sexta-feira, junho 02, 2006

TUTAKAMON, SHERAZADE E VIRNA

Marcus Ottoni


"O presidente passou da omissão para o cinismo. Primeiro, ele dizia que de nada sabia. Agora fala que corrupção não tem problema. Cinismo é mais imperdoável do que omissão."
Geraldo Alckmin

"Quem não tem argumento, xinga"
Lula

Júlio César Pimenta
Júlio César Pimenta

O que será, será

Eu devia ter de uns três para quatro anos de idade e acreditava em Papai Noel, não vou negar. Nós morávamos numa casa de aluguel que dava frente para a rua Mossoró e que tinha ao lado um bom terreno arborizado que dava para a avenida Floriano Peixoto. Morávamos papai, mamãe, Fernando, Isa, eu e Dila (Odila). Mamãe andava chorosa porque perdera Miriam, a mais nova, com pouco mais de seis meses de vida.

Quando chegou o Natal, papai perguntou o que eu queria ganhar de Papai Noel e eu respondi na bucha:

- Um cachorrinho.

Passada a Noite Feliz, acordei com o presente dentro de uma caixa, a ganir debaixo da minha rede. Naquela época, cachorro de raça era uma raridade em Natal. Papai Noel me trouxe um vira-latas e eu me dei por muito satisfeito e feliz.

Quando nos reunimos para o almoço, papai me perguntou:

- Já botou nome no seu presente de Papai de Noel?

- Botei. O nome dele é Chapéu.

- Chapéu? Mas Chapéu não é nome de cachorro... Por que não Rex?

- O nome dele é Chapéu.

E ficou o nome.

Quando mudamos para a Conselheiro Brito Guerra, fins-de-mundo, no Tirol cheio de mato, pelos anos 57, 58, Chapéu não veio na viagem. Deve ter caído do caminhão de mudanças.

Já na nova casa, pedi, então, para criar patos, gansos e marrecos.

Mamãe mandou fazer um tanque no quintal da casa, e as aves foram chegando. Da primeira postura de uma das patas, um dos patinhos, de tão fraco, não conseguia acompanhar os demais, em fila, atrás de sua mãe. Dei a ele, o nome de Perdido.

Nessa época, quando saíamos para o veraneio na Redinha, que ia do final de dezembro a primeiros dias de março, vinha o caminhão de mudanças e cruzávamos morrendo de medo a velha Ponte de Igapó, o barulho das chapas de ferro e as duas faixas de rodagem de pneus estreitas, a nos fazer temer acidente a qualquer hora, todos ponte abaixo, ao sabor da correnteza forte do rio secante.

Levávamos conosco a criação de aves.

Um dia, já adulto e pesadinho, Perdido não foi encontrado entre as aves que ocupavam o quintal da casa de veraneio, na chamada Costa, parte oceânica da então tranqüila instância balneária.

Perdido havia sido roubado para farra de seresteiros. Terminou na panela dos ladrões boêmios e galhofeiros da noite praieira.

Fiquei raivoso. Papai, um dia, no velho mercado, me apontou o responsável e, até hoje, quando cruzo com o sujeito, me pego em reações de instintos primitivos, feitos os de Jéfferson.

Nunca faltou um cachorro lá em casa. E, sempre, os nomes, eu botava: Ngunhavantiê, Nixon, Rinte, Tufão, Chulepa, todos machos. Mamãe nunca deixou que se criasse cadela em sua casa.

Há poucos anos, ela comprou uma Yorkshire. Linda, a cachorrinha. Isabelle, minha sobrinha mais velha, era apaixonada pela cachorra e “ninguém cuidava da bichinha”. E a sobrinha foi levando Chiquita para uns passeios, para uns dias em sua casa, uma semana, até que a cachorra não foi mais trazida de volta.

Mamãe não se afobou. Comprou Nikita. Uma poodle branquinha e cagona, a sujar a casa toda e eu a botar moral: proibi seu acesso da porta para dentro.

E ela triste, na soleira, queixo recostado no batente, a dar conta da movimentação interna da casa.

É só eu botar o pé na rua, ela bota patas casa a dentro, a fazer de dormitório o chão debaixo do bufê da sala de jantar. Dali, sai, às carreiras, quando escuta o motor do poderoso parando à porta, na rua, em frente de casa.

Shuka, minha irmã que nasceu logo que chegamos à Brito Guerra, hoje mora em casa vizinha a nossa e tem um poodle macho, preto, chamado Nícolas. Marcaram toca, deixando portões abertos, e Nícolas crau, em Nikita.

Nikita pariu 4 puppies a 20 de abril passado. O primeiro, o maior deles, macho, branquinho, morreu sufocado pela placenta que os guardou nos meses de gestação.

Os três sobreviventes estão crescidinhos e sapecas, num quarto dentro de casa, só para eles.

Hoje, fiz o batismo da ninhada.

O único macho, imperioso e belo, meio champanhe na cor, chamei de Tutakamon. Quando o povo soube da novidade e estranhou, fiz por menos: ... mas pode chamar de Tuta.

A única pretinha da ninhada gane que é uma beleza. E late e late e late e eu a chamei de Sherazade, a contadora das histórias das mil e uma noites. Não pára a boca, a menina.

A outra, de coloração mais champanhe que Tutakamon, sempre que eu armo a rede no quarto para curti-los melhor, ela fica querendo subir, e pula e pula, e reclama de tudo. Por estar sempre subindo à rede, chamei-a Virna.

A época do desmame é chegada e eu já começo a ter saudades dos puppies de Nikita. Que futuro estará reservado a Tutakamon, Sherazade e Virna, não sei. Essa pergunta, eu não sei responder.

Eduardo Alexandre


De Tertuliano a Cabrito
Correio da Tarde

O envolvimento dele com a música remonta aos anos 70. Atualmente, sua expressiva participação no Festival de Música Popular do Beco da Lama, o MPBeco, reacendeu a arte naquele que teve de parar nos anos 80 de tocar para se dedicar à família. Tertuliano Aires teve quatro de suas canções inscritas no festival, das quais lhe renderam prêmios de segundo e terceiro lugar, além de prêmio de melhor arranjo. Ele só inscreveu uma canção. As outras inscritas são resultado de parcerias com músicos como Khristal, Zé Fontes e Carlos Bem.

No Festival MPBeco, o artista inscreveu a canção Natália, elaborada ao lado de Nagério, que classificou-se entre as 10 finalistas. “Achei que essa música ganharia”, confessa Tertuliano Aires. Além de Natália, outras três músicas foram inscritas por parceiros de composição. A música Tarde, que compôs com o músico Carlos Bem, obteve o segundo lugar na final do festival.

Jesuíno, parceria de Tertuliano Aires com Zé Fontes, ficou com dois prêmios, terceiro lugar e melhor arranjo. Segundo o músico, a canção é uma homenagem ao Rio Grande do Norte e traz nomes importantes da cultura potiguar. “É importante ressaltar a homenagem a Pedro Mendes”, diz ele ao apontar certo trecho da letra que se refere à música Linda Baby, tão conhecida pelo verso “essa é uma terra de um Deus mar”. A música Folguedos, feita em parceria com Khristal, chegou até as eliminatórias e foi baseada em um texto de Nelson Freire.

Cabrito

Tertuliano Aires também é conhecido por ter criado o personagem Cabrito, que canta músicas maliciosas, pornográficas mesmo. A brincadeira começou de forma descontraída. “Surgiu com a paródia de uma música de Joana. Eu estava em uma festa, numa casa de praia, comecei a cantar isso e o pessoal gostou muito”, conta o músico. Tertuliano Aires diz que no início pensava em fazer somente paródias, mas depois decidiu criar suas próprias músicas.

O estilo de Cabrito é chamado por ele de Música Pornofônica, numa mistura de tango, samba, bossa nova, coco, forró, cada canção brindando um segmento. "Não tem nada mascarado não. É sacanagem mesmo", diz. O projeto tem cerca de seis anos, conta com fã-clube, comunidade no orkut e lugar reservado em bloco de "pós-carnaval". “O Cabrito teve show especial no bloco Eu quero Gozar, em comemoração pós-carnaval”, conta. O grupo é de Natal, mas brinca em Caicó. O último festejo ocorreu na praia de Pirangi, em março e contou com cerca de 200 pessoas.

Cabrito é um personagem internacional. Suas fuleragens rodaram por brasileiros em países como Itália, França, Estados Unidos e Áustria. “O pessoal colocou as músicas do Cabrito num carro em que estavam brasileiros e austríacos. De repente, os brasileiros começaram a rir com os palavrões e os austríacos pediram para que traduzissem. Os brasileiros não conseguiram traduzir. Eu achei isso ótimo”, diz o músico.

Brega

Tertuliano Aires participa ainda do Balalaika Brega Band, grupo de brega em que ele se veste com roupas esdrúxulas. “Eu uso óculos cheio de parafusos, correntes bem grandes, camisa enfeitadas com bicos, calça boca de sino”, conta. A banda de brega existe há dois anos e toca covers de Waldick Soriano a Bartô Galeno.
A banda dos anos 70 Alcatéia Maldita foi o seu início na música.

Com o nascimento dos filhos, ficou mais difícil para Tertuliano Aires se dedicar ao Alcatéia Maldita e à família ao mesmo tempo, o que o fez desligar-se da música nos anos 80. “Mas agora, que os filhos já estão crescidos, estou voltando a tocar de novo”, diz ele.
Segundo Tertuliano Aires, a MPB e a música instrumental são suas principais influências. “Não tenho preconceito com nada”, afirma o músico. Tertuliano deixa o contato. “Pode me chamar pra qualquer coisa, show, festa, missa, velório”, provoca. O telefone dele é 3618-3400.

Vinícius Menna



Sertão de Elino
O Jornal de Hoje, 01.06.06

O sertão de Elino é um pequeno mundo, um outro sertão, não é o sertão de João Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Raquel de Queiroz ou Graciliano Ramos. É o sertão de Câmara Cascudo, Jorge Fernandes, Juvenal Lamartine, Dinarte Mariz, José Augusto Bezerra, do coronel José Bezerra da aba da serra (...).

Nele estão marcados fatos, episódios, entre índios e colonos pela posse da terra, registros de viajantes e cronistas. Não há de que se envergonhar porque somos nordestinos. Mantemos ainda um mosaico de heranças tão explícitas que pode ser considerada a memória do mundo ocidental, presente ainda em nossa mestiçagem, tragados pelo tempo, conservados, recriados e vividos, mesmo tendo de enfrentar os apelos dos meios da comunicação de massa, do aqui e agora, o ontem não interessa.

Não sabem eles que o ontem e o hoje são componentes históricos inseparáveis, um equilíbrio que guarda, transforma e perpetua. É preciso que compreendamos isso, porque ser moderno é viver com um pé no tradicional e outro na modernidade para não sermos diluídos pelo tempo e perdemos o referencial.

Por isto, amigos, gosto do que Elino produziu. Cantá-lo, amá-lo, proclamá-lo, é dever, obrigação, sem medo de ser feliz, porque ele era o próprio Nordeste, de flores perfumadas, de noites enluaradas ou muito escuras e iluminadas pelos pirilampos; do sol, do vento, da chuva e frias madrugadas; da algazarra dos passarinhos, piar dos pintos, do canto do galo, do urro de bois, bezerros e o berro de cabritos, um cenário deslumbrante.

O sertão de Elino, na madrugada do 21 de maio último, foi pego de surpresa. A notícia logo se espalhou: MORREU ELINO JULIÃO. Cobriu-se o Nordeste e o Seridó de luto, choro e tristeza, porque perderam um dos seus mais ilustres filhos, um autêntico menestrel da música popular nordestina. O Seridó dos currais das Espinharas; da Casa Grande com porta, batente, cupiá, camarilha e cozinha; do 13 de maio, das grandes invernadas, das terríveis secas; das inesquecíveis festas de São João, de Nossa Senhora de Santana e do Rosário, onde entram em cena a dança dos Espontões, uma manifestação quase bi centenária, cuja tradição é mantida sob a liderança do mestre Possidônio Silva.

Da velha ingazeira, do umbuzeiro frondoso, do bugarí cheiroso, das cercas de pedra e arame farpado, da cancela, do juazeiro, das fazendas, dos grandes currais, mas também das duas vacas: Laranjeira e Estrelinha. Do velho e cabano jumento sofrido e cansado que transportava água, lenha, ração para os animais. Esta foi a universidade de Elino, seu mundo, sua vida. Esquecer dele porque? O homem que desafiou Nascimento, na defesa do velho cabano: Você disse que é brabo Nascimento/ Você cortou o rabo do jumento/ Eu não quero pagamento Nascimento/ Eu quero é outro rabo no jumento/ Ele entrou no seu roçado/ junto com o gado/ Comeu um pezinho de coentro/ Nascimento eu não quero pagamento/ Eu quero é outro rabo no jumento.

Cantou quase como ninguém o mundo sertanejo, com originalidade e autenticidade, deu alma, vida e alegria às personagens e ao cenário dos seus primeiros encantamentos. Não se rendeu aos apelos do modismo inconseqüente. Pelo contrário, enfrentou-o com talento e coragem. Um grande exemplo para muita gente alienada, que pensa que é moderna e se envergonha de ser nordestino. Pois, saibam estes: por mais alto que sejam os degraus da fama o homem que desconhece o caminho da volta, de suas origens, é porque perdeu as vertentes da racionalidade.

O sucesso em nada mudou a vida deste bravo sertanejo. Apesar da convivência com as grandes estrelas da música nordestina como: Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva, Abdias, Marinês, Trio Nordestino, Dominguinhos e outros mais talentosos compositores. Permaneceu o mesmo: simples, cortes, educado e elegante. Um artista brasileiro, bem nordestino.

Morreu quando vivia um dos melhores momentos de sua vida. Depois de um longo período distante da mídia. Como a força do talento não morre, com o apoio e incentivo do pesquisador Dácio Galvão e Candinha Bezerra, gravou um belo CD, "O Canto do Seridó", uma coletânia de sucessos, verdadeiros clássicos para serem guardados nos acervos da música popular brasileira.

Na apresentação do CD "Vamos dar valor a quem trabalha", assim expressa Dácio Galvão: "Elino nasceu em Timbaúba dos Batistas. No sertão do Seridó. Não o do sertanejo roseano, nem o do euclidiano, mas o sertão velho do etnólogo Oswaldo Lamartine. O de nunca-mais. Ou ainda, aquele que na década de vinte provocou o definitivo e árido poema caligramático de Câmara Cascudo: Não gosto de sertão verde".

Não esqueçamos Elino, nem a nossa legítima e bela música sertaneja. E, se assim o fizer, Vá com jeito/ Vá com jeito/ Vá com jeito. Vá de mansinho/ finja que ainda me quer/ e com jeitinho/ Diga o que você quiser/ Faça tudo pra evitar grande emoção/ tenha pena do meu pobre coração/ Assim! Pra sair tudo direito. Vá com jeito/ Vá com jeito/ Vá com jeito. Valeu Elino.

Severino Vicente

por Alma do Beco | 5:00 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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