quinta-feira, maio 28, 2009

ASSOMBRAÇÃO

Os Fantasmas do espelho

Eduardo Alexandre

 

Existem fantasmas no espelho do quarto de dormir.  Fantasmas que guardam verdades escondidas e palavras não ditas.  Eles se espalham pela casa e murmuram sentimentos, manifestam desejos, engendram ações.
Os fantasmas do espelho promovem carinhos, se apiedam de nós.  Quando fragilizados, massacram. Vingam-se da prisão onde os deixamos. Se não nos fortificamos, matam-nos com eles.

Foto: Hugo Macedo



Um beco sem a lama não é beco
Um beco sem a alma não tem lama
Um beco que não assombra não aponta
Um beco que não aponta não faz sombra
Um beco que não assombra não tem vida
Um beco que não tem vida não é beco
Um beco sem a vida não projeta
Um beco sem projeto não se cria
Um beco que não cria não produz
Um beco não produzindo gera o nada
Um beco sendo nada não tem arte
Um beco sem a arte não renasce
Um beco com  arte recria a vida
Um beco recriando faz a arte
Um beco fazendo arte se completa

Elder Heronildes




Foto: Alexandro Gurgel

Alma que assombra

Nas primeiras décadas do século vinte, os iniciados modernistas, capitaneados por Oswald de Andrade, tinham um reduto de encontros etílicos e culturais na Rua Líbero Badaró, no centro da capital paulista, o qual denominava a “garçonniere”, onde aconteceram os registros das primeiras discussões modernistas que antecederam a Semana de 22. Nessa confraria, os modernistas escreveram um diário coletivo, culminando no livro “O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo”, com duzentas páginas, expondo a intimidade daquelas pessoas com cartas, recados, recortes, colagens, cores, tintas, desenhos, poesias, prosa e um pouco do pensamento pré-modernista do grupo, que mais tarde explodiria com a Semana de Arte Moderna.

Este “diário da garçoniere” é um embrião do livro “Miramar e Serafim”, cujo tema Oswald de Andrade buscou registrar o espírito modernista num mundo em transformação, cabendo esperanças para uma nova forma de fazer poesia. “Muito de arte entrará nestes temperos, arte e paradoxo, que, fraternalmente se misturam para formar, no ambiente colorido e musical desse retiro, o cardápio perfeito para o banquete da vida”, escreveu Oswald sobre aqueles encontros modernistas.

Resguardando as devidas proporções, o Beco da Lama, no centro da capital potiguar, tem sido a veia nevrálgica de vanguarda cultural do Estado. Para o leitor ter uma idéia da importância da confraria bequiana, quando em São Paulo, os modernistas proclamavam o novo estilo literário vigente com o “Manifesto Antropófago”, o poeta Jorge Fernandes fazia versos modernos como “O banho da Cabloca”, “Tetéu” e outros, no Beco da Lama. Vale ressaltar que o poeta Jorge Fernandes morava na Rua vigário Bartolomeu, rua paralela ao Beco, portanto, um freqüentador assíduo da boêmia natalense. Alguns professores da UFRN costumam dizer que Jorge Fernandes fez poesia modernista na própria "fase heróica" e, na época que Jorge Fernandes lançou seu “Livro de Poemas”, a idéia de modernismo ainda era muito frágil no Brasil, sobretudo, no Rio Grande do Norte. De acordo com os estudiosos da literatura local, Jorge Fernandes foi recomendado por Manoel Bandeira, tardiamente, quando soube da poesia jorgiana, escrevendo em carta à Veríssimo de Melo: “Precisamos urgentemente da poesia do poeta Jorge Fernandes. Urgentemente!” O poeta Jorge Fernandes teve seus textos veiculados nas principais revistas modernistas paulistas, no clamor do modernismo.

Quando Oswald de Andrade se formou em Direito pela Universidade de São Francisco, seu pai, percebendo o talento jornalístico do filho, patrocinou a abertura do periódico “O Pirralho” para que Oswald pudesse escrever e expressar seu pensamento. Na mesma época em Natal, o pai de Câmara Cascudo montou o jornal “A República” logo depois que o Príncipe do Tirol se formou em Direito, pela Universidade de Recife. Cascudo era freqüentador costumeiro do Beco da Lama, era sempre visto entre amigos pelas ruelas do Beco ao cair da tarde, buscando inspiração para mais uma “Acta Diurna” que seria veiculada nas páginas d’A República no dia seguinte.

Segundo a historiografia da literatura local, Luís da Câmara Cascudo é considerado "a ponte" entre Jorge Fernandes e Mário de Andrade. Cascudo é quem introduziu as idéias sobre modernismo no Estado, afirmando na sua obra que Natal havia nascido no século vinte, tendo "dormido literalmente" nos séculos anteriores. Para o escritor e crítico literário, Moacy Cirne – morando no Rio de Janeiro, é um freqüentador esporádico do Beco –, só há dois momentos importantes na Literatura Potiguar: o primeiro com o modernismo de Jorge Fernandes em 1927 e o outro com o advento do “poema processo”, em 1967. 

Nas paredes da garçonniere oswaldiana havia quadros de Di Cavalcanti, Tarcila do Amaral, Anita Malfatti, entre outros artistas modernistas. Entre os freqüentadores daquela confraria paulista, havia as musas que freqüentavam as tertúlias literárias e uma delas era a normalista Maria de Lourdes, que os modernistas chamavam de Deisi (ou Miss Ciclone), símbolo da mulher moderna, independente, jovem, bonita e talentosa. Ao longo do tempo, o Beco da Lama tem sido palco para as mais diferentes beldades que vem inspirando poetas, prosadores e recheando os textos de alguns contadores de sonhos. Gardênia Lúcia foi durante muitos carnavais a sereia dos mares metafóricos dos poetas bequianos. Há relatos que um determinado Imperador apimentado do Beco da Lama foi vítima dos encantos de Gardênia, tendo ficado desaparecido por muitas luas.

Nas artes plásticas, a primeira exposição norte-riograndense, assumidamente modernista, foi realizada pelo artista plástico Newton Navarro, em 1948, numa sorveteria no centro da cidade, adjacências do Beco da Lama. Na contemporaneidade becodalamense, quadro de artista plásticos potiguares, do quilate talentoso de Valderedo Nunes, Assis Marinho, Franklin Serrão, Marcelus Bob, Léo Sodré, Gilson Nascimento, Fábio Eduardo, Marcelo Fernandes e outros artistas, retratando, nas paredes do bar de Nazaré, o cotidiano do Grande Ponto, expressando as marcas da vanguarda cultural dos freqüentadores do Beco da Lama.

Enquanto os fragmentos literários, produzidos durante o tempo da garçonniere pelos modernistas, viraram um diário coletivo, anotações poéticas que se transformaram num livro, registrando a inquietação daqueles intelectuais, a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências – Samba – mantém uma lista de discussão na internet, aonde recortes e colagens antropofágicas vão registrando a ebulição cultural vivida nesse recanto da Cidade Alta. O pensamento dos freqüentadores da “garçonniere becodalamense” está estampado nas páginas de um blog na internet, “Alma do Beco”, cujas idéias são as mais profundas tentativas de revisão crítica e de reconstrução da cultura potiguar, que demandou a pesquisa e a abordagem poética de fontes do passado.

A Alma do Beco é a junção dos recortes literários, produzidos através dos sonetos de Antoniel Campos, das glosas fesceninas de Laélio Ferreira, dos pés-quebrados de Chagas Lourenço, dos poemas de Eduardo Alexandre, Luiz Carlos Guimarães, Márcia Maia (poeta pernambucana)
, Nei Leandro de Castro, Yasmine Lemos, Barbinha dos Santos, Ferreira Itajubá, Newton Navarro, Cristina Tinoco, Elder Heronildes e tanto outros poetas que passaram pelo Beco.

Neste mundo virtual, também há espaço para as crônicas, ensaios, pesquisas, história do Estado, fotos de quase todos os confrades e confreiras dessa garçonnieri potiguar. Uma das mais interessantes descrições sobre o Beco da Lama é a epígrafe do blog na internet: “Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo”. Com o lançamento do jornal impresso “O Beco”, os confrades ganham uma voz para registrar os fartos banquetes literários das almas virtuais deste mundo bequiano. Um instrumento capaz de abrir o verbo e gritar a essência da vanguarda do Beco da Lama: Poti or not Poti, that’s Potengi!
 
Alexandro Gurgel

por Alma do Beco | 6:56 AM | | Ou aqui: 0




sexta-feira, maio 08, 2009

DIA DO ARTISTA PLÁSTICO

O 8 de maio, Dia do Artista Plástico, é comemorado em Natal há 10 anos.  
Iniciativa do superperalta Pedro Pereira, que organizou oficina coletiva para a pintura do chão sagrado da viela mítica, o Beco da Lama.  
A ele, nossa homenagem, nosso reconhecimento, aplauso e carinho.

Tela de Flávio Freiras em homenagem ao holandês FRANZ POST, que viveu o "sonho" do nordeste holandês, a partir da Paisagem do Castelo Ceulen (Forte dos Reis Magos), rio Potengi e dunas de Natal (Nova Amsterdam), pintada em 1638". 

"Castelo Ceulen, Rio Potengi e Natal"
acrílica sobre tela
80x150 cm
2008



EXPO 8 DE MAIO

No Buraco da Catita, Ribeira, exposição de Franklin Serrão

Civone Medeiros no 8 de Maio 

ARTEPRATODOMUNDO

~2009~

Intervenção #1

VEIAS ABERTAS DA CIDADE

Sangue injetado / jorrando em paredes e quinas esburacadas, fendas, feridas de canteiros, obras e edifícios que fazem parte do Patrimônio Histórico da Cidade do Natal, com o intuito entre fortuitos e infortúnios de despertar a magnitude de outrora, de nossa cidade, inda bela e sequelada....

A cidade sangra. Veias abertas da violência urbana, social, cultural e ambiental...

Há 10 anos o '8 de Maio – Dia do Artista Plástico’ é celebrado, vivido, discutido e realizado em Natal e, como bem lembrou nosso pioneiro Pedro Pereira, é também, esse dia, o Dia da Cruz Vermelha; temos todos a mesma missão: SALVAR VIDAS!

cIVONE mEDEIROS

Intervenção disseminada entre ruas da Ribeira, Cidade Alta e Passo da Pátria. 

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Intervenção #2

CALÇADA DA FAMA

Homenagem neste 8 de Maio a alguns artistas potiguares, que, cada um com sua poética pessoal enriquecem e ilustram a história de nosso povo.

Intervenção localizada entre as ruas João Pessoa e Ulisses Caldas, na Cidade Alta.

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(CAÇA-)PALAVRAS SOBRE TELAS

mixed-media

No Palácio do Governo (Ex-Palácio da Cultura e Ex-Pinacoteca), às 18 horas começa a Mesa Redonda “10 Anos de 8 de Maio”, com Pedro Pereira e João Natal - mediador Flávio Freitas. Após o debate, serão inauguradas duas exposições, uma coletiva de arte moderna e contemporânea e uma de acervo do estado.

Onde da Praça 7 de Setembro, S/N - Centro, Natal/RN.

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PRIVATESFERA, OU A VIDA ÍNTIMA DE CIVONE...

vídeo-instalação

Na Galeria de Artes da Funcarte acontece às 19h, a vernissage da exposição sobre arte contemporânea realizada por um coletivo de artistas, a qual se estende até 20 de maio.

Onde da Av. Câmara Cascudo, 423 - Ribeira, Natal/RN.

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Civone X Civone:

Fazendo Arte?

Trabalho com diversas mídias, suportes e linguagens, temáticas convergentes e díspares. Sou poeta, performer, produtora de arte e cultura. Ser potiguar, é ser herói e ser artista, aqui, é mais ainda. Escrevo, pinto, fotografo, bordo, filmo, danço, atuo, monto, misturo, costuro... Enfim, quietude não é algo constante nem na minha vida nem nas minhas criações. Recentemente, além da Curadoria do XI Salão de Artes do Natal (2007/2008), participei da Mostra de Livros de Artistas, durante o 2º ENE (2007) com o título LIVROCORPO; também realizei a mostra “Arte à Trois” juntamente com os expoentes Allan Talma, potiguar e o francês, Goulven Jagot no Bardallos Comida & Arte e em Nalva Melo Café Salão. Iniciei uma série que se chama ODE À XANANA - flor símbolo de Natal, que foi exposta no último 8 de Maio, na Capitania e até hoje, espalho por aí, a minha Ode à Xanana; participei da Mostra DA PERMEABILIDADE DO BELO, no último 8 de Março, também na Capitania, com a obra VULV'ARS POÉTICA; finalizei dois curtas, o experimental “Privatesfera, ou a vida pública da mulher” e o documentário “14 de Março, todo dia – dia da poesia” captado em 2006, lançado este ano.  Em andamento temos a segunda leva do projeto “Arte da Esquina do Brasil” que sucedeu no ano 2000 e programamos nova itinerância entre Áustria-Holanda-França e Brasil - provavelmente para 2010; estamos dando continuidade ao projeto “Ecos do Bairro” do ICAP – Instituto Cultural e Audiovisual Potiguar, do qual faço parte – de fomento e difusão da cultura em nossa cidade. Para outubro próximo, dentro da Retrospectiva dos 15 Anos do Café Salão, da Nalva Melo, vamos relançar o livro ESCRITURAS SANGRADAS, 10 anos depois... Musicada... Na música, este ano saem 2 parcerias em CD, cada um com um poema meu musicado, um no CD do Helder Gomes com o 'poemúsica' Arbítrio e o outro no CD do Esso Alencar, premiado pelo Projeto Pixinguinha com o 'poemúsica' Cantilena ao Sereno. E breve sai a segunda Coleção "comSUMAcivone" da grife potiguar MODE'RN com poemas e imagens em diversos suportes, tais como camisetas, pôsteres, postais, bolsas e que tais... Ufa! É só aguardar!

Viver de arte?

Ainda como artista potiguar, de veia alternativa, independente e não-submissa estou longe de viver de-e-num mercado inexistente, principalmente para quem não faz concessões como eu. Em geral, a minha produção artística não se enquadra como produto, não está à venda. Quem compra poesia e livros de poema? Quem compra uma Performance? Quem compra uma Instalação? Quem compra Documentários e Vídeo-Arte? Estes são os meios/mídias principais de minha ação como artista e quando houver estas respostas – se houver –, ainda estarei produzindo e vazando pelos poros e em todo o canto a minha arte, a minha humana expressão. Eu não estou a venda, mas, do que produzimos... Quem quer comprar? Não é porque essa resposta não vem que vou deixar de ser o que sou: uma múltipla artista. Felizmente Natal não é de todo uma ilha – que muito amo, inclusive – e existem diversos mercados e meios onde minha arte tem espaço e resposta, demanda e respeito e é assim, que viver nessa cidade, é exclusivamente para mim, por laços afetivos e pura inspiração.


Apóstolos da Arte é tema de exposição na Assembléia


Com o tema Apóstolos da Arte, permanece aberta no Salão Nobre da Assembléia Legislativa do RN a exposição coletiva de pinturas, desenhos e esculturas com obras de 12 artistas plásticos potiguares: Ammer Jácome, Ana Antunes, Carlos Soares, Cristina Jácome, Dione Caldas, Dorian Gray, Francisco Eduardo, Ivo Maia, Levi Bulhões, Marlene Galvão, Sônia Jácome e Túlio Fernandes. A exposição faz parte das comemorações pelo Dia Nacional do Artista Plástico, comemorado amanhã, quando a AL RN também realizará sessão solene para marcar a data. A sessão, uma iniciativa do deputado Robinson Faria, contará com representantes dos artistas locais e palestra de Dorian Gray. A curadora da exposição, Maria do Socorro Sarmento Alves, explica que além dos 12 artistas citados, a mostra presta uma homenagem póstuma a Newton Navarro, Leopoldo Nelson, Thomé Filgueira e Ubirajara Galvão, os dois últimos com quadros expostos à venda. Já as obras de Leopoldo Nelson e Newton Navarro fazem parte do acervo da Pinacoteca estadual.

por Alma do Beco | 6:01 AM | | Ou aqui: 0




segunda-feira, maio 04, 2009

NÃO TEMOS MAIS UM SONHO

Marcus Ottoni


"Quando chegou a conhecimento público a forma como o PT ganhou aquela eleição de 2002, comprando alianças e partidos, fiquei estarrecido, sem querer acreditar.  A compra de parlamentares fere a dignidade republicana.  O chamado escândalo do mensalão pôs a nu a verdadeira face do PT e de Lula.  Hoje, não temos mais uma esquerda viável no Brasil. CUT, UNE, PT passaram do discurso de esquerda para a prática de direita, e prática muito feia.  O sonho acabou.  O Brasil não tem mais um sonho e isso é muito ruim para o país e para o nosso futuro como Nação."

Eduardo Alexandre

Ianê Heusi

Entrevista a O Mossoroense

Eduardo Alexandre de Amorim Garcia, conhecido no Beco da Lama e Adjacências como Dunga, é jornalista, poeta, artista plástico e produtor cultural. Dunga foi o criador da Galeria do Povo, movimento semanal de arte desenvolvido durante mais de 10 anos na Praia dos Artistas. É ex-presidente da Associação dos Artistas Plásticos Profissionais do RN e um dos iniciadores do movimento Dia da Poesia, em Natal durante os idos de 1978.

Em 2006, Dunga foi agraciado com o troféu Poti, prêmio elaborado pelo Diário de Natal e entregue às pessoas pelos relevantes serviços em favor da cultura potiguar. 

Por Alexandro Gurgel

Em O Mossoroense, 26 de abril de 2009


O Mossoroense - Como surgiu a idéia para montar a Galeria do Povo?

Eduardo Alexandre -  Desde menino, o jornalismo era uma grande paixão na minha vida. Iniciei minha vida profissional em A República e fazia Engenharia Civil na UFRN, até que resolvi mudar de curso e de cidade.  Fui para Brasília, onde fazia o curso de Ciências Sociais na UnB e trabalhava no Correio Braziliense.  Logo me decepcionei com o jornalismo.  O poder dos anunciantes era maior que a liberdade da notícia e, para piorar, os governos dos generais exerciam dura vigilância sobre tudo o que era escrito.  Escrever podia.  Mas veicular, só o que não ferisse os padrões da censura que era exercida.  Resolvi jogar tudo para o alto: "se não posso dizer nos jornais, vou dizer nos muros". Voltei para Natal e amadureci a idéia do "veículo de livre manifestação popular" que vinha me perseguindo.  Quando, em abril de 1977, Geisel, por imposição, editou a reforma do Judiciário e fechou o Congresso, aquilo que para mim seria uma tese, me fez fazer práxis.  Do sonho de ter um muro que falava e que se mostrava à sociedade com arte e com idéias, veio a realização do que viria a ser a Galeria do Povo, o veículo de livre manifestação que eu vislumbrava.


OM - Vivendo em plena ditadura militar, o que significou a Galeria do Povo para os artistas, poetas, escritores, jornalistas e toda manifestação artística natalense naquela época?

EA - Em um artigo editado pel'A República em 1977, o poeta Carlos Gurgel dizia: "A Galeria do Povo representa toda a neurose dos artistas de Natal. Eu sinto nos sábados e nos domingos uma procura no lugar da Galeria do Povo por uma desrepressão danada. Pessoas que eu nunca imaginei que fizessem arte demonstrando as suas idéias com um pouquinho mais de integridade do que o que se vê por aí. A Galeria representa aspirações acumuladas das pessoas que se envolvem com arte. Ela nasceu da necessidade de se mostrar arte para o povo em um contato que criará um movimento de descoberta das potencialidades que pessoas têm guardadas dentro de si." Eu acho que significava isso: "a procura de um lugar por uma "desrepressão danada".


OM - Atualmente, ainda há entusiasmo para montar a Galeria do Povo?

EA - O entusiasmo é o mesmo. Mudou a motivação. Hoje não temos um muro onde possamos realizar o "movimento semanal de arte" que queríamos. Durante dez anos tivemos. Tudo era favorável: o mural; sua localização em lugar de grande convergência popular; o surgimento crescente de pessoas que queriam se envolver com arte e mostrar sua produção às demais pessoas. Sem um lugar fixo e uma periodicidade com datas previamente conhecidas, fica difícil fazer da Galeria do Povo o "movimento" que ela foi um dia.  Para isso, teríamos que ter o mural e a certeza de que ali sempre teríamos exposições renovadas.


OM - De que maneira a poesia entrou na sua vida?

EA - Desde os tempos de escola, eu gostava de escrever.  Eu tinha muita admiração por Carlos Drummond, que escrevia diariamente no Jornal do Brasil.  Ele me impressionava pela beleza dos textos e mais ainda pelo caráter reto de cidadão.  Drummond era o "cara".  No uso das palavras, no conteúdo do que dizia e no exemplo de vida como pessoa.  Para mim, Drummond era mais que poeta, era "o brasileiro".

O que eu produzia como "poesia" não me satisfazia, mas eu insistia em escrever.  Até que, em 1976, percebi que um dos meus escritos valia como poesia.  A partir daquele "Meu primeiro poema", vi que dava para continuar escrevendo, não com a maestria de um dos grandes, mas com a limitação de mais um que "comete versos".  Isso já me satisfazia.


OM - Em Natal existem 16 poetas por metro quadrado, inclusive, há uma quadrinha que diz o seguinte: "Rio Grande do Norte / capital Natal / em cada esquina um poeta / em cada beco um jornal". Como você a cidade absorvendo essa "ruma" de poetas?

EA - Eu acho ótimo.  É maravilhoso estar numa cidade que ama a poesia e faz dela um acontecimento, como hoje é o Dia da Poesia.  Natal respira poesia.  Isso torna o homem melhor, mais homem, mais humano.


OM - Como e quando você começou a pintar seus quadros?

EA - No chamado Jardim de Infância, tive a felicidade de folhear um livro que trazia reproduções de pinturas de Renoir.  Fiquei maravilhado com aquela beleza de cores que excedia à própria natureza.  Como eram belos aqueles trabalhos!  Eles nunca me saíram da cabeça.  Eu não tinha muita habilidade para o desenho e por isso nunca achei que viria a ser um artista plástico, um pintor.  Até que um pouco antes de existir a Galeria do Povo, eu comecei a fazer oficinas de pintura lá em casa.  As formações de fungos em parede me encantavam pelo misterioso traçar de formas espontâneas que  delas surgiam.  Eu pensei: vou tentar pintar isso.  A partir dali, desisti do figurativismo que não era o meu forte e concentrei todas as minhas pesquisas e exercícios na técnica abstracionista.


OM - Por que ser um artista plástico?

EA - Na vida, nem sempre a gente escolhe o nosso próprio caminho.  As coisas vão acontecendo e quando a gente menos se dá conta, está vivendo um mundo que não havíamos planejado.  Foi o que me aconteceu.  Para iniciar o trabalho da Galeria do Povo, joguei tudo para o alto, universidade, jornalismo, para me concentrar única e exclusivamente àquilo que estava por ser construído.


OM - É possível ganhar a vida com cultura em Natal?

EA - Poucos conseguem.


OM - Como você está vendo o trabalho dos órgãos oficiais de cultura como a Fundação José Augusto (estadual) e a Capitania das Artes (municipal)?

EA - Sobre isso, eu não gosto nem de falar.  Nesses mais de trinta anos que atuo como agente cultural, nunca vi uma administração tão desastrosa como a da FJA.  A administração da Capitania está iniciando e não podemos fazer ainda uma análise mais responsável a respeito.  A governadora Wilma que me perdoe, mas quatro anos de retrocesso cultural é um golpe muito duro para uma área que já não merecera em sua história a importância que a ela deve ser dada.


OM - Você recebeu um prêmio cultural do Diário de Natal pelos relevantes serviços prestados pela cultura natalense. É o reconhecimento de uma vida trabalhando em favor da nossa cultura?

EA - Sempre é bom quando temos um trabalho reconhecido.  Esse prêmio do Diário de Natal me dá ânimo para continuar trabalhando o caminho que tenho buscado seguir.


OM - Você sempre foi um ativista político, um dos fundadores do PT em Natal, e inclusive, foi candidato a deputado federal. Você ainda é um militante político?

EA - Fui militante do Partido dos Trabalhadores em Natal.  Não fui um dos seus fundadores.  Nos anos '70, criamos, com a Galeria do Povo, o Partido do Povo Brasileiro.  Eu era jovem e acreditava na política como algo de muito bonito para que se pudesse mudar o mundo.  O Partido do Povo Brasileiro era um sonho grande em minha vida, mas foi roubado e tornou-se algo muito diferente do que idealizamos. Lutei muito para que o PT chegasse ao poder.  Nos primeiros meses do governo Lula, vi que a luta do povo brasileiro por melhores caminhos havia sido apenas uma farsa usada para que as esquerdas chegassem ao poder.  Quando chegou a conhecimento público a forma como o PT ganhou aquela eleição de 2002, comprando alianças e partidos, fiquei estarrecido, sem querer acreditar.  A compra de parlamentares fere a dignidade republicana.  O chamado escândalo do mensalão pôs a nu a verdadeira face do PT e de Lula.  Hoje, não temos mais uma esquerda viável no Brasil. CUT, UNE, PT passaram do discurso de esquerda para a prática de direita, e prática muito feia.  O sonho acabou.  O Brasil não tem mais um sonho e isso é muito ruim para o país e para o nosso futuro como Nação.  A política é hoje uma atividade desmoralizada, usada para o bem único de quem dela se aproveita.  Uma atividade que deveria ser nobre, que tornou-se podre.

por Alma do Beco | 7:51 PM | | Ou aqui: 0


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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