"Nos becos, principalmente os mais clandestinos, reinventei a vida. E encontrei esse jeito simples de ser feliz."
Vicente Serejo
"O presidente passou a tarde toda sendo reverenciado com orações e danças feitas por feiticeiros vudus, líderes tribais e pelos descendentes de escravos brasileiros que formam uma espécie de colônia em Ouidá, nos arredores de Cotonou, capital do paupérrimo Benin."
Maria Lima, O Globo, hoje
Ilustração: Léo Sodré Foto: Hugo Macedo
Caro Dunga:
Adispôi de véio, no hôme,
o tezão disaparece.
Num tem jeito qui dê jeito;
quando a muié lhe inlôquece,
pru mais qui êle amasse a gata,
a infeliz da chibata,
cada vêiz mais amulece...
Feliz aniversário e "muuuuuunnnnnta confóimação"!...
Bob Motta
NATAL-RN
09.FEV.2006
BOEMIA
Se eu soubesse:
que deixando de ser boêmio
não morreria,
Confesso:
com certeza, deixaria.
Como sei
que mesmo sem ser boêmio
eu morreria,
Afirmo:
vou morrer na boemia.
Chagas Lourenço
M O T E
QUEM MORRE NA BOEMIA
COM CERTEZA VAI P'RO CÉU
G L O S A S
1. Chaguinha, sua poesia,
arrazou, foi de lascar.
Veio da culpa, tirar,
QUEM MORRE NA BOEMIA.
Tudo que é de milacria,
faz em tudo que é beréu.
Não dorme, é que nem tetéu,
mas tem amor na bagagem,
quem morre na fuleragem,
COM CERTEZA VAI P'RO CÉU...
2.
tenho que me conformar.
Ao Pai Maior, vou prestar,
contas do que fiz, outrora.
Andei pelo mundo a fora,
fiz escritório em beréu.
Fui vítima de cheleléu,
vou à zona, todo dia,
QUEM MORRE NA BOEMIA,
COM CERTEZA VAI P'RO CÉU...
Bob Motta
Noite escura
Atravessando a vereda
em noite escura
cheia de percalços
de pés descalços
de repente topou
com estranho animal
a rugir-lhe no matagal
quis voltar
era tarde
virou um cobarde.
Helmut Cândido
R$2,00
Decálogo do Aprendiz
Mais vale sugerir do que dizer
- diz mais quando se diz com sutileza -.
Falar como quem fala sem querer,
juntando, ao que disser, delicadeza.
E nada lhe pergunte. Dialogue.
Respostas surgirão naturalmente.
A chave é perguntar sem que interrogue
( e ela, respondendo, não se sente).
Sincero seja sempre a qualquer hora
(mentir é demodé e é um perigo...).
O que se vai dizer não se decora.
O que se vai dizer já vem consigo.
Jamais fingir saber o que não sabe.
O que lhe faz valer é sua essência.
Nem tudo há que dizer. Nem tudo cabe.
Mais vale o que se aprende em convivência.
Que seja a sua altura a altura dela,
falando olho no olho, sem rompante.
Que ele valha tanto quanto ela
e ela veja nele um semelhante.
Elogie. Mas só não gratuitamente.
Mais vale o elogio à hora certa.
Quem ouve só louvor, como se sente?
não sabe quando erra ou quando acerta...
A pressa é inimiga, diz o dito.
Se ela recuar, recue também.
Mas fique a esperar pelo desdito:
se ela avançar, avance além.
"Cantar"? não faça isso. Espere ser.
Cantar é pular fases. Sorva cada.
O encanto da conquista é perceber
que a boa é a que se dá compartilhada.
Presentes caros, "chiques"? nada disso.
A ela dê os simples, dê com calma...
Mas junte a cada um a gana, o viço.
Presentes dê quaisquer, mas dê com alma.
Por fim, lhe seja ombro, se é o caso.
E seja a qualquer hora. Firme e presto.
Passada a precisão, não por acaso,
a ela seja boca todo o resto.
Antoniel Campos
OS BECOS TÊM ALMA
Já li em algum lugar, Senhor Redator, que há, se bem vista e ouvida, uma sociologia dos becos. Diferentemente das ruas e avenidas - mas retas, mais largas, mais exibidas. Os becos, não. Há neles um certo mistério, velho como a vida. Foram trilhas, depois caminhos nascidos do chão pisado pelos homens e seus bichos. Uns ganharam um chão de pedra, outros não. Mas todos, feios ou graciosos, todos têm uma alma humana que os seus próprios nomes assinalam para o mundo.
Se querem saber, uns são gloriosos, como os grandes becos históricos ou boêmios; ou tão humildes que vivem sem nome, como órfãos da cidade. Mas servindo a todos. Os becos nascem de uma ocupação que os planejadores chamam de desordenada, mas é uma acusação injusta. Pelo contrário: se comparados aos homens, os becos nascem de parto normal. Naturalmente. Porque antes de tudo, são caminhos mais próximos, atalhos, um jeito humano de chegar andando menos.
É possível que tudo isso tenha nascido de velhos becos. De alguns becos lendários que levo comigo até hoje, partes inseparáveis da minha geografia afetiva. Como o Beco das Quatro Bocas, em Macau. Misteriosíssimo. Beco de homens valentes e de mulheres da pá virada, e a quem esse mundo inventou de dizer que eram de vida fácil. Ou becos nobres, como o Beco das Carmelitas, no Rio, naquela Glória boêmia e lasciva que durante anos e anos abrigou o poeta Manuel Bandeira.
Aqui na Redinha, Senhor Redator, temos os nossos becos. São pequenos caminhos que vão coleando como cobras esse chão antigo. Serpenteando entre casinhas, varridos pelos ventos, cheios de uma poesia humilde que não se declara. Pequenas vendas, e tão pequenas que nem são bodegas, aqui e ali plantadas. Cheios de passos e conversas. É como se sussurrassem num murmúrio baixo, numa confissão proibida a quem não é íntimo, afinal os becos, sobretudo, se conhecem há tempos.
Nos dias de sol, parece até que se espreguiçam como bichos. O sol aquece suas partes mais úmidas e escuras como se espantassem o mofo de velhas confissões que o tempo foi acumulando nas paredes. Como se as vozes estivessem ali, pregadas em toda parte. Os becos são seres vivos. Talvez bichos de estimação, talvez não. E, quando dormem, e parecem sem vida, recende de sua pele áspera um sono mágico, misterioso e leve. É como se respirassem tempos imensos de vida.
Gosto dos becos, Senhor Redator. Nasci numa praça de janelas para o mercado e depois fui menino numa rua aberta e larga, para o rio e o mar. Mas gosto dos becos. Vivi passando por eles, ternamente. Até hoje, nas minhas andanças, fujo das avenidas. Faço meus caminhos por onde a vida passa. Nunca desejei, talvez por pobreza de sonhos, as largas e grandes avenidas. Nos becos, principalmente os mais clandestinos, reinventei a vida. E encontrei esse jeito simples de ser feliz.
Vicente Serejo
O Jornal de Hoje, 10.02.05