domingo, dezembro 11, 2005

Légua a Toa

`Sem mim, não há outro nome.`
Luiz Inacio Lula da Silva


“Já fui gente. Hoje sou um bregueço”
Tribuna do Norte
11.12.2005

Manhã ensolarada. Perto das 9h chegamos à casa de Dona Militana, ou - como prefere - Dona Maria José. Sentada no chão da área, com o cachimbo na mão, ela nos olha desconfiada. Tem no pescoço um rosário e no peito o slogan “Hard rock café”. O lugar é pequeno e muito humilde. Bastante diferente do Palácio do Planalto, onde dias antes ela foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural (maior condecoração cultural do País).

Tímida, desde que entramos ela mantém uma das mãos na boca; enquanto nós permanecemos tensos. O silêncio só é quebrado quando ela nos surpreende cantando o drama de Juliana e Dom Jorge, uma homenagem à “nossa Juliana” (risos). A partir daí, a cancioneira relaxou e trouxe às horas seguintes muitos risos e emoção, lembranças do “tempo que era gente”. A entrevista a seguir mostra que antes de ser a maior romanceira de quem se tem notícia no Brasil, Dona Maria José é uma lutadora. Euclides da Cunha tinha razão: “o sertanejo é antes de tudo um forte”.

Beleza de seu cancioneiro não reflete a realidade

Desde que foi descoberta, nos anos 90, Dona Militana já foi destaque na imprensa nacional por diversas vezes. A romanceira potiguar faz sucesso entre pesquisadores e intelectuais brasileiros e estrangeiros, que vêem nela a maior representante viva do canceioneiro ibérico no Brasil. Até o Ministério da Cultura também reconheceu seu valor, lhe outorgando, recentemente, a “Ordem do Mérito Cultural”, maior comenda cultural do país.

Mesmo ante todo esse reconhecimento, as autoridades estaduais e municipais não lhe oferecem o devido apoio. Atualmente, ela sobrevive com uma aposentadoria de um salário mínimo. Visivelmente abatida pela idade e crises de pressão alta, Dona Maria José reside com uma filha e diversos netos num casebre, em São Gonçalo do Amarante. Para se ter idéia de sua situação, a cancioneira não recebe os direitos autorais com a venda do CD Cantares, desenvolvido pela Fundação Hélio Galvão, dentro do projeto Nação Potiguar. Ela diz que recebeu apenas 100 cópias. Outro exemplo do descaso foi o espetáculo Auto do Natal de 2004. Dona Militana fez uma apresentação especial e até hoje não recebeu o cachê prometido (R$ 2.000).

Apesar de ser um dos maiores ícones culturais do Estado, uma visita à casa de Dona Maria José revela uma situação de abandono. Diante do quadro, o temor é que o devido reconhecimento seja providenciado tarde demais.



A lua cortou minha sina, a maré levou minha sorte.
Militana Salustino do Nascimento

Quem é
“Meu nome é Militana Salustino do Nascimento. O povo agora me chama de Dona Militana. Nome véio feio. Duro. Eu prefiro Maria José, que era o nome que minha mãe queria. Minha madrinha que mudou. Quando ela foi me batizar butou nimim (sic) o mesmo nome de mamãe. Ela passou a vida toda me chamando de Maria José, mas agora só me chamam Militana”.

Idade
“Nasci na era de 25. A 19 de março, às 12 horas do dia. Foi aí meu nascimento. A lua tava de minguante, a maré tava de vazante. A lua cortou minha sina, a maré levou minha sorte. (...) Foi lá em Barreiro aonde eu nasci, em São Gonçalo aonde eu me criei, no meu Sítio Oiteiro”.

Família
“Houve 18 filhos. Eu só criei sete, Deus criou o resto. Tenho 63 netos e 25 bisnetos. Dá pra ir? (risos). Irmãos, foram 12.

Infância
“Eu me criei foi na roça, trabalhando mais papai. Comecei a andar mais ele pros roçado com sete anos de idade. Mamãe dizia, ‘tu acaba com essa menina, Atanásio”. E ele: ‘quem num tem cachorro caça com gato, a companhia que eu tenho é ela’.

Criação
“Saísse de casa, pra ver a pisa! Quando papai me mandava ir em algum lugar, ele dizia ‘é um pé lá e outro cá!’ Eu me ia no meio do mundo desbandalhada. Eu apanhava, que eu era ruim que só o diabo. Toda vez que eu saía de casa, quando chegava a cepa já tava separada. E eu criei os meus do jeito que eu fui criada”.

Vivência
“No tempo que eu era gente, eu só temia Deus e mais ninguém. Agora mudaram meu nome, mudei minha natureza. Dei muita queda em gado dentro do roçado. Tá pensado que eu era desse corpo, é? Eu tô desse corpo agora, que sou véia, acabada. Eu já fui gente. Agora sou um bregueço. Quando eu era Maria José, era ruim que só o diabo. Foi num foi, a munheca comia. Mas eu fazia as coisas na minha razão. Desde os meus doze anos eu só ando com uma faca”.

Os romances
“Eu aprendi porque Deus me deu memória. Eu tenho mais de 55 romances aqui no quengo. (Ela sabe histórias cantadas desde a Idade Média. Aprendeu com o pai, seu Atanásio. Enquanto trabalhava na roça ele cantava os romances, que a menina Militana não podia repetir.) Ninguém da família aprendeu. E nem vou ensinar. Só quem tá com essa missão de aprender é Rafael, meu neto, de nove anos. Dos irmãos, só quem aprendeu fui eu”.

Encontro com Lula
“Lá tava o presidente, aí eu digo: ‘Mandei fazer um relógio da pata de um caranguejo. Pra marcar a hora e minuto dos dias que eu não te vejo’. Ele disse: ‘Cante de novo!’. Aí eu digo: ‘Eu não sinhô! Quem canta de graça é galo’ (Risos). Mas deixe que eu fui pra Brasília a chamado dele. Ele me deu uma caixinha assim com uma medaia (sic). Eu gostei. Tinha um bocado de gente lá”.

Morte
“Medo?! Ara se num tenho. E quem num tem? No dia, Manoel Luís (marido) me chamou e disse: ‘Maria, eu tô me acabando. Tô indo imbora’. Eu disse pra ele: ‘Vai com Deus, esquece do mundo’. Uma lágrima eu não butei, nem reclamei, nem coisa nenhuma. Eu empurrei ele pra cama. Acendi a vela e coloquei na mão dele. Aí ele morreu. Eu não tava nem aí. Ele não vivia em casa. Não vivia trabalhando pra me dar de comer. Eu vivia dando murro pra criar meus filhos. Só quem sabe da minha vida sou eu mesmo, eu contando ninguém acredita. (Aparenta amargura) É isso mesmo. Não tenho ninguém mais por mim.

Mãe
Quem era por mim era minha mãe. Deus levou muito cedo. Ela morreu de repente. Foi assim: quando eu fui chegando na porta, ela tava perto da banca de santo. Ela rezou o rosário e foi botar em Santa Terezinha aí gritou: ‘Ai, Meu Deus, que dor e essa na minha cabeça!?’. Papai correu e disse: ‘Tá se acabando minha Maria...’. A gente acendeu a vela e botou na mão dela e ela passou-se. (Baixa a cabeça, olha em volta. A romanceira está triste...)

Vida
“Num mudava nada na minha vida não. Só podia ser do jeito que eu era. E a senhora é feliz? Eu sou feliz nada... Seria se tivesse minha saúde...”



Légua a Toa

“Mundo pequeno”?
Não é esse o tal
sertão?
Não é esse o meu
sertão.
Se é,
não é
pequeno.
Ser tão
é ser grande,
infinito.
Sertão,
capítulo do livro,
todo o livro
que li
até aqui.
Por que o sertão existe,
então?
Se nas páginas
que seguiram,
sol em riste,
planta seca
no chão,
disseste ser mundo pequeno
esse meu mundão.
E não ser tão.
Ser tão grande,
afinal,
ou não?
Ser tão
será em vão?

Livio Oliveira

por Alma do Beco | 1:38 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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