quinta-feira, dezembro 14, 2006

UM TEXTO DE ELOY

Marcus Ottoni


"Na última reunião da sociedade Agro-pecuária esse técnico debateu, mais uma vez, o problema da mortalidade infantil em Natal, não com divagações de quem quisesse encher o tempo e sim à luz de uma documentação que impressionou aos ouvintes, muitos dos quais concluíram suas afirmações e as deduções a que elas o conduziram."
Eloy de Souza

Casa 566 da Rua da Palha

ENCONTRO

Quero o encontro dos cálices guardados,
berimbar capoeira ouvindo jazz,
em degraus ver os rostos, mil quadrados,
a fumaça de azuis, chopp e pastéis.

Ter poemas a troco de uns trocados,
nesse A4 eu dizer o que me és,
ver em curvas e retas teus riscados,
mas guardar, dessa vez, esses papéis.

Quero inícios com fins mais demorados,
quero o beijo na boca e nos teus pés.

Antoniel Campos



A BABUGEM E O LEITE
Eloy de Souza


O Dr. Valério Konder conquistou as simpatias de todos os homens inteligentes que se interessam pelos problemas de saúde pública em nossa terra. Dá gosto conversar com esse jovem sanitarista. Sua inteligência é ágil e vivaz, e sua cultura realmente sólida, emancipou-o de sectarismo, o que revela de sua parte o desejo sincero de estudar o nosso meio, através, não só de suas próprias observações, mas se informando e conversando para que as suas conclusões sejam, tanto quanto possível, seguras e fundadas na realidade dos fatos.

Tratar com um homem dessa escola e feitio é um prazer, de cuja oportunidade sempre nos aproveitaremos.

Na última reunião da sociedade Agro-pecuária esse técnico debateu, mais uma vez, o problema da mortalidade infantil em Natal, não com divagações de quem quisesse encher o tempo e sim à luz de uma documentação que impressionou aos ouvintes, muitos dos quais concluíram suas afirmações e as deduções a que elas o conduziram.

O ponto capital do debate versa sobre a elevação da curva de mortalidade de zero a dois anos, nos primeiros meses do nosso inverno. A pastagem nova dessa estação, denominada entre nós babugem, alterando a constituição do leite, seria responsável pelos distúrbios alimentares determinantes do aumento da mortalidade infantil.

Aqui estamos para trazer ao douto sanitarista a nossa opinião e em torno dela comentários que presumimos esclarecê-la.

Fomos os primeiros, na imprensa local, a atribuir a influência nociva da babugem na composição do leite. Sustentamos naquela ocasião com o atrevimento do leigo, que esse fator era o único a influir para as perturbações gastrintestinais, causadoras dessa ceifa periódica da infância natalense.

Não se tratava, porém, no caso, de uma intuição de que pretendêssemos ter o privilégio. Muito ao contrário disto, não éramos senão repetidores de uma convicção generalizada entre os sertanejos, os quais sustentam que o leite da babugem ofende indistintamente aos adultos e às crianças.

Bem ou mal, essa convicção provém da disenteria que nessa primeira fase de pastagem acomete aos bovinos em geral e principalmente aos bezerros, nos quais o curso (a expressão é até clássica) se manifesta com muito mais violência, dando, por vezes, às fezes, o aspecto de câmaras de sangue.

Posteriormente, de observação em observação, modificamos o nosso primitivo modo de pensar, tão exclusivo e dogmático, por várias razões, que supomos concludentes, e entre as quais examinaremos as que se seguem. Em primeiro lugar o efeito do capim novo como purgativo dos bovinos, não vai além de uma quinzena; e seria então errado prolongar esse prazo por três e quatro meses, para emprestar a esse estado passageiro das vacas, o malefício determinante de uma mortalidade infantil mais elevada.

Em segundo lugar, a nossa curiosidade para melhor elucidação do fato, levou-nos a visitar, há muitos anos passados, as habitações da gente pobre, em diferentes bairros da cidade, no começo das chuvas. Verificamos, então, que essas casas eram na sua quase totalidade, desprovidas de teto protetor dos aguaceiros, dando assim lugar a que verdadeiros chuveiros trouxessem o chão saturado de umidade, chuveiros estes que muitas vezes atingiam as redes onde aos pares, pernoitavam as criancinhas, filhas da gente pobre.

É verdade que o grande coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho digestivo, consta do obituário. É porém muito para ser ponderada a circunstância de na generalidade faltar assistência médica a esses doentinhos. Como a causa mais constante de mortalidade são tais distúrbios, o médico, por via de regra, que atesta o óbito, cinge-se a essa causa, ficando assim suprimida a mortalidade por moléstias do aparelho respiratório e outras.

Além do fato que assinalamos em relação à umidade das casas, bastaria, por si só, a influência da mudança da estação para ocasionar resfriamentos graves e até influir para que a fermentação do leite se fizesse mais rapidamente pelo calor úmido próprio dessa época.

Falamos em leite por hipótese, pois a regra é a alimentação pelos farináceos, logo que o leite materno escasseia ou acaba. Acresce que não é fácil lidar com aquele alimento, pois não há talvez exagero em afirmar ser o leite um verdadeiro caldo de cultura, pois sabidamente das substâncias orgânicas ele é uma das mais fermenticíveis.

O assunto é, assim, no seu desdobramento, dos mais interessantes e a sua elucidação terá de ser feita simultaneamente pela bacteriologia e pela constância dos fatos a observar. Assim por exemplo segundo já temos por mais de uma vez ouvido do ilustre higienista e pediatra Dr. Varella Santiago, todas as crianças que recebem leite do Instituto de Proteção à Infância não morrem de moléstias do aparelho digestivo. Não acrescentamos a essa afirmação a de qualquer que seja a estação em que seja feito esse suprimento de leite, porque o leite ali distribuído não é o da produção natural e sim condensado.

Há, porém, um fato que convém registrar pela sua alta significação. Na Escola Doméstica há, como se sabe, uma secção de puericultura, na qual estagiam algumas crianças de pessoas pobres, para instrução das alunas. Essas crianças são nutridas na mamadeira com leite de vaca e passam admiravelmente bem durante o tempo que ali permanecem, sem apresentarem distúrbios alimentares.

Tem-se verificado, entretanto, que muitas dessas criancinhas quando deixam a Escola adoecem e morrem. Houve um ano em que as que para ali entraram, em número de cinco, e dali saíram em magnífico estado de saúde e nutrição, morreram todas no curto espaço de dois meses.

Se não fora sabermos que o Dr. Valério Konder não está aqui senão para observar e informar-se com verdadeiro espírito científico e certamente não escreveríamos à margem da sua erudita preleção acima referida, esses comentários de um leigo que tem o maior prazer em render homenagem à sua inteligência e cultura.

Desta vez é de esperar que da discussão venha a nascer a luz, o que sempre sucede quando há sinceridade e boa fé. O jovem sanitarista, apenas recém-chegado, já deu provas sobejas de que aqui veio para realizar alguma coisa proveitosa à saúde coletiva. Não é para outro fim que está agitando vários problemas, alguns deles até inéditos para nós, como se dá em relação a um inquérito alimentar na nossa população urbana e rural.

Não precisamos acrescentar mais uma vez que conta com a nossa boa vontade como colaboradores de iniciativas tão úteis.

  • Blog Eloy de Souza


  • OBS:
    Este texto faz parte do álbum de recortes de jornais pertencentes a Eloy de Souza.
    Não informa a data e local de sua publicação.

    por Alma do Beco | 5:57 AM


    Hugo Macedo©

    Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

    .. .. ..

    .. .. ..

    Recentes


    .. .. ..

    Praieira
    (Serenata do Pescador)


    veja a letra aqui

    .. .. ..

    A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

    layout by
    mariza lourenço

    .. .. ..

    Powered by Blogger

    eXTReMe Tracker