"Os brasileiros jogam futebol desde que nascem. Nós tínhamos de ir à escola das 8h às 17h e, quando pedíamos permissão à mãe para jogar ela dizia não. Eles jogam das 8h às 18h, então em algum momento a técnica aparece. Você só precisa olhar para as cinco estrelas em sua camisa para entender que o futebol é parte de sua identidade. Eles amam muito este jogo. Na praia, na rua, na escola. Onde quer que você olhe, eles estão jogando. Quando eu era pequeno, pedia para minha mãe para jogar futebol e ela não deixava. No Brasil, as crianças brincam das oito da manhã às seis da noite."
Thierry Henry, atacante da seleção francesa de futebol
"Eu ouvi muito bem o que ele disse. Muitas crianças largam realmente a escola e ficam jogando futebol, ele está certo. Precisamos de uma atuação melhor dos governantes para que isso não aconteça."
Cafu, lateral-direito da seleção brasileira de futebol
“Argentina cai; Brasil é o continente hoje”
Manchete de O Globo
Yahoo
Entrelinhas
Uma leitora atenta mandou e-mail sobre alguns textos que escrevo, onde exploro histórias e estórias engraçadas do cotidiano. Dizia que preferia textos mais sérios, mais precisos, calcados em autores consagrados ou em assuntos "preferencialmente educativos". Em parte, ela tem razão. Mas, talvez ela nunca tenha lido Celso da Silveira, Eduardo Alexandre, Laélio Ferreira, Alexandro Gurgel, Antoniel Campos, Armando Negreiros, Hugo Macedo e tantos outros que fazem a alma ficar mais arejada, menos carrancuda. Tanto, que em reuniões de amigos, geralmente as conversas se remetem a esse tipo de literatura, que explora o fescinismo, mas, que também contêm mensagens esclarecedoras e interessantes. Outro dia um amigo que viajava de Mossoró para Natal, num carro, ligou dizendo: "Estou lendo suas entrelinhas".
O escritor Eduardo Alexandre, o organizador da antologia 'Cantões, Cocadas, Grande Ponto Djalma Maranhão', costuma dizer que a vida não pode ser levada muito a sério, que precisamos ter um pouco menos de sobriedade para podermos enfrentar as 'seriedades' do dia-a-dia. Ele tem razão, pois a minha crítica leitora, por exemplo, gasta o seu tempo na internet mandando inúmeras mensagens contra o presidente Lula. Nada que não deva ser lido. Muito material que ela pinça de grandes colunistas, são esclarecedores, mas, da parte dela, é somente um rancoroso exercício de 'copiar e colar'. Não escreve o seu pensamento, um texto inteiro, reserva-se a pequenas mensagens sobre "o Brasil que não tem mais jeito, mas vamos vencer pelo voto". Clichês corriqueiros. Ela também manda interessantes matérias cristãs. Todos, também, copiados. E, as mensagens se conflitam, porque ela demonstra ser uma católica de primeira linha. E, católico que tem sua vida centrada em Jesus Cristo busca viver de forma 'cristocêntrica', ou seja, seguindo imediatamente e de forma radical os ensinamentos Dele com relação ao perdão e a busca das soluções pela fé e pela oração.
Respondi a ela sugerindo que comandasse uma grande corrente de orações em prol de mudanças para os problemas que ela detecta no presidente Lula. Ora, a internet propaga rapidamente qualquer coisa e ela faria algo inédito, seguindo os ensinamentos do catolicismo, pois o próprio Cristo manda abençoar os inimigos. Se você abençoa somente a quem ama, o que vale isso?
Na última quinta-feira a TV Globo, no programa Linha Direta, mostrou o terrível incêndio ocorrido em Niterói, no Grande Circo Norte-Americano, em 1961, quando mais de quinhentas pessoas morreram queimadas depois que um ex-empregado do circo pôs fogo na lona, por vingança. A comoção sobre o fato no Brasil e no mundo, foi grande e o exercício de solidariedade humana, também. Mas, a face mais emblemática disso foi o surgimento do profeta 'Gentileza', que na época era um empresário e que deixou tudo, inclusive a família, para perambular pelas ruas do Rio de Janeiro pregando a gentileza como forma de bom relacionamento entre as pessoas. A gentileza como forma de união. Ele morava no local onde o circo pegou fogo, por opção. Talvez como forma de poder estar sempre lembrando da necessidade dos bons pensamentos. Escrevo isso, para ilustrar que os bons sentimentos, as boas idéias, atitudes de humanidade, humildade, reciprocidade, honestidade, oração sincera, repercutem de forma extraordinária. Tão fortemente que às vezes passamos de um momento para o outro sem nem percebermos as riquezas interiores que estamos acumulando.
Portanto, minha amada leitora, irei continuar contando as histórias e estórias do nosso povo, algumas até lúdicas - preste a atenção -, esperando ansiosamente a sua iniciativa de suprir pela rede mundial de computadores uma grande corrente de orações pelo presidente Lula e pelo nosso Brasil.
Leonardo Sodré
CATADORA DE SONHOS
“Mais vale esgotar-se pelo bem,
do que ser esgotado pelo mal.”
Jacques Maritain
Verdade que comecei sem nenhuma pretensão, a não ser a de uma simples leitura de um livro, como me ocorre todos os dias, anos a fio.
A prosa, em suas diversificadas formas, gêneros, estilos; a poesia, com a sua grandeza intrínseca e extrínseca, e as variações sentimentais e estruturais, próprias de suas inacabadas maneiras de introspecção e formação, além de indecifráveis; (Ser poeta é uma maneira de ser, não de escrever, dizia Mario Quintana) os ensaios de cunho filosófico e os estudos literários propriamente ditos, mormente a crítica, as formulações biográficas com doses elevadas de um memorialismo sempre interessante; são, posso dizer, elementos integrativos e constantes do meu dia a dia, em diferentes horários, no aconchego da minha pequena biblioteca, que chamo às vezes de “minha clausura predileta”.
Não teria condições de escrever sobre todos os livros que leio. Não só por falta de “engenho e arte”, mas pelo tempo que consumiria. Faço algumas anotações, soltas. Pequenos fragmentos que se perdem levados pelo tempo. Sempre o tempo, que Hector Berlioz considerava “como um professor”, só que “mata seus alunos”.
Como disse, não pretendia faze-lo agora, mas faço-o, impulsionado pela leitura de um livro simples, mas tocante, de uma prosa cristalina que se transforma em verdadeiros poemas, fazendo do relato real e existencial, um fato contemplativo da beleza humana, transmudando a vida em um poema de amor, pela vida, emergindo em determinadas situações elementos líricos de pura grandeza. Há atitudes, gestos, ações, recolhimentos e interiorização de sentimentos que são verdadeiros e lindos poemas. E não se irá aqui teorizar sobre poesia, lembrando o que disse sempre com proficiência o mestre Paulo de Tarso, por todos os títulos, imortal: “A melhor teoria sobre o poema, é o poema.”
Não me furto, porém, de vislumbrar no texto percorrido, uma verdadeira poesia em prosa. E por isso, vem-me à lembrança, de inopino, como a justificar, um pequeno trecho de Baudelaire, que em síntese tem o significado de uma definição sobre a matéria superficialmente aqui tratada:
“Qual de nós, em seus dias de ambição, não sonhou com o milagre de uma prosa poética, musical, sem ritmo e sem rima, bastante maleável e bastante rica de contraste para se adaptar aos movimentos líricos da alma, às ondulações do devaneio, aos sobressaltos da consciência?”
Esse “Catadora de Sonhos,” de Lucia Rocha, não significa apenas sonhos, são realidades cruas catadas no lixo das ruas, por um estado social criado pelas injustiças sedimentadas através dos anos, numa evidente demonstração de que a iniqüidade social é o retrato da desumana presença do homem, criador por excelência da miséria coletiva que se perpetua, como se fosse esse, no final, o real objetivo.
Comecei e fui até o final, mesmo sem pensar que o fosse. Fui.
Descobrindo na leitura não só a grandeza de uma mulher, mas de duas. A que chega até nós, permanecendo diante dos nossos olhos, com sua nobreza no infortúnio das ruas e na construção de um humanismo solidário, próprio das notáveis heroínas de todos os tempos, graças ao relato que renasce com toda sua clareza, numa narrativa que tem o poder de aproximar a realidade dos sonhos, fazendo deles o instrumento sólido de uma construção de textos que a tornam também, como a primeira, de intensa grandeza.
Para pintar um quadro tão pesado, para fazer emergir e projetar tantos fatos de uma dura realidade vivida com estoicismo por uma mulher de pensamento e atitudes louváveis, sem quebrar a clareza, a singeleza e simplicidade na sua elaboração cuidadosa e ritmada, só uma experiente escritora o faria e Lucia sem dúvida, o fez, permitindo que o insólito, o grotesco e o cruel recebessem um tratamento que permite o não obscurecimento da nobreza da história e da protagonista principal. O texto, desde o início, comove, mas não perde a beleza, pela sensibilidade, agudeza e perspicácia com que é burilado, elaborado, resultando numa narrativa enxuta, de fácil leitura e compreensão.
Com habilidade, sem afetação, sem nenhuma conotação bombástica ou pieguice, que sem dúvida afetaria a simplicidade da história de uma grande vida, a autora usa uma técnica, sem quebra do poder e da qualidade da narrativa, que com maestria inter-relaciona as duas personagens, sem seccionar a harmonia e nem os efeitos grandiosos de uma vida construída em noites indormidas, em sonhos fantasmagóricos e em estados delirantes, penetrantes no próprio corpo frágil, mas interiormente fortalecido pela têmpera inquebrantável de uma mulher.
Inegavelmente, Maria Eulina, foi deveras bem servida, pois sua vida, sua nobreza de caráter, a dignidade que conseguiu manter por entre tantas ocorrências negativas, e também, quando encontra, pela fé ardente e arraigada, os caminhos da ventura, aparecem diante dos nossos olhos com tanta clareza, com tal simplicidade e suavidade, que se transforma numa presença marcante e bela, graças à maneira singela, mas viva, com que a autora delineia os caminhos e os fatos, dos corriqueiros aos mais complexos.
Lúcia Rocha conseguiu com argúcia, com fina e sutil sensibilidade, não cair no grotesco e nem na pieguice, mantendo intacto o alto padrão narrativo da história, e em posição sempre em elevado patamar, o alvo principal que era apresentar alguém que enche pela beleza das ações um universo do comportamento humano, singular, ímpar e digno de todos os aplausos.
Nunca pensei que alguém conseguisse, sem se nutrir com palavras vazias e ocas, estabelecer parâmetros criativos, através de um poder de recriação das realidades vividas, sem quebrar o nexo de causa e efeito predominante nas diferentes situações, clareadas com visível maestria e singularidade.
A autora de “Catadora de Sonhos” mostrou não só a reciclagem do lixo, mas a transmutação da própria vida, que do nada concretizado nas ruas, engrandecia-se pela consistência interior calcada e impulsionada por uma ardente e comovente espiritualidade.
Ela, Lucia Rocha, excedeu-se em beleza descritiva desse quadro de contrastes, pondo em relevo com uma cadência motiva e emotiva, os pontos chocantes da ausência e perplexidade de um ser que parecia se quedar diante da realidade crua, e nua, transformando-a em nada diante da imutabilidade temporal; e aquele outro que se mostrava irrealizável, e nas alturas, mas que fazia com que as fracas forças se regenerassem e passassem a formalizar reações aparentemente impossíveis, dentro da realidade vivenciada. Consubstanciava-se um outro estado de espírito, de difícil percepção e assimilação, impossível de se ver a olho nu, mas presente pela potência emanada da fé que se antepunha ao realismo flagrantemente cruel das ruas impregnadas pelo lixo e pelos odores fétidos exalados da promiscuidade ambiental.
O fim é apoteótico, não só pela vida que ganhava novos contornos, porém com a mesma coerência e persistência, mas pela maneira de ser a narrativa conduzida através de um canal visível, estabelecendo a simbiose da nascente, (raiz) com seu fluxo evolutivo, até o reencontro de um outro estado, sem desfigurar todos os elementos integrativos e formadores dos diferentes estágios percorridos.
É um fluxo e refluxo de ocorrências que, bem ordenados e bem urdidos, fazem com que persistam a cadência, o ritmo, a coerência e os nexos que no curso do próprio encaminhamento se complementarizam, num contexto limpo e bem elaborado, constituindo-se numa peça singularmente perfeita, ouso afirmar.
Portanto, digo finalizando, que a autora de “Catadora de Sonhos”, Lucia Rocha, cumpriu galhardamente, com brilhantismo, sensibilidade e inteligência, numa flagrante demonstração de experimentada escritora, o papel que ela própria escolheu desempenhar.
Nada mais a acrescentar, senão saudar a grande e afirmativa escritora, desejando amplo sucesso, inclusive com outros textos de sua autoria, com a mesma profundidade como o que foi alvo deste alinhavado de palavras.
Elder Heronildes
Professor Napoleão – Final
O restante da turma não gostou da conversa em particular, queria também saber a opinião do professor sobre o que o aluno propusera e isso fez com que Napoleão prometesse a resposta para a aula seguinte, naquela turma, a 7ª D, a turma dos indisciplinados.
Durante a reunião na sala dos professores, Napoleão comentou com os colegas sobre a aula que havia dado.
- Muito me impressionou essa 7ª D, a turma que vocês dizem ser a mais difícil da escola. Achei que são politizados, que gostam de temas sociais, e não tive nenhum problema de disciplina com nenhum deles...
Os professores, que já sabiam da revolução que Napoleão estava a fazer na escola entreolharam-se e nada comentaram, voltando ao assunto que estavam conversando antes do ingresso do mestre na sala: os baixos salários dos profissionais da educação.
Sentindo-se meio excluído, até por não ser mesmo professor daquela escola, estava ali só para substituir Amenófis enquanto resolvia os seus problemas particulares na Paraíba, Napoleão preferiu o silêncio. Tomou um cafezinho, foi à estante, pegou um livro de matemática e começou a folheá-lo, até que tocou para o retorno às aulas.
O professor Napoleão olhou o relógio, viu que faltavam cinco minutos para o término da aula, e mudou de assunto.
- Foi muito bom passar esses dias com vocês. O professor Amenófis já deve estar chegando da Paraíba e deve retomar sua disciplina, voltando a ministrar a aula de História, com H maiúsculo para vocês.
Ao dar aquela informação todos percebemos que estávamos para perder o nosso grande mestre em História, que as aulas tomariam seu curso normal, com aulas chatas e cansativas, sem um mestre como aquele a nos fazer sonhar com algo interessante. Atordoados, ficamos um certo tempo em silêncio até que Bittencourt, um menino que jamais abrira a boca para dirigir qualquer palavra a qualquer dos nossos professores, lamentou:
- Não, professor. O senhor quer dizer com isso que está nos deixando? Por que não deportamos Amenófis definitivamente para a Paraíba?
Desculpando-se, procurando palavras para não se mostrar arrogante, o grande mestre Napoleão retomou o rumo da conversa e se apresentou melhor:
- Eu havia me esquecido do detalhe. Sou PhD em História das Américas pela Universidade de Londres, e estou aqui de férias. Tenho de retornar aos meus estudos e às minhas aulas ainda nesse domingo, para segunda-feira já enfrentar aquele céu londrino, sem a alegria do sol daqui.
Margarida não deixou Napoleão ir adiante. Quis logo saber o que era aquilo de PhD que o mestre falara. Fez sua pergunta, que, afinal, era uma dúvida a muitos dos alunos e foi atendida imediatamente pelo grande mestre.
- PhD, é Philosophical Doctor, Margarida, um título que se dá àqueles que chegam aos estudos mais detalhados, mais avançados a nível de universidade, um título superior ao de mestre, ou de professor. Especializei-me em História das Américas exatamente pela minha curiosidade em relação às civilizações aqui encontradas quando do descobrimento. Os Mayas me fascinavam, os Aztecas me enchiam de dúvidas e de curiosidade e os Incas, entre tantos outros povos originários desse continente, me atraiam de uma forma magnética, daí eu ter me especializado em História das Américas.
Acabou de dizer isso quando tocou. Ele pediu licença, disse que havia adorado conversar conosco sobre tão atraentes assuntos, e prometeu que voltaria no ano seguinte, se aqui estivesse de férias e fosse novamente convidado pelo professor Amenófis, seu amigo e colega de muitos anos.
Dizer aqui o que se passou pela cabeça de todos é impossível, mas certo é que aula nenhuma assistimos mais naquele dia, enfiados numa tristeza azeda, certos da volta do marasmo ao nosso cotidiano escolar.
O professor Napoleão foi cumprindo o seu ritual de despedida uma a uma das turmas que lhe foram entregues pelo professor Amenófis, e em todas elas ia deixando o mesmo rastro de desolação em que a nossa ficara.
Realmente um sujeito impressionante, aquele Napoleão. Nunca na vida, vi uma escola em tanto silêncio como se tornara aquela, naquele dia de despedida do professor que conseguira fazer com que passássemos a amar o estudo da História.
A todos uma coisa ficou certa: nunca mais haveríamos de assistir aulas tão brilhantes, tão cheias de prazer, como aquelas do professor Napoleão. Professor Napoleão? Não. Napoleão não era o seu nome mas apelido, como dissera na sua primeira aula. Como se chamaria, de fato, aquele baixinho, careca, barrigudinho, com cara de palhaço, professor de História com H maiúsculo?
Acho que nunca saberemos. Amenófis disse, depois, não saber. Que desde que travou conhecimento com aquela celebridade que o trata por Napoleão, não conhecendo nem aquela estória do apelido.
- Quer dizer que o nome dele não é Napoleão? Perguntou ele, mostrando, de fato, ter sido pego de surpresa. Começou a falar do assunto do dia, coincidentemente, a Revolução Francesa, e aí a galera se colocou interessada, doida para ouvir a História de Napoleão, o grande general.
© Eduardo Alexandre