quarta-feira, outubro 25, 2006

CRIADOR DE MUNDOS

Marcus Ottoni


"Bosquinho conversava, soltava as suas fantasias, virava as doses devagar e sempre. Dizia-se um diarista."
Nei Leandro de Castro

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De 4 a 25 de novembro, o Pratodomundo

Iguais

Na feira todos se encontravam.
Era o professor de matemática, o carteiro,
O vigia do colégio, o colega de sala
E até a Madre Superiora...
Todos com sandália de dedo,
Todos eram iguais na feira do Alecrim...

Mas por que eu não te vi?
na feira do alecrim...

Paula
Comentário deixado em antiga postagem deste blog


CAMALEÃO

Circulo intensamente
Procuro perguntas
Ignoro respostas

Duvido permanentemente
Do bem que ao mal purifique
Do consciente que se justifique

Compartilho humildemente
Possessões do acaso
Delas não faço caso

Sobrevivo bravamente
Minha cor transparece
De acordo à minha dor

Deborah Milgram



O toque das palavras

Esses dias ouvi que não se pode conhecer uma pessoa, única e exclusivamente através de seus textos, que é necessário um contato mais íntimo, pessoal. Concordo, pois que o artista da palavra recria o mundo, inventa tanto e tão bem que tudo parece ser verdade. É a tal da verossimilhança, aquilo que se diz em Teoria Literária que um texto deve conter para que convença como real dentro do universo imaginado.

Por isso diz-se que o artista é um criador de mundos. Fernando Pessoa não deixava dúvidas sobre o seu fazer literário: “o poeta é um fingidor/finge tão completamente/que chega a fingir que é dor/a dor que deveras sente”. No entanto, não raro, os autores deixam fortes marcas de personalidade nas suas criações que não são outra coisa senão resultados de sua bagagem de mundo. O resultado da sua visão que - multifacetada -, às vezes, assume os olhares de seus personagens.

Afora isso, quero lembrar aqui sobre a palavra como objeto intencional. Daquela cuja intenção do autor é mostrar-se, realmente, enquanto pessoa que sente alguma coisa por outra, a quem se dirige. Aí ela se transforma em poderosa arma de envolvimento. Nem a palavra dita ao pé do ouvido, às vezes, surte tanto efeito, quanto essa. Quando lida, convoca a reação dos sentidos. Ouve-se a palavra, sente-se o cheiro, o toque, o gosto, visualiza-se o que está acontecendo e tudo isso se transforma num turbilhão de sensações.

Poderosa é a palavra escrita. E quando digo isso me vem à mente a fala de uma personagem do filme O carteiro e o poeta – a tia de Beatriz -, que preocupada com os bilhetes que a sobrinha estava recebendo do carteiro, disse ao padre com quem dividia a sua preocupação: “Quando um homem toca uma mulher com palavras, não demora e a tocará com as mãos”.

E foi assim no filme, através dos poemas de Neruda que o carteiro conquistou o amor da moça. Como uma coisa puxa a outra, lembrei do clássico Cyrano de Bergerac e as cartas à sua Roxane, escritas por encomenda de um rapaz que não sabia da sua paixão pela bela jovem. Escreveu tanto e tão bem Cyrano (a personificação do homem feio), sobre o seu amor sincero, que a moça apaixonou-se por aquele que a ela escrevia e surgiu daí uma das mais lindas histórias de amor.

Outro filme do qual me lembro sobre é Nunca te vi, sempre te amei, que conta a história de um relacionamento entre uma escritora colecionadora de livros raros e o dono de uma livraria, por vinte anos, trocando apenas cartas. Desse contato indireto - mas nem por isso menos íntimo -, nasce uma cumplicidade e uma forte ligação entre os dois, transbordante de emoção e pra lá de fascinante.

O toque das palavras. Penso que se um poema ignorado, por exemplo, na sua intenção, tivesse sentimento, talvez sentisse como Quintana tão bem o descreveu em O poema: “Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema./Triste./ Solitário./ Único./ Ferido de mortal beleza.”

Palavras que têm o poder de tocar. Sejam elas com endereço certo ou não, necessitam de um receptor para que se realizem. Por isso Carlos Drummond de Andrade já dizia: “Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sobre a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?”

Neide de Camargo Dorneles


Bosco e Blecaute

Saí de Natal em 1968. Por isso, a minha convivência com Bosco Lopes, o nosso querido Bosquinho, foi interrompida e só retomada, em curtas temporadas, nas vezes em que eu visitava Natal dos meus amores. Além da afinidade na poesia, tínhamos um ponto em comum: o Bar do Nazi e sua maravilhosa meladinha, no coração do Beco da Lama. Bosco era um dos primeiros a chegar, tomar lugar no balcão do velho bodegueiro, pedir a abrideira e desenvolver a sua tese preferida: a de que poesia e amizade se interlaçam, principalmente se houver uma dose de bebida para celebrar os encontros afetivos. Bosquinho conversava, soltava as suas fantasias, virava as doses devagar e sempre. Dizia-se um diarista, ou seja, aquele que bebe todos os dias da semana, numa rígida disciplina.

Mesmo diarista, com compromisso assumido com o copo, Bosco Lopes encontrava tempo para fazer poesia. Poderia ter escrito mais. Sua produção poética foi prejudicada pelo seu amoroso encontro com a bebida. Mas o pouco que ele deixou é de bom nível. No seu livro Corpo de Pedra pode-se ver a qualidade dos versos que o poeta publicou em vida. Pena que não tenha escrito mais. Mas o que escreveu tem momentos assim: “nos corredores das casas mortas/ nos castelos sem portas/ nos contos de fadas/ nas lutas de espadas/ não me esqueças/ e sobretudo/ não me esqueças.” E assim: “Cynthia a cintilar/ E a brincar com as conchas do mar.” E assim: “Recife/ dos braços dos rios/ abertos para o mar.”

São muitos versos como estes, às vezes tangidos pela amorosidade, às vezes pela solidão. Mas a poesia está sempre presente, com aquela ternura pela vida e pelo ser humano que acompanhava Bosco Lopes em seus passos de andarilho, fraterno e quixotesco andarilho.

Blecaute tinha crises de loucura, mas também era acometido por surtos de poesia. Às vezes ficava difícil manter uma conversa com ele, porque o poeta marginalizado adorava o monólogo, o solilóquio, o discurso sem pausa.

Nos anos 80, num fim de tarde, eu estava meio escondido num bar, lendo o Jornal do Brasil, fazendo uma horinha para voltar para casa. Blecaute chegou, tomou posse de uma cadeira e disparou a falar, a me mostrar poemas inéditos. Quando me viu bebendo uísque, disse: “Não gosto de uísque. Segundo o grande Castilho, uísque tem gosto de remédio, de Atroveran, mas vou beber com você, por solidariedade.” Pediu uísque, pediu tira-gosto de filé, bebeu e comeu bem depressa, pediu mais filé. Nisso, surge um menino vendendo drops e confeitos.

Blecaute olhou para o pequeno vendedor e perguntou: “Gosta de filé?” O menino arregalou os olhos e disse que sim. “Pode levar, é seu” – disse Blecaute, passando-lhe o prato quase intocado. E, virando-se para mim, completou: “Sabe por que eu faço isso? Porque na minha infância eu nunca comi filé.”

Vários uísques depois, quando veio a conta, ele disse: “Pague você porque eu não tenho um tostão furado.” Nesse dia Blecaute deixou comigo um poema que ele nunca publicou, como se fizesse boicote a si mesmo. Vejam: “Eu sou o escuro dos meus sonhos mal-vestidos, / sou o clarão engolido pelas trevas.”

Nei Leandro de Castro

por Alma do Beco | 4:30 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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