segunda-feira, outubro 23, 2006

POETA MATUTO É

Marcus Ottoni


"Tem coleguinha se queixando do excesso de debate no segundo turno da eleição presidencial."

Ricardo Noblat
















SÊ POETA MATUTO É...


Sê poeta, lá no mato,
eu lhe juro, meu irmão,
é, de todas ais manêra,
distribuí emoção.
Digo mais, gente querida:
É in tudo, nessa vida,
arranjá inspiração.

Na fruita da quixabêra,
no canto da jurití,
no abôio do vaquêro,
no andá do jabutí.
No acorde da viola,
na professôrinha da iscola,
no doce de burití.

No quilaro do luá,
numa noite iscura, istrêlada,
no amiudá duis galo,
no orváio da madrugada.
No forró de chão batido,
num papagaio inxirido,
na sombra de uma latada.

Numa muié apaixonada,
numa cabôca facêra,
no seu oiá séivéigonho,
no pingo de uma gotêra.
No suó de um bom cavalo,
num chucáio sem badalo,
nais briga de fim de fêra.

Numa jumenta no cío,
num jumento garanhão,
numa cuiêta de mío,
numa apanha de fêjão.
No trabáio da partêra,
no tiro de uma ronquêra,
numa véspa de São João.

Na véspa de Santo Antôin,
nais sua adivinhação,
nais faca nais bananêra,
nuis tiro duis fuguetão.
Nais moça in disispêro,
pidindo qui um cumpanhêro,
lhe tire da solidão.

No chêro da panelada,
lá no fogo, na panela,
buchada, sarapaté,
pôico torrado e custela.
No qui sobrava do armôço,
qui p’ruis pôico, é um colosso,
isborrotando a gamela.

No velóro ô “fazê quarto”,
no licô oferecido,
no “café vige” no caco,
no namôro improibido.
Num passaríin na gaiola,
num cego pidindo irmola,
no cuscúis de míi muído.

No baráio da suéca,
na canga do boi de carro,
nais históra do cangaço,
nais lôiça, feita de barro.
No alevantá de uma saia,
no véi no mêi da gandáia,
nuis casá tirando sarro.

Na piúba do cigarro,
nuis baicão quage caindo,
no burro arrochando a burra,
na mulecada assistindo.
Nais inchente duis riacho,
nais caçada à luz de facho,
numa nuvía parindo.

Nais prosa, adispôi da janta,
nuis causo fantasiôso,
no gato maracajá,
no caçadô pabulôso.
No mêdo da cascavé,
nuis avelóis, qui é moté,
no pescadô mintirôso.

Numa peda de amolá,
no facão “rabo de galo”,
no arremedo de nambú,
numa gaitada de istralo.
Na melancia quebrada,
numa apregata apertada,
qui dêxa uis pé chêi de calo.

Na sela véia sem lóro,
na manta, no suadô,
na cía, no peiturá,
no “cardo de corredô”.
No passadiço quebrado,
na beleza do roçado,
na lida do agricutô.

No terrêro bem varrido,
na vacaria a vortá,
no fim do dia, à tardinha,
do céicado p’ru currá.
Na passarada cantando,
no patrão se ispriguiçando,
na cadêra, a apriciá.

No quêjo quente, inrolado,
no gáifo, lá na quejêra.
Na raspa, feito farofa,
incantando a mulequêra.
Na rapadura raspada,
mode adoçá a quaiada,
no bolo de macaxêra.

No carro de boi gemendo,
numa peda armando um quixó,
num fôjo, numa arapuca,
no xiado do mocó.
Numa queima de espíin,
num buneco de aifiníin,
na animação de um forró.

No gimido da sanfona,
na batida do melê,
no triângo, no pandêro,
na alegria e no sofrê.
Na saúde ô na doença,
no credo ô na discrença,
no bem bom ô padicê.

No istrumo do currá,
no avôo do bêja fulô,
no cavá de uma cacimba,
no pôico reprodutô.
Na trepada do guiné,
no mixido da muié,
quando tá fazendo amô.

Na Festa da Padruêra,
nais novena da Igreja,
nais véia tudíin rezando,
lôvado e bendito seja.
Nuis repentista travado,
dando conta do recado,
numa acirrada peleja.

Nais prosa do budeguêro,
na fuzarca duis pinhão,
nais rapariga famosa,
no doido da região.
No canindato a Prefeito,
dizendo sê bom sujeito,
e na fía do patrão.

Na batida do machado,
no manejo da chibanca,
qui séive mode o matuto,
arrancá jurema branca.
No cabra qui num arreda,
furando tanque na peda,
agarrado cum alavanca.

Nais festa, durante o inverno,
no forró a todo instante,
no prantío, no chão muiado,
cujo lucro, Deus garante.
Na sêca, nuis má momento,
na dô e no sufrimento,
do pobre do ritirante.

No galo atráis da galinha,
no cavalo véi sem dente,
na manhincença do dia,
nuis namôro indecente.
No muleque de recado,
numa apartação de gado,
na lua in quarto crescente.

Na fulô da jurema branca,
no inxame de arapuá,
na cangáia do jumento,
no jôgo de caçuá.
Numa galinha poedêra,
na fulóra da caatinguêra,
na águia de palombá.

No garajá de galinha,
no costá de rapadura,
na panela de fêjão,
sem tempêro e sem mistura.
No azêdíin da imbuzada,
numa boa garrafada,
na cachaça boa e pura.

Na pamonha, na canjica,
no xerém, no munguzá,
no quarenta, no cuscúiz,
na farofa de jabá.
Na panela de quaiáda,
na tripa de pôico, assada,
e na safra de juá.

Numa caçada de peba,
numa noite de lua cheia,
no bêbo ao sê rebocado,
do buteco prá cadeia.
Na sêca ô no inverno,
um, paraíso; ôto, inferno,
no gôsto do mé de abêia.

No quêjo assando na brasa,
na farofa de bolão,
na sangria do açude,
na zuada do truvão.
No quilaro do relâmpo,
numa cobra “corre campo”,
se arrastando puro chão.

Nuis véio apusentado,
na pega de boi, no mato,
nuis animá dirnutrido,
cuberto de carrapato.
Na farta mesa da ceia,
no chiquêro dais uvêia,
numa boiada no trato.

Numa ninhada de pinto,
no trabáio do boi manso,
no rio, quando tá cheio,
na correnteza ô remanso.
De in tôda essas coisa boa,
fazê verso e cantá loa,
disso, meu fíi; eu tô canso.

Na gritada do paiaço,
de circo ô de pasturí,
na dança do Boi de Reis,
nais visage e no saci.
Na dança dais pastôrinha,
in “Cumade Fulôsinha”,
nais coisa simpres dalí.

Inda farta munta coisa,
qui nuis tráis inspiração.
Prá fazê verso, poema,
e ispaiá nêsse mundão.
Ao meu netíin e minhais neta,
digo: Isso é sê poeta,
matuto, lá do sertão...

Bob Motta

por Alma do Beco | 9:52 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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