“Hoje estou aqui para dizer que decidi, humildemente, submeter meu nome e meu governo ao julgamento dos meus irmãos brasileiros.”
Lula
“Vai ser muito duro enfrentar a estrutura do poder político e econômico. Eu me orgulho de não ter me vendido nem me acovardado. Onde estiver vou poder olhar de cabeça erguida, porque a minha infância pobre eu soube honrar.”
Heloísa Helena
Marcelus Bob
Necessária ilusão
Não sei se sou feliz
Ou se busco, ainda, sentir emoções
Depois que nada mais tenho.
Sigo, me alimentando
Nas velhas, e nas novas amizades
Omitindo o meu real viver.
Nesse teatro que é a vida
Transformo-me em ator,
E me iludindo vou sobrevivendo...
Até quando?
Carlos Barba dos Santos
Marcolino Pereira Diniz e Xanduzinha:
Imortalizados através da arte de Luiz “Lua” Gonzaga
Discórdias político-econômicas, as quais atingiram frontalmente a estrutura de poder que embasava o mandonismo local na República Velha, envolvendo João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque e o “Coronel” José Pereira Lima, o qual foi considerado por Rui Facó o maior chefe político do interior do Nordeste, resultaram em um dos maiores embates armados do Brasil Republicano que figura na História como a Guerra de Princesa.
A contenda envolvendo o governo do estado da Paraíba e os principais expoentes do mandonismo local, nesse estado, teve início em 28 de fevereiro de 1930, quando da invasão da então vila do Teixeira (PB), com o aprisionamento da família Dantas, ligada por profundos laços de parentescos e interesses ao clã Pereira Lima de Princesa (PB).
Imortalizados através da genialidade ímpar de Luiz Gonzaga no baião “Xanduzinha”, gravado no ano de 1950, com letra do iguatuense Humberto Teixeira, Marcolino Pereira Diniz e Alexandrina Diniz foram remanescentes da campanha de Princesa. Marcolino se destacou como importante lugar-tenente do “Coronel” José Pereira Lima, a quem era ligado por laços de parentescos, sendo cunhado e sobrinho do mesmo.
Os dois protagonizaram uma romântica história de amor na área de exceção do sertão de Princesa. Marcolino disputou-a com fidalguia e serenidade com outro pretendente ao casamento, o médico Severiano Diniz, discípulo de Hipócrates que cuidou, junto com o Dr. José Cordeiro, do grave ferimento recebido por Lampião no célebre tiroteio contra a volante comandada pelo Major Teófanes Ferraz Torres, no qual o chefe bandoleiro teve o tornozelo profundamente afetado por disparo de arma de fogo.
Marcolino fôra incumbido pelo primo Severiano Diniz de entregar a Xanduzinha uma missiva expressando amor eterno em cada linha, não chegando à destinatária com a mesma intacta, pois a rasgou e mostrou-lhe os pedaços, aproveitando para pedir-lhe em casamento. Xandu, incontinenti, aceitou-o como esposo na hora. Nessa disputa romântica houve divisão na família Pereira Diniz, pois uma parcela ficou a favor de Marcolino e outra favorável ao Dr. Severiano Diniz.
Xanduzinha era filha do “Major” Floro Florentino Diniz, poderoso proprietário rural em Princesa e adjacências, dono da fazenda da Pedra, localizada na fronteira com Triunfo (PE), onde em 1922 o primeiro bando de Lampião, após este assumir a chefia do grupo das mãos do comandante Sinhô Pereira, foi flagrado em fotografia tirada por Genésio Gonçalves de Lima. No embate romântico, o “Major” Floro posicionou-se favoravelmente ao Dr. Severiano. A genitora da heroína de Princesa atendia pelo nome de Leonor Douesdtt Diniz, tendo se decidido em apoiar Marcolino na disputa pelo amor de Xandu.
As oligarquias Pereira Lima e Pereira Diniz enriqueceram principalmente com o cultivo e a comercialização do algodão, exportado para Europa e EUA, via Rio Branco (hoje Arcoverde, estado de Pernambuco), por ramal ferroviário, através do porto de Recife (PE), pela família Pessoa de Queiroz, ricos comerciantes com origens paraibanas.
Patos de Irerê, localizada no sopé da serra do Pau Ferrado, a 18 quilômetros de Princesa, era o reduto de Marcolino Pereira Diniz, onde ele cuidava dos seus bois zebus na fazenda saco dos caçulas, descansando após as labutas sertanejas em sua casa com varanda dando para o norte e para o sul.
Marcolino era filho do “Coronel” Marçal Florentino Diniz, poderoso e influente agro-pecuarista, dono da famosa fazenda Abóboras, localizada entre Serra Talhada (PE) e Triunfo (PE), a qual depois seria permutada com o “Coronel” José Pereira Lima, de quem era sogro e cunhado. A mãe do caboclo Marcolino, irmã do “Coronel” José Pereira, chamava-se Maria Augusta Pereira Diniz, filha do “Coronel” Marcolino Pereira Lima, natural de São João do Rio do Peixe (PB). O patriarca migrou dessa localidade paraibana em meados da segunda metade do século XIX e formou em Princesa um dos mais importantes blocos políticos que desfrutou a hegemonia política na Paraíba, principalmente após a consolidação do poder por seu filho José Pereira, quando do apoio a Epitácio Pessoa na disputa pelo senado na campanha de 1915, contra o monsenhor Walfredo Leal.
A ênfase à homenagem a Marcolino e Xanduzinha posteriormente por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira foi referendada quando das refregas da campanha de Princesa, visto que a fim de viabilizar a mobilidade tática das tropas legalistas do governo paraibano que se empenhavam em desbaratar a todo custo a experiência desencadeada em princesa, a qual com o apoio do Catete firmou Território Livre com absoluta autonomia, fragmentando-se durante meses do restante do estado da Paraíba, o Coronel Elísio Sobreira, comandante das forças militares a serviço do presidente João Pessoa, bem como Severino Procópio, delegado-geral do estado, além do Dr. José Américo de Almeida, Secretário de Interior e Justiça, dividiram o efetivo policial, composto se cerca de 890 homens, entre soldados e oficiais, em colunas volantes. O exército particular do “Coronel” José Pereira era estimado em mais de 1.800 combatentes, diversos desses egressos das hostes do cangaço e também da própria polícia militar paraibana, em razão de que muitos militares haviam sido incorporados à corporação pelo próprio “Coronel” José Pereira.
Assim, a Coluna Oeste, organizada pelo Tenente Ascendino Feitosa, responsável pelos trucidamentos do advogado João Dantas e do seu cunhado, o engenheiro Augusto Caldas, o primeiro assassino do presidente João Pessoa, fragmentou-se e partiu do povoado de Olho D’Água, pertencente na época ao município de Piancó (PB), onde estava aquartelado o comando geral de operações da Polícia Militar paraibana, dirigindo-se à Princesa, transitando pelos povoados de Alagoa Nova (hoje Manaíra, estado da Paraíba), São José e Patos de Irerê. Os comandos desta parcela da Coluna Oeste estavam incumbidos ao Tenente Raimundo Nonato e ao Sargento Clementino Furtado, o “Tamanduá Vermelho” das galhofas dos cangaceiros, cuja presença em Mossoró (RN) foi assinalada em 1927 após o frustrado ataque de Lampião a esta cidade potiguar.
Em Patos de Irerê, mais precisamente no dia 22 de março de 1930, aproveitando a ausência masculina, pois todos os homens estavam no front, os comandantes aprisionaram todas as mulheres que ali se encontravam, incluindo entre estas várias esposas dos combatentes de Princesa, havendo destaque a Xanduzinha.
O grupo comandado por Marcolino interceptou soldado de nome Zeferino, o qual transportava mensagem do Sargento Quelé a Severino Procópio. O delegado-geral do estado se encontrava na ocasião em Piancó, inspecionando atividades militares.
A mensagem transportada pelo soldado informava sobre o intento dos comandantes em marchar sobre Princesa com as reféns formando cordão de isolamento, espécie de escudo humano que objetivava garantir a segurança dos militares. Pensavam que, agindo assim, nenhum defensor de Princesa ousaria atirar nos combatentes do governo paraibano.
O efetivo dessa parcela da Coluna Oeste estacionada em Patos de Irerê era composta de cerca de sessenta homens. Não havia quase nenhuma diferença entre imaginários e ações cangaceiras e volantes, motivos pelos quais os soldados, com raras exceções, se portaram de forma vândala e arrogante durante a ocupação de Patos de Irerê.
Notificado com urgência acerca dos acontecimentos gravíssimos verificados na localidade, o “Coronel” José Pereira autorizou a composição de um grupo de resgate, comandado por Marcolino Pereira Diniz, intuindo libertar as prisioneiras. Na maioria eram os esposos das mulheres seqüestradas. As prisioneiras, quando da invasão da localidade, estavam se preparando para se dirigir a Triunfo (PE), a fim de buscar lugares seguros para se homiziarem.
O violento combate teve início no dia 24 de março de 1930, prolongando-se das oito horas da manhã até as dezesseis horas do mesmo dia. As forças paraibanas perderam mais da metade do efetivo, enquanto do lado oposto houve apenas uma baixa, um senhor de nome Sinhô Salviano desprezou as ordens e, inopinadamente, ficou sob a mira dos soldados atônitos com a intensidade da contra-ofensiva.
Os soldados paraibanos resistiram galhardamente, mesmo em desvantagem numérica, embora inexpressiva, embora se levando em conta o armamento obsoleto, em vista que lutavam com armas geralmente fabricadas em 1912, enquanto os princesenses brigavam com equipamento e munição novos, conseguidos através de um verdadeiro esquema de fornecimento, no qual havia desde a participação de Júlio Prestes ao Catete, passando ainda pela família Pessoa de Queiroz.
Houve gestos louváveis entre as partes envolvidas na luta, com ênfase às ações humanitárias de um soldado de nome Quintino, o qual se compadeceu com o choro persistente de fome de uma criança, filho de Sinhô Salviano, um dos mais aguerrido e corajoso lugar-tenente do “Coronel” José Pereira. O militar, mesmo no mais intenso tiroteio, passou a colocar pequenas quantidades de leite e açúcar em caixas de fósforos à porta da família sitiada.
Por parte das mulheres que foram feitas reféns também houve gestos de perdão e amor ao próximo. Xanduzinha empenhou sua palavra ao Sargento Quelé após a derrota fragorosa da parcela da Coluna Oeste, embora não tenha aceitado. Contudo, aceitou-a para os soldados feridos. O restante dos militares que escapou com vida embrenhou-se em território pernambucano.
Antes da campanha de Princesa, e, principalmente, do ataque da Coluna Oeste a Patos de Irerê, Marcolino tinha os seus bois zebus, sua casa com varanda dando para o norte e paro o sul, seu paiol cheiinho de feijão e de andu, sem contar com mais uns cobres lá no fundo do baú. Seus estudos secundários foram realizados no conceituado Mackenzie, na capital paulista, cursando ainda até o terceiro ano da Faculdade de odontologia no Recife.
Homem rico, Marcolino era grande proprietário rural. Suas fazendas eram o Saco dos Caçulas e a famosa Manga, onde diversas vezes Lampião, com quem Marcolino firmou polêmica amizade, descansava dos combates. Quando Marcolino ficou prisioneiro em Triunfo (PB), após seu guarda-costa conhecido por Tocha assassinar em 30 de dezembro de 1923 o magistrado local, de nome Dr. Ulisses Wanderley, o “Coronel” Marçal Florentino Diniz recorreu aos préstimos do cangaceiro a fim de libertar o filho.
A fortuna do caboclo Marcolino ficou seriamente comprometida. O combate, mas, principalmente, a ira dos soldados, destruiu tudo. Canaviais, engenhos de rapadura, moendas, a casa, alvo das bombas “liberais”, nada escapou, só restando ao orgulho agro-pecuarista os cheiros de Xandu, por quem se arriscou para libertar, reeditando em pleno sertão da Paraíba a saga de Menelau no ensejo da guerra de Tróia.
Xanduzinha saiu ilesa do combate, bem como as esposas dos mais importantes cabos-de-guerra a serviço do “Coronel” José Pereira durante os turbulentos meses que assinalaram a aguerrida guerra civil paraibana.
A morena mais bela do sertão de Princesa manteve-se impávida ao lado do esposo durante a luta, e, após o término da mesma, recrudesceu a firmeza e a determinação a fim de reconstruir o que havia sido destruído durante as contendas, confirmando o que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira imortalizaram: “Ai Xanduzinha, Xanduzinha minha flor/ como foi que você deixou tanta riqueza pelo meu amor/ ai Xanduzinha, Xanduzinha meu xodó/ eu sou pobre mas você sabe que o meu amor vale mais que ouro em pó”.
José Romero Araújo Cardoso
Rua Sarmento, esquina da Rua Nova, 27 de novembro de 1845
Ficção
Na botica da Rua do Commercio, José Gervásio manipulava medicamentos, quando sua mulher anunciou:
- Gervásio, Sarmento está aí, querendo falar com você.
Gervásio livrou-se rapidamente de seu avental, tomou a bengala e a cartola e acorreu ao social de seu estabelecimento.
Sarmento, sempre cercado de puxa-sacos pouco competentes, era o presidente da Província e homem estimado. Poderia até dizer que o Cantão da Botica fervilhava àquela hora, como sempre fervilhava a partir das quatro da tarde, quando muitos se misturavam na conversa de todos os dias.
Muito ainda se falava na posse de Pedro II, o imperador menino, estória que os moleques não cansavam de escutar. Os assuntos eram poucos e as novidades chegavam das ribeirinhas, do cais do padre ou do cais da Ribeira, barcaças a entrar barra a dentro com o produto importado de todo o comércio.
- Gervásio, estou pensando em desmatar pra lá da rua Nova. Os rapazes e moças estão crescidos e é por lá que eles estão querendo construir suas casas. Alguns já estão casando...
Sarmento gostava das opiniões de Gervásio e, por isso, veio ao amigo para formar decisão. Gervásio fez a observação de que a Ribeira estava começando a ficar movimentada em torno do cais e concordou no desmatamento “para transformar o Alto em verdadeira cidade alta”.
- Eu presenciei essa estória e por isso eu a conto. Dizia o negro Zacarias, agarrado ao cabo do facão, a abater uma pobre maçarandubeira.
O negro Zacarias dizia ser adivinhador de futuro, mas ninguém ligava para ele.
Vez por outra, quando o coronel Odilon, irmão de Gervásio, chegava do Lloyd para a conversa de todo dia, o negro Zacarias dizia:
- Esse coronel ainda vai fazer um bem danado para à minha raça. Eu mesmo serei um que ele libertará.
E ninguém dava asas às conversas do negro Zacarias.
E Zacarias estava ali, por ordem de Gervásio, ajudando outros homens, a maioria negros, escravos de moradores da redondeza, no pesado do desmatamento.
- Isso aqui, muito depois da morte do imperador, vai ser o impulsionador de Natal para se tornar grande cidade.
E dizia que o imperador não terminaria seus dias no Brasil e que, antes de sua volta para Portugal, os escravos seriam libertados.
Eu conto essa estória porque o negro Zacarias morreu, tive notícia ainda agorinha, vítima de uma picada de cobra coral, enquanto limpava um lugar debaixo do cajueiro grande, para descansar. Gervásio não conseguiu salvar o negro!
Zacarias dizia que o coronel Odilon seria um grande defensor da libertação dos escravos e que, depois da ida do imperador para Portugal, o Brasil teria um governo diferente, com um imperador escolhido pelo povo.
Mas Zacarias era um negro doido e ninguém dá bola para um negro doido!
E Zacarias dizia que a rua não duraria muito com o nome de Sarmento, o homem que mandou abrir o mato. Quem vai querer vir morar aqui? Eu mesmo, quando casar, vou montar minha casa na Ribeira.
E, não sei porque, ele passou bem uma hora resmungando: Inhomerim! Inhomerim! Eu sei lá o que significa isso! E depois dizia: Pedro Soares! Pedro Soares! E virava para mim e dizia que iam mudar Pedro Soares para “as bandas do morro”.
Eu, que não sei quem é Pedro Soares, não o imagino fazendo o quê, pelas bandas lá do morro. Ele quer ser devorado por algum Potiguar ainda renitente, diabos?
O negro contava a estória de um presidente que seria assassinado, gerando muita comoção. Um presidente da Paraíba, mas que teria repercussão ali, na rua Sarmento que ele ajudava a abrir.
E dizia que nada seria mais importante que o lugar onde derrubava o cajueiro grande.
Dizia que ali seria um ponto, um grande ponto, onde um português montaria um café, na frente do qual um instrumento estranho emitiria notícias de uma guerra espalhada pelo mundo, razão pela qual metade da população da cidade falava um idioma que ele dizia não entender.
Ele dizia que via carroças imensas rodando por ali, e sem ninguém no chicote, porque nessas carroças não existiam jegues ou bois.
Dizia que dali partiria para uma grande luta um administrador da cidade, que iria cuidar de fazer com que os meninos aprendessem a ler, mas que seria muito injustiçado, morrendo muito longe do seu chão. Que esse administrador seria finalmente reconhecido e que voltaria a vagar por aqui, pela eternidade, de pés no chão.
Zacarias dizia que por ali passariam grandes homens e que ali seria o centro de todos os grandes acontecimentos da cidade.
Mas Zacarias é só um negro doido e eu ainda tenho que ir ao baldo, tomar um banho e carregar no lombo do jumento uns potes para que minha mãe Joana tenha água para levar a casa.
Que negro mais doido, esse Zacarias! Foi morrer logo agora, que o presidente Sarmento vem para a inauguração da rua que destocamos, depois de cinco semanas de trabalho.
Como, agora, o coronel Odilon vai libertá-lo, se está morto?
Newton Machado Wanderley
Professor Napoleão - IX
A 7ª D era o terror da escola, onde estudavam os mais indisciplinados, segundo o corpo de professores. O mestre parecia desconhecer aquele detalhe. Enfrentou a classe como se de nada soubesse. Entrou, deu bom dia, se apresentou como fazia em todas as turmas, não se esquecendo de lembrar a História com H maiúsculo.
- Qual o último assunto dado pelo professor Amenófis, pessoal? Perguntou.
Doris, a mais bagunceira das meninas, garota inteligente, super perspicaz, tomou a palavra diante de algumas vozes que se manifestavam e não deixou por menos:
- Professor Napoleão, todos nós já ouvimos falar de suas aulas. Todos estão adorando. O bom seria o senhor falar sobre o que o senhor achasse mais interessante, pois o que o professor Amenófis nos ensina aqui não tem o menor interesse.
Napoleão parece não gostou do que a sapeca havia dito:
- O professor Amenófis é um dos melhores professores de História que se conhece nesta cidade. A diferença é que estou aqui de passagem, sem obrigações com a seqüência do conteúdo que deve ser ministrado, preenchendo o espaço com assuntos sugeridos por vocês. Assim, é claro, a aula se torna mais interessante, pois nada do que aqui conversamos será cobrado em avaliação. Uma conversa, simplesmente, mas dentro do que se supõe seja História. O professor Amenófis leva muita desvantagem diante disso. Ele é o titular da disciplina e deve seguir o roteiro que lhe foi confiado.
Marcus Frederico era um aluno desses que adoram ler. O que lhe chegava às mãos devorava, mas estava longe de ser o primeiro da turma. Lia sobre o que lhe interessava. Matéria de escola, não dava tanta importância. Foi ele quem sugeriu o tema da aula.
- Professor, a que o senhor atribui o fim do comunismo no mundo?
Para um garoto de treze anos, aquela pergunta parecia até bem fora de faixa, já que nessa idade os garotos dão pouca importância a assuntos políticos. Napoleão logo percebeu que não era a toa a fama daquela turma. Vá ver estão mais politizados que os demais, daí a irreverência, pensou. Perguntou o nome do garoto que lhe fizera a pergunta e respondeu, com convicção.
- Como historiador, ainda não convém analisar esse episódio. Ele é muito recente, e a História é muito cautelosa com fatos recentes. Corre-se o risco de interpretações apressadas, errôneas, daí os historiadores preferirem levar 20, 30 anos para uma versão final sobre um acontecimento.
- Mas professor, nós não queremos que o senhor seja tão rígido assim. Queremos só uma opinião. Não precisa ser uma versão histórica, definitiva, uma opinião sua e isso nos basta.
- A minha opinião eu posso até externar, mas só se vocês prometerem que, ao comentar o assunto, vão lembrar de que se trata apenas de uma opinião. Não do professor, mas do cidadão Napoleão.
- Como historiador, não devo ainda nada dizer.
Todos pareceram compreender a argumentação do mestre, derretido em cuidados no trato de assuntos de sua especialidade. Daí ele começou, surpreendendo a todos:
- Eu acredito que todo aquele momento vivido pelo Brasil em busca de eleições diretas para presidente repercutiu na alma dos povos. O sentimento do povo nas ruas, a busca pela democracia, a ânsia do povo brasileiro por liberdade, foi algo acompanhado no mundo inteiro, e o Brasil sempre foi um país simpático a todas as nações. Daí a repercussão do movimento democrático no mundo.
© Eduardo Alexandre