sábado, junho 16, 2007

MARES POTIGUARES

Marcus Ottoni


"Obra de requinte e apuro estético-musical refinados, o CD “Mares Potiguares” traz diversas composições de Mirabô em parceria com nomes como o tropicalista Capinan, Neumanne Pinto e Maurício Tapajós."
Isaac Ribeiro

João Maria Alves / TN



Unidunitê

Melancólico Ocidente
Memórias juvenis
Contatos casuais
Chuvas torrenciais
Eternas esperanças
Cheiro de abundância
Nele me inspiro

Sinuoso Oriente
Instabilidade duradoura
Conflitos permanentes
Soluções impotentes
Ser ou não ser tolerante?
Viver ambivalente
Nele respiro

Espaco virtual
Sedutor intelectual
Aproxima o irreal
Elimina o sensual
Intimida o pessoal
Esquece o fundamental
Nele conspiro

Deborah Milgram


ACABOU A HISTÓRIA

A cerveja estava gelada, suada, feito uma mulata depois do desfile de carnaval. Numa barraca, na Praia do Forte, Graco Medeiros observava o mulheril que passava e uma pelada de futebol de dois times ruins de morrer. Olhava mais as mulheres e calculava o tamanho de cada biquinezinho daqueles. Vez por outra, dedilhava no Laptop algumas frases para sua coluna do Sanatório da Imprensa. Mas estava chateado com algumas coisas do grupo de discussão do Beco da Lama.


“Na semana passada, Hugo estourou e eu estou quase inchando... Sabe de uma coisa, eu vou é embora desse grupo. Pronto!” Pensou, enquanto quase desenroscava o pescoço em busca de um traseiro perfeito, que se rebolava em direção ao Forte dos Reis Magos. “A calçada é pequena para essa bunda”, mastigou as palavras baixinho.

Voltou para o computador e escreveu uma mensagem ameaçando sair do grupo de discussão. Vige! Foi um reboliço do tamanho do Potengi. Até música de Jane e Erandir o homem recebeu pela Internet, quase em tempo real. Mas estava decidido a sair. “E ainda vou passar por lá para anunciar” – pensou. “Somente volto nos braços do povo” – agora havia falado alto e o garçom perguntou:


- Quer outra de novo? Essa daí já secou?


Nem respondeu, acrabunhou-se e foi escrever as coisas de seu heterônimo que é mais conhecido do que ele. Salpicou veneno naquela crônica! Tava puto, mas não perdia o jeito alegre de escrever, nem do chacoalhar da cascavel. Parecia ouvir o barulho característico, mas era o seu telefone:


- Amigo velho – era Dunga -, passe no Beco para a gente tomar umas...


- Hum... Vou, sim. Aliás, Dunga, agora eu somente freqüento o Beco real. Do virtual vou me mandar para sempre.


Já no Beco, após agüentar uma ruma de críticas por causa da saída do aconchego virtual, decidiu dizer que ia pegar um Rocas/Quintas e ia beber lá perto da Urbana. Levantou-se e começou a caminhar pela Travessa do Tesouro, quando ouviu o retumbar das pegadas e dos deslocamentos dos prédios, tal qual uma propaganda de celular que passa na televisão. Ele correu rápido com medo da Pinacoteca cair por cima dele e daquela multidão que o acompanhava. Desceu em velocidade mortal em direção ao Paço da Pátria e, quando olhou para trás, tinha todo tipo de gente do Beco. E todos os prédios daquela região e adjacências lhe acompanhavam como uma pintura surrealista.


Pensou que era um sonho e não olhou mais para trás. Foi uma carreira só, até chegar num boteco das Quintas. Sentou-se e, quando olhou, viu que a paisagem estava diferente. O bar de Nazaré estava instalado numa rua perto da Ponte de Igapó, e o Bardalos estava do outro lado do Potengi. O Bar de Nasi estava numa travessa já perto do Rio das Quintas e a Pinacoteca ocupava o lugar da Urbana. A Catedral, perto do curtume Jota Motta.


Esfregou os olhos e olhou novamente. Estava tudo ali mesmo. Do outro lado, Jotó, cheio de telas na mão, acenou com a bengala. Parecia que todo mundo tinha se mudado por causa dele. “De mim, não... Da falta de moderador”, disse para uns bêbados que não entenderam nada.

Era um sábado.

No outro dia, o prefeito Carlos Eduardo, cercado de assessores, olhava aquele imenso vazio do que era o Centro Histórico de Natal. Balançava a cabeça de um lado para o outro, sem entender nada...


Um assessor arriscou dizer:

- Isso só pode ter sido coisa daquele pessoal da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e das Adjacências, a tal da SAMBA.

Leonardo Sodré



O resto é mar

15/06/2007 - Tribuna do Norte

Rafael Duarte - Repórter



O encontro do mar com o rio fascina Mirabô. Do alto da Fortaleza dos Reis Magos, a união do Atlântico com o Potengi provoca nele sensações nostálgicas. Algumas boas, outras nem tanto. Mas lá no fundo, acabam desaguando em homenagens. Perguntado sobre qual dos mares potiguares lhe desperta hoje mais desejos, apontou a voz para a praia do Forte. E desde ontem pela manhã, quando aceitou abrir o baú para falar do disco e do livro que acabam de chegar ao mercado justo no ano em que lá se vão 60 primaveras, um punhado das estórias musicais desse filho de Areia Branca fincaram pé naquele amontoado de rochas que ao ver pela primeira vez, revela, não fazia idéia de como o homem conseguiu levantar. “Quando vim para Natal, aos 14 anos, e conheci o Forte, não tinha noção de como conseguiram construir isso. É a primeira lembrança que me vem à cabeça quando venho aqui. Também ajudei a organizar o I Festival de Arte do Forte, que marcou nossa geração. Outra coisa é que o encontro do rio com o mar sempre me encantou. Mas eu também tenho medo. Quando criança em Areia Branca, na única vez que entrei no mar, quase morri afogado”, revelou antes de negar a pergunta sobre se o nome do novo disco, Mares Potiguares, tem relação com o trauma de infância. “Não tem nada a ver, nesse caso é apenas uma homenagem mesmo”, diz.

Na levada das composições próprias e com parceiros amigos da MPB que reúne neste segundo disco da carreira - o primeiro foi lançado no início dos anos 80 com apenas duas faixas (produzidas pelo cearense Raimundo Fagner) porque a gravadora CBS mudou a diretoria e freou todos os projetos em andamento na época - Mirabô traz o livro “Umas histórias, outras canções” onde relata vários acontecimentos em que participou ou foi testemunha na carreira. O kit (livro + CD) sai por R$ 30. O lançamento oficial é dia 21 de junho, no bar Bate Papo (antigo Chap Chap), em Mossoró. Areia Branca e Natal, ainda este mês mas sem data definida, também fazem parte do roteiro do compositor.

Um projeto que, diga-se de passagem, custou além de anos de dedicação e muita grana. Para produzir CD e livro, Mirabô precisou vender a casa que tinha em Areia Branca. Com os R$ 20 mil da propriedade, comprou um “carro velho” e realizou o resto foi para a realização do sonho. “Moro hoje na casa da minha irmã adotiva aqui em Natal, mas já estou terminando de construir uma casinha que comecei em Pium”, revela ele, que integra hoje a equipe do Centro de Promoções e Eventos da Fundação José Augusto.


Timidez

A timidez assumida de Mirabô Dantas dificultou um pouco as coisas para ele na hora de enfrentar o mercado, isso a partir da segunda metade dos anos 70 quando, à convite do jornalista potiguar Dailor Varela (na época repórter da revista VEJA), foi morar em São Paulo com a esposa Odaíres, e pouco tempo já no Rio de Janeiro.

O compositor, no entanto, também credita o fato de não ter lançado um novo trabalho entre o disco abortado pela CBS e o que vem à tona agora, ao engajamento no movimento sindical no Rio e à própria visão que tinha do mercado. “Trabalhei cinco anos no sindicato dos músicos do Rio e quando saí tive dificuldade para arrumar emprego. Também sou muito tímido, nunca quis ser cantor. As pessoas que me conhecem dizem que sou acomodado, mas eu tinha uma angústia. A carreira de um astro da MPB é complicada. Ser um novo Fagner, um novo Djavan... esses caras tiveram muita paciência. Comecei a fazer o CD há dois anos, e como tinha boas histórias inéditas, resolvi esperar os 60 anos para fazer um trabalho comemorativo”, disse.


Umas histórias para contar...

Em ‘Umas histórias, outras canções’, Mirabô narra casos inéditos que ocorreram com ele e os amigos de mais de 30 anos de música, entre eles Capinam e Fagner. Algumas letras também foram registradas na obra. Uma das curiosidades é que apesar da amizade, Fagner e Mirabô nunca assinaram uma parceria juntos. “Nunca quis me aproveitar de amizades para ter uma música gravada, tinha esse receio. E Fagner subiu rápido, quando trabalhou na CBS fez questão de ajudar vários amigos nordestinos que estavam começando mas nunca pedi nada nesse sentido. Já a amizade e parceria com Capinam nasceu por correspondência. Eu tinha ouvido falar dele e ele de mim. Aí um dia ele me mandou uma letra pequena numa carta e fiz a melodia. Prefiro as melodias, mas hoje já estou criando mais letras”, conta. No Rio de Janeiro, para onde fugiu do frio da pele e da alma que sentia em São Paulo, se juntou aos artistas nordestinos que tentavam firmar a carreira na época. Uma turma que tinha Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Manassés, Fagner e Moraes Moreira. Questionado se alguém o desapontou em alguma passagem da vida, nega. Mas lembra no livro uma história até hoje mal explicada com Zé Ramalho. “Eu tinha acabado de sair do sindicato e não encontrava oportunidade. Aí procurei o Nelsinho Rodrigues Filho, que tinha um bar no Rio chamado ‘Barba’. Ele disse que me dava uma chance desde que eu convidasse quatro amigos famosos da época. E chamei Geraldo Azevedo, Bráulio Tavares, Manassés e Zé Ramalho. No dia do Zé Ramalho, ele não apareceu. Na hora, avisei ao público que quem quisesse o dinheiro do ingresso podia pegar. Mas um cara lá do fundo disse que eles estavam ali para me conhecer. O pessoal aplaudiu, o Manassés que estava lá subiu no palco e foi um show maravilhoso. Pelo menos naquela noite, meu amigo Zé Ramalho não fez falta”.


Mares potiguares: requinte e apuro estético


Por Isaac Ribeiro - crítico de música


Os afortunados que tiverem a oportunidade de ter em suas mãos livro e CD de Mirabô encontrarão um pouco da história de um dos grandes compositores da canção potiguar. Saberão a trajetória árdua e brilhante que o artista teve que trilhar para cunhar seu nome no panteão da MPB.

Obra de requinte e apuro estético-musical refinados, o CD “Mares Potiguares” traz diversas composições de Mirabô em parceria com nomes como o tropicalista Capinan, Neumanne Pinto e Maurício Tapajós, entre outros. É uma obra madura, mas que conserva o frescor de uma novidade eterna, numa seleção de harmonias bem construídas e de poemas de um lirismo inegável, com exaltações à mulher e aos mistérios dos relacionamentos amorosos.

O CD começa com a dramaticidade e a urgência da bela “Colando a Boca no Teu Rosto”, parceria com Capinan, interpretada por Mirabô e Fagner, amigo de longas datas. Na faixa-título “Mares Potiguares”, também composta com Capinan, fica o verso “As são iguais, mas de potes diferentes”.

O disco segue com baladas, sambas, que em muitos momentos lembra a elegância harmônica de um Chico Buarque e de Edu Lobo. Inteiramente gravado em Natal, “Mares Potiguares” conta com a participação de um seleto grupo de músicos atuantes e ainda conta com o vocal doce de Rachel.

Já o livro “Umas Histórias Outras Canções” é um caleidoscópio de lembranças e registros sentimentais de épocas distintas, que ajudam a entender um pouco a obstinação do artista em construir seu caminho. Mirabô lembra a gravação de suas primeiras canções, a corrida pelos festivais nacionais, reúne desenhos feitos quando moleque em Areia Branca e relata passagens sobre a censura em Natal.

por Alma do Beco | 9:41 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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