“No futebol, há regras. E elas são respeitadas. Aqui e ali, um ou outro jogador tenta enganar o juiz. Alguns até conseguem. Maradona, por exemplo, fez o seu gol de mão. “Foi a mão de Deus”, diria depois. Mas, quando pilhados em falta, jogadores costumam aceitar, ainda que contrafeitos, a punição.
Na política, dá-se o oposto. Jogadores faltosos continuam jogando. Mesmo quando flagrados. Há regras e juízes também na política. Mas elas, as regras, são ignoradas. E eles, os juízes, impotentes para restabelecer a ordem em campo. Os jogadores fazem as suas próprias regras.”
Josias de Souza
Ah, como é bom um 1 X 0 !
Depois do jogo Brasil 1 X 0 Croácia, o mundo parece que acordou: não havia o time dos sonhos nem o quadrado mágico era tão pródigo assim.
Os argentinos tomaram gosto e estamparam em manchete: “Eles são humanos.”
Desumanos foram eles, que, logo a seguir, humilharam sérvios e montenegrinos, impondo um 6 X 0 acachapante.
Ontem, Brasil contra Austrália, Ronaldo gordo voltou a jogar futebol nem tão gordo, mas o suficiente para mostrar disposição de recuperação para superar intempéries físicas. Serviu a jogada do primeiro gol, de Adriano, e esteve bem melhor que no jogo contra os croatas.
O diabo é que nem tecnicamente ele foi tão fenômeno. Mas também não fez feio, apesar de uma ‘cheirada’ em plena área adversária e um chute a gol que não pegou bem na bola.
A República Tcheca decaiu no conceito. Outras seleções subiram de cotação. Destas, resta saber qual delas é a verdadeira ‘Fúria’: se a Espanha ou a Argentina de futebol abusado e artilheiro.
O que parece certo, no entanto, é a tese de Parreira: não importa o espetáculo, mas o resultado. Para ele, Copa é um crescendo, no qual os times evoluem e vão mostrando volume, aperfeiçoamento coletivo.
Nem Argentina nem Espanha parecem ter a regularidade de jogo que uma Copa exige. Não adianta ser a “Fúria” de hoje e a ressaca de amanhã: um 1 X 0 tira qualquer time da competição nas fases finais.
O Brasil mostra esta regularidade e este futebol crescente dos campeões de Copas. E já mostrou que tem banco para as horas difíceis e decisivas. Coisa que a Argentina também tem.
A partida contra o Japão vai ser um treino no qual nos damos o luxo de até perder. Aí, a grande oportunidade para dar a Ronaldo a condição física que busca e o reencontro com o seu futebol. Testar o banco mais ousadamente, também.
Robinho, nas duas oportunidades que teve, mostrou que merece posição. Tirar Ronaldo é que não vai. Fred entrou, fez o gol que consolidou a vitória, mas não deu ainda para mostrar como o time seria com ele.
O elo de marcação/armação é que esteve meio ausente no jogo contra os australianos. O time, porém, está se encontrando.
Que venham nipônicos e a fase eliminatória.
Aí, perdeu, morreu.
Não dá para perder e o torcedor vai ver como é bom um 1 X 0, jogando bem ou mal, evitando a loteria da decisão em pênaltis.
Neuza Margarida Nunes, enviada do Alma à Copa da Alemanha
Capital Sedex Saudade
“Saudade é quando uma mão gigante aperta seu coração”
Mário Prata
Pense numa coisa que te incomoda bastante... pode ser uma coisa simples, como: pedra no sapato, fila de banco, namorado atrasado, carro enguiçado, comida queimando na panela, internet fora do ar, dor nas costas... Ou algo pior ainda, que te incomode mais, tipo: entrar no cheque especial, vírus no computador, ser abandonado no altar, choro simultâneo de cinco crianças mimadas, o Calypso, dez kg a mais na balança(!!!!), perder um vôo pra Nova York, demissão... enfim, qualquer coisa! Pensou?
Agora misture tudo e multiplique por dez, por cem, por mil!!!! Assim é a saudade, uma coisa que incomoda.
Natal sempre foi uma cidade tirana para quem tem afeto. Uma cidade meio “Sedex”, que recebe e envia visitantes aos mais diversos destinos. Ainda criança, tive que me acostumar com as intermináveis seqüências de despedidas dos amigos. Aliás, despedida não é uma coisa que se acostuma, apenas se sofre.
A sensação que deu a partir de tamanha rotatividade, era que todo mundo de Natal queria ir embora e todo mundo que chegava de outras cidades queria ficar.
Nunca entendi bem essa dinâmica, mas sei que os motivos que fazem as pessoas partirem são quase os mesmos que fazem os visitantes irem ficando.
A vida quase pacata, o oásis natural a nossa disposição, o autocontrole da cidade (mesmo que isto seja uma ilusão), a qualidade de vida, o ar mais puro da América Latina e esse solzão de braços abertos para a vida cotidiana, são itens sedutores à primeira vista. Com o passar do tempo, seu ritmo acaba ficando maior do que o da cidade e você fica se sentindo um pouco limitado.
Depois vem a questão da diversão. Os habitues da noite acabam sendo os mesmos, quando você define a balada aonde vai se divertir, antes mesmo de chegar ao local desejado, já sabe quem vai encontrar por lá. Isso acontece todas as noites, todas as vezes que você sai, durante toda a sua vida.
A vantagem disso tudo é que dá pra crescer organizado, planejado e dar a sua contribuição para a história da cidade, sem falar na segurança. As pessoas são mais confiáveis – ou não! – os frutos do mar são uma delícia, as frutas frescas são néctar, o sol forte no “juízo” e o ritmo de vida cadenciado da beira-mar são um convite à moleza... à preguiça. Realmente tentador!
Qualquer pessoa um pouquinho estressada abriria mão de tudo por uma rede, numa varanda, de frente pro mar. Em Natal esta troca fica mais fácil. Para quem foge de bala e seqüestro nas grandes metrópoles, morar em Natal é a mesma coisa de ter uma suíte vip no limbo.
Mas não estou aqui para questionar tudo isso, não pretendo traçar um perfil psicológico social de quem mora, morou ou vai morar em Natal. E também não estou renegando minhas origens. Amo Natal como um filho ama seu pai, como um aluno admira seu professor, como um cão de guarda protege seu dono.
Mas um dia, após muitas despedidas... chegou a minha vez de partir.
Hoje quero falar da minha vontade de tomar suco de cajá, de comer feijão verde com paçoca, de andar descalço pela rua, de dormir pelado por causa do calor, de encontrar meus cachorros na volta pra casa, de dançar forró agarradinho, de saber as fofocas da turma, de me jogar em Pipa, de ouvir o nosso sotaque, do tempero de Mãinha, de Mãinha, de ficar suado, de curtir de olhos fechados o show do Mad Dogs, da despedida poética do pôr-do-sol do potengi, da brisa do mar, da boa vontade do nordestino, da nossa espontaneidade, da nossa garra de viver!!! Hoje quero falar de saudade...
Acima de tudo a saudade é uma dor, uma desproteção, uma idealização do passado. Sim porque a saudade é seletiva!!! Ninguém sente saudade da surra da infância, das coisas que não deram certo ou do que não foi vivido. Sente-se saudades do que te liga a felicidade de ontem, das diferenças que nos unem a uma coisa ou a alguém, das sensações que temperaram sua vida pelo menos por um minuto, do que te dava alegria, segurança.
Mas também está intimamente ligado ao desejo, e ao inevitável sentimento de posse que alimentamos. Um latifúndio sentimental que criamos dentro de nós e que nos transportam de uma saudade para a outra, mais ou menos como acontece com o amor.
Hoje sinto saudades de verdade, acho que pela primeira vez na vida. A saudade de quem deixou um rio grande por outro, de quem trocou um porto seguro por um porto alegre. Hoje, sinto a saudade de quem um dia vai voltar.
Acho que ter saudades é amar de longe.
Marcílio Amorim
Biró de Onofre
Ele nasceu em 15 de novembro de 1926 e faleceu no fatídico dia dois de agosto de 1976. Veio ao mundo na cidade de Pombal, Estado da Paraíba, e lá também desencarnou. Visitei seu túmulo a cinco de novembro de 2005, em companhia de alunos da graduação do curso de Geografia do Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, quando de viagem de estudo de campo programada para a disciplina Geografia das Indústrias e dos Serviços.
Não pude lhe fazer visita de túmulo no dia de finados, razão pela qual solicitei ao corpo discente que coordenei em atividades de campo para acender velas comigo no jazigo onde ele repousa eternamente.
Nunca havia tocado com ênfase no assunto, é algo que me incomoda, pois se trata do meu pai, um homem a quem dedico muitas reflexões e orações. Foi ele quem começou a me ensinar os segredos do sertão, mostrando-me o que representava cada filete d’água do rio Piancó, os métodos para pescar e caçar e a serventia de cada espécie de nossa flora tão ameaçada pela ação do homem nos dias de hoje.
Recordo-me bastante de Biró de Onofre, não obstante ter apenas seis anos, perto de completar sete, quando ele fez sua última viagem rumo ao além. Ele era baixinho, moreno de cabelos lisos e fala mansa e pausada. Conversava sempre fitando as pessoas nos olhos, bem no fundo dos olhos. Creio que foi dele que herdei isso.
Papai, porém, tinha na imprudência, uma marca registrada. Ele não tinha medo de absolutamente nada, era corajoso ao extremo. Nada se constituía em mistério para ele, tudo era natural e passível de ser desvendado. Mas a imprudência de Biró de Onofre lhe foi fatal, ele desprezava toda e qualquer noção acerca de cuidados. Pena que ele achasse o contrário.
Chorei no seu túmulo quando da visita efetivada por não ter tido como ir ao dia de finados de 2005 em Pombal. Chorei muito, me lembrando de muitas coisas que passamos juntos, lembrei também as inúmeras surras que levei dele. Papai era um siri na lata quando se zangava, ninguém conseguia controlá-lo.
A tragédia de Biró de Onofre aconteceu numa segunda-feira. Era a primeira segunda de agosto, quando a tradição judaico-sertaneja prescreve a necessidade de não haver manuseio de instrumentos de metal.
Tudo começou quando a trifásica que corta o terreno de Chiquinha de Dozinho, irmã do meu avô, começou a tangenciar as galhas da cajazeira que ali existia. Descargas impressionantes foram lançadas ao chão, causando espanto e terror às nossas primas da rua de baixo.
Biró, intempestivo e sem nada temer, observou o pavor de todos e logo começou a arquitetar seu último plano. Tinha que cortar àquelas galhas imediatamente, antes que algo pior pudesse acontecer. Conhecedores do temperamento espalhafatoso e surrealista de Biró de Onofre, alguns parentes acionaram a companhia energética paraibana, tentando evitar o iminente, o inevitável. Ele estava disposto a se arriscar, num gesto de altruísmo, intuindo que vidas não fossem ceifadas.
Papai, o senhor deveria ter pensado mais, ter raciocinado sobre inúmeras hipóteses, principalmente no sofrimento do seu filho único que tanto te amou e ainda te ama. O senhor deveria ter pensado em sua esposa que varava plantões no Hospital Distrital, mas, para ele, era a aventura de mostrar que não tinha medo que mais importava.
Ele me deixou de manhã, bem cedinho, na casa da irmã, minha mãe Cora, minha e também de Natalzinho. Rumou para a rua de baixo irresoluto. Tinha que cumprir àquela “missão” e se imortalizar no imaginário sertanejo, que tanto louva os bravos e destemidos. Mas a prudência deveria norteá-lo, não poderia pensar apenas na “glória”. E que glória é essa? Será “glorioso” deixar um órfão e uma viúva desamparados? Será “glorioso” morrer como herói?
Na cajazeira, os galhos vibravam ao sabor dos ventos, cada centímetro quadrado da árvore escondia a asa negra da morte. Era uma aventura inusitada que ele abraçava.
Dona Porcina de Zé Vicente, com a experiência dos sertanejos, logo percebeu o objetivo de Biró de Onofre. Avisou-lhe que ali não era lugar para se aventurar, para mostrar valentia. Tentou de todas as formas demovê-lo daquela empreitada absurda. Afinal, a companhia energética estava a caminho. Mas, desprezando os avisos, o que era natural num homem que não tinha medo de nada, ele subiu na cajazeira e logo começou a podar os galhos traiçoeiros da frondosa espécie nativa do semi-árido.
Não demorou muito e Chiquinha de Dozinho também engrossou a corrente a fim de que ele parasse com àquela sandice. Cortar uma árvore cujos galhos estavam em contato com uma trifásica era o mesmo que estar buscando a morte.
Mas ele nem ligou, continuou seu trabalho fatal. Era a última etapa de sua vida, não mais teria as chances que Deus havia lhe concedido. Antes disso, ele foi vítima com o primo Zé Cardoso de uma descarga elétrica estupenda, quando trabalhavam estendendo a fiação telefônica pela zona rural de Pombal. Os fios haviam se conectado com a mesma trifásica que o levou à eternidade.
Às 10 e 30 da manhã do dia dois de agosto de 1976, Biró de Onofre se despedia da vida, vítima daquilo que tanto lhe aconselharam a não fazer. A última galha era a mais perigosa, mas ele nem queria saber disso. Tentou cortá-la, e conseguiu o intento, mas como era bastante pesada, logo ela envergou em direção à alta-tensão, fulminando-o instantaneamente.
Biró, Severino Cruz Cardoso, este era seu nome completo, o senhor devia ter tido um pouco de paciência, pois depois de sua desencarnação os funcionários da companhia energética, comandados por um primo legítimo de sua esposa, chegavam ao local para fazer o trabalho que não era de sua competência.
Rogo a D’us Todo Poderoso, o D’Us de nosso povo, o Grande Arquiteto do Universo, simbolizado na estrela disfarçada em Rosa no frontispício da casa dos seus tios Aarão Ignácio Cardoso D’Arão e Facunda Alencar, que lhe conduza ao reino dos justos e dos honrados, pois és a essência das reminiscências e das saudades de alguém que ficou neste plano terreno a chorar sua perda, a remoer a saudade de sua presença. Que D’us te proteja e te dê os Céus como recompensa pelo seu gesto de extremo altruísmo que protagonizastes.
José Romero Araújo Cardoso
Professor Napoleão - VII
O professor agradeceu educadamente o elogio feito pela aluna, mas nada comentou, tentando dar continuidade ao assunto. Logo que retomou a palavra, Margarida voltou à carga e perguntou ao professor o que seria essa palavra esquisita que ele acabara de pronunciar: chantou.
- Ah, desculpe, minha menina. Chantar é enterrar, colocar no chão, fixar à terra... Quando de volta ao Brasil, em 1501, um ano, portanto, depois da descoberta de Cabral, Gaspar de Lemos vinha com a missão de registrar a posse da terra através do chantamento de pedras que traziam o brasão português, para os que aqui aportassem soubessem serem essas terras pertencentes a El Rey de Portugal. E para felicidade nossa, foi aqui no Rio Grande do Norte o primeiro lugar a receber um desses marcos, o Marco de Touros, que vocês podem ter o prazer e a curiosidade de conhecer no Forte dos Reis Magos, onde hoje se encontra.
- Como assim, professor, Marco de Touros no Forte dos Reis Magos? Perguntou Serginho, embaraçado com aquela informação.
- É que, apesar de ter permanecido quase quatrocentos anos em Touros, no mesmo lugar em que Gaspar de Lemos o fixou, o marco estava sofrendo avarias, o povo do lugar tirando lascas para fazer chá, imaginem vocês, chá de pedra, julgando ser este chá, o chá dessa pedra branca e resistente, milagroso. Foi só alguém inventar essa história de milagre e pronto, o Marco, que é, na verdade, o primeiro da História do Brasil, passou a correr perigo, todos querendo uma lasquinha sua.
- E o que aconteceu, professor, perguntou Thyago Cortez, interessado.
- Aí resolveram removê-lo e o trouxeram para Natal, sendo colocado no Forte, onde estaria bem mais protegido, e poderia ser visto por um maior número de pessoas.
- Mas, professor, não deviam ter feito isso! Não dava para botar uns guardas perto dele, protegendo-o contra os que acreditavam em seus milagres?
- Não sei. Não cabe a mim julgar. História é História e essa ciência não trabalha com hipóteses, mas com fatos ocorridos, comprovados por provas materiais. O que se sabe é que ele foi removido e se encontra onde está. Você quer minha opinião? Eu acho que ele deve voltar para o seu lugar de origem, o mesmo em que Gaspar de Lemos o deixou, só que providências devem ser tomadas para que se evite a sua perda. Talvez com a construção de um monumento ou de um memorial, de algo que o deixe a vista de todos, mas protegido contra a ação dos homens, sempre depredadores.
Era interessante como o professor Napoleão discorria sobre aquele assunto tão besta, conhecido de todos dos livros de História, mas que passara despercebido de todos. Afinal, é um privilégio para o Rio Grande ter esse marco aqui. Ele foi o primeiro do Brasil, ainda nem chamado de Brasil, agora Terra de Santa Cruz, depois que Gaspar de Lemos constatou não ser essa terra uma ilha, mas um grande continente. Eu pensava sobre isso quando Serginho voltou a perguntar sobre nossa História.
© Eduardo Alexandre