quarta-feira, fevereiro 01, 2006

OTHONIEL E OS POLÍTICOS

Marcus Ottoni


“Quando os magistrados descem do Olimpo e se aproximam dos cidadãos, a democracia ganha sempre."
Lucia Hippolito

“O presidente Lula tem toda uma explicação para dar ao país. O tempo todo ele vai ter que voltar a temas desagradáveis, mas vai ter que voltar durante a campanha. E não é o tema da corrupção apenas, porque isso não adianta voltar porque todo mundo já sabe que teve muita. Ele também vai ter que explicar porque prometeu e não cumpriu tanta coisa.”
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso


Orf


COLEGIAL

Desafio a lei
Da física,
Permaneço estática
Mesmo quando me sinto simpática
Nao temo a lei
Da química
Misturo doses que às vezes intimida
Me perdoe a geografia,
As marés, ilhas, oceanos
Todos pertencem ao mesmo plano
Digo não à matemática
Seja o ângulo reto ou obtuso
Com regra básica ou teorema
Sou a favor,
De um preciso, limpo, íntimo poema.

Deborah Milgram




O POETA E OS POLÍTICOS...

(Prefácio de CLÁUDIO GALVÃO à primeira edição do livro “A Cidade Perdida” – “Desenho Animado” e “Esparsos” – ColeçãoHumanasLetras/UFRN/1995, Centenário do Poeta OTHONIEL MENEZES.

O título acima – “O POETA E OS POLÍTICOS” é da autoria de Laélio Ferreira.
Aguardem a edição das Obras Completas)

Numa manhã chuvosa de julho, dia 7 do ano de 1950, um ônibus percorria a pista asfaltada construída pelos americanos durante a segunda guerra mundial e tomava a direção da Base Aérea de Parnamirim. Levava, como o fazia todos os dias, os funcionários civis para o trabalho no Posto de Engenharia.

Um dos funcionários, entretanto, não ia para o trabalho. O burocrata Othoniel Menezes desceria antes de todos, no aeroporto militar, sob as saudações, brincadeiras dos colegas e votos de boa viagem.

Sob a chuva fina, o poeta recebeu a pequena mala e se dirigiu ao hangar. Ali, diversas pessoas, militares e civis esperavam embarcar no avião do Correio Aéreo Nacional, rumo ao sul do pais. Um pouco mais e o C 47 -202226 deixava a pista molhada e rompia o cinzento da manhã de inverno.

Lá dentro, meio desajeitado, o poeta procurava melhor acomodar-se na sobriedade do avião militar.

Na Base Aérea do Galeão no Rio Janeiro estavam à sua espera a filha Terezinha e o marido Lauro Braga. E logo o táxi tomava a direção da residência do casal, no bairro de Marechal Hermes, onde ficaria hospedado.

Pelo caminho, uma agradável surpresa levou o poeta a inevitáveis reminiscências: as paredes de prédios e muros que passavam pela janela do automóvel estavam cobertas de cartazes com fotos e os nomes dos candidatos a Presidente da República.

Recordava os tempos que se sucederam à revolução de 1930, quando Café Filho, depois de duras experiências nos sindicatos e política partidária, fora eleito deputado federal em 1934, permanecendo no mandato até 1937 quando - que contra-senso! -, o seu companheiro de chapa Getúlio Vargas instaurava o Estado Novo e desencadeava forte perseguição aos seus adversários de então, obrigando Café a exilar-se na Argentina.

Ali estavam os dois, juntos na mesma chapa, quando antes se opunham...
E lembrava para a filha e o genro os acontecimentos do passado, até as inimizades que ganhara por ser cafeísta no seu Estado, a ponto de ser acusado de comunista em 1935, processado e preso durante mais de dois anos em Natal.

“Tudo por ser amigo de Café”, comentava.

Othoniel Menezes chegava ao Rio de Janeiro, a então capital da República, a menos de três meses das eleições de 31 de outubro que elegeriam Getúlio e Café. Estava em plena efervescência a campanha eleitoral.

Café Filho demonstrou muito contentamento com a chegada de Othoniel mas, alegando os afazeres da campanha, marcou uma audiência para alguns dias depois.

Enquanto esperava, Othoniel retirou da mala uma velha pasta onde colecionara seus poemas e resolveu, para encher o tempo, passá-Ios a limpo. Para isso, utilizou uma caderneta de capa de tecido verde escuro e folhas pautadas "Manufactured by U.S. Govemment Print Office", que trouxera da Base Aérea de Natal e começou a escrever o que havia trazido de sua produção poética.

Na primeira página e para intitular o livro, o título do primeiro poema; "A Cidade Perdida".

Eram 46 poemas, a maioria inéditos, alguns publicados em antigos jornais e revistas de Natal.

Era um bom número e daria um pequeno livro. E se acrescentasse mais alguns? Na verdade os poemas restantes nada tinham a ver com a essência dos primeiros quarenta e seis. Eram sonetos críticos, irônicos, onde o poeta expunha as qualidades e defeitos dos animais, visualizava-lhes a intimidade, induzindo o leitor a compará-Ios com os seres humanos, portadores de idênticas características. Inteiramente diferentes de toda a sua poesia, os 11 poemas do "Desenho Animado” poderiam ser anexados à "A Cidade Perdida".

Chega o dia do esperado encontro com o amigo candidato a vice-presidente da República.

Othoniel seguiu confiante e lembrava os tempos em que trabalhara na redação do jornal de Café Filho em Natal, que o ajudara a eleger-se deputado federal. Afinal, estava ali porque o próprio Café Filho o chamara por telegrama e, em anteriores conversas em Natal, prometera-lhe um emprego no Rio de Janeiro à altura de seu nível intelectual, chegando a aventar a possibilidade de um cargo de chefia na Biblioteca Nacional.

O encontro com Café foi dos mais amistosos mas, em vista dos atropelos do momento, o deputado pediu ao poeta que voltasse em outra ocasião para tratar o assunto emprego.

Othoniel despediu-se do amigo e marcou nova audiência com a secretária, voltando para Marechal Hermes. Revisou os poemas, burilou o que necessitava, corrigiu isso e aquilo. E já chegavam de Natal, via navio, a esposa Maria e os filhos Laélio e Netinho, e o sogro Hermilo Abílio Ferreira. Certo de que o amigo não falharia, pede demissão do emprego na Base Aérea de Natal a 22 de setembro.

Àquele tempo, a saúde do poeta começa a incomodá-lo. O atropelamento de que fora vítima em Natal, em 1947, parecia agravar-lhe os sintomas do que lhe parecia um persistente reumatismo.

Arredio e esquisito como sempre fora, detestava pedir favores e incomodar quem quer que fosse. A doença ainda mais lhe perturbava a serenidade de que necessitava para viver a poesia.

Enfim, o novo encontro com Café Filho. Escritório cheio de gente, amigos e políticos, bajuladores e conterrâneos em busca de favores e empregos. Depois de alguma espera, o deputado acolheu o amigo com alegria mas lhe pediu para voltar outra vez pois ainda não tinha tido tempo para tratar de seu assunto. “Café, você quer saber de uma coisa? Eu não vou mais chatear você com este assunto !"

"Não, poeta! Você tem todo o direito de me chatear !"...

"Eu não chateei você no tempo em que fazíamos comícios nas Rocas nem no tempo em que passei preso como comunista por ser seu amigo... Então, não vou lhe chatear mais !”

Retirou-se e não mais voltou à presença de Café Filho.

3 de outubro; Getúlio eleito e Café Filho vice-presidente, apesar da não simpatia do gaúcho companheiro de chapa. A 31 de janeiro do ano seguinte dá-se a solene posse no Palácio do Catete. Othoniel e família continuam na casa de Terezinha, e espera a ajuda dos poderosos, que apenas chegou a 13 de março, quando o poeta é nomeado Escrevente Datilógrafo do Instituto Nacional do Sal. Um oficio do Superintendente transcreve a Ordem P 51/66, assinada por Raul de Góes, presidente do Instituto. Era uma função modesta, apenas para começar. Tanto é que, a 15 de novembro do mesmo ano, é nomeado Inspetor interino, através da Ordem P 51/227, assinada pelo mesmo Raul de Góes.

Enfim, conseguira o tão desejado emprego. A vida agitada do Rio de Janeiro e a saúde a lhe perturbar a paciência e, certamente, as saudades, fazem o poeta decidir retomar sua Natal , Magoado e desiludido, relatou o acontecido à sua comadre, Sra. Letícia Cerqueira, sogra de Jessé Café, irmão do deputado que, na ocasião, ocupava o cargo de Superintendente
do Instituto Nacional do Sal.

A comadre não se deixou esperar. Telefonou para o genro, relatou o fato e exigiu um emprego para o poeta.

"... aldeia lendária, adormecida
aos suspiros do rio e aos trons do mar." (3)

Chegando a Natal em companhia da família, Othoniel assume suas funções e aproveita a oportunidade para prestar concurso para o cargo de Inspetor Efetivo, função na qual haveria de passar muitos aborrecimentos.

Para encher o tempo, continuou na organização do livrinho de poemas. Decidiu anexar o "Desenho Animado" a "A Cidade Perdida" e incluir, ainda, mais 3 sonetos com o título de "Esparsos": um poema em homenagem à Marinha Brasileira, outro ao seu ídolo e modelo cultural Henrique Castriciano e o terceiro, a Ricardo da Cruz, seu amigo de infância, a quem intitulara

"...Vespúcio canguleiro (4) ,
Rei dos peixes do mar de Camarão (5) !” .

Ricardo da Cruz fora um dos principais idealizadores do raid ao Rio de Janeiro, em iole a quatro remos que, a 3 de março de 1952 e com o apoio do vice-presidente Café Filho, navegou de Natal à Baía da Guanabara. Pronto o caderno e utilizadas exatamente todas as suas folhas, Othoniel, como era natural, sonhou em vê-Io publicado mas, em março de 1956, a doença, que julgava ser apenas de um reumatismo, ataca-o mais fortemente. No trabalho, o pagamento sofria constantes atrasos e o salário veio a receber um corte, trazendo-Ihe de volta os problemas financeiros. Os filhos Laélio e Netinho (Hermilo Neto), trabalham e ajudam nas despesas e residem todos em modesta casa na rua Correia Teles.

A saúde preocupa e os amigos e admiradores de Natal lançam campanha para ajudar o poeta.

Em 1959, problemas administrativos, (alguns alegaram perseguição pessoal), trazem-lhe uma redução em seus vencimentos. Muitos amigos e instituições culturais tentam ajudá-lo. O vereador Deoclécio Sérgio de Bulhões propõe e obtém, em novembro, na Câmara Municipal, a concessão de uma pensão no valor de cinco mil cruzeiros.

O recebimento de ajudas constrangia o poeta. A caderneta de poemas continuava a envelhecer no fundo de uma gaveta. Ficaria para quando Deus desse bom tempo. ..

Somente em 1959 consegue ser reclassificado no Instituto Nacional do Sal, melhora a situação econômica, recebe algum dinheiro atrasado e aposenta-se em 1960. Durante todo esse período de instabilidade pouco se sabe de sua poesia que, ao que tudo indica, não encontrava terreno fértil para reflorescer.

Naquele ano, em Natal, reúne-se o 1° Encontro Nacional de Escritores. Uma comissão visita o poeta. Impressionados com modéstia do ambiente que em que vivia, contrastando com sua potencial riqueza intelectual, os escritores resolvem apelar para o Governo do Estado, no sentido de conseguir uma forma de ajudá-Io. Como resultado do apelo, um funcionárie:da Secretaria de Educação e Cultura acompanhou Othoniel até a farmácia Santa Lígia (6) e comunicou ao proprietário que o Governo do Estado se responsabilizaria pelo pagamento de todos os remédios de que necessitasse Satisfeito, Othoniel ainda chegou a adquirir alguns medicamentos até que, tempos depois, o proprietário da farmácia lhe disse que o Governo nunca pagara nada do que fornecera.

Foi a gota d'água. Ofendido, Othoniel resolve retomar ao Rio de Janeiro e contactar o senador Dinarte Mariz, seu velho amigo e admirador. Lá chegando, a 25 de março de 1962, encontrou um carro oficial do Senado a esperá-lo no aeroporto e Dinarte o levou pessoalmente a um médico famoso, seu amigo, dando-Ihe toda a assistência de que necessitava. Os exames a que se submeteu revelaram que era portador do Mal de Parkinson, enfermidade de difícil cura e custosa manutenção.

Mesmo recebendo o que de melhor era possível no Rio de Janeiro, a saúde do poeta se agravava e sua poesia se restringia a versinhos circunstanciais e quadrinhas para as netinhas que chegavam, para lhe dar a alegria que a sua cidade negara.

A 19 de abril de 1969 falece em sua residência, no apartamento de n° 201 da rua Queiroz Lima 18, no bairro do Catumbi. Seu atestado de óbito indica edema agudo do pulmão e infarto do miocárdio Foi sepultado no cemitério de São Francisco Xavier.

Recolhendo os objetos que deixara, seu filho Laélio encontrou a caderneta com as poesias, as páginas já amareladas, manchadas e emendadas com fita adesiva. Guardou-a carinhosamente, como lembrança viva de uma sensibilidade que morrera. Minucioso trabalho de recuperação feito por computador permitiu limpar o manuscrito de suas manchas. Depois, foi necessário reavivar-se o que escreveu, cobrindo--se com tinta cada letra de cada verso.

Graças a isto, foi possível dar-se a público esta edição. Para que os leitores possam melhor lembrá-Io, além do seu conteúdo poético, vai o livrinho em edição fac-similar; a expressão da sua sensibilidade por sua própria mão poderá levá-Ios, ainda mais, à intimidade informal do poeta.

1. Sob a influência do "Desenho Animado", o seu grande amigo e poeta Esmeraldo Siqueira publicou o "Fauna Contemporânea". Longe da sutileza de Othoniel, Esmeraldo caracteriza como animais seus c inimigos pessoais de Natal, sugerindo quase que diretamente a quem se refere.)
2. Maria da Conceição Ferreira (Ceará Mirim, 1900 -Rio de Janeiro, 1968)
3. "Jardim Tropical", pág. 146, Imprensa Industrial, Recife. 1923.
4. Habitante ou nascido no bairro da Ribeira. em Natal.

5. Felipe Camarão.
6. Na época, à esquina das ruas João Pessoa com Princesa Isabel.

por Alma do Beco | 9:03 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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