quinta-feira, dezembro 06, 2007

ASSIS

Marcus Ottoni

"Morales antecipa de surpresa votação de Constituição"

Da BBC Brasil, sobre o momento político na Bolívia



Francisco de Assis Marinho

Conheci Assis, ele tinha bem menos de 18 anos de idade. Parecia ainda garoto, franzino e com medo do mundo. Frágil.

Trazia no semblante a dor de família pobre do interior, em busca de melhores dias na capital. Retirante.

Algumas folhas de papel ofício numa mão; na outra, pedaços de carvão.
Vivia a vida, pelas ruas, desenhando a carvão retratos de pessoas.

E todos ficavam impressionados com o talento do menino interiorano, rápido e preciso em seus traços. Um minuto bastava para o retrato ficar pronto. E com fidelidade.

Eu estava fazendo uma exposição de Galeria do Povo, na Praia dos Artistas. Ele ficou impressionado com o que viu. Através dos trabalhos expostos, o menino descobria ali o que era arte. Seus retratos ganharam temática e passaram a ser o algodoal do Seridó, o menino armando alçapão, os praieiros em refeição diante da espinha do peixe no prato, a mulher na janela da pobre casa de taipa do seu sertão.

Assis saía do carvão para descobrir o giz de cera, apreendendo técnica que valorizaram o seu talento.

Seus trabalhos vendiam fácil. Agradavam em cheio a tantos que os viam. E Assis não perdia parada comercial. Estava precisando, qualquer dinheiro bastava, desde que satisfizesse a necessidade existencial do momento. Outros quadros viriam e, com eles, outros dinheiros.

Estava profissionalizado o menino que nunca teve escola. Menino que admirava a poesia dos cantadores repentistas, a música dos emboladores, a labuta da gente simples em busca da sobrevivência.

Assis passou a registrar em traços, cores e emoções a vida que que estava a sua volta.

E vieram os sanfoneiros, o bar, as serenatas de violões, os rela-buchos de forró.

Cedo ganhou reconhecimento, merecendo e recebendo os maiores prêmios de pintura da cidade, para iniciantes e, logo depois, profissionais.

Seu nome ganhou fama e ele empreendeu viagens e exposições em outras terras.

Ganhou dinheiro. Gastou. Ganhou mais dinheiro, gastou de maneira pior, pagando tudo para todos, recebendo qualquer um em sua casa sempre aberta a qualquer festa. Generosidade e tolice.

O bar, a bebida, sua perdição: onde ganha hoje o suficiente ao dia-a-dia do seu sustento, e onde amanhã tudo renovará, oferecendo seus quadros produzidos ao despertar.

Eduardo Alexandre

Assis Marinho

A SOLIDÃO E O PÁSSARO

Sozinho.

Todos os que vieram já estavam longe. Nem as ligeiras sombras de presença existiam mais.

O estômago vazio e a gripe teimosa, o que sobrou enchendo o corpo e esvaziando a alma. A casa calada, irônica. O rádio azul falando e cantando sem que seus ouvidos escutassem. Deu-se conta: a solidão se plantara e ele se transformara em morcego desesperado procurando saída.

Fechou-se a porta do quarto. Ruído suave do ar condicionado, único silêncio audível.

Abriu o livro na página marcada, denunciando suspensão de leitura. A luz fraca e a própria vontade menor faziam as letras distantes. O pensamento escapulia, ia e voltava. Pessoas e mundos, tempos e estações passavam. Cumprimentavam-se, ignorando. E resolveu deixar que a solidão deitasse ao seu lado. Ofereceu-se, sem forças.

A solidão é fria, seu corpo é macio. O abraço veio sólido e silencioso. Como uma angústia que começa devagarinho e se torna súbita, em gigantesca montanha de neve e fogo. "Assim começam os pesadelos", admitiu. Deixou-se tomar pelo envolvimento. " A necessidade de não estar sozinho faz isso", pensou. Nem percebeu que voava. Como um pássaro ferido, de asas pesadas.

Pairava e bailava sobre a enorme cidade. E avistou a janela aberta. Estranha janela tão conhecida como um poema perdido entre papéis em completo esquecimento. "Ali estará o meu amor", disse com certeza. O peso das asas fazia-lhe o vôo curto. Esforço supremo, aproximação. Lá dentro estaria o amor? Haveria abraço, um sorriso, uns olhos buliçosos e um beijo real?

A janela aberta. E uma porta certamente fechada.

Tentou arremeter vôo rápido. Onde forças e coragem?

"Nenhum amor me espera, nenhum". E deixou que o peso da alma aumentasse sobre as asas.

E se foi deixando cair, despencar: ave baleada certeiramente.

O livro caiu sobre o peito.

Levantou-se e apagou a luz. Com cuidado, deitou-se e num sussurro que explodiu como um grito, segredou:

- Boa noite, solidão. Abrace-me, indesejável amante.

E durante noites e noites nunca mais dormiu.

Rubens Lemos

São Paulo - 1983

por Alma do Beco | 6:15 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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