Wilma de Faria
Mercado Público da Avenida Rio Branco
Volta ao Beco
Edgar Allan Pôla
A coisa mais difícil do mundo é chegar uma carta no Sítio Praladetrombas, onde me refugiei para tratar uma cirrose insistente, herança de quando eu vivia tomando umas num beco famoso aqui da capital, mais um tal de Rocas Quintas, outro alcunhado de Cabrito e uma mulher formosa, apesar de parecer já meio cansada de tanta carraspana vida afora, conhecida por Neuza da Transflor. Imagine um telegrama!
Pois imagine um carteiro com cara de Helmut Cândido montado no lombo de um jumento, papel na mão, anunciando novidades naquele fim de mundo:
- Telegrama pro senhor La Pôu!
Duvidei, mas confirmei:
- É comigo mesmo.
Assinei a contraprova, devolvi-a ao carteiro ainda no seu jumento, e fui ver que novidade estava a mim reservada.
Não é que Raminho, aquele menino da cabeça bem pequenininha do Sebo Balalaika, estava querendo que eu fosse a Natal, para o relançamento do jornalzinho que leva o nome do sebo? Mais: queria que eu escrevesse um texto para o acontecimento e, surpresa maior, bancava a viagem, pagava cachê e eu ainda teria uma semana inteira hospedado no Hotel Sol!
Pensei na cirrose, mas não hesitei: depois de cinco anos sem ver a cara de certas pessoas, bem que eu merecia matar algumas saudades. Eu só pensava chegar à Rua Heitor Carrilho, descer o elevador do hotel, e me deparar com Fátima, a afável mulher de Aluízio. Depois dos coices, ir ao bar de Pedrinho, perguntar pelos babados novos e me mandar beco abaixo, a procura de Mainha, Dona Odete, o Rato e toda aquela trupe do bar do Nasi.
Logo ao chegar, vi que as coisas estavam diferentes. O bar de Aluízio já não era mais ali, na esquina da Gonçalves Ledo. Procurei o Sebo de Ramos em frente ao bar de Pedrinho, e o Sebo já não estava mais ali nem o bar era mais o Abech Pub, mais um tal de Bardalo’s Comida e Arte.
Entrei para comer uma arte e beber uma conversa, e fui logo avisado: o turco agora era gente decente, administrador da Fortaleza dos Reis Magos, Patrimônio da Humanidade. Quem me contou a novidade foi um tal de Serrão Jorge, que me falou da morte de Mainha em frente à Odete, agora aposentada, e que o Rato, eu esquecesse, pois havia sido assassinado em pleno Beco da Lama, à luz do dia.
O relato do Jorge Serrão, que eu conhecera, naquele mesmo espaço, ainda boy, ainda não metido nem a pintor nem a cronista, deixou-me meio engasturado. Resolvi, então, pegar o Beco e ver as demais novidades, que havia de ter, era certo!
Fui direto para o Bar do Nasi, que eu soubera havia morrido, mas que o bar continuava a receber clientes. Não encontrei mais o Bar do Nasi, mas o Bar da Meladinha. Aquilo, para mim, foi o cúmulo, a senhora das decepções! Tá certo que Bar da Meladinha faz jus ao produto que serve, mas, e a memória de quem o imortalizou no Beco, Nasi, não mereceria uma referência sequer que o lembrasse?
Voltei ao hotel, e eis a crônica que prometi a Raminho: o Beco não é o Beco sem uma devida homenagem a Nasi.
"Natal será uma das Babel do mundo. Fados fatídicos. Íberos, itálicos, nórdicos, sinos, xicanos, arrentinos, cearenses e paraibanos. É uma invasão globalizada, sem chance para a Aldeia Poti."
Eduardo Alexandre
VOU-ME
VOU ME DESFAZER DE MIM
AOS PEDAÇOS
PRA RECRIAR-ME INTEIRA
AOS LAÇOS
VOU ME DESPEDIR DE MIM
AOS PERCALÇOS
PRA RE-ENCONTRAR-ME INTEIRA
AOS PASSOS
E S P E L H O
C O M P A S S O
VOU ME DESLUMBRAR DE MIM
EU VOU
EU PASSO
] TEMPO [ ESPAÇO
EU VOU ME DESLUMBRAR
EU BUSCO
EU ACHO
ESPAÇO ] TEMPO [
A D E U S À M I M
A B R A Ç O S
VOU ME DESPROVIR DE MIM
AOS ESTILHAÇOS
PRA ESBARRAR-ME INTEIRA
AOS TRAÇOS
VOU ME DESCRIAR DE MIM
AOS LAÇOS
PRA REFAZER-ME INTEIRA
AOS PEDAÇOS
Civone Medeiros
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Dez em Matemática
Sempre gostei de Matemática e também sempre me saí bem nessa matéria, talvez porque nunca tenham me dito que era difícil. Aliás, meus pais me criaram dizendo que nada era difícil e que eu podia fazer o que quisesse contanto que me interessasse e tivesse dedicação. Por isso, quando entendi que muita gente achava a Matemática uma coisa dificílima e vim a notar que a maioria dos meus colegas de classe a detestavam, não adiantava mais: eu já gostava dela.
Ainda hoje parece disseminada a idéia de que quem gosta de matemática não tem temperamento artístico ou literário. E a maioria dos artistas e intelectuais afirmam, em tom jocoso, que nunca foram bons alunos de Matemática. Quem gosta dela é considerado quase um prodígio e nenhum “dez” é mais importante e goza de maior status do que aquele “dez” que se tira na prova de Matemática.
A Matemática sempre me deixou maravilhada. Aos onze anos, no então chamado curso ginasial, que equivale hoje à quinta série, comecei a estudar álgebra que, junto com a Geometria euclidiana me deixava horas em êxtase, achando genial a idéia de que se pudesse substituir quantidades por letras, ou que duas retas eram paralelas se estivessem em um mesmo plano e não possuíssem qualquer ponto em comum. Depois, muito tempo depois, vim a saber que isso se aplicava apenas a esse mundinho corriqueiro do nossso dia-a-dia, e que matemáticos bem posteriores a Euclides, como Lobatchevsky, Riemann e outros, criaram seus próprios sistemas, diferentes do de Euclides, no qual as paralelas podem até se encontrar. Assim, foi possível entender fenômenos do infinitamente grande ou do infinitamente pequeno, fenômenos próprios das galáxias e dos átomos. Mas nada se compara para mim àquele alumbramento das compreensões inciais da ciência dos números.
Ajudou muito ter lido ainda menina “O homem que calculava”, de Malba Tahan, e “A Magia dos Números”, de Paul Karlson. O primeiro desses livros, conhecido da maioria daqueles que são da minha geração, é da autoria de um brasileiro, o professor Júlio de Mello e Souza (1895 - 1974), que criou esse pseudônimo de Malba Tahan porque acreditava, com razão, que os editores não investiriam em um escritor brasileiro iniciante. Além do pseudônimo ele criou também o personagem, do qual se dizia apenas “tradutor”, tendo dele “traduzido” inúmeros livros, com temática referente à cultura árabe. “O homem que calculava” é o seu livro de maior sucesso e foi traduzido para várias línguas, tendo vendido mais de dois milhões de exemplares somente no Brasil, onde já alcançou mais de quarenta edições. Quanto ao segundo livro, “A magia dos Números”, sei que está esgotado e que saiu pela Editora Globo, de Porto Alegre, numa tradução de Henrique Carlos Pfeifer.
Este livro conta a história da Matemática e dos homens que a fizeram. É maravilhoso.
Além do acesso irrestrito a esses e outros livros, afortunadamente nunca ninguém me disse que eu não podia, que era difícil, que a cabeça das mulheres não é boa para Matemática ou que os garotos olham com desconfiança as meninas que se distinguem nessa matéria. Tudo isso só vim ouvir depois, dito por outos pais que não os meus e compreendi que esses pais estavam somente passando para os filhos os preconceitos que eles próprios alimentavam em relação a esta disciplina.
Finalmente, considero que a Matemática serve não só para deslumbrar as meninas tímidas, esquisitas e sonhadoras – como eu era – mas basicamente para desenvolver capacidade de pensar, raciocinar, resolver problemas, analisar, relacionar, comparar, classificar, ordenar, sintetizar, abstrair, generalizar e criar. A partir disso, do desenvolvimento de estruturas lógicas de pensamento, fica mais fácil adquirir novos conhecimentos em qualquer área e, também nos possibilita uma maior compreensão do mundo que nos cerca, favorecendo o exercício da nossa cidadania.
Clotilde Tavares
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Noite de imortais
Marco Boi sempre deu guarita aos artistas do Beco. Sempre incentivou. É um autêntico Mecenas. Nato. Com certeza, imortal na galeria dos heróis anônimos.
O maior colecionador de arte da cidade é Jácio Torres; na categoria mecenato visual, Júnior Offset é o único; Marco é terceiro lugar, categoria mecenato geral. Os três resumem a atividade de mecenas em Natal.
Marcos é o mais boêmio dos três, de cantar samba em mesa de bar.
Cervejas, cigarros e tira-gosto apimentado. Vida sedentária. Taí, uma combinação letal para o relógio de qualquer pessoa. Some isso ao automóvel e você terá a receita certa para um enfarte.
De casa para o elevador, do elevador até o carro, que corre até o trabalho. Do trabalho até o restaurante, de carro. Almoça, e carro novamente. Nenhum passo, nenhuma caminhada. Cerveja e cigarro entre um translado e outro.
Marcos acabou enfartando. Foi levado para a Promater, onde fez cateterismo, que até que é uma cirurgia simples. Encontra-se a aorta e nela injeta-se pressão.
Ainda sonolento, sob efeitos da anestesia Rack, Marcos acorda e nota movimento estranho na cama ao lado. Uma muralha de gente, flores nas mãos, muito choro. O paciente parecia importante, fez Marcos Boi tornar-se invisível. Em pouco tempo, o vizinho roubou toda a atenção da comunidade médica.
O efeito da Rack passou, e uma dor de cabeça chegou sem pedir licença. Imaginou logo a coisa ficando feia pro seu lado. Nenhum médico no raio de sua cama. Agora, aquela música de Paulinho da Viola, Nervos de Aço, dividia seus pensamentos com a nova preocupação.
Chegavam três, quatro, cinco médicos de uma vez. E o Boi esquecido.
Tinha muito Babão também. Sempre eles.
- Doutor, vou ficar com o senhor até o fim.
Senhoras feitas carpideiras choravam, soluçavam. Marcos Boi sem entender nada, desinformado, começava a imaginar coisas: vou morrer também. Pensava. Nenhum médico dava satisfação a e ele. Seria a mais-valia cardíaca?
E Marcos Boi ali, já de pé, na janela do quarto, pensando. E a dorzinha de cabeça.
Os barcos do Potengi, noite na ribeira, as marolas arrebentavam lascivamente sob a luz da lua que as desnudavam. Era um sábado de lua cheia. Marcos projetava seu espírito ao alto da ponte nova, para ver as ondas pixeladas do rio Potengi e não via nada, porque da ponte não se pode ver nada, nenhuma paisagem. É a modernidade. Os barcos que passavam por debaixo da ponte não eram vistos também. Nem por Marcos Boi, nem por ninguém. Os faróis dos barcos e a luz da lua, ambos, contra as marolas, iluminavam demais. Marolas pastorinhas, serelepes meninas, no frio da madrugada, doidas por privacidade.
Viagens à parte, tava na hora de se despedir da paisagem camuflada e voltar para a cama do hospital.
Finalmente, a identidade do ilustre seria revelada. Sua auta de souza estava próxima. Voltar para casa era só o que Marcos Boi queria.
Felizmente, para os dois, o hospital fora só um susto e Marcos mataria sua curiosidade em breve.
Quem será o figura?
Ao receber alta, ele vestiu a roupa, penteou o cabelo, sorriu para sua esposa. Deu uma última olhada no espelho, era ele mesmo. Foi saindo discretamente, esticou o pescoço entre a muralha humana e pode ver: na cama ao lado, deitado com a cabeça sobre dois travesseiros de pena de ganso, um imortal presidente de academia norte-riograndense de letras.
Franklin Serrão
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"Eu não tenho condição de escolher o que fazer e o que não fazer. Eu faço o que dá. Depois do que aconteceu comigo, eu não tenho muita escolha. Meu nome, o que vai ficar de nós para a História, tudo isso é muito complicado. Eu estou muito pessimista quanto ao meu futuro".
José Dirceu, ex-ministro do governo Lula
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THE END ENFIM
Uma dor lancinante
cortando a carne
reprisando cenas,
definitivamente,
caminhando para o fim,
"the end" enfim.
As mesmas canções
repetidas
milhões de vezes
acalmando lembranças,
acentuando dores.
No ar
o som da voz
na boca
o sabor do beijo
nos olhos
o sorriso derradeiro
na alma
uma grande saudade.
Chagas Lourenço
Jan/2008
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Não sei de nada
Não é o fim do ano, nem o clima repetitivo , sempre observei o campo minado em que vivemos.
Perceber a felicidade e me fazer indiferente é quase impossível. É difícil captar o instante em que ela se faz presente sem parecer alienada ou insana. Como o momento exato da foto.
A loja de importados populares, o calor infernal e as filas nos caixas com trocos de balas que qualquer criança rejeitaria comer. Mas havia algum sorriso distante, algum olhar com brilho longe dos artificiais enfeites. O brilho no olhar da moça que me atendeu. O gorro na cabeça, grávida de seis meses e um sorriso tão aberto que não me contive e perguntei se ela não estava cansada de ficar em pé. Parece que nesses momentos tenho um lado meio cruel em querer fazer aflorar a realidade que talvez, só minha visão enxergue, acredito que não faço em total consciência, puro impulso. Sinto uma certa urgência e agonia em querer acordar alguém de um sono leve e devastador, como a ilusão corrosiva. Ela respondia minhas perguntas com suavidade, aquela mesma história: Mora longe, ganha pouco, primeiro filho, aos domingos tudo fica na paz vendo as pegadinhas do Faustão. As mil sombras que moram em mim, me faziam perguntas que eu não respondia, mas passava a bola para a vendedora, talvez a simplicidade me fizesse desafios, mostrando uma capacidade imensa em ser feliz. Sentia naquele momento uma incompetência emocional me corroer.
Como não havia percebido o caminho tão fácil? É apenas viver feliz ou estar neste momento ?
Era o tom da voz, a felicidade tão normal que me causava um certo receio em me enxergar por dentro. Tudo lógico e a melancolia teimando em me fazer uma espécie de autoridade no assunto chamado vida, quando ela mesma me dá lições e quem nem ouso questionar. Teve momentos da conversa em que não me concentrava no que ouvia mais nas imagens que ela me fazia enxergar: jardim, mesa arrumada, jarrinho com flores, contas a pagar, sopa na panela, choro de criança, as minhas imagens, em outra narração. Como aquela gente humilde da música de Chico, onde encontro a alegria tristonha, cíclica e adoravelmente simples, nem tampouco distante da minha realidade, algumas pequenas diferenças, detalhes.
Já não escolhi mais sininhos, os da minha consciência já me despertara, havia desistido da compra, não suportaria enfrentar mais uma fila de espera além das rotineiras.
Não fiz mais perguntas, mas já não havia mais retorno em não sair sem desejar um Feliz Natal.
Eu tive o reflexo em não deixar claro que não gostava desta época e que as músicas natalinas que tocavam na loja não me transmitiam nenhuma alegria, pelo contrário.
Não seria justo com a vida, com a vendedora, estragar a sua rotina.
Na vida, colho poucas verdades ou talvez nenhuma. Das minhas trago ou venho construindo conforme o roteiro que o mundo me entrega. Das que já vivi e vivo, ainda posso confirmar: o amor verdadeiro, aquele que já é certo porque é pleno e não tem explicação. O filme predileto, onde me emociono todas as vezes que assisto, o perfume, onde o aroma embriaga minhas dores e soluços bons, a música onde não se revela tudo, mas se escancara à alma, seja no tempo que for, além ou aquém de qualquer sentimento. E agora, que existe uma transparência estúpida em ser feliz.
Desejei boas festas, não comprei nada. Só levei mais uma certeza da minha verdade: de que não sei de nada.
Yasmine Lemos
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Metamorfose
Hoje, ao abrir uma de minhas contas de correio eletrônico, deparei-me com o alerta:
[O BOBO DA CORTE, Blog de Eduardo Alexandre] OUTUBRO, GALERIA DO POVO - 30 ANOS tem um comentário novo.
Fui lá conferir:
Anônimo disse...
Dunga é um mestre de cerimônias das artes e um nome grande na pintura abstrata, seus personagens sombrios e diabólicos são emocionalmente inesquecíveis. Só me desapontou quando uma certa data criticou LULA, com os mesmos argumentos da direita mais nojenta, que o pfl a representa, como um genérico de coisa ruim que é. Dunga, a direita não tem arte nem merece respeito, eu ainda acredito em você.
10:32 PM
Respondi:
Ao amigo anônimo
Com meu pai, desportista de todos os esportes e de todos os clubes, aprendi a ver o mundo sem a paixão, no caso do futebol, por clubes.
Essa visão me permitiu ver o mundo da política também sem paixões exacerbadas. Tenho paixão pela seleção brasileira, pela cultura brasileira, este ser brasileiro diferente de ser de outras gentes.
Tomei partido. Sonhei partido.
Partido do Povo Brasileiro.
Depois compreendi que o partido com o qual sonhava não ia ser realizado. O empecilho seria o homem. Formado por homens, o partido ideal seria tão imperfeito quanto eles, fazendo de sua práxis, a práxis partidária, identificação, espelho.
O ceticismo não me corroeu ao ponto de desistir do mundo. Apostei "no Lula".
Era o que se supunha representar a luta das esquerdas brasileiras em décadas de reação difícil contra forças continuístas.
Ocorreu que milhares de pessoas decepcionaram-se com a práxis dos homens que fizeram o governo Lula. Com, e principalmente, o próprio Lula também.
A luta, companheiro, no entanto, continua. Eu sei que é difícil aos apaixonados digerir, mas a história é soberana.
Como as paixões turvam a compreensão mais imediata do presente, um dia você vai ter da História a resposta de como foi a metamorfose dele, não a minha.
Ele, sim, tornou-se o PFL de antes: governou com as mais legítimas forças da tradição coronelista brasileira, emperradiça, corrupta.
Aqui, acrescento para os amigos:
Governou COMO E com as mais legítimas forças da tradição coronelista brasileira, emperradiça, corrupta.
Eduardo Alexandre
Referência:
http://eduardoalexandre.blogspot.com/2007_05_01_archive.html#1259638967716450595
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Leituras de Ano Novo
Como andei nos últimos dias mudando de apartamento, passei pela experiência de transportar meus cerca de mil e quinhentos livros, que foram retirados das estantes, embalados em caixas, desembalados no novo local, e colocados de qualquer jeito nas estantes para serem arrumados depois. Quem tem muitos livros sabe o que é isso, e se gosta deles como eu sabe que não deixa de ser um prazer arrumá-los vagarosamente nos seus lugares, manuseá-los um a um, limpando carinhosamente a poeira de suas capas, abrindo-os para ler algum trecho preferido ou para recordar alguém que deixou sua mensagem numa dedicatória.
Foi nessa atividade que gastei boa parte desses feriados de final de ano, e felizmente os meus queridos amigos já se encontram alinhados em suas prateleiras, organizados como gosto. Separei também alguns para ler nesses dias. Livros novos, que ainda não havia lido, e outros, que já li e quero ler de novo.
Separei, por exemplo “Minha formação”, de Joaquim Nabuco, e ontem já me deliciei com o capítulo onde ele fala de sua infância no Engenho Massangana, na região do Cabo, perto de Recife. Separei também a obra de uma americana, Janet H. Murray, “Hamlet no Holodeck”, que discorre sobre as formas narrativas que têm como suporte o computador, um link fundamental entre literatura e informática que todo escritor deveria ler. A autora desenvolve pesquisa no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets) e escreveu um livro empolgante, com muito estilo. Também quero ler O “Diário íntimo”, de Amiel, do qual possuo um edição da Livraria do Globo de 1947.
Finalmente, a poesia, porque quero começar este ano novo em grande estilo, lendo em voz alta para as paredes da minha nova morada o “Uivo” de Allen Ginsberg, texto emblemático para a minha geração, tantas vezes lidos, e sempre com prazer renovado. Lerei depois “Fúcsia”, de Vitória Lima, onde “cada poema é uma conta desprendida do imenso colar do tempo”. Em seguida, um passeio pela poesia de Sérgio de Castro Pinto, reunida em “O cristal dos verões”, que ainda não tive tempo de ler e em cuja primeira página, o autor me oferta a obra em dourada dedicatória no papel preto. Também quero reler o “Romanceiro Gitano”, de Lorca, onde “as picaretas dos galos cavam em busca da aurora”.
Para fechar o firo, “Trigal com Corvos”, obra-prima de W.J.Solha, lido e relido tantas vezes, sublinhado, riscado, comentado, e do qual posso dizer, como disse Bloom sobre Hamlet, que é o meu “poema ilimitado”.
Clotilde Tavares
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"O número de mortes em estradas federais do Rio durante este feriado de réveillon dobrou em relação ao mesmo período do ano passado."
O Globo Online
NOVO TALENTO
Depois de um pequeno recesso de dois domingos consecutivos o Som da Mata volta apresentando o mossoroense Márcio Rangel que a Guitar Payer italiana compara-o a Egberto Gismonti, definindo-o como um novo talento entre os compositores violonistas brasileiros.
Rangel iniciou sua carreira aos 17 anos dedilhando ferozmente uma guitarra nas bandas Garotos de Porão e Neurose. Buscando novos horizontes descobre a música clássica e envereda pelos caminhos do blues e seus congêneres.
Depois de se apresentar pelo Brasil acompanhando diversos artistas e colaborando em trilhas para cinema, decide atravessar o Atlântico e se estabelece em Siena na Toscana, uma das maiores regiões da Itália central.
Na bagagem, toda a riqueza brasileira de ritmos acentuada por sua forma peculiar de tocar violão elétrico e guitarra ao contrário, por ser canhoto, mas sem modificar a posição das cordas, utilizando o dedo anular e mínimo para os baixos e o polegar, indicador e médio para a melodia. O resultado é uma sonoridade mais forte nos baixos e aveludada nos agudos que possibilita acordes diferentes, numa fusão de ritmos que passeia pelo flamenco, blues, jazz...
Um belo motivo para os amantes da boa música voltarem a se reunir no Anfiteatro Pau-brasil nos finais de tarde de domingo.
Show: MÁRCIO RANGEL
Local: Anfiteatro Pau-brasil | Parque das Dunas
O futuro a deus pertence?
Adoro ler e assistir reportagens sobre previsões de ano novo. Acho mais divertido que Mr. Bean e Woody Allen juntos.
É fascinante ver repórteres sérios em noticiários supostamente sérios ouvindo pais de santo, videntes e picaretas similares preverem o que vai acontecer em 2008.
Na verdade, não é preciso ter poderes do além para saber o que tais seres iluminados vão prever para o ano que entra: um artista famoso vai morrer... outro, igualmente famoso, vai se separar... em algum lugar do Brasil, um avião com passageiros vai cair... um grande time de futebol vai passar por dificuldades no campeonato brasileiro... em suma, uma criança de dez anos percebe que as “previsões” não passam de fatos vagos que acontecem todos os anos e que certamente acontecerão em 2008.
Mas, admito, é engraçado ver o pessoal cheio de badulaques, jogando búzios e fazendo cara de espiritualizado para as câmaras. Sei que estas performances de ano novo garantem aos “videntes” muitos clientes no decorrer do ano e, como defendo veementemente que todo cidadão tem o direito inalienável de perder seu dinheiro da forma que quiser (seja com videntes, dando grana para o “bispo” Macedo comprar emissoras de TV ou adquirindo revistas de fofocas), acho legal que o mercado de trabalho de “previsões” ganhe uma aquecida.
Lembro de uma amiga que recorreu a uma vidente, uma “Mãe Jaciara” da vida, talvez a própria, e assim que sentou em frente a ela, ouviu: “Você está com problemas...” Ora, quem vai a um vidente é porque está com problemas (geralmente amorosos e/ou financeiros). E assim, videntes, ciganos, pais de santos, gente desta qualidade vai ganhando a vida, a custa do dinheiro de gente que não se contenta em viver cada dia e fazer – a cada dia – que ele seja melhor, sem esta bobagem de saber o futuro, que, como reza a crendice popular, a deus pertence.
No fim das contas, pragmático que sou, não faço a menor questão de saber meu futuro e sigo, cá para mim, os versos de Geraldo Vandré:
“Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer...”
Cefas Carvalho
“As intensas operações realizadas na zona (em que os reféns seriam entregues) nos impedem entregar, como era nosso desejo, os reféns. Insistir seria arriscar a vida das pessoas e dos guerrilheiros.”
Comunicado das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - FARC - lido pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, por telefone, no canal de televisão estatal da Venezuela.
Danielle Cristine
A recriação do Mundo
Mesmo as culturas e os povos considerados mais primitivos na maneira de pensar; mesmo os mais tecnologicamente atrasados dos povos; mesmo os bandos mais longínquos no tempo; mesmo os grupos humanos mais arcaicos, quer estivessem eles em qualquer latitude deste globo terrestre, todos, sem exceção, entendiam que a natureza e a vida são cíclicas, obedecendo, ad perpetuam, a ritmos e espaços temporais que se desgastam, terminam e voltam a ser, recomeçando interminavelmente, ciclos eternizados.
Não existiu sociedade humana, por simples que tenha sido, que não possuísse o sentido da passagem inexorável do tempo, da duração efêmera das coisas materiais, da exigüidade da existência dos seres vivos.
É desta sensação de brevidade, da incompreensão desta subitaneidade, da imprevisibilidade da vida biológica, que nasceu a ansiedade da raça humana no confronto cotidiano gerado pelas suas ações e comportamentos. Esta ansiedade se acumula e se potencializa com o correr do tempo, e vai jogando o ser humano em uma torrente inescapável, que se torna cada vez mais pesada e cansativa, com o amontoado de medos, sustos, tristezas e fracassos que pejam o seu cotidiano.
Não há como recuar, nem compensar, pois, se algo agradável acontece, é sempre misturado ao que de ruim já aconteceu. A média, portanto, tende sempre para a diminuição do que é positivo. Afinal, são as tragédias que deixam marcas quase que indeléveis. São elas, ou melhor, o medo de que elas venham a acontecer, que geram a ansiedade e a sensação de insegurança no viver.
Portanto, mesmo fatos bons serão ‘amortecidos’ pelos fatos ruins que lhes foram anteriores. Isto quer dizer que, uma vez acontecido algo negativo, a vida do homem jamais voltaria a ter harmonia e ele jamais voltaria a ser feliz. Tudo teria ficado contaminado pelo acontecimento negativo.
O ser humano, no entanto, sempre possuiu a capacidade de criar meios para enfrentar os desafios do viver. É daí - precisamente da necessidade de romper com as vicissitudes que se perpetuariam -, que o homem entendeu a simbologia do tempo cíclico, a concepção do ‘eterno retorno’, no dizer de Mircea Eliade, um dos grandes estudiosos do tema. Toda a criação, porque advinda da divindade – seja ela qual for, pois o principal atributo da Divindade é o poder de criar - é perfeita, sem jaça ou defeito congênito. O Tempo Primordial, o tempo original, onde tudo inicia, onde tudo tem origem, é hígido, são, impoluto, sem pecados. Assim, sem culpas.
O tempo cíclico – como a vida, também cíclica – envelhece, se contamina no seu dinamismo, na sua senda. Enfim, se gasta com o uso, adoece e, então, fenece e morre. Mas sofre uma morte-ressurreição, pois reaparece – rejuvenescido – no mesmo tempo em que desaparece. Na realidade, o mundo, junto ao tempo, é re-fundado, é recriado, para reiniciar novamente – sem máculas nem falhas – um novo ciclo de tempo, um novo ano.
É nessa nova fundação do mundo que se estabelece e atua a força de viver do ser humano, pois é através desse entendimento simbólico do tempo, que ele se aproxima e convive com a criação, com o poder de criar, o que é, como vimos, atributo das divindades maiores. Tudo sendo renovado, as culpas são aliviadas, as tristezas aplacadas, os medos postos de lado e a esperança retomada. Afinal, eis que temos nova chance de iniciarmos – justos e perfeitos – mais uma vez.
Feliz Ano Novo
Walner Barros Spencer