quinta-feira, setembro 20, 2007

BODE

Marcus Ottoni


"O Beco já era metido à besta nos tempos em que a loja da Maçonaria ficava numa de suas esquinas; na outra, a Sorveteria de Aracati e na terceira, a Escola do Professor Ulisses. Na quarta esquina abria-se o Restaurante Dois Amigos, um dos mais chiques da Cidade, ponto de encontro de políticos. Deixando esse quadrilátero, o Beco era apenas fundo de quintais e do cinema Rex."
Woden Madruga



Beco virtual?

Sonhei que era sincero

meu cartão postal.

Lívio Oliveira



A ética do PT

Sempre fui fã de carteirinha da ética do PT. É coisa antiga. Vem derna dos anos oitenta, por aí, quando essas coisas do Brasil eram discutidas com muito ardor no Beco da Lama (sem segunda intenção, por favor, crianças) e arredores. Aliás, muita coisa da inteligência desta ideológica terra de Poti mais bela tem raízes no Beco. Muito antes do Beco ser o Beco. Muito antes do PT ser inventado por Lula. Pois o Beco já era metido à besta nos tempos em que a loja da Maçonaria ficava numa de suas esquinas; na outra, a Sorveteria de Aracati e na terceira, a Escola do Professor Ulisses. Na quarta esquina abria-se o Restaurante Dois Amigos, um dos mais chiques da Cidade, ponto de encontro de políticos. Deixando esse quadrilátero, o Beco era apenas fundo de quintais e do cinema Rex. Natal dos anos quarenta.

Pois antes do PT chegar ao Beco e o Beco se transformar num dos pólos da gastronomia potiguar, dividindo o caneco com a Serra de Martins (aqui, o gosto popular, a pimenta do povo, a cachacinha proletária/intelectual, tipo Guevara/Regina Casé; lá em cima o refinado paladar da burguesia dourada do jetesete), eu já me amarrava na ética petista difundida nos meios acadêmicos pelo saber de seus doutores da escola Chauí. Era confortador ouvir um petista falando em ética, como se fosse uma invenção deles para orientar a conduta moral do resto da humanidade.

Daí não querer acreditar (reajo muito, sim, sinceramente) quando os jornais publicam certas notícias tentando atingir a ética do PT. Recentemente houve aquele caso da votação no julgamento do Renan. A ética petista decidiu a parada. Não quero nem citar a história do mensalão. Não. Parece lenda árabe. Ontem a imprensa veio com nova estocada na ética do PT. Está nos principais jornais do país e passeia pelos blogues mais visitados. É o caso da assessora do vice-presidente do Senado, Tião Viana, da fina flor petista. Resumindo, a história é esta:

- Apesar de ter seu salário pago pelo Senado Federal, Silvânia Gomes Timóteo, que é servidora do gabinete do 1º vice-presidente da Casa, Tião Viana, trabalha de fato na sede nacional do PT, em Brasília, onde é assessora do tesoureiro do partido, Paulo Ferreira. Sua nomeação para o cargo de assessora parlamentar-1 (AP-1) aconteceu no dia 13 de fevereiro, alguns dias depois da eleição da Mesa Diretora do Senado que elegeu Renan Calheiros para a presidência e Tião Viana para a 1ª vice-presidência. Desde então, ela recebe R$ 6.773,41 mensais, além de um auxílio alimentação de R$ 560,00.

Veja só a reação do senador Tião Viana, que disse não haver nenhuma irregularidade na contratação da funcionária para o Senado e ela prestar serviços, pagos com o dinheiro público, para a tesouraria do PT:

- A relação do mandato com o partido é de parceria. Ela, a Silvânia, é uma militante histórica, que conhece o partido e é da minha inteira confiança. Não há problema algum nisso. Eu preciso de alguém que acompanhe as discussões e os debates no partido, que possa vez por outra manifestar a minha posição e trazer orientações. A Silvânia é uma pessoa muito preparada, é formada em filosofia.

Pois é. Essa filosofia do PT é, na verdade, um espanto. Filosofia eticamente espantosa. Alopradamente petista, como diria Lula.

Woden Madruga

Tribuna do Norte

20.10.07



O bode de Oswaldo

Ficção no Beco da Lama


Tudo começou quando a escritora Clotilde Tavares reclamou publicamente na lista de discussões “Umas & Outras” sobre as incômodas músicas de forró nas proximidades do seu apartamento, em João Pessoa. De pronto o sociólogo e fotógrafo Karl Leite iniciou uma cruzada para que a filha de Campina Grande não voltasse para lá e tampouco ficasse em João Pessoa, mas que voltasse para sua silenciosa casa de Capim Macio, em Natal. O movimento “Volta Clotilde” somente não tomou mais força e se tornou uma referência nacional porque atendendo a apelos paraibanos, ela contemporizou, inclusive usando o argumento da situação geográfica da capital paraibana.

Mesmo assim, membros do grupo de discussões, elogios e brigas do Beco da Lama, resolveram tentar convencer a escritora usando métodos mais sutis do que os utilizado por Karl Leite. Entre sussurros na penumbra da mesa redonda do Bar Bardalos, resolveram que o melhor caminho seria o da diplomacia via argumentos gastronômicos. Um dos cúmplices passou a provocar um encontro da lista “Umas & Outras”, sutilmente, que deveria acontecer em Natal. Apostava no meio daquela confraria de “retorno”, que uma comidinha regional e bons argumentos trariam Clotilde definitivamente para Natal.

Provocado pelo grupo, Oswaldo Ribeiro resolveu bancar o prato principal: iria doar um dos bodes da sua criação que mantém as margens do Itans, na terra dos Caicós. Depois disso foi só marcar a data, que coincidia com a véspera de um feriado, e mandar alguém forte para João Pessoa, para fazer companhia a Clô e carregar sua bagagem caso o ônibus quebrasse. Mais um artifício de gentileza para garantir o retorno dela para a capital do Sol.

Para buscar o bode no Seridó Oswaldo destacou Chagas Lourenço e Eduardo Alexandre (Dunga). E justificou: “Chagas é sertanejo e conhece bem a região. Saberá escolher o melhor dos bodes e Dunga, foi um dos maiores caçadores de calangos das matas do Tirol e sabe encontrar os rastros de um animal no meio da caatinga. Eu não vou porque tenho que ficar moderando o grupo do Beco”.

Foi tudo sincronizado. Jotó seguiu para João Pessoa para carregar as malas de Clotilde e uns 30 ou 40 livros que ela estava trazendo de presente, outros companheiros foram organizar a área de lazer de Padre Agustín, onde seria realizado o jantar de convencimento e Chagas e Dunga partiram numa picape alugada em direção a fazenda de Oswaldo, nas cercanias de Caicó. A previsão era de que Clotilde chegaria por volta das 18h, tendo tempo para descansar um pouco num hotel cinco estrelas, pago por meio de uma cota, que Alex Gurgel liderou. Chagas e Dunga deveriam chegar um pouco mais cedo, porque haviam partido de madrugada.

Lá pelas nove da noite tinha tudo na casa do padre Agustín. Menos o bode porque Dunga e Chagas não deram sinal de vida. Era evidente o desconforto de Oswaldo, que disfarçava tirando fotos até de um papagaio que padre Agustín cria desde o tempo em que era seminarista. Clotilde contemporizava: “Calma gente, se tivesse acontecido alguma coisa a gente já estava sabendo. Notícia ruim voa”.

-Então diga uma noticia boa. Diga que vai voltar para Natal – aproveitou-se Alex Gurgel, um dos cúmplices da mesa redonda do Bardalos.

-Olhe Alex, depois tanto agrado, é bem capaz... Quem sabe...

Crys Tinoco emendou:

-Eu lhe ajudo com a mudança...

Já passava da meia noite quando escutam um barulho de carro buzinando e alguém declamando uma poesia na porta dos fundos da área de lazer de Agustín, bem no Beco da Lama.

Cabrito, que tinha resolvido ser o primeiro a esperar o bode – nada mais natural -, abriu a porta. Do lado de fora, Dunga e Chagas, queimados do Sol e de muitas cervejas, de fazer dó, estavam tirando várias galinhas ao molho pardo de dentro da picape. Oswaldo chega sorrateiro e pergunta pelo bode. Dunga responde.

-Aqueles bodes não aprenderam a amar na infância... Não deixaram a gente chegar nem perto. Era tudo treinado... Aí, resolvemos e buscar umas galinhas lá no “Forrozão”, em João Pessoa, porque um dos membros paraibanos da lista “Umas & Outras” garantiu pelo celular que Clô adorava a comida de lá.

Taparam a boca de Dunga com fita adesiva e garantiram a Clotilde que os bodes de Oswaldo haviam sido todos roubados. E a festa continuou com as deliciosas penosas do “Forrozão”, embora todos jurassem para Clô, que desconfiou conhecer o tempero das ditas, que elas tinham vindo de Parelhas, de uma granja de engorda de Hugo Macedo, que confirmou todas as mentiras.

Clotilde Tavares ainda não voltou para Natal.

Leonardo Sodré

por Alma do Beco | 5:00 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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