FESTIVAL DO FORTE // GALERIA DO POVO (1977 - 1º de Outubro - 2007)
ENTREVISTA DE EDUARDO ALEXANDRE A FILIPE MARQUES MAMEDE GALVÃO
Filipe Galvão - Quem foi ou quem foram os idealizadores do festival?
Eduardo Alexandre - Numa tarde de 1978, chegou ao muro da Galeria do Povo, em exposição na Praia dos Artistas, o artista plástico paraibano Sandoval Fagundes, que, à época, morava em Natal e mantinha um ateliê na rua Padre Pinto. Conversamos e ele sugeriu que ampliássemos aquele movimento com música, teatro, dança, sugerindo a realização de um festival.
Topei de imediato contribuir com a idéia, e sugeri que o Festival, que se chamaria Festival de Artes do Natal, se realizasse na Fortaleza dos Reis Magos, daí ficar conhecido como Festival do Forte.
Filipe Galvão - Você se lembra do que 'tinha' no festival? Algum causo/anedota? Fale um pouco sobre isso?
Eduardo Alexandre - O primeiro foi de apenas um dia e foi realizado na Fortaleza, no dia 30 de dezembro de 1978. Já com música, artes plásticas, poesia, fotografia.
O segundo foi realizado no ano seguinte, também em um só dia, mas no Centro de Turismo, com uma produção praticamente solitária de Carlos Gurgel.
Em 1980 não houve festival, que voltou com força no ano seguinte, já com versão de três dias, e reunindo todas as artes. As exposições foram ampliadas e levadas agora às salas internas da edificação. Foi uma trabalheira colocar os quadros naquelas paredes de pedra.
No ano seguinte, 1982, iniciou-se um debate para criar-se ou uma cooperativa de artistas ou uma associação. Em 1984 já tínhamos a Cooperativa dos Artistas de Natal – Coart, dirigida por Chico Alves e a Associação dos Artistas Plásticos Profissionais do RN, presidida por mim, ambas com sede no Centro de Cultura, onde hoje funciona o Memorial Câmara Cascudo.
Nesse ano, vendo que o Forte já estava ficando pequeno para o público que a ele se dirigia, sugeri que a parte de espetáculos fosse realizada em um circo a ser montado diante do Forte, nas proximidades do Círculo Militar, mas a FJA, que tinha o Circo, deu parecer contrário, alegando que o solo arenoso e o vento não deixariam a lona em pé.
Os Festivais continuaram a ser realizados na Fortaleza por mais uns dois ou três anos, até ser levado para o Bosque dos Namorados e depois Cidade da Criança, onde foi realizada sua última versão.
Filipe Galvão - Quem era o público? Quais as influências políticas e culturais da época?
Eduardo Alexandre - O público era composto basicamente pela juventude, estudantes universitários e secundaristas, ávidos para mostrar e conhecer a produção artística que estava sendo feita em Natal.
Vivíamos tempos de ditadura e o movimento tendenciava ir de encontro àquela situação. Era um grito quase geral. A música brasileira era de muita criatividade e seus compositores faziam a cabeça da moçada contra aquela situação, que tinha n’O Pasquim uma trincheira de humorismo, informação e luta. O teatro também exercia reação, como boa parte da imprensa e da intelectualidade brasileiras. Era um tempo de muito inconformismo.
Filipe Galvão - O Festival, juntamente com a Galeria do Povo, era a tradução da contracultura local. Como você avalia esse tipo de iniciativa?
Eduardo Alexandre - Havia uma sede muito grande de se fazer algo, fazer aquela realidade mudar. O mundo inteiro estava passando por revoluções nos costumes, nas consciências, e era natural que isso desaguasse também em nossas terras. A liberdade que exercíamos na Galeria do Povo, contrariamente àquela repressão toda, era um apelo e um incentivo à grande participação que o movimento alcançou. Terra de poucos artistas até então, com a Galeria do Povo e os festivais, estes foram surgindo às dezenas, multiplicando-se em todas as áreas de manifestações artísticas.
Com a Galeria do Povo funcionando todos os finais de semana no local de maior afluência popular da cidade, que era a Praia dos Artistas, o surgimento de outros eventos ocorreu e muitos grupos se formaram a partir daqueles encontros de pé de calçada.
Filipe Galvão - Em relação à Galeria, quem eram os expositores? Qual a importância da Galeria na época? Quem freqüentava?
Eduardo Alexandre - Eu dizia à época que a Galeria do Povo surgira de uma necessidade de voz. Uma necessidade de se dizer em muro o que não se permitia dizer em jornais, censurados pela ditadura. Em abril de 1977, o presidente general Geisel fechou o Congresso Nacional e legislou por ele, causando grande revolta entre os cidadãos brasileiros. Naquele momento, foi que me veio o impulso de ir ao muro e protestar contra todo aquele absurdo. Comecei a preparar material para as primeiras exposições, a partir de oficinas que fazia no quintal lá de casa, com o pessoal da minha rua e adjacências do Tirol. O poeta Carlos Gurgel, quando iniciado o movimento em 1º de outubro daquele ano, teve uma importância fundamental, porque conhecia um maior número de pessoas ligadas à arte do que eu, egresso do jornalismo e de curso de Ciências Sociais. O repórter fotográfico Marcus Ottoni é outro nome que não pode ser esquecido nessa história, junto desde o princípio, documentando, e chegando a levar a Galeria do Povo ao Cruzeiro Novo, em Brasília, onde durante anos também funcionou.
Citar nomes num movimento grande como foi a Galeria do Povo é certeza de muita omissão. Mas lembro Fernando Gurgel, Assis Marinho, Novenil Barros, Nelson Quinderé, Nival Mendes, Ênio de Góes, João Natal (assinava João Maria, à época), Léo Sodré, Marcelo Fernandes, Marcelus Bob, Flávio Américo Novaes, Pedro Pereira, Valderedo Nunes, tantos, estes nas artes plásticas. Giovani Sérgio, Marcus Ottoni, Argemiro Lima, João Maria Alves, na fotografia foram alguns destaques. Marize Castro, Volontê, João da Rua, Flávio Resende, alguns dos poetas que mostraram ali seus versos pela primeira vez. Lembro também nomes como os de Sofia Gosson, Aluízio Matias, Dorian Lima, Venâncio Pinheiro, João Barra, Harrison Gurgel, Deoborah iskin Costa, hoje Milgran, Mário Henrique Araújo, Talvani Guedes da Fonseca, Jota Medeiros, Carlos Jucá, Alamilton Lima, Marconi Ginani, Carlos Astral, João Gothardo Emerenciano, os irmãos Lola, Fon, Eustáquio... É muito difícil lembrar de todos.
A Galeria proporcionou o encontro de toda essa gente, para realizar trabalhos coletivos ou individuais, o que fez crescer o movimento cultural da cidade. As exposições eram realizadas aos sábados e domingos a partir das 10h, e nós não repetíamos trabalho, obrigando o pessoal a produzir sempre, para que tivessem seus trabalhos expostos. As exposições eram, portanto, sempre diferentes, inéditas, e normalmente traziam uma palavra de ordem em forma de faixa de manifestação ou em letras recortadas de papel e afixadas ao muro. "Por uma Democracia Verdadeira, Por um Brasil Feliz!"; "Ao Povo Brasileiro, o Direito de Escolher os seus Próprios Destinos: Pela Convocação da Assembléia Constituinte!" Por exemplo.
A Galeria do Povo não era comercial: era um movimento que buscava mostrar a necessidade de união popular para combater aquela situação política adversa que o Brasil vivia. Chegamos inclusive a criar o Partido do Povo Brasileiro, depois registrado por um grupo que não oferecia a menor confiança, da mais legítima direita, a mando do então presidente Zé Sarney, que quis transformar o partido de sustentação da ditadura, a Arena, neste Partido do Povo Brasileiro que criamos aqui. O registro foi efetuado por um testa-de-ferro, a mando de Sarney.
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O Bobo da Corte
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