"Não queria ter saído."
Maurílio Pinto, lamentando sua saída da Subsecretaria de Segurança
Newton Navarro
Elder Heronildes
Newton Navarro completaria este mês, oitenta anos. Pode-se dizer, seguramente, que ele enche uma época, enche o tempo, enche uma vida, pelo transbordamento da sua vulcânica inteligência e da sua inquietude na tessitura pluralística de uma arte que glorifica, pela sua monumentalidade, o ser humano, em seus diferentes contextos e circunstâncias. É a persononificação da arte em sua plenitude, na dimensionalidade da sua exuberante criatividade, que parece algo divinal, descendo em cachoeira incontida para dar sentido ao finito existencial.
Tinha prazer em cantar a vida e trazê-la, na simplicidade grandiosa de suas telas ou na radiosa harmonia de suas poesias, ou ainda, na eloqüência de gestos e de ações, na descritividade de suas crônicas, ou ainda na urdidura elaborativa dos seus contos e novelas; trazer e fazer da vida uma entidade comum, no chão do nordeste que tanto quis e amou.
Segundo lembra Luiz Carlos Guimarães, nosso grande poeta, ele mesmo dizia que sua “temática era o nordeste. Mesmo quando pinto Dom Quixote, eu o pinto vestido de vaqueiro, com traços característicos dos homens nordestinos. 'Eu sou uma resposta do que vi e vivi'.”
Pelo poder criativo que nele abundava, graças à força da arte que se entranhava de maneira indissociável à sua alma, em permanente ebulição, unia na mesma grandeza, beleza e musicalidade, a pintura, a poesia e os mais diferentes textos, sem seccionar o nexo, a cadência e a harmonia.
Talvez por isso é que Luiz Carlos Guimarães, em discurso na Academia, proclamou com autoridade de amigo e de grande poeta:
“Essencialmente um poeta, Newton Navarro transformava em poesia tudo que tocava.”
E falando sobre a grandeza do escritor e do pintor, revela:
“Valendo dizer que escrevendo é um pintor e pintando e um escritor, numa conjugação de ambivalência que o torna um artista multifacetado e completo. Desconheço quem tenha demonstrado tamanha vocação de artista. Múltiplo, dominava com igual talento todas as áreas da atividade intelectual”, sentenciou, concluindo, Luiz Carlos Guimarães.
Ler Navarro é uma satisfação. É um instante de enlevo e de envolvimento. A alma sente a inspiração penetrante das imagens esvoaçantes dos seus textos. Na prosa, exala poesia. Na poesia, transborda uma magia de encantamento que enreda a ala nas teias da sublimação total.
Na crônica 'Joana – Sem', que linda e penetrante imagem:
“Sei de Joana que é muito pobre e por isso remenda seus sonhos com pedaços de nuvens.”
Poesia pura numa simples crônica.
Faz-me lembrar o que disse Affonso Romano de Sant’Anna sobre Rubem Braga, ao prefaciar “Livro de Versos”:
“E, no entanto, todos sabem que ele é dos maiores poetas da língua, só que em prosa.”
As narrativas de Beira Rio atingem um clima de nostalgia, fazendo surgir profundos sentimentos de saudade, de muitos e de quantos eram cúmplices fiéis e constantes de noites alegres e de indormidos e fervorosos instantes de serenatas, cânticos dolentes como uma espécie de reverencia espiritual àquela:
“Beira – Rio tem sido Pátria de apátridas e canto protetor desses deserdados que herdam, no entanto, o templo amplo e solto do não ter nada.”
Amou e cantou a Redinha, despojada e bela. Viveu os seus momentos e dali extraiu crônicas luminosas, revelando mitos, pessoas simples, lampejos de amores, de encontros e desencontros, fazendo do mar o estuário de suas visões nostálgicas, num sentimento de clareza que só a praia lhe proporcionava, vendo integralmente “O território livre da Redinha”, porque: “Há um misterioso chamamento que vem das bandas de lá. Vem no vento manso que arrepia o rio.”
E mais:
“O convite chega até você de muitos modos e de formas diversas. O nome adocicado e leve, da praia, do lado de lá, já por si mesmo é um convite: Redinha”.
Há, por acaso, neste Estado, alguém que haja cantado e docemente elevado o nome Redinha, como Newton Navarro?
Câmara Cascudo lhe devotava grande afeto e admiração, além do respeito à sua inteligência e sua verve poética, que se completava pintando, escrevendo (prosa) e falando. Fazia belíssimos discursos, às vezes, até inquietantes discursos.
Ele também gostava, admirava e cultuava o grande Mestre. E certa ocasião, num vislumbre poético, disse:
“A janela de Cascudo é a última luz que se apaga nas noites de Natal.”
Viveu intensamente os dias, todos os dias, como se fosse o último. Exteriorizou, de diversas maneiras e modos, a carga de energia interior que possuía, como se pressa tivesse de realizar com intensidade a obra que realizou, com estilo inconfundível e em gêneros diversificados, que lhe eram peculiares e singulares.
E ao fazê-lo, exercitava com a plena convicção de que “o estilo não passa do movimento da alma”, no dizer de Michelet. “Sua alma é um único e ininterrupto grito, e sua obra é a interpretação desse grito” (Kazantkákis).