"Pelo menos, três mandatos ilegítimos porque eleitos sob o regime de fraude nos governaram e governam. Dá no que está aí."
Eduardo Alexandre
PLATONICAMENTE
Evapora, reparte igualmente a loucura
Sussura explicitamente
O que nos fascina imensamente
Exala sem pudores
Uma mescla de odores
Sem eles, ah.......!!
O que seria dos amores???
Deborah Milgram
entreato
embaralharam-se-me as linhas da poesia
os caminhos onde leve trafegava
dizem-se ora labirintos
trilhas cheias de espinhos
enlameadas
e o simples trocar de uma passada
faz-se inutilmente vão
a me espiar os pés feridos e as mãos
vazias o vento ri
enquanto eu sigo a caminhar quase-invisível
emudecida
em meio e ao largo — na indiferente
(e normalíssima) multidão
Márcia Maia
Lírios da Alma
Trago na alma as cantigas madrigais
Dos concrizes nos lindos arvoredos,
E revelo do peito os meus segredos
Como o sol dando os beijos matinais.
Os meus sonhos têm portes braunais
Sem ocasos que possam trazer medos;
Os carinhos são lírios dos meus dedos
Com os afagos das noites tropicais.
Sempre faço do verde da esperança
Uma imagem com brilhos da criança,
Quando o riso floresce do seu rosto.
Levo ao mundo a ternura dum abraço
Quando oferto do peito um doce laço,
Como o lindo luar do mês de agosto.
Gilmar Leite
Dá no que está aí
"É preciso entender que lá (Minas Gerais) não é o caso de um mensalão. Ninguém pagou o apoio político de ninguém.”
Geraldo Alckmin
As palavras da frase acima corroboram falas de Azeredo e são um atestado de culpa: uma confissão.
Usaram o esquema Marcos Valério, mas não o fizeram para comprar outro poder. Apenas compraram eleição, como é normal a todos.
Burlaram regras dos TRE (mineiro) e TSE, e, assim, elegeram FHC.
Esquema descoberto pelo governo decente/2002, este passou a ser usado para pagamento de dívidas a partidos comprados e outros itens, como foi o caso dos dólares das Bahamas - destinados a Duda Mendonça - e foi além, comprando o Legislativo.
Por que o PSDB permitiu a re-candidatura de Lula e não lutou pelo seu impedimento? Porque o considerou morto e sabia que o PT conhecia o seu esquema.
O que eles querem dizer é que o crime do governo Lula foi muito pior do que o do governo FHC. Com Lula, o pacto republicano foi quebrado: um outro poder (pelo menos um) foi comprado. Crime imperdoável.
O fato é que, pelo menos, três mandatos ilegítimos porque eleitos sob o regime de fraude nos governaram e governam.
Dá no que está aí.
Eduardo Alexandre
1. MOTE
Sua avó, puta de estrada.
Sua mãe é fêmea minha.
GLOSA
A sua raça é safada
Desde a quinta geração
Seu avô foi um cabrão*
Sua avó, puta de estrada
Sua filha, amasiada
Prostituta sua netinha
Esta pariu de um criado
Seu pai foi corno chapado
Sua mãe é fêmea minha
2. MOTE
João de Souza é um sacana
Só faltava ser cabrão
GLOSA
Dança fobó, bebe cana,
Em tudo mete o bedelho,
Toca bronha e chupa grelho,
João de Souza é um sacana
Se mete na carraspana
Dentro da repartição;
É mentiroso, é ladrão,
É de uma fama corruta,
É corno, filho da puta,
Só faltava ser cabrão.
3. MOTE
Rodolfo dançando nu
Cagou em pé como boi.
GLOSA
Um caso raro em Açu,
Quereis saber o que é?
Foi visto no cabaré
Rodolfo dançando nu.
Quando ele mostrou o cu
As putas disseram: "Oi"
Um sacana que lá foi
Me disse: " pintou o sete,
Tocou bronha, fez minete,
Cagou em pé como boi".
4. MOTE
Zé Leão quase se caga
Quarta-feira na novena.
GLOSA
Quase faz do cu bisnaga
Apertado, em plena rua
Ontem, ao clarão da lua
Zé Leão quase se caga.
Porém encontrou uma vaga
Pôde fazer quarentena.
Com franqueza, tive pena
Por vê-lo tão apertado.
Foi feliz não ter cagado
Quarta-feira na novena.
5. MOTE
A doida da gameleira
Deu um peido e se cagou
GLOSA
Enrolado em uma esteira
João Dudu foi tomar fé,
Só pra ver mijando em pé,
A doida da gameleira.
Quando viu uma carteira
Teve medo recuou
Ali a doida ficou
Lhe disse: eu vou à caverna
Logo ali abriu a perna
Deu um peido e se cagou.
6. MOTE
O peido que a doida deu
Quase não cabe no cu.
GLOSA
Eu conto o que sucedeu
Na sombra da Gameleira
Foi um tiro de ronqueira
O peido que a doida deu.
Toda terra estremeceu,
Abalou todo o Açu,
Ela mexendo um angu,
Tira a perna para um lado
Dá um peido tão danado
Quase não cabe no cu.
7. MOTE
Pude iludir uma cega
Dei-lhe uma foda no cu.
GLOSA
Saindo de uma bodega
De meio lastro queimado,
Com muito jeito e agrado
Pude iludir uma cega.
Rolando na beldroega (1)
Fazendo vez de muçu (2)
Prá fornicar me pus nu.
Faz tempo, mas me recordo,
Virei a cega de bordo
Dei-lhe uma foda no cu.
(1) Erva rasteira e suculenta - da família. das portulacáceas
(2) Muçu - enguia d'água doce
8. MOTE
O pé de rabo de Ana
Por gosto se pode olhar.
GLOSA
Meti-me na carraspana,
Alexandre acompanhou
E comigo analisou
O pé de rabo de Ana.
Alguém dirá que é chincana
Porém eu posso provar,
A puta é de arrebatar,
Da Urtiga,(1) eu tiro aquela,
Pois o pé-de-rabo dela,
Por gosto se pode olhar.
(1) Urtiga - bairro boêmio do Açu
9. MOTE
Se Celina me matar
Ninguém tenha dó de mim
GLOSA
Se ela me abandonar
Desmastriando-me a sorte
Eu direi, perdôo a morte
Se Celina me matar.
Se eu pudesse gozar
Suas delícias sem fim
Seu corpo, junto de mim
Esbelto, quente, cheiroso,
Sentindo a febre do gozo
Ninguém tenha dó de mim
10. MOTE
Se Celina me matar
Ninguém tenha dó de mim
GLOSA
Não posso mais suportar
É grande a minha paixão
Perdôo de antemão
Se Celina me matar
Se eu dela me aproximar
Terei um prazer sem fim
Se um dia me vires assim
Chupando o beicinho dela
Se eu morrer fudendo nela
Ninguém tenha dó de mim
11. MOTE
Celina cravou Macário
Deixou Bitinha na mão
GLOSA
Num pequeno comentário
Se dizia, com vantagens,
Que com enorme fogagem (1)
Celina cravou Macário.
Quase mata um funcionário
De sarna, chato(2) e bulbão(3)
E mais uma purgação(4)
Que vem deitando a negrada.
Essa puta engalicada(5)
Deixou Bitinha na mão
_______________
(1) Fogagem - Herpes no prepúcio
(2) Chato - Piolho das virilhas ou púbis - phithirius inguinalis.
(3) Bulbão - Adenite supurada que acompanha o cancro mole, vulgarmente chamada de mula.
(4) Purgação - Blenorragia
(5) Engalicada - Sifilítico
“O Senado acaba de rejeitar por 46 votos contra 22 a Medida Provisória que criava a Secretaria Especial de Longo Prazo.”
Gustavo Noblat
José Luiz Silva
Sétima
Não tenho acanhamento,
nem medo de lhe dizer.
Me abestalhei de repente,
me apaixonei, pode crer.
E de tão apaixonado,
quero morrer afogado,
nesse teu mar de prazer...
Bob Motta
MAGNO GORDIO
Esse nó na garganta
Aperta, espanta
Mesmo assim
Não amendronta
Faz doer
Faz não esquecer
É parte do viver
Chega às vezes
Quase desaparecer
Engana, esgana,
Encanta entranha
Nos toca definir a sensação...
Estranha?
Deborah Milgram
O Grande Ponto não mais existe
O centro de Natal chamou-se, noutros tempos, “o Grande Ponto”. Esse centro, presentemente, não guarda mais as feições que teve lá pelos anos de 1910 a 1945.
Por essa época, era palco de desfiles carnavalescos e era onde costumava reunir-se a gente daquele tempo. Cinema Rex, Cruz Vermelha, Bar Acácia, onde está o Ducal.
Atualmente, virou feira, mendicância em quantidade, ruído de sons de lojas. Caiu no olvido da população natalense, que não sabe mais o que é Grande Ponto. Perdeu sua fisionomia.
E, relembrando aqueles carnavais, uma papanguzada circuitando em todos os seus cantos. Foi no Grande Ponto que ferveu o carnaval nas décadas de 30 a 50.
O Grande Ponto morreu. Não vive mais. Perdeu-se no tempo.
No presente, não mais se ressente.
Helmut Cândido
O Grande Ponto existe?
O Grande Ponto não existe. Onde é que fica o Grande Ponto? Existe o Café São Luiz. Tão importante quanto o Café de La Paix, de Paris, onde Sartre, diariamente, respirava seu existencialismo e os episódios tristes e heróicos da guerra são permanentemente ruminados.
No Café São Luiz, diariamente, de graça, você poderá escutar os poemas de Luiz Rabelo ou as quadrinhas de Soares. Declamados por eles.
No Café São Luiz, permanentemente, há gritos e olhos arregalados: são os poemas de Walfran de Queiroz, feitos metafisicamente para Alá.
No Café São Luiz há sonetos vendidos por Milton Siqueira, distribuição ostensiva de cultura, sem esquema, sem escola, peripatética, transmitida ao vivo, saboreada com café.
No Café São Luiz, João Batista de Lira é um aleijado amigo de todos, que faz marketing da esmola, ficando perto do caixa, aguardando infalivelmente o troco.
No Café São Luiz, você escuta opiniões de Carrapicho, Manoel Rodrigues de Melo, Pimenta, Nogueira, Romeu, Prestes, Jovino, Danilo Martins, Sinésio, Zé Edson, Eugênio Neto, Nilo, Meroveu, Catolé, Carioca, Paulo Martins, Motinha, Pé de Chumbo, desembargadores, poetas, juizes, aleijados – tudo ao mesmo tempo e no mesmo espaço.
No Café São Luiz, há salinas e miragem, porque, todos os dias, Pedrinho, Amom, Apolônio. Geraldo, Chico Cavalcanti, Aluísio de Antão, Ivan de Zé Bezerra, Magela, Zé Alves e Delau carregam, nas costas, as saudades de Macau, sem barrilha e petróleo, mas fiel a seu destino.
No Café São Luiz, todos os dias, se escutam os desaforos de Gasolina; e os cheques que retornam, se chamam boêmios. Nenhuma calçada é mais temida. Sua força é maior que a “Crônica Social”, de Jairo Procópio.
No Café São Luiz, há um juiz distribuindo fichas de café: Dr. Dário Jordão. Uma espécie de oásis. Ontem, o surpreendi sozinho, na ponta da calçada, sofejando “Sonho meu”, de Dona Ivone Lara. Somente lá, um octogenário consegue sonhar. E a gente só envelhece quando não sonha mais.
No Café São Luiz, os prefeitos de Brejinho e Extremoz assinam o ponto; Severino Galvão organiza mistérios; políticos passam pelo crivo das deduções; Absalão traz notícias do forró de Joaninha de Pipiu.
Eu já vi, no Café São Luiz, o reitor Diógenes explicando a origem do verbo recuar e; o Grande Ponto deserto porque morreu Luiz Veiga.
No Café São Luiz, Bosco Lopes me garantiu que, um dia, governaria o estado (de embriaguez).
Quem vai ao Café São Luiz? Os puros? Os viciados? Os desocupados?
A calçada do Café São Luiz é o território livre dos potiguares. Antes, bem muito antes da abertura, a liberdade era (embora cochichadamente) exercida em puro estado de graça.
Na calçada do Café São Luiz, é doce escutar os passos da vida. E, onde reside a vida? Não é nas calçadas?
José Luiz Silva
"A sensação que fica é a de um fura-bolo de prática mindinha, com um maior de todos em nossa direção e um seu-vizinho sorridente, no usufruto do que se recebe."
Eduardo Alexandre
Paradoxo do crescimento... 9,7 milhões de pessoas admitidas, quase 8,4 milhões demitidas...
É um sofrimento a leitura dos jornais do (nunca antes neste) país. É um caldo de infelicidade que debilita o mais ufanista de todos os brasileiros, menos o auto-proclamado maior de todos.
A sensação que fica é a de um fura-bolo de prática mindinha, com um maior de todos em nossa direção e um seu-vizinho sorridente, no usufruto do que se recebe, porque deu um voto qualquer sabe-se lá em que condições: por uma cesta-básica; para absolver um colega de práticas imorais iguais às suas?
O paradoxo é que a desconfiança em tudo realmente cresce, enquanto a Nação começa a se sentir a cada dia mais espoliada, enganada, ultrajada em sua decência, vilipendiada enquanto condição de Nação cidadã.
Como acabar com isso, não sabemos. E, se soubéssemos, o pior: a quem entregar o timão, o leme, não temos.
Nunca fomos tão infelizes.
Eduardo Alexandre de Amorim Garcia
Referência
Despesas com seguro-desemprego mais que dobram em cinco anos - Pagamentos feitos pelo Ministério do Trabalho saltaram de R$ 5,7 bilhões em 2002 para R$ 12,7 bilhões este ano
Sérgio Gobetti e Ribamar Oliveira
http://www.estado.com.br/editorias/2007/09/24/eco-1.93.4.20070924.9.1.xml
Mote:
"Se Jacó se achegasse lá em Pipa
O prêmio maior
A natureza, pródiga, bondosa,
todo conforto, deu à humanidade.
Deu-lhe a visão e deu-lhe a claridade,
deu-lhe a poesia e a música harmoniosa.
Para o prazer do olfato, deu-lhe a rosa,
ao paladar, deu tudo em quantidade.
Fez o frio, o calor, fez a humidade,
e em tudo, foi bastante generosa.
Criou o luar e o sol, com seu calor,
um coração, para guardar o amor,
e inteligência, para o que quiser.
Mas, vendo triste, aquele coração,
e querendo curar-lhe a solidão,
deu-lhe o prêmio maior, deu-lhe a mulher...
Arlindo Castor de Lima
Mote:
"Se Jacó Rabi fosse lá em Pipa
Tava assim de beato no estrangeiro!"
O judeu-alemão Jacó Rabi
Matou gente demais em Cunhaú
E depois no engenho Uruaçu
Não deixou ninguém vivo por ali
Se os gringos que hoje vivem aqui
Pelas praias lavando seu dinheiro
Nossa terra fazendo de puteiro
E nas nêgas daqui metendo a ripa
Se Jacó Rabi fosse lá em Pipa
Tava assim de beato no estrangeiro!
Rocas Quintas
Iam todos pra casa do carái
Comer terra e capim pela raiz
E depois virar Santo em seu país
Noruega, Argentina ou Paraguai.
No local se ergueria um "prativái"
Como aviso daqui pro mundo inteiro
Pra dizer que o cabaço derradeiro
Foi Rabi quem tirou no "busca-tripa"
Se Jacó se achegasse lá em Pipa
Tava assim de beato no estrangeiro!
Antoniel Campos
"Se Jacó se achegasse lá em Pipa
Tava assim de beato no estrangeiro"
Vem danado pela Ponte do Forte,
Na Redinha ele toma uma cerveja
E arruma mais santo pra igreja
Pelas praias do litoral do norte...
São Miguel do Gostoso não tem sorte,
Entupido de gringo aventureiro,
Lá em Touros vai ser grande salseiro,
Quem tiver juízo não participa,
Se Jacó se achegasse lá em Pipa
Tava assim de beato no estrangeiro!
Graco Legião
(Sai Rocas Quintas pois o "jogo" ficou pesado pra ele)
Graco véi, Jacó, qui detesta intriga;
lá in Pipa tava mêrmo qui no céu.
Fundaria uma dúza de beréu,
insinava catecirmo ais rapariga.
Munto ativo, mil noite sem fadiga,
lá na praia, se fazia serestêro.
Na putada, sendo êle, pionêro,
tôda quenga passava pru sua "ripa",
SE JACÓ SE ACHEGASSE LÁ IN PIPA,
TAVA ASSIM DE BEATO NO ISTRANGÊRO...
Bob Motta
Imagem distorcida
Numa noite de julho de 2004 vivi um momento bem interessante em um café do
Todas aquelas
Rebati veementemente os argumentos que apresentavam, apelando até para que
Elas
Mas voltemos ao cinema. Os cineastas brasileiros quase não sabem criar. Eles
À sua frente está ganhando a mídia e o mundo o "Tropa de Elite", que trata
Tentam justificar que faltava mostrar a violência do ponto de vista dos
Walter Medeiros
"O meu título é de Ceará Mirim. Mas confesso que estou sob pressão para transferir o título."
Geraldo Melo, sobre a possibilidade de vir a ser candidato à Prefeitura de Natal - Diário de Natal
Orf
Poeta Helmut Cândido
CRUZAMENTO
Nosso ponto de encontro
Se encontra no desencontro
Imprevisto, inconsistente
Inevitável, evidente
Sem dúvida emocionante
Quicas um tanto excitante
Ora se aproxima
Ora se distancia
Feito mar, feito música
Anima o corpo
Purifica alma
Traz o cheiro de
Carícia e de calma
Deborah Milgram
A prefeita de Olinda no Beco da Lama
Eu bebia cerveja sozinho. Esava sentado na calçada do bar de Aluízio, lugar bastante conhecido na Cidade Alta. Hoje, o bar de Aluízio fechou ou está em reformas, sei lá. Nessa hora, chega Dunga e Júlio César. Na época, os dois viviam encangados, faziam dupla, tipo comensalismo. Dunga tomava um porre com Júlio César, que dirigia o carro na volta.
Parecia uma noite como outra qualquer, os três bebiam cerveja, levavam sereno na cara. Tudo normal.
Aí, passou um Chevet 96. Era o comunista Albérico e sua esposa Marta. Estavam como motoristas de uma figura que vinha na penumbra do banco de trás.
Como de costume, força do hábito, gritamos:
- Albérico, rapaz!
- Peraí, que vou estacionar e volto já - respondeu o comunista.
E voltou. Voltou e trouxe a prefeita de Olinda junto.
Luciana Barbosa de Oliveira Santos Nascimento é mulher bonita, inteligente, educada e alta. Uma comunista de fazer inveja. Uma Olga Benário, Rosa de Luxemburgo dos trópicos. O suficiente pra deixar um petista como Dunga bobo. O ômi entrou em estado de “fall in love”.
A prefeita tava com fome. Depois de uma maratona de eventos políticos, queria relaxar, recarregar as baterias. Fátima, a mulher de Aluízio, dona do bar, ficou de fazer um caldo de carne, desses de levantar a moral. Bem reforçado.
- Capriche no caldo, heim, Fátima: é pra prefeita de Olinda! Disse Júlio César.
- Eu devo a essa rapariga véia, sacou a resposta na mesma velocidade, Fátima.
Depois dessa, a prefeita percebeu que estava longe de casa, mas tomou seu caldo como uma rainha, ao lado dela, o bobo que caningava sem parar.
Queria trocar e-mail, lista do beco, blog, etc... Mas a prosa tava boa, era uma noite ímpar.
Claro que um clima desse não dura muito. Foi quando chegou a comitiva comunista. Eles tinham se perdido de Albérico, mas acharam a prefeita pelo faro. Era comunista pra danado. Chegavam, não paravam de chegar. Vinham de todos os cantos. Da Gonçalves Ledo, da Heitor Carrilho, da Vaz Gondim. Rebocaram a prefeita e saíram da mesma forma que chegaram. Aos poucos, fora de controle. Enfim, começaram a esvaziar a mesa. Deixaram uma conta danada contra a gente. Albérico, de longe, ainda gritou:
- Vamos para o Veleiros de Ponta Negra!
Milagres acontecem, pode apostar. Diante daquele prejuízo, comecei a ficar triste. Era a média trimestral do que costumava consumir. Mas, como eu disse: milagres acontecem.
Dunga e Júlio César pagaram tudo. Penduraram a conta. Dizem que até hoje Julinho deve a Aluízio. Depois de acertada a despesa, entraram no carro e foram me deixar em casa. No carro de Dunga, aquele mesmo que roubaram e devolveram no Diário de Natal. O carro que só anda em linha reta agora subia até ladeira. Desovaram-me, literalmente, no bairro Nordeste.
No outro dia, soube que os dois foram atrás da prefeita. Por que não me levaram?
Dunga caningou Luciana a noite toda. Babava a mão da menina, enchia o copo dela de cerveja quente, comia pastel e alisava seus cabelos. Enfim, ele ficou com Luciana, Luciana é que não ficou com ele.
Encontrei Júlio e Dunga no outro dia, lá em Nazaré. Eles numa ressaca de dar dó. Estavam numa disputa de tristeza, desânimo.
- Vamos jogar porrinha? Perguntei.
Júlio César contou a resenha da noite olindense, e disse:
- O Veleiros é meio careiro, cobra 10% e couvert artístico. Pra lascar tudo, os comunistas foram embora, levaram a prefeita, e deixaram a conta pra gente pagar.
Franklin Serrão
"O Beco já era metido à besta nos tempos em que a loja da Maçonaria ficava numa de suas esquinas; na outra, a Sorveteria de Aracati e na terceira, a Escola do Professor Ulisses. Na quarta esquina abria-se o Restaurante Dois Amigos, um dos mais chiques da Cidade, ponto de encontro de políticos. Deixando esse quadrilátero, o Beco era apenas fundo de quintais e do cinema Rex."
Woden Madruga
Beco virtual?
Sonhei que era sincero
meu cartão postal.
Lívio Oliveira
A ética do PT
Sempre fui fã de carteirinha da ética do PT. É coisa antiga. Vem derna dos anos oitenta, por aí, quando essas coisas do Brasil eram discutidas com muito ardor no Beco da Lama (sem segunda intenção, por favor, crianças) e arredores. Aliás, muita coisa da inteligência desta ideológica terra de Poti mais bela tem raízes no Beco. Muito antes do Beco ser o Beco. Muito antes do PT ser inventado por Lula. Pois o Beco já era metido à besta nos tempos em que a loja da Maçonaria ficava numa de suas esquinas; na outra, a Sorveteria de Aracati e na terceira, a Escola do Professor Ulisses. Na quarta esquina abria-se o Restaurante Dois Amigos, um dos mais chiques da Cidade, ponto de encontro de políticos. Deixando esse quadrilátero, o Beco era apenas fundo de quintais e do cinema Rex. Natal dos anos quarenta.
Pois antes do PT chegar ao Beco e o Beco se transformar num dos pólos da gastronomia potiguar, dividindo o caneco com a Serra de Martins (aqui, o gosto popular, a pimenta do povo, a cachacinha proletária/intelectual, tipo Guevara/Regina Casé; lá em cima o refinado paladar da burguesia dourada do jetesete), eu já me amarrava na ética petista difundida nos meios acadêmicos pelo saber de seus doutores da escola Chauí. Era confortador ouvir um petista falando em ética, como se fosse uma invenção deles para orientar a conduta moral do resto da humanidade.
Daí não querer acreditar (reajo muito, sim, sinceramente) quando os jornais publicam certas notícias tentando atingir a ética do PT. Recentemente houve aquele caso da votação no julgamento do Renan. A ética petista decidiu a parada. Não quero nem citar a história do mensalão. Não. Parece lenda árabe. Ontem a imprensa veio com nova estocada na ética do PT. Está nos principais jornais do país e passeia pelos blogues mais visitados. É o caso da assessora do vice-presidente do Senado, Tião Viana, da fina flor petista. Resumindo, a história é esta:
- Apesar de ter seu salário pago pelo Senado Federal, Silvânia Gomes Timóteo, que é servidora do gabinete do 1º vice-presidente da Casa, Tião Viana, trabalha de fato na sede nacional do PT, em Brasília, onde é assessora do tesoureiro do partido, Paulo Ferreira. Sua nomeação para o cargo de assessora parlamentar-1 (AP-1) aconteceu no dia 13 de fevereiro, alguns dias depois da eleição da Mesa Diretora do Senado que elegeu Renan Calheiros para a presidência e Tião Viana para a 1ª vice-presidência. Desde então, ela recebe R$ 6.773,41 mensais, além de um auxílio alimentação de R$ 560,00.
Veja só a reação do senador Tião Viana, que disse não haver nenhuma irregularidade na contratação da funcionária para o Senado e ela prestar serviços, pagos com o dinheiro público, para a tesouraria do PT:
- A relação do mandato com o partido é de parceria. Ela, a Silvânia, é uma militante histórica, que conhece o partido e é da minha inteira confiança. Não há problema algum nisso. Eu preciso de alguém que acompanhe as discussões e os debates no partido, que possa vez por outra manifestar a minha posição e trazer orientações. A Silvânia é uma pessoa muito preparada, é formada em filosofia.
Pois é. Essa filosofia do PT é, na verdade, um espanto. Filosofia eticamente espantosa. Alopradamente petista, como diria Lula.
Woden Madruga
Tribuna do Norte
20.10.07
O bode de Oswaldo
Ficção no Beco da Lama
Tudo começou quando a escritora Clotilde Tavares reclamou publicamente na lista de discussões “Umas & Outras” sobre as incômodas músicas de forró nas proximidades do seu apartamento, em João Pessoa. De pronto o sociólogo e fotógrafo Karl Leite iniciou uma cruzada para que a filha de Campina Grande não voltasse para lá e tampouco ficasse em João Pessoa, mas que voltasse para sua silenciosa casa de Capim Macio, em Natal. O movimento “Volta Clotilde” somente não tomou mais força e se tornou uma referência nacional porque atendendo a apelos paraibanos, ela contemporizou, inclusive usando o argumento da situação geográfica da capital paraibana.
Mesmo assim, membros do grupo de discussões, elogios e brigas do Beco da Lama, resolveram tentar convencer a escritora usando métodos mais sutis do que os utilizado por Karl Leite. Entre sussurros na penumbra da mesa redonda do Bar Bardalos, resolveram que o melhor caminho seria o da diplomacia via argumentos gastronômicos. Um dos cúmplices passou a provocar um encontro da lista “Umas & Outras”, sutilmente, que deveria acontecer em Natal. Apostava no meio daquela confraria de “retorno”, que uma comidinha regional e bons argumentos trariam Clotilde definitivamente para Natal.
Provocado pelo grupo, Oswaldo Ribeiro resolveu bancar o prato principal: iria doar um dos bodes da sua criação que mantém as margens do Itans, na terra dos Caicós. Depois disso foi só marcar a data, que coincidia com a véspera de um feriado, e mandar alguém forte para João Pessoa, para fazer companhia a Clô e carregar sua bagagem caso o ônibus quebrasse. Mais um artifício de gentileza para garantir o retorno dela para a capital do Sol.
Para buscar o bode no Seridó Oswaldo destacou Chagas Lourenço e Eduardo Alexandre (Dunga). E justificou: “Chagas é sertanejo e conhece bem a região. Saberá escolher o melhor dos bodes e Dunga, foi um dos maiores caçadores de calangos das matas do Tirol e sabe encontrar os rastros de um animal no meio da caatinga. Eu não vou porque tenho que ficar moderando o grupo do Beco”.
Foi tudo sincronizado. Jotó seguiu para João Pessoa para carregar as malas de Clotilde e uns 30 ou 40 livros que ela estava trazendo de presente, outros companheiros foram organizar a área de lazer de Padre Agustín, onde seria realizado o jantar de convencimento e Chagas e Dunga partiram numa picape alugada em direção a fazenda de Oswaldo, nas cercanias de Caicó. A previsão era de que Clotilde chegaria por volta das 18h, tendo tempo para descansar um pouco num hotel cinco estrelas, pago por meio de uma cota, que Alex Gurgel liderou. Chagas e Dunga deveriam chegar um pouco mais cedo, porque haviam partido de madrugada.
Lá pelas nove da noite tinha tudo na casa do padre Agustín. Menos o bode porque Dunga e Chagas não deram sinal de vida. Era evidente o desconforto de Oswaldo, que disfarçava tirando fotos até de um papagaio que padre Agustín cria desde o tempo em que era seminarista. Clotilde contemporizava: “Calma gente, se tivesse acontecido alguma coisa a gente já estava sabendo. Notícia ruim voa”.
-Então diga uma noticia boa. Diga que vai voltar para Natal – aproveitou-se Alex Gurgel, um dos cúmplices da mesa redonda do Bardalos.
-Olhe Alex, depois tanto agrado, é bem capaz... Quem sabe...
Crys Tinoco emendou:
-Eu lhe ajudo com a mudança...
Já passava da meia noite quando escutam um barulho de carro buzinando e alguém declamando uma poesia na porta dos fundos da área de lazer de Agustín, bem no Beco da Lama.
Cabrito, que tinha resolvido ser o primeiro a esperar o bode – nada mais natural -, abriu a porta. Do lado de fora, Dunga e Chagas, queimados do Sol e de muitas cervejas, de fazer dó, estavam tirando várias galinhas ao molho pardo de dentro da picape. Oswaldo chega sorrateiro e pergunta pelo bode. Dunga responde.
-Aqueles bodes não aprenderam a amar na infância... Não deixaram a gente chegar nem perto. Era tudo treinado... Aí, resolvemos e buscar umas galinhas lá no “Forrozão”, em João Pessoa, porque um dos membros paraibanos da lista “Umas & Outras” garantiu pelo celular que Clô adorava a comida de lá.
Taparam a boca de Dunga com fita adesiva e garantiram a Clotilde que os bodes de Oswaldo haviam sido todos roubados. E a festa continuou com as deliciosas penosas do “Forrozão”, embora todos jurassem para Clô, que desconfiou conhecer o tempero das ditas, que elas tinham vindo de Parelhas, de uma granja de engorda de Hugo Macedo, que confirmou todas as mentiras.
Clotilde Tavares ainda não voltou para Natal.
Leonardo Sodré
"Brasil já é o 4º colocado no ranking mundial do roubo de obras culturais"
O Estado de São Paulo
Baldo
São Cascudo
Os contadores de histórias precisavam de um padroeiro.
Eis que o Instituto Cultural Aletria elegeu o historiador e folclorista Luís da Câmara Cascudo como protetor da tradição.
A oração de "São Cascudo" faz referências ao mundo das histórias que ele, em vida, tão bem valorizou.
Escreveu mais de 160 livros sobre a cultura brasileira, entre eles o clássico Dicionário do Folclore Brasileiro. Durante mais de cinqüenta anos, Câmara Cascudo foi professor na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Era o único estudioso de sua especialidade que tinha uma visão verdadeiramente nacional do folclore brasileiro.
O lançamento de "São Cascudo" ocorreu no Simpósio Internacional de Contadores de Histórias, realizado no Rio de Janeiro, de 23 a 26 de agosto, mas para receber um "santinho", é só enviar e-mail para aletria@aletria.com.br
Tem coisas nesse mundo que só existem nas memórias do povo mágico das histórias.
Veja a oração abaixo:
“Ajude-me meu São Cascudo,
Que tem coisas nesse mundo
Que só existem nas memórias
Do povo mágico das histórias.
Quero uma lição de Geografia
Que um índio velho contaria
Para uma criança portuguesa
Se fartando com a sobremesa
De pé de moleque e brigadeiro
Junto com um peão boiadeiro.
São Cascudo, me diga o que é
Que vem de noite em um só pé,
E como me livro dessa assombração
Meu Santo Padroeiro da Tradição.
Agora vou me deitar na rede,
Pois eu sei que o Santo entende,
Que amanhã é dia de festança
Vai ter música, aguardente e dança
Pro meu coração enamorado.
Valei-me meu São Cascudo!”
Luis da Câmara Cascudo
* 30/12/1898 + 30/07/1986
Sem tempo
Certa vez, depois de restar inútil ocultar tanto desejo,
aquela mulher me disse: eu tenho idade para ser sua mãe.
Pedi que ela repetisse a mesma frase, mas sem a última palavra.
Ela o fez e eu lhe disse: exatamente.
Então aquela mulher foi minha
como uma mulher deve ser de um homem: sem tempo.
Com todo o tempo.
Antoniel Campos
A HEREGE
O Anjo deu de ombros
E voltou-me as costas.
E talvez por eu estar
Despida de uma aura transparente
Nem de longe apresentasse
Uma réstia, um brilhozinho reluzente,
Não pôde ver em mim qualquer virtude.
Mirou-me com assombro
Angelical - e como se bastasse
Como grande ofensa essa atitude
Fechou-me, sem qualquer pesar,
todas as portas.
Neide de Camargo Dorneles
TATUAGEM
O amor,
no momento,
é como imagem.
O amor ,
eterno,
é uma miragem.
Com a força da paixão,
fica feliz o coração,
tá no peito,
a tatuagem.
A saudade atormenta,
o desejo não aguenta,
a lembrança,
sempre acalma.
E o amor,
muito profundo,
o maior, talvez
do mundo,
é tatuagem na alma.
Chagas Lourenço
Ladrões de galinhas
A noite estava mais escura do que o normal naquele sábado. Grossas nuvens que pareciam querer anunciá-las no mês de agosto passavam rápido. Natal estava fria por causa dos mesmos ventos do mês das cobras, que empurravam as nuvens para longe. Os dois rapazes não pensavam nisso. Já haviam acostumado os olhos à negritude da noite e observavam agachados os movimentos daquela pequena casa em pleno bairro das Rocas, que tinha um grande quintal. Coisa de antigamente, do começo do século XX, quando a cidade não dispunha de muitas coisas e os quintais se alongavam para, também, oferecerem meios de subsistência. Olhavam, pela janela, o casal que assistia televisão enquanto trocavam beijos e carícias; e para o galinheiro, repleto de galinhas gordas.
Pacote, o mais velho, virou-se para Embrulho, que era mais novo e impaciente, e ordenou, sussurrando:
- Vamos esperar que eles entrem no quarto. Pelo jeito, depois de tanto sarro, isso não vai demorar. Fique quieto, como se estivesse morto, viu?
Não demorou e o casal desligou o aparelho de TV e se dirigiu ao quarto. Apagaram a luz da sala e acenderam a do quarto. Beijaram-se novamente e, como se pressentissem a presença de alguém, voltaram a apagar a luz.
- E agora? – choramingou Embrulho.
- Agora, vamos esperar pelos gemidos para pegar as penosas...
Eles não demoraram a encher vários sacos de estopas de galinhas gordas, que fizeram o maior barulho durante o seqüestro, mas que foram abafados pelos gritos de amor, subestimados por Pacote, que esperava apenas gemidos.
Pularam rápido o muro e seguiram em direção à Ribeira, onde pararam numa banca de meio de rua para tomar uma de cachaça para esfriar a emoção. Dentro dos sacos, as galinhas gemiam, e um galo, muito agitado, dava bicadas no grosso pano. Levou uns três cascudos de Embrulho, até se limitar a pequenos cacarejos.
Os dois ladrões de galinha saíram em direção ao Grande Ponto. Subiram pela Juvino Barreto e resolveram cortar caminho pela rua São Tomé, que desemboca no Beco da Lama, onde poderiam tomar mais uma de cana e encontrar, quem sabe, fregueses para as suas “bichinhas”. Durante a caminhada, eles perceberam que foram com “muita sede ao pote”. Haviam roubado muitas galinhas e os dois sacos começavam a pesar inclementemente nas costas dos dois, principalmente durante a subida da rua São Tomé. Chegaram à esquina da prefeitura esbaforidos, suando mais do que “tampa de chaleira”. O efeito da cachaça já havia passado e eles agora podiam avaliar a situação. Tinham uma ruma de galinhas e um galo brabo, mas seria difícil levar tudo para casa, que ficava num sítio nas cercanias do bairro de Igapó.
- Já pensou caminhar até em casa com esse peso todo? Vamos alugar um carro de praça? – Disse Embrulho.
Pacote, que era o chefe da dupla, respondeu:
- Só se a gente vendesse umas duas galinhas, mas uma hora desta está todo mundo biritado e ninguém vai querer uma penosa. Pode querer daquelas outras “galinhas”... Nenão? Vamos embora assim mesmo...
Enfrentaram o pequeno declive da rua Vigário Bartolomeu e dobraram à direita na rua Coronel Cascudo, passando pela frente do Bar de Nazaré. Lá, apenas um bêbado notou a passagem dos dois, que também carregavam cacarejos, como um carro de som surrealista, e gritou:
- Essas galinhas dormiram aonde?
- Pacote, mais discreto, não disse nada. Pelo contrário, até apressou o passo. Mas Embrulho, mais esquentado, deixou ficar bem pertinho do “Chorinho de Camilo”, para se virar e estirar o dedo. Um dedo sujo, enorme e indecente. Mas a turma do chorinho nem notou, acostumada com atritos maiores.
Quando chegaram ao estacionamento lateral da assembléia, Pacote parou e mandou Embrulho pegar duas doses de cachaça num bar. Ficou pensando no que fazer. Podia diminuir o peso do roubo soltando algumas galinhas, mas aí ia ficar no prejuízo, depois de tanto esforço. Não sabia o que fazer até notar o carro de Eduardo Alexandre (Dunga), parado bem direitinho ao lado do Museu Café Filho. Abriu um sorriso de poucos dentes, que chamou a atenção de Embrulho, que ia chegando com as duas canas e umas lascas de goiaba.
- Está rindo de quê?
- Acho que resolvi o problema do transporte... Vamos roubar aquele Santana velho, meter as galinhas dentro e fazer carreira para casa!
- Mas Pacote, – Embrulho fez cara de entendido – aquele carro deve estar abandonado, parado ai há muito tempo. Veja o estado dele...
- Está não! Botei a mão na tampa do motor e ainda estava quente. Vamos embora que eu sei fazer a ligação direta. Aprendi vendo um filme...
Embrulho ainda argumentou que era melhor roubar um carro novo, que não apresentasse problemas mecânicos, mas Pacote era muito inteligente.
-Meu filho, - disse ensaiando estar muito calmo – qual é o carro daqui, novinho, que ficaria bem cheio de galinhas? Nesse aí, que já parece um galinheiro, daremos a impressão de estarmos indo vender as penosas na feira. Entendeu, meu filho? Entendeu?!
Pacote era foda, pensava em tudo. Resignou-se Embrulho, satisfeito.
Não foi difícil roubar o carro de Dunga, que somente abria a porta do motorista. Eles descobriram logo. Depois viram que os vidros não baixavam e que precisava ter cuidado com o buraco que tinha no chão do carona. Colocaram os sacos de galinhas no banco traseiro e deixaram o Santana escorregar, devagarzinho, sem ligar, em direção à rua da Conceição. Ninguém notou, porque Dunga costuma fazer a mesma coisa para o “bicho” pegar no tranco defronte da Assembléia Legislativa, para desespero do guarda que, todas as vezes, acorda com o barulho da descarga em ruínas.
Quando o carro pegou, Pacote tentou tirar da segunda para a terceira marcha, começou a descobrir que no carro do poeta somente funcionam a segunda, a quarta e a ré. Descobriu, também, que o acelerador estava enganchado (está assim desde o veraneio de 1992, na Redinha – Dunga já havia me confidenciado) e que teria que controlar a velocidade por meio da embreagem. Quase desceu na contramão em direção à Ribeira, mas conseguiu fazer uma curva fechada, entrando na rua Ulisses Caldas em alta velocidade, cantando pneus. O prefeito Carlos Eduardo estava atravessando a rua para pegar o seu carro, estacionado defronte à garagem da Assembléia Legislativa, e teve que se apressar para não ser atropelado.
- Eduardo Alexandre está com a gota hoje! Quase me mata de susto. Lembre-me para eu mandar a STTU prender aquele carro segunda-feira. E essas penas todas voando? O que será?
O auxiliar, homem perspicaz e conhecedor dos eventos culturais promovidos pelo poeta no Beco da Lama, respondeu:
- É bem capaz dele já estar providenciando as fantasias para o Carnaval do Centro Histórico. Daqui a pouco, chega por aqui, pedindo dinheiro para pagar as bandas...
Leonardo Sodré