segunda-feira, junho 04, 2007

E EU SEI?

Marcus Ottoni

Cai, cai balão
Verso de música folclórica brasileira
Reprodução: Karl Leite // Foto de autor não identificado

Metrônomo

Medir o tempo
Entre a memória e
o agora
Ter a certeza
Que de fato
Nada aconteceu
Sorrir da saudade
Que por enquanto cresceu
Por um acaso
Esbarrar no sentimento
Seja ele afeto, carinho ou
Efêmero momento

Deborah Milgram


Ao Dia Internacional da Prostituta
02 de junho

A ti, prostituta bela
Que esperneia
Nesse mar de esperma
A espera flutuante
Desse leite escaldante
Embebida
E mergulhada
No mar
No maremoto da vida
Entre marés
Silencias
O desejo incontido
Num vazio
Num vaso
Sem flor
A ti, prostituta bela
Leio
E deleito-me em seus versos
E reversos
Na história
De estórias reais
É para você
Prostituta bela
Que escrevo nesse branco
Cor do seu leite
Papel
No papelão da cama
Da cana
Na canalhice
Velhice
Que deixaste de ser
A prostituta bela

Oreny Júnior



E eu sei?

Era um sábado chato, cheio de chuvas. Da janela do apartamento, o visual contrastava entre o cinza provocado pelas nuvens e o verde molhado e alegre dos morros do Parque das Dunas. Quase nada para fazer. Os filmes que passavam nos vários canais da TV a Cabo eram chatos, outros repetidos. Voltar a pintar o painel que eu estava produzindo desde o começo da manhã era impraticável. Estava sem saco, sem inspiração e sem paciência para focar os pequenos detalhes. Não tinha o que fazer. Até que o telefone tocou. Era o escritor e fotógrafo Hugo Macedo:

- Leo, você passou aqui por perto do Bar de Nazaré?

- Passei. Saí para comprar cigarros e não parei porque não vi ninguém conhecido...

- Homem! Venha para cá. Estou sozinho na maior luta para terminar uma garrafa de cerveja bem geladinha...

O convite certo. No sábado certo e na hora certa. Em poucos minutos estávamos discutindo os problemas brasileiros, falando da possível derrota do América – isso porque Paulinho de Nazaré sentou-se na mesa vestido de abecedista para agourar o Mecão -, que terminou perdendo no outro dia.

Amigos chegavam e saiam, até que no finzinho da tarde a garçonete Tázia, olhos brilhantes por causa dos galanteios do dono da “Capitão Gancho Produções Artísticas”, anunciou sorridente, solene e aliviada, como se estivesse em um fino restaurante, daqueles que aparecem na revista Deguste:

- A “chef” Nazaré mandou anunciar que a cozinha está fechada.

Foi o mote para nos mudarmos para o Bardalos. Aliás, o Bardalos é o destino oficial de todo mundo quando nos fins de tarde de sábado os bares das proximidades do Beco da Lama começam a fechar. Ricardo, o garçom, de mau-humor ou não, nunca fecha cedo e os papos se prolongam. Aliás, agora ficou mais difícil chegar em casa, porque Pedro Abech também resolveu abrir um bar que não tem hora para fechar.

Hugo já estava meio “triscado” – havia misturado a cerveja com algumas lapadas de cana -, quando começamos um papo sobre cinema numa mesa de fundo com o cineasta Carlos Tourinho. Papo bom, cheio de revelações, até que chega à mesa um amigo de Hugo, com sotaque francês e pergunta:

- Hugo, quem ganhou o MPBeco?

Hugo olhou para mim com aquele olhar de quem está vendo dois. Depois olhou para Carlos Tourinho e, por fim, para o teto. Pensou um pouco, alisou a barba, tomou um gole de cerveja de supetão e estirou a palma da mão esquerda como se estivesse segurando uma bandeja. Com a direita iniciou um movimento de corte, como se partisse um pão e disse rápido, muito rápido, olhando bem dentro dos olhos do amigo:

- Dunga ficou em terceiro lugar!

- Mas Hugo – retrucou o francês – eu quero saber quem ganhou...

- E eu sei?

Leonardo Sodré



Cascudo na Lei

A frase do Oscar Wilde: "toda arte é essencialmente inútil" é emblemática. Remete-nos à constatação de que a modernidade traz consigo o dilema do papel estatal e seu imbricamento com a Cultura e a Arte. A Cultura não mais como acessório supérfluo, mas alicerce na construção de qualquer sociedade.

Historicamente, a relação entre estado e cultura vai do mecenato clássico, numa cumplicidade assistencialista/ideológica; passando no início do século XIX para o patrocínio, consolidado em meados do XX com o marketing cultural, que fundiu interesses corporativos e mercadológicos. Recentemente, o estado oferece benefícios fiscais instituindo o "investimento incentivado" - através das Leis de Incentivos. A lógica do mercado deve substituir a política pública? A questão é: como se dá a transferência dos recursos públicos? O Estado deve ser isentado de quais obrigações?

No atual contexto, as Leis de incentivo à cultura em todos os níveis federativos carecem de revisão. A Lei estadual Câmara Cascudo não foge à regra, pois não democratiza o acesso à produção, à distribuição ou mesmo o consumo dos projetos culturais. A Lei Nº. 7.799 entre 2000 e 2006 abdicou em forma de renúncia quase 20 milhões, sem, no entanto, fomentar a produção artística e nem engendrar um azimute para a cultura no RN.

Pontos de discrepâncias e incongruências...

As competências concorrentes, com projetos semelhantes, por exemplo: os festivais de rock e/ou de músicas independentes, as indústrias carnavalesca ou de autos, os festivais gastronômicos. Tais projetos perfazem mais da metade de toda renúncia anual. O pior é que estes terminam facultando uma reserva de mercado e a perpetuação dos projetos. Como decorrência, a monopolização na captação de recursos. Isso vai de encontro à essência da Lei que é estimular a produção artística e não criar projetos cativos ou dependentes da famigerada.

A multiplicidade de projetos por proponente num mesmo ano fiscal. A concentração de projetos na capital, sem considerar a interiorização da Cultura. Projetos com duplicidade de Leis. Várias instituições insistem em usar como fundo mantenedor a Lei. A falta de limite nos valores. Há projetos de meros eventos (pagos) que custam, pasmem, mais de R$ 500.000,00. Faz-se necessário criar tetos, exemplo: grandes projetos em até R$ 200.000,00, médios até R$ 100.000,00 e pequenos em até R$ 50.000,00. Obscura é a polêmica se instituições governamentais podem participar do processo? A disputa entre a chancela oficial e artistas não seria capciosa, injusta e desigual?

As Leis constituem um diálogo entre o público e o privado, onde os produtores são elos importantes. Entretanto, há uma proeminência destes em detrimento do artista ou do próprio produto. Nos custos dos projetos, a rubrica de produção (pré e pós), coordenação, elaboração, captação, entre outros, são superiores ao que os artistas recebem para executar o espetáculo. Tem projetos que 80% do valor fica na mão (ou nos bolsos) de uma pessoa, ou grupos que se revezam nos cargos em projetos simultâneos.

A Lei se configura um anacrônico retorno ao clássico mecenato, onde meia dúzia de empresas dão as cartas, uma benesse conferida ao setor privado (e oligoprodutores) como incentivo à cultura. Quantas empresas "patrocinam" cultura por entender os benefícios do marketing e investimento social/privado que obtêm com projetos culturais ou por simples motivação financeira?

A verba que viabiliza (80%) a realização do projeto é oriunda do erário. A contrapartida da empresa é uma falácia. O ganho de imagem através da divulgação na mídia é realidade inconteste. Uma empresa consegue retorno multiplicado como ressarcimento do "valor investido", os parcos 20% do total. Entretanto, a grande maioria dos projetos se caracteriza como efêmeros eventos de cunho meramente lucrativo (entrada paga, camiseta, pulseiras). A participação privada sai gratuita e o contribuinte comum não tem condições financeiras que lhe permita pagar para assistir, tendo sido ele, em última instância, quem financiou.

O estado poderia aplicar o valor dos incentivos diretamente? É legítimo o governo interferir ou não? Um estado interventor, que presta serviços culturais, ou um estado regulador, que planeja e financia ações delineando o caminho a ser seguido pela iniciativa privada sob influências de mercados?

Sepulcral é a ausência de política cultural no estado. Nada insólito, a primeira Lei de incentivo à produção intelectual da República eclodiu aqui no Rio Grande do Norte (1900), no governo do mecenas Alberto Maranhão, sob o auspício do mestre Henrique Castriciano. A Lei Cascudo deveria ser um veículo com o qual o estado pretendesse atingir um alvo. A seleção dos projetos, paradigma para atingir objetivos: observar a excelência e a relevância da proposta; analisar o benefício cultural de sua realização; estimular projetos estruturantes, que primem pela inclusão sócio/cultural; priorizar projetos que ressaltem a identidade e/ou o pertencimento cultural com o imaginário do estado.

Falta cultura para transformar a estrutura! Cabe a mudança da Lei e a implementação de uma prática que venha tornar-se instrumento eficaz de legitimação do estado, mediante a globalização que incide avassaladora, reelaborando tradições e lugares. Ao invés de artes expressivas, arremedos reprodutivos; no viés da arte-criação, a consagração do fútil. Como fica a produção artística experimental ou não-comercial? Essencial é instituir o "Fundo de Cultura" para contemplar as artes não convencionais. Enquanto isso, urge a normatização da Lei vigente, prevista na secção VII, artigo 27, antes que o urubu venha bicar, ainda mais, a cultura nessas plagas cascudianas.

Plínio Sanderson
Membro da Comissão de Cultura do Estado

por Alma do Beco | 4:54 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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