A LIBÉLULA E O PETRÓLEO

Laélio Ferreira

A primeira "libélula de aço" a voar sobre a Cidade dos Reis Magos e amerissar no "Potengi amado", em 21 de dezembro de 1922, foi o hidroavião "Sampaio Correia", pilotado por Euclides Pinto Martins e Walter Hinton. Faziam um reide Nova York-Rio de Janeiro.

Euclides Pinto Martins - hoje nome do Aeroporto de Fortaleza e de uma rua modesta na Cidade dos Reis - não era um ilustre desconhecido em Natal. Nascido em 1892, em Camocim, no Ceará, muito cedo,com três meses, veio, com os parentes, para Natal. O pai era de Mossoró, mexia com salinas. O menino Euclides, batizado em Macau, estudou no vetusto "Atheneu", morou na Rua Chile, na Ribeira. Aos quinze anos, tornou-se embarcadiço e foi morar nos Estados Unidos, onde casou e se fez Engenheiro-mecânico, no "Drexell Institute", na Filadélfia.

De volta ao Brasil, trabalhou para o Governo, em Natal, na Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas e na Estrada de Ferro Great Western. Apaixonado pela aviação, retornou à América, tornou-se aviador e organizou a temerária aventura. Na primeira tentativa, caiu em Guantânamo, em Cuba, destroçando totalmente o aparelho. Uma canhoneira americana (eles já estavam lá!), a "Denver", o recolheu e aos quatro companheiros : Hinton, um mecânico, um cinegrafista da Pathé e um repórter do New York World.

Teimoso, o danado do cearense/papa-jerimum conseguiu, em Pensacola, na Flórida, outro avião - caíndo aos pedaços! Tenazmente, de prego em prego, de avaria em avaria, fez o percurso New York-Rio em 175 dias. No ar, em vôo, gastou pouco mais de 100 horas.

A chegada, à então Capital Federal, em 8 de fevereiro de 1923, foi apoteótica. Multidões nas ruas, escolta de aviões da Marinha e o Presidente Bernardes recebendo a tripulação no Palácio do Catete. Muita festa, prêmios, medalhas, selos comemorativos...

Passada a festança toda, o homem foi esquecido. No Rio, anos depois, deram-lhe o nome a um beco, na Lapa. Os pioneiros da travessia do Atlântico, Sacadura Cabral e Gago Coutinho - que não tinham chegado ao Rio voando (deixando o avião na Bahia) -, receberam nomes de largas avenidas.

Um ano e dois meses depois do triunfo, das festas e das homenagens, o praieiro de Camocim, o quase canguleiro natalense Euclides, foi encontrado morto num quarto de modesto hotel, com um balaço na cabeça. Tinha trinta e dois anos! Andava deprimido, endividado, ficara viúvo da segunda mulher americana e - diziam - enlouquecera de amores por uma bailarina. Enfeitando a pílula, deram-no, oficialmente, como suicida. Depois, dúvidas foram levantadas, desconfiando-se que fora assassinado. Interessado na prospecção de petróleo, iria ferir interesses muito poderosos dos americanos - gente que ele conhecia tão bem...

Monteiro Lobato, no livro "Escândalo do Petróleo e do Ferro", sustentou que Martins foi, sim, vítima dos poderosos lobbies interessados em atrasar o desenvolvimento brasileiro, qualificando-o como um dos mártires da prospecçãodo petróleo nacional.

Morto o aviador pioneiro, nas ruas do Rio, os irreverentes cariocas, fazendo gozação com os ilustres aviadores portugueses, ainda cantavam:

- "Sacadura vem de bonde, Pinto Martins pelo ar..."