domingo, novembro 18, 2007

SUCESSO

Marcus Ottoni

"O jornalista Leonardo Sodré, 53 anos, ficou num beco sem saída. Há três meses, foi intimado pelo dono da Offset Gráfica e amigo, Ivan Júnior, a lançar um livro que reunisse suas melhores crônicas, todas enviadas quase que diariamente para a lista de discussão na internet do Beco da Lama - espaço virtual dedicado ao epicentro da boemia natalense, localizado no Centro Histórico de Natal."

Rafael Duarte


"Bem-aventurados os ruidosos desse Beco porque deles é o reino do caos."

Plínio Sanderson


Leonardo Sodré ao lado do editor Ivan Júnior,
da Offset Gráfica, espécie de “mecenas da impressão”

BECO SEM SAÍDA

Leonardo Sodré lança "Crônicas do Beco da Lama"
17/11/2007 - Tribuna do Norte

O jornalista Leonardo Sodré, 53 anos, ficou num beco sem saída. Há três meses, foi intimado pelo dono da Offset Gráfica e amigo, Ivan Júnior, a lançar um livro que reunisse suas melhores crônicas, todas enviadas quase que diariamente para a lista de discussão na internet do Beco da Lama - espaço virtual dedicado ao epicentro da boemia natalense, localizado no Centro Histórico de Natal. Como todo jornalista boêmio que se preza, havia sede de sobra. O problema, como sempre, era pagar a conta. E aí entra outro fato que todo boêmio que se preza acumula com o passar dos goles: os amigos. Foi, então, que Ivan Júnior sacou a boneca do livro “Crônicas do Beco Lama” da bolsa e apresentou ao jornalista uma seleção particular de 29 crônicas sobre personagens, verdades, mentiras e a história do Beco. O lançamento ocorreu quarta-feira passada, no Bardallos, com a presença maciça de amigos, intelectuais, artistas, poetas e colegas de trabalho. Segundo o autor, foram mais 100 livros vendidos na primeira noite. No fim, até o violonista Yamandú Costa, que acabara de fazer um show pelo projeto Pixinguinha, apareceu para dar uma canja ao lado de artistas da cidade como Camilo Lemos, Hilton, Sérgio Groove e Gilberto Cabral. E como tudo no Beco se mede pela birita, dá para dizer que o sucesso foi tanto... que acabou a cerveja do bar!

Paraibano de Campina Grande, não tem quem diga que Léo Sodré não é natalense. Nem ele mesmo. Tudo, veja só o paradoxo, por conta da água. “O problema é que minha mãe achava que criança só bebia leite materno. E passei os primeiros 30 dias de vida sem beber água. Só tomei quando cheguei aqui em Natal, um mês depois de nascido. Me considero natalense”, disse rindo do destino.

Na apresentação, orelha e prefácio de “Crônicas do Beco da Lama” estão quatro dos maiores parceiros do jornalista: o professor Eugênio Meio Quilo, o poeta Plínio Sanderson, o jornalista Alexandro Gurgel e o jornalista e artista plástico Eduardo Alexandre, o Dunga. Difícil encontrar Sodré na mesa do bar de Nazaré ou do Bardallos, por exemplo, sem que um deles não esteja presente. Não é por acaso que o quarteto é assíduo nas páginas do livro. Numa delas “O Céu por Derradeiro” - que o autor considera uma das melhores - Plínio e Dunga discutem como inimigos até que vem uma tsunami subindo a avenida Rio Branco e mata todos os becolamenses. Já no outro plano, na fila de espera, a dupla encontra São Pedro e se recusa a entrar no céu quando, por fim, o santo diz que também não tem meladinha (mistura de cachaça com mel e limão famosa no Beco desde os tempos do antigo bar do Nasi). “Adoro essa crônica. Eles morrem, vão para o céu e desistem de entrar. Dunga e Plínio são grandes amigos que tenho no Beco”, disse.

No livro, passeiam verdades irrefutáveis e mentiras que ganham status de coisa séria quando contadas e vividas por personagens ilustres desconhecidos do Centro. “O Beco é um conflito entre a miséria e o rico, entre o saber e a ignorância... por isso o Beco é resistente. Ali a gente conhece empresários, professores, artistas, jornalistas, assaltantes (risos). Além do dia-a-dia, o Beco é feito de pessoas comuns”, analisa.

Rafael Duarte


Yamandu Costa agita bar na Cidade Alta

Diário de Natal

17.11.07

Véspera de feriado. Noite regida pela lua nova. Os intelectuais, os boêmios, os músicos que circulam nessas ocasiões pelo famoso Beco da Lama, no Centro de Natal, naquele dia se dirigiram para o Bardallos, comandado por Lula Belmont. A Rua Gonçalves Ledo estava cheia, faltou até estacionamento, e o ''burburinho'' tinha bons motivos, um deles era o lançamento do livro Crônicas do Beco da Lama, do jornalista Leonardo Sodré. O outro era para constatar a veracidade de um boato que havia circulado pela cidade naquela tarde, o de que o músico Camilo Lemos iria levar para o local o violonista gaúcho Yamandu Costa, um dos mais virtuosos do País, após a sua apresentação no projeto Pixinguinha, no Teatro Sandoval Wanderley.

A noite começou com o som intimista do próprio Camilo e com Léo Sodré autografando a sua cria literária. Depois de algum tempo, som encerrado, mas mesmo assim o entra e sai continuou, sinal de que realmente o convidado tão esperado poderia corresponder as expectativas e aparecer para dar uma ''canja''. Por volta das 22h ele chega, trajando branco e alguns quilos mais magro, surpreendeu aqueles que tinham assistido a um show dele em dezembro, quando Yamandu se apresentou acompanhado pela Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, em frente a Pinacoteca, e estava com visual bem acima do peso.

Acompanhado de dois músicos seus senta-se em uma mesa no fundo do bar, em seguida chega um violão, uma sanfona. Alguns músicos começam a se aproximar, sentam-se também, outros ficam em torno da mesa esperando que o ídolo tire qualquer acorde do violão. Muita conversa e cerveja até que a sanfona sai da caixa, começava ali uma verdadeira jam session, com os instrumentos sendo passados de mão em mão, como se fossem um cachimbo da paz. Naquele momento se concretizava um encontro da música do Rio Grande do Norte com a do Rio Grande do Sul.

O sanfoneiro potiguar, Zé Hilton, pega a sanfona no colo e dá um verdadeiro show. Um número crescente de pessoas começa a ficar ao redor da mesa. Nomes conhecidos no meio musical também aparecem, como Sérgio Groove, acompanhado por seu baixo, e o trombonista da Orquestra Sinfônica do Rio Grande do Norte, Gilberto Cabral com seu novo visual, sem cavanhaque. A música atraiu os ocupantes das outras mesas que logo pegaram o copo na mão para engrossar a roda que se formava ao redor dos músicos.

Meia noite, como de costume, Lula Belmont toca o sino avisando que dali a no máximo uma hora o bar iria fechar. Ilusão dele, ainda faltava Sérgio Groove dá o seu show no baixo, com Zé Hilton na sanfona e Yamandu no violão. Nessa hora, o músico gaúcho não se conteve, deitou o violão no colo e ficou observando a virtuosidade dos músicos locais que emendavam uma música na outra, mostrando a beleza das composições de ambos. Se existia alguma dúvida entre os presentes de que no estado se faz uma excelente música, ela se dissolveu naquele momento.

Zé Fontes, Lívio Oliveira, Eduardo Pinto, Erick Tibau, Franklin Nogvaes, entre tantos outros nomes das artes natalenses passaram pelo Bardallos naquela noite. A empolgação de Yamandu era tamanha, que chegou a perguntar se tinha algum problema para o dono do bar que a música se prolongasse pela madrugada. Lula, como bom anfitrião que é, respondeu mandando para a mesa um incenso preso a uma lata de cerveja, uma forma alternativa de abençoar o encontro de gênios.



Yasmine Lemos
Yamandu Costa, com Zé Hilton, no lançamento do Crônicas do Beco, de Leo Sodré


LEONARDO SODRÉ

ENTREVISTA A’O MOSSOROENSE

Aos 53 anos, Leonardo Sodré é um jornalista que já trabalhou em vários jornais, entre eles O Mossoroense, onde exerceu o cargo de editor-geral, seu último contato com o ambiente de redação. Atualmente, dedica-se a assessorias de imprensa e apresenta o programa "Câmara Cultural", na TV a Cabo 37 da TV Câmara de Natal. Já participou de várias antologias, como "Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão", organizada por Eduardo Alexandre e "Dom Nivaldo - Um Semeador de Alegrias" (biografia), de Diógenes da Cunha Lima. No livro "Beco Estreito", do fotógrafo Hugo Macedo, participou fazendo as ilustrações. Na última quarta-feira, Leonardo Sodré publicou seu primeiro livro, "Crônicas do Beco da Lama", onde narra os acontecimentos mais interessantes envolvendo os personagens desse recanto cultural da boemia natalense.

O Mossoroense - Leonardo, o que o motivou a escrever as "Crônicas do Beco da Lama"?

Leonardo Sodré - O ambiente do Beco da Lama é motivador. Escrevo sobre o cotidiano, mas as muitas histórias e os personagens do Beco são irresistíveis. Por inércia comecei a escrever focando os personagens da boemia do Centro Histórico de Natal e isso chamou a atenção do editor Ivan Júnior, que foi coletando as crônicas mais engraçadas para fazer o "Crônicas do Beco da Lama".

OM - Até onde a ficção se mistura com a realidade nessas estórias becodalamenses?

LS - Algumas histórias são reais. Outras partem da realidade e vão sendo exageradas. Outras, são ficções que poderiam ter acontecido. Esse é o grande mistério da obra. Muita gente não vai saber o que é verdade e o que é ficção. (risos). Tem umas duas histórias com você e o fotógrafo Hugo Macedo, que começam a partir de um fato real e se desenvolvem em meio a uma ficção, que poderia perfeitamente ter acontecido. O poeta Plínio Sanderson diz que sou um "escrevinhador caricatural". Eu acho que ele tem razão.

OM - Os fatos narrados são fiéis ou você deu uma "mãozinha" para abrilhantar certo acontecimento?

LS - Eu geralmente dou uma mãozinha para exagerar os acontecimentos. Mas, garanto que tudo tem um mote a partir de um fato acontecido. Explico: numa tarde de sábado chego no Bar de Nazaré, nas adjacências do Beco da Lama, e encontro os poetas Plínio Sanderson e Eduardo Alexandre numa tremenda discussão sobre algumas ações culturais em torno do Dia da Poesia. Estávamos no começo de março e em dezembro do ano anterior tinha ocorrido aquela tsunami que matou um bocado de gente na Ásia. Fiquei observando a arenga e quando vi o poeta Helmuth Cândido subindo a Travessa do Tesouro, lépido, com um cigarro quase caindo do beiço, tive a idéia. Escrevi "O Céu por Derradeiro", crônica onde relato os fatos acima e acrescento uma tsunami que subiu para a Cidade Alta por meio do rio Potengi, matando todo mundo. Depois relato a discussão de Eduardo Alexandre e Plínio Sanderson com São Pedro e a desistência dos dois de entrar no Céu porque lá não podiam tomar umas biritas e tampouco discutir. Muito menos por causa de poesia.

OM - Como se sentem os personagens reais do Beco da Lama vendo suas estripulias relatadas para o mundo?

LS - Eu tenho muito cuidado para não relatar fatos de pessoas estressadas. Aliás, os zangados nunca protagonizam fatos que mereçam uma crônica. Os mais relaxados e de bem com a vida sempre estão fornecendo munição. Já teve gente que me pediu para publicar histórias onde o próprio esteve envolvido. Geralmente os personagens reais reagem muito bem às crônicas. Não somente porque na maioria são meus amigos, mas por saberem que não existe nenhuma motivação no sentido de macular a imagem de ninguém. É tudo uma grande brincadeira literária.

OM - Você é um caricaturista nato e gosta de retratar os personagens do Beco da Lama. O livro não caberia alguma caricatura para ilustrar as narrativas?

LS - Caberia, mas eu não quis misturar os meus cartuns com o livro. Primeiro, porque a obra não foi iniciativa minha, e sim do editor Ivan Júnior. Segundo, porque tudo foi decidido em menos de um mês e não haveria tempo para lançar o livro neste final de ano. Terceiro, ele iria ficar muito mais caro. Por enquanto vou ilustrando os livros dos outros escritores, como foi o caso do livro de Hugo Macedo, "Beco Estreito", que contém ilustrações minhas em todas as páginas. Aliás, a capa também foi feita por mim. Mas, no próximo garanto as ilustrações.

OM - O que representa o Beco da Lama para o cenário literário potiguar?

LS - Como disse alguém, "o Beco da Lama não cabe em si". Isso é verdade há muito tempo. O Beco é um celeiro de cultura. É um local de liberdade, onde as mais diversas formas de arte são divulgadas. Para literatura ele funciona como mágica. O Beco é literário por vocação e geralmente os escritores são contaminados por ele. E por quê? Ninguém sabe. O que se sabe é que naqueles bares, na confraria com os amigos, nas arengas, em meio as poesias, a inspiração literária brota. E como brota!

OM - De vez em quando, alguns mossoroenses vêm ao Beco da Lama para fortalecer o intercâmbio intelectual e se confraternizar com os personagens do seu livro. Há alguma narrativa com algum personagem de Mossoró?

LS - Já escrevi várias crônicas com personagens de Mossoró, principalmente no período em que estava na editoria geral no O Mossoroense, em 2006. Antonio Francisco, Túllio Rato, Cid Augusto e outros que não me lembro agora sempre estão por aqui, pelo Beco e suas adjacências. Já citei todos eles em algumas crônicas, umas até que não estão no livro. O poeta Antonio Francisco, por exemplo, é citado na primeira crônica do livro "Aviso Compressivo". Cid Augusto e Tullio Rato na "Revelações Kunestras", mas todos como testemunhas de histórias e estórias.

OM - Por um período, você exerceu a função de editor geral do jornal O Mossoroense. Como foi essa experiência na Terra de Santa Luzia?

LS - Foi interessante. Passei cerca de dez meses trabalhando no O Mossoroense com uma equipe muito boa. Aprendi muito com Cid Augusto e fiz muitas amizades. Para mim foi uma honra ter trabalhado em um dos jornais mais antigos do Brasil e poder conhecer melhor Mossoró, cidade que vem se desenvolvendo de forma extraordinária.

OM - Quais as lembranças que você guarda desse tempo vivido em Mossoró? Essa vivência caberia em um livro?

LS - Guardo excelentes lembranças. Fiz grandes amigos e pude conviver com muita gente interessante. Não creio que essa experiência caiba em um livro, considerando que o personagem, no caso eu, não tenha tanta importância assim. Mas pude ver que Mossoró é uma terra que exala cultura. Tem excelentes escritores, poetas, artistas plásticos e principalmente se destaca no teatro. Mossoró tem a Papangu, por exemplo, que é a única publicação do gênero no Rio Grande do Norte e que se mantém viva há muitos anos. Mossoró tem vários jornais diários e jornalistas de primeira linha.

OM - Atualmente, você trabalha numa empresa de assessoria de imprensa, apresenta o programa Câmara Cultural na TV Câmara e mantém um blog na Internet. Com essa intensa produção, você não sente falta das redações de jornal?

LS - Sinto uma falta danada! Parece que a pressão da redação vicia o jornalista. O tal do "deadline" entra na corrente sangüínea e não sai nunca mais...

OM - Quais os projetos literários para o futuro?

LS - Estou escrevendo um romance/ficção, que deverá ficar pronto até janeiro. É uma história de um jornalista, seus amores e suas experiências com objetos voadores não identificados. O meu editor, dependendo do sucesso do "Crônicas do Beco da Lama", é bem capaz de publicar. Chamar-se-a "Um Passeio no Céu".

Por ALEXANDRO GURGEL

alex-gurgel@oi.com.br


Leozito,

o escrevinhador caricatural

Hoje Plínio Sanderson, sem tirar nem por, assume a boca de cena e apresenta Leonardo Sodré com suas 'Crônicas do Beco', livro que será lançado amanhã, no Bardallos - Gonçalves Lêdo, 671 - a partir das 19 horas. Leonardo é pintor e cronista do Beco da Lama, dos seus mistérios e suas almas bêbadas, desde o tempo em que os becos eram iluminados pela luz mediterrânea dos versos líricos de Manuel Bandeira.

Oh! Sim, a lama do Beco tem alma. Conheci Leo Sodré no Beco Esplêndido. Iniciado pelo fraterno Eduardo Alexandre, explanava sobre quantas palavras cabiam num frame de imagens. Foi de pronto acolhido e aprisionado pelo encantamento do Beco. Perspicaz escriba, redator arretado, de uma criatividade que aflora da tez ao corazón. Antenado, nonada lhe passa despercebido, em tudo cabe o blague e o escambau - o que o torna interlocutor aprazível. De solidariedade irrestrita, avesso à discórdia, sempre contemporiza qualquer discussão, alheio ao conflito, beirando o bajulamento, daí a alcunha (nada pejorativa): XeleLeo! "Ô Xeleléu, o seu lugar tá garantido...".

As pessoas valem pela sua raridade. Descobri-o na plenitude quando "A embaixada do Beco da Lama viajou ao País de Mossoró". Leozito, Huguito, Alexito e Euzinho, realizamos uma transumância epopéica via Chap-Chap do urtigão Rogério. A entrevista com Ving-Un, a dança desinibida do acasalamento em plena Estação das Artes Eliseu Ventania, o porre homérico em Cristóvão, nas lonjuras das Areias Brancas... Foi convidado para ser o editor do jornal "O Mossoroense", e nos meses Rosados que lá permaneceu, deixou uma vacância saudosa, sentimos na pele como era sôfrega sua ausência nas plagas Bequianas. Enfim, foi sacramentado à irmandade una.

Escrevinhador. Em "direito de Sonhar", Gaston Bachelard filosofa: "a tinta de escrever pode fazer um universo se apenas encontrar seu sonhador". Leo, em seu efervescente labor criativo, escreve com tintas, e intrépido, pinta desvendando em matizes textos prosaicos, burlescos...

Nada como o inútil para ser artístico. No Genius Locki (magia do lugar) do Beco, o ímpeto transformador de línguas. Na escrita sodreniana a versão é infinitamente mais interressante do que o fato em si, ou mesmo, menos enfadonha que a crua realidade. Na sua singularidade de milacrias, tudo se metamorfoseia em tiradas sábias: acontecências, situações pitorescas e curiosas, falas bem contadas ou esmeradas tramas. Neste calidoscópio delirante de rapsódias, cultua as celebridades no âmago da cidade, na histeria permanente do Beco, estorvo criador de tipos universais, ressurgentes em cada espectro urbano, feito de risos, de lágrimas e de patifarias. Na vida mundana, tais personas representam seus dramas e status particulares: espécimes, figuras, trastes, bichos, cineastas sem filmes, ratos humanos, poetas sem rimas, escrotas corjas, pintores daltônicos, santos dementes, putas que pariram...

No exercício das artes plásticas, o "Expressionismo Caricatural", em que são rabiscados em lépidos traços: o ululático com sua barba imperial desalinhada; a pança de Carlança; o calombo (ou seria catombo?) no quengo do Dunga; os peixes num mar vermelho e infernal (o mesmo daquela temporada r-imbaudiana de Iluminações). Moleque traquino, de verve anárquica, vide as hilariantes bucetinhas caranguejeiras proliferadas no banheiro da Nazaré, que invocada, tentava flagrar o dito-cujo elemento e declará-lo proscrito no seu recinto etílico-epicurista.

Idiossincrático convicto, de santíssimos saberes, é o exegeta dessa paróquia dos pecados. De fé inquebrantável, na contramão do batalhão de suicidas sindicalizados que aportam sorrateiramente, esse menino de cinqüenta e poucos anos é sobrevivente de todo dia... Onde finda o caminho, inicia o Beco, que está para a cidade, assim como a estrada está para o mundo. Nas intempéries da confusão in urbe, tudo flui e conflui às entranhas das adjacências. Nesse território livre, de atmosfera tão singular, nada das crônicas na lábia encantadora de João do Rio, nosso apologista de vissitudes é Leozito, o escrevinhador caricatural. Bem-aventurados os ruidosos desse Beco porque deles é o reino do caos.

Plínio Sanderson
N'O Jornal de Hoje, Cena Urbana, coluna de Vicente Serejo

por Alma do Beco | 11:31 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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