. Ou de não existir o tempo preciso, com suas medidas fragmentadoras, seus famigerados minutos, segundos e todas as chatices decorrentes de uma eterna luta contra o relógio. Talvez precise de mais cama, mais sonhos, outras realidades. Talvez precise urgentemente que o próximo domingo tenha uma noite tão longa que só termine na terça-feira que o sucede. Aí sim, será um maravilhoso dia. Então, quem sabe, poderei escrever uma inspiradora crônica.

Ana Cristina Cavalcanti Tinôco



Zila Mamede
As faces desconhecidas da autora
O Poti, 04 DEZ 05

O pesquisador Cláudio Galvão relata no livro, Zila Mamede em sonhos navegando, detalhes, minúncias sobre a vida de Zila que ainda são inéditas, como a presença forte do misticismo religioso durante a sua adolescência.

Aluna do Colégio Imaculada Conceição, ela estava decidida a ser freira. ‘‘Seu pai prometia o quanto em dinheiro ela quisesse para gastar brincando um carnaval, desde que ela desistisse da idéia de ser freira.’’ Ela conta em uma entrevista que nunca aceitou a proposta, mas desistiu de ser freira durante um banho de mar, ocasião na qual ela estruturou mentalmente o poema ‘‘Canção do sonho oceânico’’, do livro Rosa de pedra (1953)’’, diz Galvão.

Na obra, o autor também lembra o ano de 1953, quando o Diário de Natal tinha um suplemento literário editado pelo poeta, professor e jornalista Antônio Pinto de Medeiros. Ele também assinava a coluna Santo Ofício, sob o pseudônimo de Torquemada. ‘‘Nesse espaço, ele elogiava quem merecia e era implacável com quem queria ser intelectual e não tinha condição. Um dia, ele pediu a Zila uma cópia do poema ‘‘Mar Morto’’ para publicar no suplemento, e comentou: ‘pra mim, esse soneto é a coisa mais séria surgida nos últimos anos na língua portuguesa’’.

Pinto ainda publicou ‘‘Canção da rua que não existe’’ e foi nesse período que Zila firmou-se como poeta.

As 220 páginas do livro, que tem apresentação de Sanderson Negreiros, traz diversas fotos da poeta, cópias de poemas seus completamente rabiscados mostrando o processo de criação, além de cópias de correspondências trocadas entre ela, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

Nas cartas, é possível perceber a amizade que ela tinha com os dois, os conselhos que recebia deles, os incentivos deles para com ela e os elogios que Zila recebia.

Navegar nos sonhos de uma eterna poeta

Uma pessoa agradável e doce no trato com os amigos, mas, ao mesmo tempo, determinada na hora de defender suas causas. Atrevida, ela chegou a conhecer e se tornar amiga de grandes escritores, como Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, por ter tido a ousadia e a coragem de enviar-lhes cartas com seus poemas.

Dedicada, quando estava trabalhando em um projeto era incessante, abnegada, concentrava todos os seus esforços, se desgatava, era extremamente exigente consigo mesma, mas conseguia obter o resultado esperado. Pioneira, trouxe a função de bibliotecária para o estado, lutou pela implantação do curso na UFRN e pela formação de mão-de-obra. Esses traços da personalidade forte da poeta Zila Mamede estão do livro Zila Mamede em sonhos navegando, uma biografia escrita pelo pesquisador e amigo pessoal Cláudio Galvão, que será lançado na próxima quarta-feira, às 18h, na Capitania das Artes. O evento integra a programação do 15º Festival de Cinema de Natal. O livro é o primeiro volume da coleção Letras Natalenses, da Capitania das Artes em parceira com o Diário de Natal. Não será emitido convite impresso para a ocasião, todos os interessados podem participar.

‘‘Zila é uma pessoa muito aprovada, tem unanimidade da crítica como poeta. Todo mundo sabe que a sua poesia tem aceitação total. No Rio Grande do Norte, nunca se levantou uma voz para criticá-la. Poetas como Drummond e Bandeira eram seus amigos e fãs. Mas, pouco se sabe sobre a sua história de vida, muito menos sobre sua atividade profissional pioneira e decisiva como bibliotecária no Rio Grande do Norte. Ela foi a primeira a se formar e vir para o estado brigar para que a biblioteconomia fosse reconhecida como profissão técnica e especializada. No livro, conto pequenos fatos de sua vida, mas não falo sobre a vida íntima, sentimental e nem econômica. É uma biografia da poeta, da jornalista, da funcionária do Diário de Natal, da bibliotecária’’, conta o autor que se dedicou durante dois anos ao livro e também compartilhou da amizade de Zila, inclusive sua esposa, Mailde Galvão, era sua amiga íntima. A obra foi enriquecida por uma cronologia, ‘‘que foi cuidadosamente pesquisada e preparada pela bibliotecária Gildete Moura de Figueiredo, amiga, colega de trabalho e admiradora de Zila’’, conta Cláudio.

Premonições

A idéia para o nome da obra surgiu a partir de uma estrofe do poema ‘‘Mar Morto’’, no qual Zila escreveu: ‘‘nem em sonhos navegando’’. O autor quis fazer uma referência ao fato de ela ter morrido no mar, em 13 de dezembro de 1985, aos 57 anos, e das inúmeras premonições que fez em sua obra sobre a própria morte.

‘‘As premonições dela são extraordinárias. Em seus livros existem exatos 13 poemas sobre o mar. No capítulo final, coloquei todas as estrofes de poemas seus relacionados ao mar, nos quais ela fala sobre a própria morte. Além disso, Zila morava no edifício Caminho do mar e morreu numa sexta-feira 13’’, relata o autor.Tantas coincidências e premonições levaram muitos a construírem a certeza de que a poeta havia cometido suicídio, enquanto nadava na praia do Forte, atividade que ela desempenhava sempre que tinha um tempo livre. Ela estava em boa forma física, era uma exímia nadadora e profunda admiradora do mar, isso reforça a tese da família e dos amigos que não acreditam em suicídio, entre eles está o próprio escritor que afirma ter ocorrido um acidente.

‘‘Ivonete (Mamede, irmã que morava junto com Zila) escreveu um texto para o livro contando a última semana de vida de Zila, especialmente o dia de sua morte, afirmando que ela estava muito bem. Ela diz que Zila estava tendo umas tonturas e estava estressada, pois havia concluído o livro Civil geometria que deu um trabalho enorme, exaustivo, e ela terminou esgotada. Zila estava aparentemente saudável e nadava muito bem’’, argumenta Galvão. Para reforçar a sua teoria, o pesquisador colocou no livro a versão do terapeuta de Zila, Márcio Tassino. ‘‘Ele explicou que Zila estava apenas cansada fisicamente e ele havia sugerido que ela tirasse 30 dias de licença para repousar, fazer atividade física e desempenhar atividades que ela gostava, desde que permanecesse longe de trabalho. O terapeuta ainda disse que ela estava cheia de planos para o futuro, achando que tinha terminado o pesadelo do livro Civil geometria, no qual ela faz uma análise da obra de João Cabral de Melo Neto, que até hoje é a melhor análise crítica sobre sua obra já publicada’’, afirma, lembrando que tal obra só foi publicada após sua morte, e ainda relata afirmações de Tassino contando que Zila fazia planos para retomar a poesia e publicar um novo livro, ‘‘Ele ainda disse que Zila estava exausta e não depressiva. Disse também que nenhum suicida se suicida por afogamento, que é uma morte lenta. O suicida quer se ver livre da vida o mais rápido possível’’.



Quando a Polícia funciona

Se o Estado colocasse permanentemente à disposição da população o enorme dispositivo - eu queria dizer aparelho - policial (incluindo aí o pessoal do Trânsito) que está colocando para a segurança do Carnatal, a cidade de Natal, de Poti mais bela, seria a capital brasileira mais tranqüila, mais segura.

Todo o aparelho do Estado colocado para proteger 30, 40 mil felizardos da classe média (mais os manuelões dos camarotes) a se soltarem na folia, na esbórnia, coisa assim em torno de cinco por cento da população da Cidade, incluindo aí a massa de turistas que vem dos estados vizinhos.

Um despropósito.

Dia desses, vi na televisão um coronel da PM, com condecorações no peito, expondo o plano de segurança para o Carnaval. Fiquei impressionado. Os mapas que ele ia abrindo, mostrando as ruas interditadas, as áreas de estacionamentos, por onde só podia trafegar ônibus, as faixas dos pedestres, o desfile dos blocos, o trio elétrico.

E tome mapa, transparências, quadros, números, câmeras de televisão, postos da guarda. Um craque. Por isso, tantas condecoraçõesno peito. O coronel, abrindo os mapas, apontador indicando os locais estratégicos de Lagoa Nova, me fez lembrar o general Eisenhower,comandante supremo das Forças Aliadas, no seu carro-reboque camuflado pelos bosques de Portsmouth, Inglaterra, na véspera do Dia D.

Ah, Natal.

Woden Madruga
Tribuna do Norte

por Alma do Beco | 7:32 AM | | Ou aqui: 0


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Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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