Marcus Ottoni
“Ainda bem que minha mãe já se foi. Porque se ela ainda estivesse aqui eu levaria uns tapas quando chegasse em casa hoje. Fui mal-educado, mas não fui sozinho.”
Eros Grau, ministro, em tumultuada sessão do STF, sobre uma lei de Minas Gerais que mantém no cargo 126 defensores públicos não-concursados.
Ainda acredito
Na lei da distância
Democrática, intacta
Sábia, equilibrada
Bem estruturada
Facilmente assimilada
Inteiramente humana
Deborah Milgram
TRÊS SONETOS COMEÇANDO EM PARA
1.
Para escrever grande, comece assim: "em tese".
E lá pras tantas um rotundo "em princípio"
(nem tanto lá pras tantas, pode ser no início).
No final: "ou seja". Mas, veja, não se apresse...
A turma gosta dessa coisa tipo ascese.
Então, aproveite: meta o malho no vício
(no de linguagem, não, irmão. No mais difícil
de encarar: o seu. Mas, e daí? tergiverse!).
Importa é o seu discurso altivo e escorreito,
como faz (copia!) o neófito em Direito
(neófito! e eu quase me esquecia dessa).
Olhe a coisa feita. Se orgulhe do seu texto!
Você é o cara inserido no contexto!
Um Machado temporão —oh!—quiçá um Eça!.
2.
Para escrever um poema bem cabeça,
desses que o leitor faz que entende e não entende
pê ene (aliás, nem você compreende),
escreva com desdém e muito tédio e desça
o verbo (vê lá: com desdém) em quem pareça
só saber escrever com start, middle & end.
Você, não. Você é do tal que não se rende
nunca a qualquer inspiraçãozinha besta.
Cite um poeta esquecido (é mão na roda!).
O leitor vai dizer: rapaz, o cara é foda!
"Eu sou a última Coca-Cola do deserto!",
(você vai se achar). Depois (sempre com desdém),
diga ao leitor: que é isso, meu brother!, nem vem!
Ah! "concisão" é a palavra. Fique esperto.
3.
Para escrever sobre o que não se conhece,
nada como uma busca básica no Cadê
ou no Google (todo mundo faz!). E você
estará apto pra dizer o que acontece
quando a pressão sobe e a temperatura desce
e o que isso implica no fato de chover
ou fazer sol no seu quintal. E perceber
que, se você não é o tal, tal se parece.
Vale até (vá por mim) pesquisar o latim
e, como quem não quer nada, dizer assim
uma frase ou outra, citando sempre o autor.
O seu conceito vai subir que benzadeus!
O tema é verso grego? busca-se "troqueu".
E dirão (juro!) de você: puta escritor!
Antoniel Campos
Esse estigma esse ranço esse receio essa cólera de ironia travestida essa patrulha essa partilha esse guia essa vontade dos caminhos da poesia esse achismo esse ismo esse outro ismo esse atavismo em vã guardismo esse fascismo esse apartheid esse dedo indicador essa receita essa doença esse doutor essa palavra essa não essa palavra esse escaninho esse jeitinho bonitinho essa postura esse salto essa impostura essa rede de sim-sim essa costura essa estratégia essa falácia esse tribuno esse quartel essa polícia esse coturno essa salada essa sopa essa lavagem essa ordem de beber goela abaixo esse arauto apocalíptico e demiurgo esse moicano derradeiro desse burgo esse poema de outdoor e passarela essa tramela esse embuste essa panela
Antoniel Campos
Pela concisão, contra a concisão
Então, daqui pra frente — quem foi mesmo o guardador dos caminhos e em qual data? —, a poesia será concisa. E ai daquele que ousar a contramão. Ansioso, prolixo e verborrágico ficarão de boa monta aos recalcitrantes. E haja o poeta iniciante ir atrás dos próximos ditames dos “iniciados”, os guardadores dos caminhos. E tolhe aqui, tolhe acolá. A tesoura passa a ser mais importante do que a palavra. Acredita piamente que o seu poema alcança a poesia pretendida pelo guardador, qual seja, A Poesia. Quebra o verso na metade com a rapidez de um “enter” (o poema ficara diminuto demais...), como se isso, por si, agregasse valor ao já concebido. Como se a disposição espacial do verso no poema estivesse divorciada da leitura e do ritmo que ele, autor, gostaria de dar. Mas isso é outra história. Voltemos à concisão. O prejuízo ao entendimento da mensagem é totalmente desprezível, face à canalhice inventada de que tudo o que se pretende poema, há que ser conciso. Ora, o que é concisão? Por ventura algo relacionado à extensão do poema? Lógico que não, dirão os prestimosos teóricos. Tem a ver com a idéia, o insight, o flash, a fagulha poética captada pela lente do poeta, dirão. Ponto pacífico até aí. Mas é aí, justamente, onde quero chegar. Porque esse cânone esdrúxulo que se quer impor na poesia, esse fascismo indefensável, tem sido responsável pelo que vemos por aí, uma proliferação de poemas “angustiados”, com duas vertentes: a primeira, pela confusão entre concisão e extensão, o que leva a poemas microscópicos; a segunda, e a mais grave, pela abordagem apenas de uma idéia, a idéia central, com a pressa, a angústia para dizer de uma vez aquilo que foi captado, aquilo em que reside poesia. Aí é o poeta que se tolhe, não o poema, pois abre mão da possibilidade de surgir outros momentos no poema, igualmente válidos, igualmente poéticos. Por quê? Porque o sentimento de extensão está interligado, no entendimento dele, à abordagem única da idéia captada. Pode-se fazer poesia escrevendo poemas diminutos em extensão e abordando um único tema? Óbvio que sim. O que não se pode dizer é que toda poesia tem que ser assim.
Outras canalhices foram inventadas, como a não-adjetivação do poema e a necessidade imperiosa da substantivação do poema, como se o escritor estivesse fadado a abrir mão de suas ferramentas de trabalho — as classes das palavras —, ou como se um pintor estivesse proibido de usar certo tipo de pincel, ou um entalhador só pudesse usar o buril e nunca a goiva, ou um músico de não visitar certos ritmos. Mas isso, também, é outra história. Escrevamos aquilo que tivermos de escrever, sem nos preocuparmos com extensão ou quantidades de idéias abordadas. Que isso seja conseqüência e não causa do poema. E tenhamos a convicção de que não há guardadores dos caminhos da poesia. Cada poeta constrói o seu.
Antoniel Campos