domingo, outubro 07, 2007

VOZ

Marcus Ottoni


"Um ente gerado com o sangue do doador tende a replicar seu DNA".
Gaudêncio Torquato, sobre a intenção do governo em criar a TV Pública

Antônio Manso
Se essas paredes falassem...

Galeria do Povo, manifestação cultural e política do final dos anos 70, completa 30 anos neste mês.

Por Vinícius Menna

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Eduardo Alexandre mantém a idéia da Galeria viva, realizando exposições esporádicas pela cidade.


Antes da Galeria do Povo, não havia movimento cultural organizado em Natal. Em 1° de outubro de 1977, porém, foi dado o pontapé inicial para uma produção que não teria mais fim. Artes plásticas, visuais, fotografia, literatura, música, dança e teatro deram um salto a partir da iniciativa que surgiu da necessidade de dizer às pessoas que estava tudo errado no país.

"A Galeria do Povo nasceu de uma necessidade de voz", explica Eduardo Alexandre, o idealizador do movimento e poeta, escritor, artista plástico, jornalista, também chamado de Dunga.

O Brasil passava por um momento triste da história com a ditadura militar. Os jornais do sul tinham censores em suas redações e os demais jornais do país faziam auto-censura.

"Existia uma série de assuntos proibidos, principalmente as críticas ao governo. Principalmente a ditadura em si. A Galeria do Povo surge em meio a esse descontentamento da população brasileira em relação a esse momento difícil que estava passando", lembra o artista.

A Galeria do Povo se contrapunha a esse momento adverso. A idéia inicial era fazer uma galeria itinerante que terminaria em frente ao Congresso Nacional, com uma grande exposição de artes plásticas, poesias e shows de grandes artistas brasileiros se contrapondo ao momento em que a população brasileira estava vivendo.

"Não fizemos isso em decorrência de adversidades financeiras, mas a Galeria do Povo continuou sendo feita em Natal durante os sábados e domingos. E se tornou um veículo de livre manifestação popular, que era a proposta inicial", comenta Eduardo Alexandre.

Nos fins de semana, os artistas chegavam no mural da Praia dos Artistas e começavam exposições que não eram planejadas. A Galeria era composta a partir do material que era trazido pelas pessoas que já faziam arte há algum tempo ou estavam começando.

A primeira exposição é de 1° de outubro de 1977. Ela começou a ser preparada em abril, época que veio o estalo de fazer a Galeria do Povo. Geisel havia fechado o Congresso e editado um pacote de medidas.

"Aí, nós vimos a necessidade de ir para uma luta mais ostensiva, mas pacífica e com arte no pé do muro. Fizemos a primeira exposição no contorno da Ladeira do Sol, descendo a Praia dos Artistas, com artes plásticas, fotografias, poesias. Em cavaletes ou pregadas nas árvores que tinham lá na época", conta Dunga.

A segunda exposição foi só de poesia, num mural, em frente a uma casa. Era uma coletânea dos escritos de Eduardo Alexandre. A filha do dono da casa em que os artistas expunham viu a exposição, gostou e procurou Eduardo Alexandre no meio da semana.

"Sempre a gente estava se reunindo ali na Praia dos Artistas. Ela chegou, disse que pintava e me chamou para ver os quadros dela", explica o artista plástico.

O nome da garota que cedeu o muro da casa era Dulce. A partir da terceira exposição, a Galeria ganhou as paredes, com os quadros dela e de outras pessoas. A partir deste sábado, conta Dunga, começaram a surgir muitas pessoas interessadas em participar do movimento.

"Essa exposição foi até 24 de dezembro de 1977. O pai dela [Dulce] morava em Macau. Quando chegou, viu aqueles pregos no muro dele e mandou acabar com a exposição. Foi meu presente de Natal", revela Eduardo Alexandre.

O artista lembra que ficou muito chateado. "Mas a Galeria do Povo precisava continuar. Então, comecei a procurar outros muros e não tinha nenhum tão bom quanto aquele. Como a necessidade de expor era muita, optamos por um muro ruim, mas que era um muro, até que a Secretaria de Educação resolveu construir um mais adequado", diz Dunga.

Foram realizadas mais de 500 exposições até 1986, mo mesmo local que a secretaria cedeu para os artistas, na praia.

O pontapé

"A Galeria do Povo fez com que surgisse o movimento artístico da cidade. Através dela conseguimos fazer o os festivais de arte no Forte dos Reis Magos, o Festival de Artes de Natal, passeatas de poetas, que a gente chamava de Passeio Poético da Cidade do Natal, e vários outros acontecimentos artísticos que durante um tempo sobreviveram, depois desapareceram e outros que ficaram, como o Dia da Poesia, que ainda hoje é muito comemorado pela cidade", comenta o Eduardo Alexandre.

Frases do movimento eram românticas e até ingênuas, mas de efeito.



Dunga afirma que não existia movimento artístico em Natal até então. Segundo ele, dava para se contar nos dedos os artistas que habitavam a cidade.

"Os artistas plásticos eram Newton Navarro, Dorian Gray, Tomé, Iaperi, Leopoldo Nélson. Com a Galeria do Povo formou-se realmente um movimento. E aí agregou não somente as artes plásticas, mas fotografia, poesias, crônicas, música teatro, dança, tudo. Então tornou-se um movimento mesmo a partir da Galeria do Povo", diz o artista.

À época, a Praia dos Artistas era o local de maior convergência na cidade. Antes dela, tinha sido o Grande Ponto, no centro da cidade, mas caiu em decadência. Então, praticamente toda a cidade descia para a Praia dos Artistas para se encontrar.

"Nosso grupo, que era oriundo do Marista, se reunia todos os dias, de manhã cedo, a partir de 10h. Nós passávamos a semana planejando o que fazer no sábado e domingo", lembra.

De acordo com Dunga, uma arma importante do movimento eram as faixas de manifestação. Os dizeres eram discutido ente os artistas, sempre visando um texto que não fosse agressivo.

"A gente sabia que aquele movimento era politicamente muito visado. E a gente queria manter essa independência política e essa vontade de mostrar à sociedade que nós estávamos inconformados com aquela ditadura", revela Eduardo Alexandre.

As frases eram românticas e até ingênuas, mas de efeito, segundo Dunga. "Por exemplo: 'Ao povo brasileiro, o direito de escolher o seu próprio destino, Pela convocação da Assembléia Constituinte' ou 'Por uma democracia verdadeira, por um Brasil feliz'. Coisas que não agrediam a ditadura, mas que davam um recado positivo do que a gente queria dizer", diz o artista.

Enfim, Brasília

De acordo com Dunga, a Galeria chegou ao objetivo inicial algum tempo depois. "Ela passou a ser feita no Cruzeiro Novo, por um rapaz de Minas Gerais, que era praticamente de Brasília, mas que veio trabalhar em Natal. Marcus Ottoni realizou várias exposições lá. Fizemos também a Galeria do Povo em Recife durante um ano e ainda uma exposição em Campina Grande", conta.




Uma praia de artistas

Com a decadência do Grande Ponto, no centro da cidade, praticamente toda a cidade descia para a Praia dos Artistas para se encontrar.

Por Vinícius Menna

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Na época da Galeria do Povo, a cidade toda descia a Ladeira do Sol em direção à Praia dos Artistas.

Era na Praia dos Artistas que as coisas aconteciam no final da década de 1970. De playboys a doidões, todos iam para lá. E foi lá que começou uma pequena revolução cultural em Natal, com a Galeria do Povo.

Segundo conta Flávio Rezende, jornalista que participou ativamente com poesias que foram expostas no muro da Galeria, a Praia dos Artistas era a moda. "A cidade toda descia a Ladeira do Sol, dava volta de carro e de moto, chegava, fazia uma apresentação e ficava por ali", lembra.

O jornalista conta que produzia muito, quase diariamente, mas não tinha como expor. "O Dunga organizava essa exposição, que ele chamava de Galeria do Povo. Morávamos na mesma rua. Eu passei a participar ativamente, passava os domingos lá no muro com ele. Isso foi muito importante para a minha vida como escritor", explica Flávio Rezende.

Ele recorda que havia uma certa divisão na época. "Existiam os caretas, que só faziam contar piada e falar da vida do povo, e os doidões, o pessoal que fumava maconha, gostava de cultura alternativa e ficava encostado no muro", diz Rezende.

O movimento ao redor da Galeria do Povo começava logo cedo, às 10h, nos sábados e domingos. O pessoal ia pregando obras na parede e quando chegava às 17h, o lugar estava lotado. Era gente passando e olhando o tempo todo.

"Geralmente o povo já estava por lá de manhã, pegando um sol, dando uma bola. Na minha geração, a gente respirava cultura quase o dia todo. No Tirol acontecia o mesmo. Ou a gente tava na casa de um e de outro, compondo músicas e escrevendo poesias, ou estava na Praia dos Artistas mesmo. A gente sentava num banquinho e ficava por ali", conta o jornalista.

As influências da época eram Pink Floyd, Led Zeppelin, Santana, Janis Joplin, Jimmy Hendrix Gilberto Gil e Caetano. O pessoal usava roupas folgadas de algodão, coloridas, túnicas indianas, chinelos.

Era comum que os homens também cultivassem cabelos grandes, e deixassem a barba crescer. O corte black power também era a moda que estava em voga vinda do fim da década de 1960 para início da década de 1970. "Éramos doutores em cultura, mulher e maconha", brinca Flávio Rezende.

Festival

O idealizador da Galeria do Povo, Eduardo Alexandre (Dunga), comenta que planejava uma maneira de expandir o movimento cultural na cidade. Segundo ele, se chegou à conclusão que só um Festival de Arte para além das artes plásticas e visuais, que agregaria a música, teatro e dança.

"Eu estava um dia no mural da Galeria e chegou um artista plástico que tinha um atelier na Praia de Areia Preta. Era Sandoval Fagundes, um artista de João Pessoa. Sugeri a idéia de fazer no Forte dos Reis Magos, mas disse que eu não ia solicitar isso à Fundação José Augusto", diz Dunga.

"Eu era radicalmente contra trabalhar com qualquer meio oficial de cultura. Para mim, era um absurdo a arte trabalhar conjuntamente a instituições que representassem a ditadura", arremata.

Depois, foi feita a solicitação da Fortaleza para que o Festival fosse realizado. A primeira edição durou um dia. No segundo ano, Sandoval Fagundes não estava mais no Estado e a festa foi feito com a produção de Carlos Gurgel, no Centro de Turismo.

"Em 1980, eu não estava em Natal, fui para Recife. Aí não teve Festival. Em 1981, quando eu voltei, nós retomamos, dessa vez, já em três dias e voltando à Fortaleza dos Reis Magos", lembra Eduardo Alexandre.

E daí por diante o Festival se consolidou. Com ele, surgiu uma Associação de Artistas Plásticos e uma Cooperativa de Artistas, que entre 1983 e 1986, conseguiu dar um impulso ao movimento artístico de Natal.

"Até a quinta ou sexta edição, o Festival foi no Forte dos Reis Magos. Também foi feito no Bosque dos Namorados e depois na Cidade da Criança. Acho que foram oito ou nove festivais. Não sei ao certo porque não participei dos últimos", conta Dunga.

Segundo Flávio Rezende, ele foi ao Festival do Forte desde pequeno. "Meu irmão era meio malucão e me levava para todos esses lugares. A Galeria do Povo era transportada para lá, numa sala. Dunga levava o material todo para o Forte", diz o jornalista.

De acordo com Rezende, o clima era liberal. "Tudo acontecia muito na paz. Não existia essa obsessão por produzir, ganhar dinheiro, era tudo em função simplesmente da arte", comenta.

O jornalista complementa: "As pessoas queriam mostrar os trabalhos. O som, a iluminação, eram coisas mais simples. A gente ia para ouvir, ninguém tinha muitas exigências. Parece que hoje em dia as pessoas se preocupam mais com a moldura e não com o quadro em si".

por Alma do Beco | 11:10 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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