"Uma pesquisa de intenções de votos divulgada em novembro aponta que Hugo Chávez seria reeleito com 52% dos votos nas eleições para a Presidência."
Folha Online
Alexandro Gurgel
Ir daqui ao outro lado
Ir daqui ao outro lado,
lá me vejo e nem estou.
Ando rápido parado
e a cada passo não vou.
Estando eu noutro lado,
olho pra trás: lá estou.
Aceno pra mim parado,
me diz meu outro: não vou.
E sem saber de qual lado
é o lado em que agora estou,
não sei quem sou se parado,
nem me sei mais se me vou.
Antoniel Campos
Uma cidade chamada Carnatal
Da minha janela, no velho bairro do Tirol, em Natal, vejo engarrafamentos e a aflição de pessoas em busca da efêmera felicidade de algumas horas da estonteante música baiana que o Carnatal oferece. Estou protegido por sete andares, mas escuto os apelos dos atravessadores que teimam em vender abadas dos dez blocos que estão participando do Carnatal, na frente do clube América. Curiosamente, onde se concentram os vendedores oficiais. “Trata-se da maior micareta do Brasil” – leia-se carnaval fora-de-época -, apregoa a propaganda dos promotores do evento. É bem capaz de ser mesmo, porque ela conseguiu tumultuar o trânsito da cidade desde a última quinta-feira, dia do início da festa
Os cambistas parecem manter um silencioso acordo tácito com os donos de blocos. Vendem os abadas – novo apelido de fantasia - mais caros a alguns metros de onde os foliões poderiam comprar mais barato. Parece que eles, conscientes do sucesso e da animação coletiva que o evento promove, compram a maior parte dos estoques dos blocos. As filas duplas de carros se sucedem. Ora, quem quer saber de preço? Todos querem brincar. Os mais pobres compraram antes, em várias prestações, para sair nos blocos mais baratos. Alguns compradores de última hora tiveram que desembolsar mais de R$ 200 reais para terem o direito de caminhar e pular durante 7,6 quilômetros, que é o comprimento total das duas voltas que os blocos dão no percurso. Terão direito a embriaguez, ser assaltado, beijar muito, urinar no meio da rua, namorar, trair, o escambou! E, depois curtir uma ressaca braba, que faz parte do menu do folião.
Em Natal só se fala em Carnatal, um evento criado em 1990, no tempo em que os promotores ofereciam precários camarotes e era realizado na avenida Prudente de Morais, altura da Praça Cívica, outrora Praça Pedro Velho. Era mais calmo. Não atraia tanta gente. Mas, foi crescendo ao longo dos anos e hoje consegue fazer toda a cidade participar dele, mesmo os que não querem. Os que vão ficam felizes. Os que somente ganham um trânsito terrível participam sem querer dos esforço de enriquecimento de uns poucos, que usam um privilegiado espaço público para faturar alto em detrimento ao fechamento de uma das mais importantes vias de escoamento da capital, a avenida Prudente de Morais, também, num dos principais entroncamentos divisórios de muitos bairros populosos e comerciais.
Isso prejudica a cidade? E quem quer saber? A cidade quer pular, dançar e viver a alegria desses quatro dias de músicas baianas!
Natal tem dois grandes corredores que deságuam na região sul, saída da cidade: as avenidas Hermes da Fonseca, que depois se transforma em Salgado Filho e depois BR-101, quando passa ao lado do Carnatal e a avenida Prudente de Morais, fechada, como já me referi, pelo evento. Às vezes, fico pensando: e se ocorrer algum problema que feche a avenida Salgado Filho, digamos na altura do Estádio Machadão? O que poderia ocorrer com o trânsito e os deslocamentos na porta principal de entrada da cidade? Talvez um engarrafamento gigante de proporções negativas incomensuráveis, que fizesse com que, definitivamente, as autoridades do município de Natal repensassem outro local para o evento, local que não precisasse obrigar os cidadãos avessos a folia a participar, sem querer, repito, da maior festa baiana do Brasil. Eu disse baiana? Afi! Foi mesmo!
Leonardo Sodré
(publicado no O Mossoroense, 02.11.06).