"Pacientes morrem à espera de UTI no Walfredo Gurgel"
Manchete de matéria do Diário de Natal
Jornalismo solar
Marize Castro reúne neste livro três dezenas de entrevistas que andou fazendo com poetas, escritores, cronistas, jornalistas, artistas plásticos, dramaturgos, todos seduzidos pela arte de escrever. “Todos sangrando pelo mesmo lugar: a literatura”, como ela mesma gravou no rodapé desse mural-plural que foi desdobrado, aos domingos, nas páginas do jornal Tribuna do Norte, no decorrer do ano de 2001. Abriu-se nesse período um dos momentos mais ricos do jornalismo cultural de Natal, um ofício que Marize sabe exercer com maestria, provado com sobra quando dirigiu O Galo, da Fundação José Augusto, que foi ao tempo de sua existência um dos jornais culturais mais importantes deste país.
Nestas páginas do Além do Nome temos mais de 50 anos da história das artes em Natal registrados nos depoimentos dos entrevistados, autores e personagens alçados à mesma ribalta. Querendo, pode-se até fincar um marco. Ali, onde e quando aconteceu a primeira exposição de arte moderna na cidade nos anos 50 do século que passou. Dorian Gray, no centro do palco, lembra esse passado. Mas não é somente toda uma rica e agitada trajetória que aqui é contada, deliciosamente contada, através do texto claro, enxuto, objetivo, elegante e poético de Marize, que sabe que “O jornalismo tem asas, e deve voar, mesmo com turbulência, para céus límpidos. Cristalinos.”, como ela, poeta, jornalista, editora, cantou e voou em busca do “jornalismo solar” onde tudo pode se transfigurar, metamorfoseando-se através da imaginação refinada.
Todas as conversas de Marize com seus convidados foram informais, descontraídas, bate-papos amenos – mesmo quando provocativos – às vezes numa mesa de bar, diante do Potengi ou do mar Atlântico, ou num banco de praça, à sombra das árvores do Bosque dos Namorados ou dos oitizeiros da Praça André de Albuquerque – ali diante da primeira igreja ao redor da qual a cidade nasceu –, às vezes num alpendrado suburbano ou no canto de uma biblioteca particular. Digo mais: lendo as entrevistas, o leitor faz um adorável passeio pela cidade de Poti mais acolhedora. Redescobrem-se as velhas ruas do Centro: rua Felipe Camarão, rua São Tomé, rua da Estrela, rua Professor Zuza, Beco da Lama, rua Letícia Cerqueira, rua Camboim. Toda uma geografia sentimental que se estende à Ribeira, desce ao Canto do Mangue, sobe à balaustrada de Petrópolis, passa pela Praia do Meio, alcança o Barro Vermelho, Lagoa Nova, Lagoa Seca, Ponta Negra, acompanha os morros do Tirol, tabuleiros mais distantes.
Nesse andar pela Cidade, conduzido pela sensibilidade de Marize e tocado pela emoção que o seu texto oferece, o leitor tem a impressão que a poeta e jornalista andou desenhando pelos muros e paredes centenas de grafites apanhados na prosa com seus entrevistados, gente do quilate de um Alex Nascimento, de um Anchieta Fernandes, de um Dorian Gray Caldas, de um Dailor Varela, de um Tarcísio Gurgel, de um Franklin Jorge, de uma Diva Cunha, uma Carmem Vasconcelos, uma Iracema Macedo, uma Nivaldete Ferreira, um Luís Carlos Guimarães, um Nei Leandro de Castro, um João Gualberto, um Celso da Silveira, um Gilberto Avelino, um Paulo de Tarso Correia de Melo, um Diógenes da Cunha Lima. Tem mais gente, tem outro tanto desses pastores das letras.
“A poesia faz-se de coisa simples. Este é o seu mistério”, quem fala assim é o poeta Dorian Gray Caldas. Nesse mesmo grafite imaginário, o pintor Dorian acrescenta: “Eu gostaria de, na minha pintura, chegar mais próximo do poeta”. Mais adiante, o leitor andarilho pode se deparar num dos muros da rua da Estrela com essa inscrição de Nivaldete Ferreira: “Creio nos grandes amores, nos amores desmesurados, aqueles que nunca traem”. Ou numa das fachadas da rua São Tomé, lá está o poeta Paulo de Tarso Correia de Melo: “As grandes fontes poéticas são as populares. Desde Homero”. Franklin Jorge, mais adiante, numa parede da rua Princesa Isabel: “O mundo é uma carniça”.
O leitor poderá se encontrar com o poeta Alex Nascimento numa das esquinas da rua São João, em Lagoa Seca: “O único escritor que eu respeito, e para quem todo mundo tem que se ajoelhar, é William Shakespeare”. Na rua Professor Zuza está Nei Leandro de Castro, escrito na parede: “Poesia para mim é destino. O poeta deve agradecer esse dom, esse surto de divindade, mas não deve se orgulhar disso, e sim, agradecer sempre”. Na claridade de Petrópolis lêem-se uns versos de Iracema Macedo: “O meu poema é um cio, uma dor que me cuida, um cão, uma mãe que canta, um corpo moreno que luta”.
O passeio traz o leitor de volta a uma Natal de trinta, quarenta anos atrás. E nas lembranças desses poetas de agora, alcança-se um passado mais distante ainda. Chega-se aos terreiros de Luis da Câmara Cascudo, Auta de Souza, Ferreira Itajubá, Jorge Fernandes, Jaime dos Guimarães Wanderley, Esmeraldo Siqueira, Othoniel Menezes, Palmyra Wanderley, Antonio Pinto de Medeiros, Veríssimo de Melo. Celso da Silveira, poeta, jornalista e ator, disse para Marize Castro: “Quem me lançou na literatura foi Veríssimo de Melo”.
Deambulando com Marize Castro vamos nos encantar com o lirismo e a ternura de Luís Carlos Guimarães (“Meu poema lírico era o realejo na boca de um menino, o aprendiz e a canção”), lembrando seus primeiros encontros com Newton Navarro, aí pelos anos 1950: “Newton era um guia para a gente, era um grande orador. Ele desenhava a conversa com as mãos. Ele magnetizava, imantava. Era o cronista, o pintor, o contista, o poeta”.
Vamos por este passeio seguindo as trilhas sugeridas no jornalismo-poesia de Marize. Juntos degustaremos, na hora crepuscular, uma taça de vinho, e ela dirá baixinho, com aquele jeito e olhar – meio cúmplice meio alheio – de menina de Vila Nova, que “literatura é tatuagem perpétua”.
Sexta-feira (28 de novembro), às 18:30h, no Largo Dom Bosco (antiga rodoviária), 3º Encontro Natalense de Escritores.
Woden Madruga
Barro Vermelho, em Natal,
outubro de 2008.