Marcus Ottoni
"Após mais de 20 dias esperando o prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves (PSB), responder a uma solicitação formal de reunião com a comissão do Partido dos Trabalhadores que queria começar a discutir alianças para a próxima eleição, o PT desistiu."
Diário de Natal
Ilustração: Newton Avelino
BECO
Na linha reta
Tropeça o meu perfil
Traçado a ferro e fogo
Tornando tortuoso
O rosto em desatino.
Já não me sou
Verdade nem futuro.
Não passo de presente
Em ponto escuro.
Nem luz no túnel
Acena sol e sonho,
Nem beco sem saída
Se a entrada é muro.
Sou passo atrás
Dos argumentos vivos,
Sou riso superado
Para ouvidos moucos.
Enfim, se fui
A luta despojada,
Sou trajetória triste
E terminada.
Rubens Lemos
1987
I - DE TIRO A TOUROS (OS FENÍCIOS)
A quizumba toda, bota tempo nisso, começou com a História Universal de Diodoro da Sicília, ao descrever uma gloriosa viagem dos fenícios, muito antes de Cristo. Utilizando carpássios (grandes veleiros de cinco velas, embarcações de longo curso) e partindo da costa africana, perto de Dacar, no rumo do Sudoeste, atravessaram, de cabo a rabo, o Oceano Atlântico. Travessia, por sinal, muito parecida com a do beirão Cabral - que se fazendo de inocente, também de velas pandas, navegando para o Sul e topando com as correntezas e delas se valendo, segundo Lenine Pinto, (“Reinvenção do Descobrimento”) satisfeito da vida, aprumado que só ele, chegou a Touros (Praia do Marco).
Júlio Gomes de Senna, ceará-mirinhense ilustre e esquecido – com sói acontecer na nossa Jerimunlândia -, era um indivíduo competente, pesquisador e doutor em cartografia do antigo Ministério da Viação e Obras Públicas, no Rio de Janeiro, onde faleceu. Muito antes da bem postada e discutida tese de Lenine, escrevendo sobre as origens da sua terra, o “verde vale dos canaviais”, defendeu com excelente argumentação “que muito antes das viagens portuguesas, já a zona do Ceará-Mirim tinha na sua orla atlântica recebido a visita exploratória de outros povos ilustres”, acreditando, convicto, na presença dos ancestrais dos libaneses no nosso litoral. Tarcísio Medeiros e Pedro Moura, referem-se às inscrições parietais e desenhos encontrados na região, tendo o segundo afirmado que muito antes do século XVI, onze séculos antes de Cristo, povos civilizados, “os Fenícios, estavam presentes no atual território do Rio Grande do Norte, inicialmente em Touros, e depois em Extremoz.” Um austríaco polêmico, Ludwig Schwennhagen, dizia haver estudado aterros e subterrâneos no “lago de Extremoz”, além de ruínas existentes na Vila de Touros”. Canais, de dez ou mais quilômetros, abertos pelos navegadores, ligavam o Atlântico às lagoas próximas às praias, onde se abrigavam as troncudas naus mediterrâneas.
Navegadores de Sidon e Tiro, poderosas cidades-estado, fundaram Cartago, Cádis, Lisboa. Espalhando colônias, chegaram à Cornualha, Chipre, Malta, Sardenha, Sicília, passaram à África Atlântica, atingindo Mogador e Guiné. Competência e vontade teriam, pois, para vir ao Brasil e ao litoral do Rio Grande do Norte. Por que não, se inventaram o vidro, o seguro de bens, o alfabeto e outras milongas mais?
Na história não-oficial, depois deles – e antes de Cabral, pois, pois – aqui não estiveram, em junho de 1499, Alonso de Ojeda, no delta do rio Assu e, em fevereiro do mesmo ano, Diego de Lepe, no cabo de São Roque? O labrego João Ramalho, prás bandas do Sul, papando cunhantãs, não fazia, já, mamelucos, uns dois anos antes da descoberta de Colombo? Segundo alguns doutores das PUCs da vida, o “espírito áspero” do grego não é encontrado no Tupi, via influência cário-fenícia? O prefixo car (de “cário”) aparece em numerosas culturas ameríndias: Carioca, por exemplo, descende do tupi kara'ïwa 'homem branco' + 'oka 'casa, De onde, o homem branco, naquelas alturas? Cário-fenício? Vai por aí o nhenhenhém...
Sobre a origem do topônimo “Touros”, há controvérsias. O supimpa Câmara Cascudo,
oráculo-mor da paróquia nessas filigranas, no seu “Nomes da Terra”, tirou o time de campo, ficando calado que só um coco, na dele. Excelências outras, chutando ou não, apontam três versões. Uma muito fraca, raquítica: teriam, os primeiros portugas avistado bois pastando, dando bandeira, de rolé, na desabitada costa. Nada a ver, a não ser havendo referência – vou chutar, também - a um dos significados de Tiro, valendo “força”, uma das alcunhas do reino fenício. Outra, alinhavada às custas de uma “barreira pedregosa que configurava uma impressionante cabeçorra taurina”, vista da enseada – chamada pelos indígenas de “Suaçu-Guaçu” (veado grande, êpa!). Caprichando noutro arremesso, de trivela, lembro de outro significado de Tiro, lá deles: “rocha”, valendo “saliente no mar; rochedo, grande massa de terra extremamente dura, banhada pelas águas” (Houaiss).
Resta “Touros”, vocábulo corrompido, vindo de Tiro, a poderosa cidade-estado fenícia que - bota tempo no tempo - tanta dor de cabeça deu a Alexandre Magno, glorioso rebento de Olímpia do Épiro e Felipe da Macedônia. Por que não?
2) DE RIFFAULT AO REFOLES (OS FRANCESES)
A utópica França Antártica de Villegaignon (1555) não tinha dado certo. Por essa época, todo o litoral brasileiro que não tinha o domínio português foi sistematicamente batido pelos franceses, chamados de “intrusos” pelos lusitanos. Não fundavam povoados, vilas, cidades. Aventureiros, marinheiros corsários da Normandia – em nome do Rei de França - interessava-lhes, apenas, o tráfico da ibirapitanga e dos búzios. Nada impunham aos silvícolas, levando vida mansa, fazendo amizade com os tuxauas, beiço furado, bebendo cauim, banzando nas tipóias, cabeça feita de chá de jurema na companhia dos pajés. Não era raro, nessa quadra, entre os potiguaras, aparecerem cunhãs e corumins de cabelos louros e olhos azuis...
Jacques Riffault aqui deixou fama e temor. O Refoles – antes Nau do Refoles e sítio onde hoje está a Base Naval de Natal, numa curva do “Potengi amado” – lhe recorda o nome e as estripulias entre nós. Destemido, em 1597, partindo desse ancoradouro, comandando uma dúzia ou mais de embarcações piratas, atacou a Fortaleza de Cabedelo, na vizinha Paraíba. Foi um dos idealizadores, ainda nos idos de 1594, da chamada França Equinocial, na “ilha do Maranhão”, que conhecia bem. Chegou, inclusive, a propor a empreitada ao Rei Henrique IV, em parceria com um dos seus tenentes, Charles des Vaux. Desapareceu depois, no tempo e no vento, sem adivinhar que séculos depois, no seu porto da curva do rio, descansariam das formidáveis travessias as grandes asas das “libélulas de aço” de Mermoz.
Laélio Ferreira