"Quando chegou a conhecimento público a forma como o PT ganhou aquela eleição de 2002, comprando alianças e partidos, fiquei estarrecido, sem querer acreditar. A compra de parlamentares fere a dignidade republicana. O chamado escândalo do mensalão pôs a nu a verdadeira face do PT e de Lula. Hoje, não temos mais uma esquerda viável no Brasil. CUT, UNE, PT passaram do discurso de esquerda para a prática de direita, e prática muito feia. O sonho acabou. O Brasil não tem mais um sonho e isso é muito ruim para o país e para o nosso futuro como Nação."
Eduardo Alexandre
Ianê Heusi
Entrevista a O Mossoroense
Eduardo Alexandre de Amorim Garcia, conhecido no Beco da Lama e Adjacências como Dunga, é jornalista, poeta, artista plástico e produtor cultural. Dunga foi o criador da Galeria do Povo, movimento semanal de arte desenvolvido durante mais de 10 anos na Praia dos Artistas. É ex-presidente da Associação dos Artistas Plásticos Profissionais do RN e um dos iniciadores do movimento Dia da Poesia, em Natal durante os idos de 1978.
Em 2006, Dunga foi agraciado com o troféu Poti, prêmio elaborado pelo Diário de Natal e entregue às pessoas pelos relevantes serviços em favor da cultura potiguar.
Por Alexandro Gurgel
Em O Mossoroense, 26 de abril de 2009
O Mossoroense - Como surgiu a idéia para montar a Galeria do Povo?
Eduardo Alexandre - Desde menino, o jornalismo era uma grande paixão na minha vida. Iniciei minha vida profissional em A República e fazia Engenharia Civil na UFRN, até que resolvi mudar de curso e de cidade. Fui para Brasília, onde fazia o curso de Ciências Sociais na UnB e trabalhava no Correio Braziliense. Logo me decepcionei com o jornalismo. O poder dos anunciantes era maior que a liberdade da notícia e, para piorar, os governos dos generais exerciam dura vigilância sobre tudo o que era escrito. Escrever podia. Mas veicular, só o que não ferisse os padrões da censura que era exercida. Resolvi jogar tudo para o alto: "se não posso dizer nos jornais, vou dizer nos muros". Voltei para Natal e amadureci a idéia do "veículo de livre manifestação popular" que vinha me perseguindo. Quando, em abril de 1977, Geisel, por imposição, editou a reforma do Judiciário e fechou o Congresso, aquilo que para mim seria uma tese, me fez fazer práxis. Do sonho de ter um muro que falava e que se mostrava à sociedade com arte e com idéias, veio a realização do que viria a ser a Galeria do Povo, o veículo de livre manifestação que eu vislumbrava.
OM - Vivendo em plena ditadura militar, o que significou a Galeria do Povo para os artistas, poetas, escritores, jornalistas e toda manifestação artística natalense naquela época?
EA - Em um artigo editado pel'A República em 1977, o poeta Carlos Gurgel dizia: "A Galeria do Povo representa toda a neurose dos artistas de Natal. Eu sinto nos sábados e nos domingos uma procura no lugar da Galeria do Povo por uma desrepressão danada. Pessoas que eu nunca imaginei que fizessem arte demonstrando as suas idéias com um pouquinho mais de integridade do que o que se vê por aí. A Galeria representa aspirações acumuladas das pessoas que se envolvem com arte. Ela nasceu da necessidade de se mostrar arte para o povo em um contato que criará um movimento de descoberta das potencialidades que pessoas têm guardadas dentro de si." Eu acho que significava isso: "a procura de um lugar por uma "desrepressão danada".
OM - Atualmente, ainda há entusiasmo para montar a Galeria do Povo?
EA - O entusiasmo é o mesmo. Mudou a motivação. Hoje não temos um muro onde possamos realizar o "movimento semanal de arte" que queríamos. Durante dez anos tivemos. Tudo era favorável: o mural; sua localização em lugar de grande convergência popular; o surgimento crescente de pessoas que queriam se envolver com arte e mostrar sua produção às demais pessoas. Sem um lugar fixo e uma periodicidade com datas previamente conhecidas, fica difícil fazer da Galeria do Povo o "movimento" que ela foi um dia. Para isso, teríamos que ter o mural e a certeza de que ali sempre teríamos exposições renovadas.
OM - De que maneira a poesia entrou na sua vida?
EA - Desde os tempos de escola, eu gostava de escrever. Eu tinha muita admiração por Carlos Drummond, que escrevia diariamente no Jornal do Brasil. Ele me impressionava pela beleza dos textos e mais ainda pelo caráter reto de cidadão. Drummond era o "cara". No uso das palavras, no conteúdo do que dizia e no exemplo de vida como pessoa. Para mim, Drummond era mais que poeta, era "o brasileiro".
O que eu produzia como "poesia" não me satisfazia, mas eu insistia em escrever. Até que, em 1976, percebi que um dos meus escritos valia como poesia. A partir daquele "Meu primeiro poema", vi que dava para continuar escrevendo, não com a maestria de um dos grandes, mas com a limitação de mais um que "comete versos". Isso já me satisfazia.
OM - Em Natal existem 16 poetas por metro quadrado, inclusive, há uma quadrinha que diz o seguinte: "Rio Grande do Norte / capital Natal / em cada esquina um poeta / em cada beco um jornal". Como você a cidade absorvendo essa "ruma" de poetas?
EA - Eu acho ótimo. É maravilhoso estar numa cidade que ama a poesia e faz dela um acontecimento, como hoje é o Dia da Poesia. Natal respira poesia. Isso torna o homem melhor, mais homem, mais humano.
OM - Como e quando você começou a pintar seus quadros?
EA - No chamado Jardim de Infância, tive a felicidade de folhear um livro que trazia reproduções de pinturas de Renoir. Fiquei maravilhado com aquela beleza de cores que excedia à própria natureza. Como eram belos aqueles trabalhos! Eles nunca me saíram da cabeça. Eu não tinha muita habilidade para o desenho e por isso nunca achei que viria a ser um artista plástico, um pintor. Até que um pouco antes de existir a Galeria do Povo, eu comecei a fazer oficinas de pintura lá em casa. As formações de fungos em parede me encantavam pelo misterioso traçar de formas espontâneas que delas surgiam. Eu pensei: vou tentar pintar isso. A partir dali, desisti do figurativismo que não era o meu forte e concentrei todas as minhas pesquisas e exercícios na técnica abstracionista.
OM - Por que ser um artista plástico?
EA - Na vida, nem sempre a gente escolhe o nosso próprio caminho. As coisas vão acontecendo e quando a gente menos se dá conta, está vivendo um mundo que não havíamos planejado. Foi o que me aconteceu. Para iniciar o trabalho da Galeria do Povo, joguei tudo para o alto, universidade, jornalismo, para me concentrar única e exclusivamente àquilo que estava por ser construído.
OM - É possível ganhar a vida com cultura em Natal?
EA - Poucos conseguem.
OM - Como você está vendo o trabalho dos órgãos oficiais de cultura como a Fundação José Augusto (estadual) e a Capitania das Artes (municipal)?
EA - Sobre isso, eu não gosto nem de falar. Nesses mais de trinta anos que atuo como agente cultural, nunca vi uma administração tão desastrosa como a da FJA. A administração da Capitania está iniciando e não podemos fazer ainda uma análise mais responsável a respeito. A governadora Wilma que me perdoe, mas quatro anos de retrocesso cultural é um golpe muito duro para uma área que já não merecera em sua história a importância que a ela deve ser dada.
OM - Você recebeu um prêmio cultural do Diário de Natal pelos relevantes serviços prestados pela cultura natalense. É o reconhecimento de uma vida trabalhando em favor da nossa cultura?
EA - Sempre é bom quando temos um trabalho reconhecido. Esse prêmio do Diário de Natal me dá ânimo para continuar trabalhando o caminho que tenho buscado seguir.
OM - Você sempre foi um ativista político, um dos fundadores do PT em Natal, e inclusive, foi candidato a deputado federal. Você ainda é um militante político?
EA - Fui militante do Partido dos Trabalhadores em Natal. Não fui um dos seus fundadores. Nos anos '70, criamos, com a Galeria do Povo, o Partido do Povo Brasileiro. Eu era jovem e acreditava na política como algo de muito bonito para que se pudesse mudar o mundo. O Partido do Povo Brasileiro era um sonho grande em minha vida, mas foi roubado e tornou-se algo muito diferente do que idealizamos. Lutei muito para que o PT chegasse ao poder. Nos primeiros meses do governo Lula, vi que a luta do povo brasileiro por melhores caminhos havia sido apenas uma farsa usada para que as esquerdas chegassem ao poder. Quando chegou a conhecimento público a forma como o PT ganhou aquela eleição de 2002, comprando alianças e partidos, fiquei estarrecido, sem querer acreditar. A compra de parlamentares fere a dignidade republicana. O chamado escândalo do mensalão pôs a nu a verdadeira face do PT e de Lula. Hoje, não temos mais uma esquerda viável no Brasil. CUT, UNE, PT passaram do discurso de esquerda para a prática de direita, e prática muito feia. O sonho acabou. O Brasil não tem mais um sonho e isso é muito ruim para o país e para o nosso futuro como Nação. A política é hoje uma atividade desmoralizada, usada para o bem único de quem dela se aproveita. Uma atividade que deveria ser nobre, que tornou-se podre.