sábado, junho 21, 2008

VIL METAL

Marcus Ottoni

"Na relação da distribuição do “lucro”, encontrado num computador apreendido pela Operação Hígia, tem uma contribuição de R$ 40 mil que deixou os policiais federais ainda mais perplexos..."
Eliana Lima, na Tribuna do Norte



O carrinho de metal
Cefas Carvalho

Sujo, feio, mal ajambrado, triste em sua velha camisa do Flamengo e em seu calção roto, o menino olhava pela vitrine da loja fechada, o carrinho de ferro.

Sonhara com aquele brinquedo. Imaginava a inveja dos amigos de favela ao verem o carrinho, vermelho, brilhante, novinho em folha.

Não tinha comido nada naquele dia inteiro, salvo um pão com mortadela. Mas não pensava em comprar comida.

Pensava no brinquedo. Percebeu que um veículo parou no meio fio, bem atrás dele. Do carro, desceu um senhor gordo, de cabelo e barbas brancas, com um sorriso no rosto. Parece Papai Noel, pensou o menino.

Viu que o homem botou a mão no bolso. Ganharia uns trocados. Estava com fome, queria um sanduíche, mas se economizasse o dinheiro, poderia comprar o carrinho dali a alguns dias.

Ah, quando os amigos o vissem com o brinquedo. Sentiu, de repente, uma pontada seca no peito, como uma agulha a furar sua pele.

Um gosto estranho lhe subiu à garganta. Uma vontade de cuspir. Tossiu sangue e percebeu, então, a camisa do Flamengo úmida, com o tecido queimado. Olhou para o homem e só então observou a arma fumegante em sua mão direita.

Caiu no chão, sentado, não sabendo se olhava para o homem ou para o brinquedo pela vitrine. Sentiu que um sono lhe invadia.

Parecia Papai Noel, pensou, antes da dar a última olhada para o carrinho de metal.


A vida inteira para me arrepender
Leonardo Sodré

A melodia de uma música que eu nem gostei insistia em continuar naquele ambiente, misturado de vozes e odores. Teve momentos em que pensei estar num navio negreiro. As reclamações e as discussões sem sentido se sobrepujavam aos assuntos e poucos minimizavam a voz em torno do barulho e daquela canção insistente e chata, com alguns clichês do tempo em que foi feita. Mas, a frase título não me saiu da cabeça.

Aborreci-me por isso, mas, o que fazer? Livrei-me de 'lulistas' que insistiam em dizer que o presidente aloprado havia criado 30 milhões de empregos, ao invés de dizer que no Brasil havia aqueles tantos com carteiras assinadas. Sabia que ele somente poderia protagonizar esse prodígio no dia em que mudasse as leis trabalhistas, mas não discuti. Como jornalista especializado em política, aprendi a ficar longe da turba em momentos assim.

Na verdade, culpado desde a nascença pela minha mãe, estava refletindo sobre um momento da letra da música que dizia “a vida inteira para me arrepender”. Por que? Sabe lá Deus, logo eu, cúmplice de tantos arrependimentos cobrados... Não perdi a oportunidade de sair daquele bar.

Queria outro, onde pudesse respirar e sonhar. Sim, porque no silêncio imposto de um bar, é possível sonhar. Quem nunca tentou, não sabe o que já perdeu... Não saí a esmo e nem tampouco titubeante. Tinha um destino certo, nos territórios de minha morada. Livrei-me dos carros na travessia e não demorei em chegar semi-suado onde queria. O balcão, qual um porto, esperava minha atracação.

Atraquei, amarrei as cordas do meu pedido e numa maré sem confusão, comecei a organizar meus pensamentos, meus sonhos. Meu olhar, meio fixo na parede frontal, onde se destacavam propagandas de salgados industrializados foi logo remetido às laterais. Essa minha velha mania de fazer amizades! Mas, quem eu vi, era um amigo de mais de 30 anos.

Um homem que era rico noutros tempos e que hoje, protegido pela penumbra daquele bar solidário, apenas tomava pequenos goles de cachaça. “Meu amigo!” Falei mais alto do que devia. Senti isso no seu olhar entre reprovador e entendedor. “Você me conheceu tomando uísque 12 anos, hoje tomo cachaça. O gosto é o mesmo, quando se quer apenas beber”, ensinou-me.

Conversamos muito e enquanto eu tentava segurar a tristeza porque havíamos nos tornado pobres, ele nem ligava. “Amigo velho, tudo tem seu tempo. Eu tenho as memórias de quando eu tinha apartamentos na avenida Hermes da Fonseca e andava de Maverick V8. Mas, isso que aconteceu, está na minha mente. Hoje, ando de ônibus, carrego uma quentinha para almoçar, ganho um pouco menos de um salário mínimo por mês, mas não me arrependo de nada do que fiz”, foi incisivo.

Meus olhos de também fracassado financeiramente, falaram. Ou terá sido a minha boca? Quando eu disse que tínhamos ‘a vida inteira para se arrepender’, a resposta daquele meu amigo, que tinha perdido muito mais do que eu, foi um remédio. “Eu não me arrependo de nada do que fiz, apenas do que deixei de fazer”.

Depois que ele saiu para pegar o ônibus, saí caminhando em direção a minha casa. Parecia que dirigia um dos jipes importados que eu já tinha tido. Carregava no meu alforje de pensamentos apenas uma coisa: que venha a vida! Nada tenho do que me arrepender.

por Alma do Beco | 8:36 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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