“Espero que eu sobreviva, aqui nesse barril de pólvora que é a Europa.”
Maria Augusta Maia Marques Linsner, na coluna Portfólio, de Alex Medeiros, Jornal de Hoje, sobre a polêmica das charges dinamarquesas
“Lula acha que, com sua retórica de assimilação fácil, Garotinho passou a disputar com ele a simpatia do naco mais pobre do eleitorado. Daí a sua decisão de aproximar-se dos evangélicos. O primeiro aceno nessa direção foi o início de um “namoro” com o senador Marcelo Crivela, principal liderança política do PRB.”
Josias de Souza, Folha de São Paulo
Ilustração: Léo Sodré Foto: Hugo Macedo
Reprodução
Múltiplas são as partes
Desse viver
Inúmeras, inteiras, mutiladas são as partes
Desse sentir
Intocáveis, infinitas, intransitáveis são as partes
Desse escolher
Imensuráveis, indomáveis, insuportáveis são as partes
Desse amar
Deborah Milgram
Mote
Não precisa mais carteira
A ordem é soltar a voz
Glosas
1.
A notícia é de primeira;
Cida Airam, muito obrigado.
Pois, segundo o seu recado,
Não precisa mais carteira.
A truculenta maneira,
como os fiscais vinham a nós,
os recolheu aos quixós,
a Ordem não mais ordena,
quando a Justiça entra em cena,
A ordem é soltar a voz...
2.
Cida, que bela notícia,
a que você nos passou.
Aos meus ouvidos, soou,
como gostosa carícia.
Com status de polícia,
a Ordem vinha até nós.
Tais quais, livres curiós,
cantemos a noite inteira,
Não precisa mais carteira,
A ordem é soltar a voz...
Bob Motta
Manifestação traduzida
A manifestação do sentimento
traduzida no poema
às vezes causa pena,
embora como recompensa
traduzindo compensa:
ou o sofrimento
ou a alegria!
Chama-se a isso poesia.
De qualquer maneira
a poesia é como uma peneira.
Helmut Cândido
R$2,00
Quem morre na boemia
com certeza vai pro céu
A alma de um boêmio
quer encontrar solução
da boca de um irmão
pra curar a dor do tédio.
Espera obter remédio
pra quem do amor é réu
e vai se tornando incréu
sem saber que todavia
quem morre na boemia
com certeza vai pro céu.
Miranda Sá
Na orgia
Bob vive na orgia,
doido pra acreditar
que Deus vai anistiar
quem morre na boemia;
que a Santa Virgem Maria
o livra do fogaréu,
deixa o Capeta pinel,
puto, de inferno vazio,
porque o povo vadio,
com certeza vai p'ro céu!
Meméia
E não sabes que
Vejo-te quando não te olho. Tua fotografia em mim independe de fotografia. Te sentas numa mesa, cerveja ao lado, bebo contigo. E tu vais à praia. Pousas à praia. Eu sou a areia sob os teus pés. Marula, salsugem, vela panda, onda quebrando no teu calcanhar. Água que te beija os artelhos. Todos os teus dedos. Teu calcanhar. Solado dos teus pés. Língua querendo o toque. Mão no teu biquíni. Não no corpo. No biquíni, que em ti não ouso. Reverencio-te. Lambo as tuas pisadas na areia. Beijo a foto descarada que se atreveu a dizer de você. Sou o vento que passa pela tua mão ao vento. Sou as tuas coxas, o par, uma porrada nos meus olhos. Sou quem te olha ao longe e te tem tão perto... eu sou a Banda da Ribeira descendo pra Ribeira ao lado teu. Tua boca há na minha. Todos os teus passos te sou e me és. Tu: de pé, na praia, coxas que beijo e não sabes que. Teu biquíni é detalhe: nua te vejo.
Antoniel Campos
O livro do meu vizinho
Acordei por volta das 8 horas, mas permaneci de olhos fechados, canalizando energias, buscando identificar sons que dessem pistas do meu paradeiro naquela manhã de quinta-feira. Estaria eu em Natal ou Mossoró? E em qual lugar de uma dessas cidades? A dupla residência às vezes me deixa atordoado. Não obtive sucesso na pesquisa auditiva, pois o ronco do condicionador de ar cobria as outras vibrações do ambiente.
Com esforço de halterofilista acionei alguns músculos do rosto e abri o olho direito cuja pálpebra pesava cinco toneladas, seiscentos e dois quilos e trinta gramas. Tentei ajustar o foco na direção de algo branco iluminado por uma luz intensa que invadia o quarto pelas frestas da porta. Não deu. Abri o outro olho, coloquei os óculos, levantei-me e me dirigi ao objeto. Era um livro, Contos do Cotidiano, de Gilberto de Sousa.
Há anos Gilberto prometia transformar em livro os contos escritos por ele para o O Mossoroense, pretensão alcançada com o selo da editora Queima Bucha em 2004, desde quando eu esperava para reler os textos e para conhecer as ilustrações, último trabalho do chargista Bob Melo. Pois em dado instante do dia que acabara de nascer, Giba o colocou por debaixo da porta com dedicatória "ao meu vizinho e amigo da madrugada".
Nunca imaginei receber um livro em tais circunstâncias. A dedicatória, no entanto, foi providencial, norteadora. Encontrei-me graças à lembrança de que, por algumas horas, eu e Gilberto fomos vizinhos. Passou até o sono. Senti-me feliz com o gesto, principalmente por haver assistido à gênese da obra a partir de histórias reais que nos chegavam à redação na boca dos repórteres e foram temperadas pela criatividade do autor.
Na época, de acordo com Gilberto, eu "engatinhava com a valentia dos grandes escritores de contos". Engatinhando, continuo. A lida com as palavras é dura e exige sacrifícios daqueles que não nasceram com o dom de manusear idéias. Às vezes passo dias adulando a prosa do domingo seguinte. E ela, tinhosa, ainda sai capenga. Queria ter tempo e engenho para escrever sem a afobação da rotina e com a mestria de tantos.
A valentia fica por conta da generosidade do amigo que incentivou o menino burro a escrever e a se tornar repórter. Observando à distância, sou obrigado a desconstruir episódios de suposta coragem inscritos no meu currículo. Penso por agora que só fui valente de verdade quando não me deixei levar pela raiva nem por intrigas, mantendo-me longe de guerras que nada têm a ver com a prática do jornalismo. O resto, imaturidade.
Parece que estou divagando para atingir as 40 linhas às quais tenho direito na geografia da quinta ou da sétima página, a depender do departamento comercial.
O fato é que o livro de Gilberto trouxe-me lembranças aos montes, inclusive dos sábados no Sertão Lusitano de Antônio Rosado Maia, Anabela e Dadazinha, porque o prefácio é de Toinho. Aliás, o prefácio é Toinho, a cara dele. Posso ouvi-lo falar palavra por palavra.
"Gilberto é artista multifacetado. Compositor, cantor, violonista, editor de jornal e um contista porreta de bom. Desses que escrevem e publicam diariamente para deleite de seus leitores... Pra falar a verdade, eu morro de inveja de quem escreve e publica contos. Não tenho imaginação, talento e disposição para tanto. Essa inveja saudável, que eleva...", diz o mestre Antônio Rosado. E eu, pegando uma carona, assino embaixo.
Cid Augusto
ZÉ DO ROJÃO
Quem dos remanescentes da Natal boêmia de outrora, não teve a felicidade e o privilégio de conhecer ou pelo menos ouvir falar em Zé do Rojão? Biriteiro, moleque (no bom sentido) até a raiz dos cabelos e "Palhaço de Circo Tomara Que Não Chôva"...Essa função; diga-se de passagem, desempenhava com grande maestria. Morava na beira da linha do trem, perto da feira do Carrasco. Era mais ou menos da minha idade, e quando não estava pelo interior do Rio Grande do Norte, como contratado de algum circo, estava nos botecos, feiras e/ou onde estivesse ocorrendo um "presépe" qualquer. Seu nome de batismo, jamais cheguei a saber qual era. Quando estava aqui por Natal, era companheiro quase que inseparável do também saudosíssimo sanfoneiro Zé Minhoca, que tocava na Lua, o cabaré de Chica Bocão, no Alto do Bairro Nordeste, lá nas Quintas. Às vezes, quando eu estava "de voada" e o encontrava, era uma verdadeira festa que a gente fazia. Geralmente íamos para a casa de Maria Taióba, lá na Rua do Mosquito, de onde, pela porta da cozinha, embarcávamos na canoa que ela, Maria Taióba, nos alugava para irmos pescar siri na margem oposta do Potengi; com Teimoso, Seu Chimba, O Véio Fulêro e Chapéu Cagado a tiracolo. Eu mesmo, quando trabalhava numa pesquisa de schelita em Lages, certa vez tive a felicidade de encontrá-lo exercendo a função que ele mais gostava de exercer, a de Palhaço de Circo Tomara Que Não Chôva! E eu, juntamente com Milson Cego, que trabalhava comigo na pesquisa, nos juntamos à mundiça de menino, e quase matamos de rir, os saudosos Ramiro Pereira (Ramiro Capitão) e o não menos saudoso Pereira Primo. Zé do Rojão, montado num monociclo e a réca de menino e eu e Milson Cego atrás, respondendo quando ele, o Palhaço, gritava:
- Hoje tem espetáculo ?
- Tem sim senhor.
- Oito horas da noite ?
- Tem sim senhor.
- Dona Chica ?
- Remexe a cangica.
- E o palhaço, o que é ?
- Ladrão de mulheeeeeeeer!
Pois bem; mas o que eu quero contar de Zé do Rojão, é que certa feita estava com ele na barraca de Dona Helena, na feira do Carrasco, bem pertinho de sua casa, quando chegou uma criatura da bunda bem grande junto de Zé, se abanando toda, folgando o cós da calça prá lá de apertada, e falando:
- Ô calô da bixiga; hoje tá como nunca; e eu inventei de sair arrochada desse jeito?!
Aí, Zé do Rojão detonou:
- Só se for as calça; pruquê você mermo, quando amanhece arrochada demais, parece um prato de mingau; mal dá prá passá uma bola de basquete!...
Bob Motta