domingo, dezembro 25, 2005

ALMAS DO BECO

Marcus Ottoni


“Não tem coisa pior do que a inveja de um ex-marido quando vê sua mulher feliz com outro homem ou um governante percebendo o sucesso da pessoa que o sucedeu.”
Luiz Inácio Lula da Silva

Karl Leite


Natal:
chamada para a estação das lombras

Na época de Natal, quando toda a cidade é engolfada num clima postiço e afetado de fraternidade, e se é enfiado numa camisa-de-força que a todos empurra para um consumismo desenfreado, por ser a data máxima da cristandade, ou seja, o nascimento de Jesus, festejado no calendário pela comunidade composta de povos e países tidos como cristãos, a tristeza também faz morada nos corações.

Para muitos, contraditoriamente, ao invés dessa data lembrar o princípio de um tempo novo, nascença de uma esperança inédita, pelo surgimento de um horizonte inovador, segmento inicial de uma ação benfazeja, que poderia ter continuidade no tempo e no espaço, a atmosfera pode ser marca de recolhimento e melancolia, fronteira de embaraços e indisposições.

É o caso de muitos que freqüentam e vivem no Beco da Lama, em Natal, capital do estado potiguar, denominação consagrada popularmente e que se sobrepõe ao nome oficial da rua Dr. José Ivo. Artéria que corta o coração do Grande Ponto, o Beco da Lama abriga e exibe variadas demandas, num ritmo flexuoso e repleto de vibrações, recordando um rio sinuoso e trepidante, ora turbulento, ora sereno, mas muito certamente sempre apaixonante para quem com ele mantém contato, mesmo sumário, instável ou impreciso.

Com a rua Coronel Cascudo, forma uma zona de passagem, rota de pródiga multiplicidade de tipos humanos, autodenominada “Quatro Bocas”, ilustre como parte do corredor cultural, na região histórica do centrão velho da capital, compreendendo a extensão entre a Cruz da Bica, no Baldo, até o Teatro Alberto Maranhão, na Ribeira velha de guerra, adentrando a avenida Duque de Caxias, em busca das Rocas profundas.

Neste cenário multipolar, encontramos, na semana de véspera do Natal, o freqüentador cativo e cicerone essencial da freguesia, Ivan Teixeira da Costa, 63, tornado morador honorífico do território por direito adquirido há mais de 25 anos.

Filho da Cidade Alta, sem proventos de aposentadoria, Ivan Teixeira, que tirou o tempo regulamentar na Marinha, ganha a vida “a fazer mandado de um e de outro”, como se define, sendo um “braço” indispensável, como agregado, do Bar da Odete, uma das locomotivas do comércio etílico do trecho e comerciante “tombada”, pela tradição, como dona de botequim e fornecedora de quitutes culinários, com cerca de 80 anos de vida e mais de 30 anos no setor.

Negro polivalente, embora sem tinturas de letras ou competências em números e operações, Ivan é o terceiro rebento de uma família de 12 irmãos, sendo um dos caçulas, Walniro, jogador de futebol que atuou no Rodoviário por longo tempo. De relações sentimentais, registra ter vivido dez anos com Myriam, que “tirou de Maria Boa”, residindo no Recife, onde tiveram um filho, falecido com oito meses.

Graças às ocupações e serviços eventuais, em contratos de curta duração, a fazer bicos também em casas de jogos e carteados, pela assiduidade no trampo e a lealdade aos ares e azares do Beco, Ivan se tornou seu porta-voz oficial, sendo seu historiador, repórter, fiel paladino e, principalmente, observador privilegiado e acurado dos causos e acontecências de toda a zona ao redor.

Neste início de manhã, estamos diante de Henry Jekill, o médico do período vitoriano criado por Robert Louis Stevenson que, através de seus estudos de medicina transcendental, consegue transmutar seu corpo entre sua personalidade normal, Jekill, e seu lado negro e obscuro, Mister Hyde. Como alcoólico, Ivan sofre na pele e na alma todas as conseqüências da dependência, adquirida em anos de exclusão e privações pelas condições precárias de sua viagem em mares de penúria.

A essa hora, ainda não apareceram no Beco os famosos “papudinhos”, dos quais iremos falar, pessoas que costumam amanhecer bebendo e que, segundo José Moisés de Moura, do Museu da Cachaça, no Recife, costumam ingerir até dois litros de aguardente por dia. Longe de nós a idéia de compartilhar uma “meiota” com os cus de cana que daqui a pouco infestarão o Beco, à procura de uma adega, e cuja aspiração maior será o dia em que o mar possa virar pinga ou criarem a cachaça em pó.

“Tenho uns 45 anos de bebida”, conta Ivan. “Cheguei por aqui em 80. Tenho uma faixa de uns 25 anos. Comecei a ajudar Odete quando ela saiu do Arrastão, em 70, onde a conheci, um bar que era vizinho ao Saci. O Beco já esteve em situações piores, hoje está bem melhor. Inclusive já foi mais violento. A maioria dos papudinhos que morreram, quando bebia fazia muita confusão. Era coisa de briga, por bebida, não era de atacar, nem de assaltar. Se você não pagasse uma bebida para ele, ficava com raiva. Já estava melado, dizia: ‘você está com dinheiro, não quer pagar’. Queria meter a porrada no cara. Pedia um cigarro e, se você dizia: ‘não tenho’, ele falava: ‘você tem’. E aquilo ali dava uma briga.”

Não queremos lembrar o começo de toda a desgraça, que infelicita tantas famílias, iniciada ainda no século 16, quando os escravos eram obrigados a amaciar a carne do cachaço – nome dado ao porco – com a bebida alcoólica feita de cana-de-açúcar.

Para nós, quem fala é o Mestre-Sala dos Mares, o “Navegante Negro”, da música de João Bosco e Aldir Blanc. Na realidade, o “Almirante Negro”, homenagem prestada na obra ao líder da surpreendente Revolta da Chibata na Marinha brasileira, João Cândido Felisberto (1880-1969). João Cândido liderou, em 1910, o levante armado dos marujos contra o uso de castigos físicos na Marinha. Herança militar portuguesa, os maus-tratos eram uma regra entre os navais. O uso do açoite como medida disciplinar continuou sendo aplicado nos marinheiros, como no tempo do pelourinho. A Revolta da Chibata é o resultado de uma consciência política até então desconhecida na classe operária do país.

Estamos sentados na casa de jogo, ao redor de uma mesa redonda, e ele vai girar a roleta da morte, abrindo seu “baú dos ossos”, para fazer, nessa véspera de Natal, um doloroso inventário. Sintetiza, com afetuosa formalidade, miudezas e detalhes de cada uma das almas que recordará no encontro, em torno de 25 pessoas de suas relações, mortas, acrescidas a cada encontro posterior, na maioria negros, excluídos, como se fora uma “limpeza étnica”, há de se pensar, involuntária, mas porventura com culpas distribuídas a granel.

A expectativa de vida por estas bandas, segundo o relato, ao contrário da estabelecida para o potiguar, hoje fixada em torno de 69,4 anos, segundo o IBGE, com 11,2 anos a mais ganhos nos últimos 24 anos, no Beco não alcança a faixa dos 40, chegando ou ultrapassando a faixa com muita sorte do vivente.

Um comentário feito à queima-roupa, sobre o extermínio do “mal”, deixa entrever a absorção por Ivan de um valor estranho, como se concordasse com a espécie de “extermínio” verificado na área, quiçá ansiada pelos bebuns chiques e integrantes da classe média, os que ainda podem pagar para beber nas calçadas e no meio do Beco, escancarando a pouca valia da vida, na rotina da exclusão a que estão submetidos os papudinhos:

“Hoje, no Beco da Lama, as pessoas não são mais perturbadas pelos papudinhos. Se foram todos. Ou grande parte deles.”

Refere-se aos “mortos e desaparecidos” pobres do Beco. Se eles diferem dos mortos-vivos que vagueiam pelos bares, em outras rotas e com outros vínculos, é apenas pela cor da pele e o peso do bolso. No mais, o espectro fantasmagórico e de vazio existencial dessas falanges etílicas pouco varia.

“Vamos falar dos mortos”, pedimos. Fale um pouco de Neco.

“Teve o Neco, que, podia-se dizer, morava no Beco. Ali havia a feira de frutas, na rua da Emmanuelle (Cel. Cascudo) e, quando o pessoal tirava a mercadoria e fechava as bancas, ele dormia debaixo das lonas. Teve também Fu Manchu, que dormia por ali. O pessoal tirava as frutas, ele fazia a dormida: forrava com papelão e dormia. Dormiam, às vezes, 15 de uma vez.”

Dona Maria Matarazzo, a mulher que catava papel, é um capítulo especial. Trata-se de uma família que se alojou na casa da esquina do Beco com a rua Cel. Cascudo. Com o dinheiro da catação de papel, além do lucro obtido no bar que montou na própria residência, onde servia refeições, ela criou a família que teve com ‘seu’ André, o chefe da família e principal provedor.

“Dona Maria morava na casa velha e tinha um bar. Espécie de bar e ‘restaurante’, pois servia almoço, tudo. E esse pessoal, a maioria dos que morreram, vivia lá dentro do bar dela. O Fu Manchu mesmo, nessa noite em que morreu, o Burlamaqui pagou um copo de cana, cheio. Era mais ou menos umas 10 horas da noite. Ele saiu tombando, tombando, mas ninguém estava nem pensando (nisso). Pensava que ele estava embriagado. Aí, arriou. No outro dia de manhã, o pessoal começou a passar, e notaram: ‘esse cara está morto’. Aí chamaram o Itep. Examinaram, ele estava morto. Dona Maria foi morar em Igapó. Mas os dois já faleceram. Ela, com 80 anos. Já Louro, o filho, negociava com churrasco na esquina do Beco da Lama. Todos eles bebiam. Louro passou mal, caiu, desmaiou. Levaram para o hospital e disseram que ele teve um derrame. Teve um neto deles, Júnior, que a gente viu nascer, que foi para a banda de Ponta Negra. Ficou meio adulto e desapareceu. Mataram pra banda de lá.”

– E Cavalinho?

“Cavalinho bebia todos os dias no Bar de Odete. Aí, começou a emagrecer e disseram que ele estava com Aids. Mas ele sempre ajudava em casa de jogo, de baralho, e principalmente no (clube) América. Quando começou a adoecer, ficou bem magrinho, abandonado pelas ruas, sem ninguém querer conversa com ele. Uma noite, ele achou-se mal mesmo e correu para o América, perto do Quartel da Polícia. Quando chegou perto do América, deu uma carreira e dessa carreira já caiu morrendo. Já Chico Dundun morreu ao lado do Banco do Brasil, onde hoje estão os camelôs, no Shopping Popular (por trás do Correio da Rio Branco). Ele vivia igual aos outros, aqui no Beco. A moradia dele era essa. Quando foi um dia, ali nas barracas, ia dormir debaixo da mangubeira, onde o pessoal estacionava os carros. Eles ficavam tudo ali, o pessoal que fazia frete, os carroceiros. Esse morreu de cirrose. A barriga cresceu muito, mas ele continuou bebendo direto.”

Fala de Burlamaqui, de cerca de 70 anos. “Ele tinha dois filhos, que ainda olhavam por ele, mas continuava bebendo no Beco. Os filhos sempre vinham atrás, mas ele não queria ir para a casa dos filhos, não se dava com as noras. Ele sempre me contava isto. Porque ele chegava embriagado, isso tudo, preferia viver pelas ruas.”

Conta sobre Pororoca.

“Pororoca vivia em casa de jogo, mas, antes disso, trabalhou muitos anos no Cartório de seu Armando (6º Cartório, de Armando Fagundes), ao lado da Prefeitura. Depois que perdeu o emprego, foi embora para São Paulo, onde passou uns oito anos. Quando voltou, ficou pastorando motos, na praça Padre João Maria. E sempre gostava de tomar sua pingazinha. Pegou um enfraquecimento, não procurou se cuidar e, com o tempo, se acabou.”

Ele não detalha a morte de Washington Soares, conhecido como Ratinho, assassinado no Beco na sexta-feira dia 10 de maio de 2002, aos 37 anos, por agressão violenta sofrida da parte dos soldados PMs lotados na Assembléia Legislativa, Marcos Aurélio Lopes, na época com 29 anos, Itagibá Ferreira de Lima, 37, e Luiz Araújo do Nascimento, 36. Presos após se apresentarem espontaneamente à Polícia Civil e autuados em flagrante delito por homicídio, na 1ª Delegacia de Plantão, em Candelária, pelo delegado Custódio Ricardo Arrais Neto, seriam liberados pela juíza Maria do Socorro Pinto de Oliveira, do Plantão Judiciário da zona Norte, através de alvará de soltura dos três acusados, que reassumiriam o exercício de suas funções na AL, na gestão do deputado Álvaro Dias (PDT).

Mas relata sobre os dois Ticos.

“São dois Ticos. Tico 1 e Tico 2. Tico era um era marceneiro e trocou a profissão por cachaça, preferiu a bebida. E aonde chegava, dormia, apesar de dormir mais no Beco. Quando levaram ele para o hospital, estava quase morto, ao lado do Bar do Nazir. Uma senhora ia passando num carro, e perguntou: ‘o que esse rapaz tem?’ Os outros disseram: ‘ele está se sentindo mal’. Ela pediu: ‘Bote ele no carro, que vou levar para o hospital’. Ele ficou lá e, com três dias, morreu. Um rapaz do hospital, que sabia que ele andava por aqui, falou para mim: ‘olha, ele não tem família, não? Porque o corpo dele está lá e estão pra levar para o Itep. Se a família não procurar, vão agir de outra maneira. Levam para (os acadêmicos) estudar.’”

O outro Tico, aleijado, era pastorador de carros.

“Ele era manobreiro na rua Felipe Camarão. Depois, abandonou o trabalho, entregou-se à bebida, e morreu em frente ao bar de Odete. Ele pediu um copo com água e, enquanto fui pegar, olhei para trás, quando gritaram: ‘Tico emborcou’. Nesse emborcado dele, chamaram o carro da Samu, examinaram, mas disseram: ‘está morto. Agora é problema do Itep’. E o Itep veio e levou.”

Ivan era amigo de Elias, 36 anos, último a morrer no Beco, no domingo 27 de novembro.

“Elias estava com ataques de epilepsia alcoólica. Na última vez, levaram ele para o hospital e o médico falou que se ele continuasse a beber, estava arriscado a morrer. Então, no domingo que ele morreu, estive com ele aqui, me chamando para ir no banheiro, conversando, tudo bem. Eu disse: ‘pode ir, que eu vou subir para o Bar de Odete’. Com um pedacinho, ele sobe e fica de frente ao Bar conversando com um tal de Samuel, que faz mandado. Eles dois conversando e eu sentado dentro do bar, olhando pra eles. Com um pedacinho, o Samuel se levanta. O Elias se levantou e deu um impulso para a frente, um pulo, e bateu com a cara no chão. E ali ficou. O Samuel correu e chamou a Samu. Só que não deu o endereço do Beco da Lama; deu da Cidade Alta. E a Samu ficou rodando pela praça Padre João Maria. Com 40 minutos é que disseram: ‘rapaz, é ali, no Beco da Lama’. Quando ela chegou e virou ele, disseram: ‘está morto’. E eles mesmo telefonaram para o Itep.”

Ivan fala de Reizito:

“Reizito era de Mãe Luíza, mas ultimamente estava morando aqui, numa casa de jogo. Tinha parado a bebida e falava que estava com um problema de garganta. Mas eu pensei que o problema dele fosse só garganta. Era o câncer na garganta. E ele não estava podendo mais tomar nem água. Não comia mais nada. Quando chegou o carnaval, que agora vai fazer um ano, ele inventou de tomar uma cana muito forte. Três dias depois do carnaval, sentiu-se mal, foi para a casa da irmã, que levou para o hospital, mas ele não resistiu. Tinha 56 ou 57 anos.”

A história de Manuel Bixiga.

“Manuel Bixiga tinha como viração entregar jornal, A República, de manhã bem cedo. Tinha uma freguesia a quem saía entregando, para ganhar um trocado para beber cachaça. Sentava-se no Bar de Odete, do lado de fora, com uma cadeira e uma mesa, botava uma meia, e passava o restante do dia, todinho. Mas passou a dar aqueles ataques de epilepsia, por causa da bebida. Quando foi um dia, ele bebeu durante o dia aqui e, de tardezinha, disse: ‘agora, eu vou lá para a Rodoviária velha’. Quando ele foi atravessando a avenida – me contaram isso –, caiu e um carro passou por cima. Tinha uns 48 anos.”

Tem a história do Mago das Quengas.

“Mago das Quengas era um profissional (conserto) em porta de aço. Aqui na cidade ele era o que mandava. Mas, infelizmente, levou um corte, numa porta dessas, enferrujada, e não cuidou. Pegava o restante da bebida e botava em cima do corte. Depois, deu o mal (gangrena). Levaram para o hospital e o médico disse: ‘está com o tétano. Tem que cortar. Se não cortar, ele morre’. E aí cortaram. Depois, ele ficou bom da perna, cortada, e voltou a beber no mesmo canto em que bebia, no Beco da Lama, agora de muleta. Quando caía (bêbado), ficava fazendo presepada com a perna e com a muleta, atrás de dar no povo, revoltado. Mas era um grande profissional. Chefe de família, era o pai de Ferro, que também morreu com o sangue aguado de cachaça.”

Fala de Marconi:

“Marconi era um rapaz que começou vendendo cachorro quente na Vigário Bartolomeu (no tempo da boate Vice-Versa, ele botou um cachorro quente defronte à boate e fez amizades com artistas e intelectuais, como Marize de Castro, de cujo Jipe ele cuidava, fazendo as manobras.) O pai dele deve ter morrido também. Negociava na av. Deodoro, com um carrinho, vendendo confeito. Estava muito acabado. Marconi bebeu aqui na quinta-feira e, quando foi na sexta, à noite, sentiu-se mal, em Mãe Luiza, onde morava, num quartinho. E aí parece que pediu para levarem ele para o hospital, mas não resistiu e morreu. Tudo foi bebida.”

Conta a história de Zildo da Verdura:

“Teve Zildo da Verdura, que bebia todos os dias, no Bar de Odete. Ele gostava de fazer os mandados dela: ia comprar o leite de Odete, o pão, em troco de bebida. Tomava uma dose, duas, ficava satisfeito. Teve uma época em que ele passou quatro meses sem beber, pois teve problema, foi operado. E aí o médico proibiu ele de não beber mais. Mas ele não acreditou, e voltou a beber, como bebia anteriormente. Sentiu-se mal assistindo televisão, na casa da mãe dele, e ali morreu.”

Tem a história do Cabo Ciço:

“Cabo Ciço, a última vez bebeu muito aqui, no Bar de Odete, no dia que recebeu dinheiro no final do mês. Ele era da Polícia Militar e da Prefeitura. Recebia pelos dois. E aí bebeu muito. Nesse dia, saiu do Bar de Odete de noite, para beber no bar de uma menina por nome Maria Cristina, do Bar de Nazaré mais à frente (por trás de Assembléia Legislativa). E lá bebeu muito mais. Depois foi para casa. Com poucos dias, disseram que estava em casa muito doente. Em seguida, veio a notícia, pelo filho dele, que veio no Bar de Odete, para pegar os documentos e saber quanto devia. Eu sei que o filho pagou a conta e tudo e levou o restante dos documentos.”

Narra a história de Natalino:

“Com Natalino, era costume dele ir todo dia de manhã ao Bar de Odete. Até mesmo para abrir o bar. Porque eu dormia no bar, e ele batia na porta de manhã, bem cedo (5 horas), para tomar uma dose de cachaça. E, numa sexta-feira, ele bebeu e foi lá para o Bar de Pedrinho do Catombo. Depois, às 9h da manhã, voltou, dizendo que estava com muita falta de ar, se sentindo mal. E nesta sexta-feira mesmo, à notei, ele faleceu.“

Na atualidade, Ivan fala das criaturas em presença no Beco da Lama, como o Tapura, que para todos é uma novidade.

“Outro que está vivo, e ainda é novo, é o Tapura. Quando os companheiros dele morreram, e ele se viu só, danou-se para Mossoró, passou mais de ano por lá. Agora, dois meses atrás, apareceu de novo, enchendo o saco. O Tapura é branco, deve ter no máximo 23, 25 anos.”

Ivan recorda da morte do músico Mainha, que entra na lista, embora fosse um aposentado, que desfrutava da amizade dos companheiros, no Beco.

“Mainha era músico, e sempre pedia para morrer no Beco da Lama. Ele tinha satisfação em dizer: ‘o meu prazer é morrer no Beco da Lama’. Até que morreu. Tomou uma dose de uísque, nesse dia que morreu, e quando saiu do Bar de Odete, sentou-se na porta do bar e ficou meio assim, triste. E aí emborcou. Quando emborcou, gritaram: ‘Mainha está morrendo!’. Era o coração.”

Ao contrário da compulsividade, astúcia e crueldade que se encontram na base do extermínio de jovens envolvidos no tráfico de drogas, e que tem levado à morte segmentos inteiros da juventude natalense carente da periferia, na faixa que se limita aos 24 anos, com os excluídos do Beco revela-se a inexistência de uma estrutura de organização do trabalho dentro do sistema legal, e políticas públicas que ofereçam alfabetização, saúde, trabalho, habitação.

Paulo Augusto
Jornal de Natal

por Alma do Beco | 9:56 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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