sexta-feira, janeiro 27, 2006

VIDA ALHEIA

Marcus Ottoni


Esse é o PSDB que bate duro no PT (com razão) e que se diz diferente dele (sem razão).
Ricardo Noblat

Franklin Serrão


Eu canto se não sinto o que aparento
e invento um contraponto, se nem tanto.
E enquanto me desmonto em fingimento,
sustento o que pressinto em contracanto.

Suplanto esse confronto e me arrebento:
me enfrento, me desminto e me quebranto.
Por manto, em labirinto me apresento:
me ausento, nada aponto e me decanto.

No entanto, me remonto e me acrescento.
Sedento de absinto me transplanto,
conquanto o desaponto seja alento.

E ao vento eu seja extinto, sem espanto,
sem pranto, sem apronto e desatento,
pois lento é que, sucinto, me levanto.

Antoniel Campos




ADONDE EU ME CRIEI

Eu me criei num lugá,
qui inde existe lealdade.
Adonde a sêca é castigo,
adonde água é raridade.
Adonde tem sufrimento,
mais tombém tem uis momento,
de munta felicidade.

É um lugá maravioso,
digo no instante preciso.
Lá, quando num tem trabáio,
o sujeito véve liso.
Na sêca, lá é o inferno;
mais quando chega o inverno,
se transfóima in paraíso.

Adonde de um bom forró,
se disfruitá, inda pode.
O forró de pé de serra,
a matutada ssacode.
É só o triângo, sá dona;
o zabumba e a sanfona,
ô intonce o pé de bode.

Adonde a bôca incarnada,
de uma cabôca facêra,
anima a rapaziada,
na Festa da Padroêra.
Adonde se ôice uis gimido,
duis amô improibido,
lá no mêi dais capuêra.

Adonde lá na cunzinha,
o fogão de aivenaria,
pura fumaça branquinha,
e puro chêro, anuncia,
qui já tem cuscuz nôvíin,
e um gostoso cafézíin,
na manhincença do dia.

Adonde você disperta,
cum o canto da sariema.
Cum o anum branco cantando,
lá nais gáia dais jurema.
Adonde o qui acuntece,
se transfóima numa prece,
ô intonce num poema.

Foi nêsse lugá, seu môço,
qui eu me criei, meu irmão.
Entre ais pega de jumento,
e ais festa de apartação.
Êsse lugá tão falado,
in prosa e verso, cantado,
é meu amado sertão...

Bob Motta




Vida alheia

No território livre e libertino do Beco da Lama, quando se reúnem mais de quatro intelectuais em volta de uma mesa, o nível das fofocas vai às alturas. Um dia desses, entre rodadas de meladinha e doses de uma raríssima Malhada Vermelha, o disse-me-disse começou com Marcel Proust e não sei como terminou porque pedi licença e saí depois de uma longa sessão de maledicências eruditas. O mais extrovertido dos bequianos começou a sessão demonstrando muita intimidade com o autor de Em Busca do Tempo Perdido. Sabia de tudo. Falou da paixão desvairada de Proust pela mãe, uma mamãe judia que correspondia à paixão do filho com a mesma intensidade. Os dois trocavam abraços, beijos e longas cartas derramadas. Quando a mãe, possessiva, onipresente, recebia uma carta dele, ficava louca. A uma dessas cartas, ela respondeu qualquer coisa assim: “Leio, releio as suas cartas, mordisco todos os cantinhos e depois, à noite, ainda as provo, se sobrar alguma coisa de bom para saborear”. Proust também adorava dar telefonemas à mama querida (sim, já havia telefones em Paris no final do século 19, esclareceu o narrador).

Um dos presentes, com jeito debochado, perguntou: “Quer dizer que a frescura foi a herança maior que a mãe lhe deixou?” O proustiano não ligou para o comentário e continuou discorrendo sobre a vida do romancista que é, para ele, um dos melhores do mundo.. Quem não sabia ficou sabendo das intimidades de Proust. De suas paixões de adolescente por rapazinhos bonitos. Do seu grande amor por Reynaldo Hahn. Da asma, doença que o maltratou como uma maldição. De sua reclusão num quarto com cortinas nas janelas, onde ele se exercitava, todos os dias, para escrever um romance de três mil páginas. Proust dormia às oito horas da manhã, acordava às cinco da tarde, ganhava beijinhos da mãe, tomava remédios em quantidades industriais, escutava música e escrevia, escrevia. À noite, andava pelas ruas desertas de Paris, correndo o risco de ser assaltado, e comia “confit de canard” nos bistrôs.

Outro debochado bequiano aparteou em voz alta: “Nós temos um Proust, nós temos o nosso Proust!” E disse, enumerando coincidências: “Como Proust, Alex Nascimento dorme às oito da manhã e acorda às cinco da tarde. Em seguida, fica ouvindo música, lê bulas e pensa na busca do tempo perdido. Adora dar telefonemas. Tarde da noite, sai pelas ruas desertas de Natal, correndo riscos, para fazer lanche numa carrocinha. Quem não tem “confit de canard” vai de cachorro-quente. Como Proust, Alex é uma alma apaixonada e adora um rapazinho que se chama Ugo Senhagah.” Acudiram três cavalheiros, todos três de copo na mão, e o detrator da loucura alheia teve que pedir desculpas.

Marcel Proust foi deixado de lado. Pediram nova rodada de meladinhas e outro intelectual falante desafiou: “Ganha a Papangu do mês quem disser o nome completo de Picasso!” Ninguém chegou perto e o intelectual, de memória nos trinques, declamou: “Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Cipriano de la Santísima Trindad Ruiz y Picasso.” Antes que começassem a dizer que Picasso era mão-de-vaca, mesquinho, ciumento, brigão, pedi a conta. Estou aguardando um relatório de Volonté.

Nei Leandro de Castro

por Alma do Beco | 1:20 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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