"Saddam Hussein é condenado à forca por crimes de guerra"
Manchete da Folha de São Paulo
Alexandro Gurgel
Achegas sobre os tapuias
Tapuia é um termo genérico que os índios de etnia Tupi usavam para designar todos aqueles outros grupos que não falavam o idioma Tupi, quase, portanto, na acepção de “bárbaros”, povos sem nome, ao modo, e pela mesma razão, que os antigos Gregos empregavam em relação aos povos que não falavam o idioma da Grécia.
Sendo uma designação genérica, não se refere especificamente a nenhum grupo em particular, nem a qualquer etnia em especial, mas engloba no termo todos aqueles grupos indígenas que, no caso do Rio Grande do Norte, ocupavam o sertão, lembrando sempre que o litoral era dominado pela população portadora de cultura Tupi, principalmente os Potiguara.
Considerando que os portugueses entraram em contato, desde o início, com estes dominadores litorâneos – os Potiguara, dos quais serão aliados a partir de 1599, não é de estranhar que os primeiros tenham recebido – e adotado – a terminologia nominativa túpica em relação aos outros indígenas. Assim, para os portugueses, dois grandes grupos formavam a massa autóctone das Capitanias do Nordeste: os brasilianos (tupis), que demoravam-se na planície litorânea, e os índios tapuias, que habitavam as terras interioranas, abrasadas pelo sol.
Na realidade, eram diversas tribos – geralmente com número não muito expressivo de pessoas – que dividiam certas características peculiares. Embora possuíssem tradições diferentes e modos diversos de organização social, nas dimensões da religião, do sistema de parentesco, da educação dos jovens, dos ritos de passagem, das sociedades etc., muitos de seus costumes eram similares, principalmente aqueles relacionados com o domínio do sertão e da sobrevivência nele. Para manter a vida de um grupo humano em um ambiente hostil e de pouca fartura como a caatinga nordestina, fazia-se necessário um conjunto de atitudes e táticas singulares que não primavam pela variedade. As peculiaridades do meio-ambiente, tanto geográfica quanto em relação ao clima, apoucavam as chances de diferenciação na luta pela sobrevivência, resultando, assim, uma que semelhança entre os diversos grupos.
É salutar que se diga que estes grupos humanos falavam idiomas muito diferentes uns dos outros. Não só isso, mas note-se que utilizavam idiomas isolados, sem nenhuma contraparte lingüística entre os índios americanos, bem como não formavam nenhum tipo de “confederação”, embora alguns tenham lutado juntos contra os portugueses, na maior revolta indígena contínua do continente americano, chamada – preconceituosamente – na historiografia brasileira, como “Guerra dos Bárbaros”.
Esta guerra que envolveu lutas com diversas tribos indígenas, de variadas etnias – embora não necessariamente unidas estrategicamente ou por alianças – durou algo mais de 20 anos, dos fins do século XVIII até praticamente o início da segunda dezena do próximo século. Em grande número de guerreiros - chegavam a 5 a 6 mil às vezes -, grande parte armada com de armas-de-fogo -que compravam de piratas ou corsários, na foz do Açu, ou recebiam-nas vindas dos Países-Baixos, provavelmente -, treinados e acostumados nas táticas européias de guerra, pois muitas dessas tribos tinham, alguns anos antes, lutado ao lado das tropas da Companhia das Índias Ocidentais, da Holanda, quando então quase inviabilizaram o seguimento da colonização da Capitania do Rio Grande.
O levante geral destes índios sertanejos deveu-se à pressão exercida sobre suas terras de caça devido ao movimento de expansão da pecuária nordestina, quando se iniciam as doações de datas de sesmarias de terra na região.
A maior parte dos índios ditos tapuias, eram índios de corso, isto é, andarilhos, geralmente sem aldeias permanentes, não só pelo fato de serem grupos que viviam da caça miúda e da coleta, mas também porque o ambiente que ocupavam não apresentava maiores facilidades para a sobrevivência.
Os tapuias ocupavam diferentes espaços do território norte-rio-grandense, paraibano e cearense. Eram tribos de diferentes números de integrantes e ocupavam espaços particulares dos territórios desses Estados, como o oeste e sudoeste do Rio Grande do Norte, aa Chapada da Borborema, na Paraíba, e o leste e sudeste cearense.
Esses guerreiros índios, que lutaram uma guerra de mais de vinte anos, dominando em momentos a maior parte desta mole de terra nordestina, fez com que a Coroa Portuguesa, receosa do abandono das terras pelos colonos, movesse mundos e fundos para vencer aquela guerra cruenta. Trouxe tropas de sertanistas de contrato diretamente de São Paulo, acostumados ao embate com os indígenas, bem como contratou a Domingos Jorge Velho, paulista conquistador do Piauí, para trazer suas tropas índias a combater e submeter à ‘ordem’ os tapuias.
A ocupação portuguesa da região do Açu deu-se, por exemplo, em função da estadia de tropas paulistas nas casas-fortes lá construídas para formar um núcleo de onde as tropas pudessem se mover de maneira mais expedita em qualquer direção.
Os índios acabarão vencidos - mas não derrotados - em parte através de acordos de paz – inclusive um que foi realizado a instâncias de Bernardo Vieira – personagem que merece um estudo mais pontual – e, em parte, devido a derrotas militares, incluída nessa a luta na Serra da Acauã, em que um famoso chefe tapuia – Canindé – foi aprisionado.
Depois, esses índios foram aldeados em diversos lugares, sob a responsabilidade de variadas ordens missionárias religiosas, e finaram-se, praticamente desaparecendo com sua cultura e tradição. Mas findam mais pelo fato de não serem mais registrados como índios nos censos, bem nos idos do século XIX, justamente quando também surge o orgulho de ser brasileiro. Talvez haja algo escondido nesse fato peculiar, que transcenda a pura coincidência. Pode bem ser um fenômeno do tipo do sincronismo junguiano.
Eram os mais antigos grupos humanos que habitaram este território onde hoje estamos. Estão atualmente ressurgindo, buscando readquirir suas identidades, mas há que ter cuidado apara não acabarem sendo simples ‘objeto de estudo acadêmico’. Merecem ter suas histórias recuperadas, sem hipocrisia, sem falsas verdades, sem fantasias inconseqüentes, sem compromisso com o ‘politicamente correto’, sob pena de novamente serem dizimados, só que dessa vez pela ‘boa vontade egoísta’ de alguns. Não basta que seja ela oriunda da boa fé, pois disso o inferno não só está cheio como há fila para entrar.
Walner Barros Spencer