"Vai ter um momento em que eu vou decidir e quero que vocês saibam: o dia que eu decidir, se for para ser candidato, é para ganhar as eleições aqui neste país outra vez. Se decidir não ser candidato, iremos escolher um companheiro para ganhar as eleições."
Luiz Inácio Lula da Silva
LUA CHEIA
Hoje eu ainda não escrevi nada
Fiquei lendo com a caneta
O papel guardado no canto
Eles pensam que me dominam
Porque a caneta esporra
Quando vê o papel em branco
Eles pensam que me bolinam...
Hoje eu nem queria escrever nada
E aí fazer o que?
Que outra coisa melhor
Faz o tempo passar porra!
Eu juro que não queria
Fazer sexo com a Calígula grafia
Eu sei que Só doma o ímpeto
Quem sabe brincar de gangorra
Mas hoje eu não preciso escrever
Nem me expor em palavras
Hoje eu só quero ler
Ouvir o tempo na rua
Ficar calado
Como hoje eu não quero escrever nada
Subscrevo-me escravo da lua
E das vogais
Com sol antes
E tudo mais...
Que não seja só hoje sorte nua!!!!!
Mário Henrique Araújo
Tec Tec
Cocei a barba e olhei em desespero para a tela do monitor... o computador travara novamente. Reiniciei o bicho e corri para a cozinha, rumo a uma xícara de café. Foi quando me bateu uma saudade quase alucinada da minha Underwood que definhava esquecida debaixo da cama...
Lembrei das Olivettis e Remingtons que já haviam passado elas minhas mãos, mas o fato era que a Underwood fora a última máquina de escrever da minha vida, adquirida em uma loja de objetos usados, alguns anos antes do demônio colocar o computador em minha vida. Recordei do teclado duro e pesado, em cujas letras mecânicas eu tinha de passar óleo regularmente. Como esquecer o tec tec infernal gerado pela junção dos meus dedos com as teclas?...
Juntos produzimos trabalhos de colégio, crônicas, contos, poesias melosas (que depois mergulharam no cesto de lixo), cartas de amor e também de ódio...
Tantos textos, tantas emoções...
Como não recordar do barulho devastador produzido pelas teclas, a tal ponto dos vizinhos imporem uma lei no condomínio proibindo o uso de máquinas datilográficas após às oito da noite. Terminei de beber o café e voltei para o computador na esperança de voltar a utilizar aquele aparelho diabólico. Inútil. O bicho não ligava. Ajoelhei-me frente à cama – não para implorar nada a deus ou a qualquer outra pretensa divindade – mas para conferir se minha Underwood estava lá embaixo.
Retirei-a com carinho da sua catacumba, limpei-a com água e óleo e coloquei-a com delicadeza em cima da minha escrivaninha. Estalei os dedos – nada como os velhos rituais – e tec tec tec, lá estávamos eu e o teclado mecânico em pleno funcionamento, produzindo textos e ruído em harmonia, era como se estivéssemos fazendo amor.
Produzido o texto, rodei a bobina para retirar a primeira folha de papel ofício. Nenhum risco de deletar o texto, nenhuma mensagem de que eu tinha cometido uma operação ilegal, nada disso...
O pior que poderia acontecer era eu derramar café em cima da folha. Olhei minha Underwood como quem olha a mulher amada e jurei nunca mais esquecê-la debaixo da cama ou em qualquer outro lugar inóspito. Que o demo levasse embora o computador, os disquetes, a Internet e orkut et caterva. Eu só queria, a partir dali, o tec tec da minha máquina.
Cefas Carvalho
Onde se tira o pão não se come a carne
Nada de palavras, apenas gestos, a linguagem inteligível no barulho do inferninho. O namorado estava ali, escondido por trás da cortina de fumaça, curtindo a embriaguez da música, enquanto a moça desfilava de braço em braço, distribuindo paixão de boca em boca, aquecendo o ego da parede fria com o sarro de corpos em chamas.
Sei que ao cronista cabe a observação das ocorrências banais e concordo com a máxima segundo a qual "onde se tira o pão não se come a carne", mas nem sempre o pão domina a vontade quando a carne esperneia. Pensei em me jogar nos fatos para me contar depois. Pensei no medo, na responsabilidade, na torpe traição às palavras.
Daí a patética confusão de vozes entre o sangue do campari e o ouro de tolo do uísque. Desejei fogo, pedi água; desejei loucura, pedi juízo; desejei cama, pedi que me acordassem; desejei a guerra entre gregos e troianos, pedi a poesia de mestre Otacílio Batista, "Mulher nova, bonita e carinhosa/ faz o homem gemer sem sentir dor".
E o namorado? Pobre namorado! Chapado, largado, sentado na esquina dos delírios onde o vento faz a curva, Belzebu ganhou os chifres e Judas perdeu as botas. E a moça? Linda moça! Beijo-de-moça, baba-de-moça, peito-de-moça alimentando a alma impura daqueles que acreditam na eternidade da poesia de certos incêndios.
Será que aquela maluca leu Florbela? Sim, é claro, para "Amar só por amar: aqui... além.../ Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente.../ Amar! Amar! E não amar ninguém!", desconsiderando recordações e esquecimentos, convencida de que "Quem disser que se pode amar alguém/ Durante a vida inteira é porque mente!".
Pedi insistentemente que tocassem Mrs. Robinson, "dos Beatles", em homenagem à figura. "Não é Beatles, é Simon e Garfunkel", disse alguém. Talvez não fosse a canção apropriada. Eu, no entanto, precisava dizer a ela, de alguma forma, que observasse o entorno e percebesse os olhares de simpatia. A banda não colaborou.
O namorado sumiu. Partiram com ele no momento em que Buda era incensado com ervas de aroma afrodisíaco. A moça ficou mais solta ainda, completamente livre para a filantropia, para a entrega, para massagear línguas, para testar a resistência deste pobre coitado que insistia em não virar personagem de sua própria crônica.
Cid Augusto
DESAMOR
A “Lei de Chico de Brito” funcionou na Câmara Municipal de Natal. Por orientação do prefeito Carlos Eduardo Nunes Alves a bancada de posição fechou a questão
para derrubar todas as emendas (Orçamento do Município para 2006) apresentadas pela
oposição, inclusive a que beneficiava o Centro Histórico e Cultural de Natal,
conhecida como emenda “Beco da Lama”, que foi apresentada por Hermano Morais,
Salatiel de Souza, Gilson Moura e Renato Dantas. Ela destinava, para obras físicas
emergenciais, 200 mil reais. Uma gotinha no oceano de um orçamento anual de 695
milhões de reais. Outra, dos mesmos vereadores, de 2,2 milhões para melhorar
hospitais públicos e resolver o impasse da saúde (em greve), e que retirava valores
destinados à propaganda oficial, também foi rejeitada, num gesto de política intolerante
que vem de dentro das paredes azuis da prefeitura da cidade.
Durante a votação, que acompanhei representando o diretor executivo da Samba
- Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências, Eduardo Alexandre, observei
que os vereadores Júnior Rodoviário, Dickson Nasser e Júlio Protásio, do Bloco Parlamentar em Defesa do Beco da Lama, votaram contra o projeto, na primeira oportunidade que tiveram de exercer a defesa do reduto cultural mais tradicional da cidade. Por isso, em combinação com os vereadores restantes, que votaram a favor do Beco (Hermano, Renato e Salatiel), decidimos por eliminá-los do Bloco Parlamentar. Os três prometeram entrar com recurso junto ao diretor executivo para tentar o retorno.
Nem a imprensa, nem a oposição e nem alguns vereadores da posição entendem a
forma intransigente de governar do prefeito Carlos Eduardo. Para muitos, principalmente os jornalistas que cobrem a Câmara Municipal de Natal, é impressionante que Carlos Eduardo não fique sensível ao Centro Histórico, lugar que ele próprio freqüenta e que durante muitos discursos, mesmo fora da campanha, prometeu ajudar. Ninguém entende que ele esteja apoiando o Reveilon da Cidade nesse local e não queira realizar nenhuma obra estruturante, principalmente para preparar uma festa – que ele prometeu ir com sua família – que irá acolher muitos turistas. Ninguém compreende Carlos Eduardo, que ao invés de aceitar as colaborações inteligentes da oposição, prefere chamar os vereadores de “politiqueiros”, quando todo mundo sabe da calamidade pública que vive o seu governo na área de saúde. Aliás, calamidade decretada por ele mesmo.
Descartes dizia que “o homem vive entre Deus e o nada e precisa fazer uma escolha”.
O nosso contemplativo prefeito precisa fazer a escolha de Deus, de amor a cidade, sair da beirada do nada para evitar escorregar nos abismos dos equívocos. Um pouquinho de
reflexão e humildade funciona como caldo de galinha, não faz mal a ninguém.
Leonardo Sodré