domingo, outubro 22, 2006

PRANINGUÉM

Marcus Ottoni


"Se algum ET existir no sistema solar, os cientistas já sabem a sua dieta: compostos de enxofre. Foram achadas bactérias em uma mina profunda sul-africana que vivem há milhões de anos sem contato com a superfície, como se imagina possa ocorrer em outro planeta."

RICARDO BONALUME NETO, da Folha de S.Paulo



ESGRIMA

Gostamos dessa carapuça,
Ela nos atrai nos enlouquece
Nos desafia, nos apetece

Através dessa carapuça
Nos esquivamos, nos atacamos
Nos defendemos, nos empatamos

Vítimas dessa carapuça
Num ágil e sutil movimento
Perfura a nobre espada
No devido exato momento
Touchê!

Deborah Milgram




TUA IMAGE IN DEIZ VERSO MATUTO...


Quem bota o fóco do oiá,
no brío duis zóio teus,
na certa, agradece a Deus,
pru tê o dom de inxéigá.
Se o cabra, de tu, ganhá,
um riso, um oiá fugáiz,
perde o sussêgo e é capaiz,
de se apaixoná, querida,
quem ti vê uma vêiz na vida,
num t'isquecerá, jamais...

Bob Motta



Memória a Nasi já não é mais para todos

O painel retratando Nasi preparando uma meladinha, feito durante o I Pratodomundo, em 2003, pelo artista plástico Franklin Serrão, em festa da SAMBA, a Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências, já não é mais para todos: o jogo do bicho o levou.

Uma grande pintura comercial da Paratodos, empresa que explora o jogo de bicho, tomou lugar da arte que retratava o mais expressivo personagem do Beco da Lama e adjacências.

E sem necessidade: por todo canto, esquina a esquina, existem comerciais iguais, em casas exploradoras do jogo, às vezes, uma vizinha a outra.

O obra de Franklin Serrão, situada em pleno Beco da Lama, Rua Dr. José Ivo, em homenagem àquele que durante mais de 30 anos de labuta diária popularizou a meladinha e manteve viva a boemia que se esvaía na Cidade Alta, bairro que deu origem a cidade do Natal, não existe mais.

Por ironia ou provocação, o mesmo bar, aquele que firmou-se na memória popular como o Bar de Nasi, mesmo sem nunca ter tido um letreiro em sua fachada que dissesse isso, hoje chama-se Bar da Meladinha, usando o produto que Nasi popularizou, como o atrativo principal da casa.

Fica o letreiro da Paratodos. Fica o letreiro do Bar da Meladinha. Vai-se a memória de Nasi. Vai-se mais um dos painéis que artistas confeccionaram gratuitamente para a cidade.

Fica a revolta contra a insensibilidade.
E fica também a certeza de nossa incapacidade social em conter a fúria esmagadora do capital que tudo compra e se firma, humilhando, destruindo, jogando ao nunca mais um pouco do registro que se tentou fazer de uma época.

Eduardo Alexandre



A Manga e o Sal

Na minha infância, quando morava na rua que leva o nome do poeta Segundo Wanderley, no Barro Vermelho, onde ainda hoje habitam os meus pais, uma das minhas maiores realizações era subir na frondosa, centenária e, até então, surpreendentemente produtiva mangueira que ficava no extenso quintal.

Aquela mangueira, com suas belas e rosadas mangas, era o playground da minha infância. No seu topo eu passava tardes e manhãs (à noite, como uma caverna, a árvore era habitada por felizes morcegos), aventurando-me, como num filme de Tarzan, escalando as alturas arriscadas, colhendo e largando os frutos pesados e doces que desabavam por entre as folhas longas e lustrosas e os galhos esverdeados, produzindo um som sibilante peculiar até o barulho retumbante da queda. A queda, que eu mesmo experimentei um dia e que causou um dos maiores sustos que minha mãe já teve na vida: o filho prostrado no chão, de bruços, próximo a um ciscador com as pontas de ferro oxidado viradas para cima. Foi só o susto do baque. Nenhum órgão ou osso avariado. O trauma, no entanto, fez com que eu demorasse a voltar aos galhos daquela árvore.

Essa queda, a primeira forte, símbolo de outras que viriam na minha existência, também experimentou meu irmão mais velho, Jansênio, maior expressão de aventureiro – e eu buscava imitá-lo – que se apresentava na época. Caiu de uma altura maior, mas, como eu, não chegou a quebrar osso, para alívio momentâneo de todos, pois as incursões à nave da mangueira voltavam a se repetir pouco tempo depois.

Certo dia daquela época, esse mesmo irmão, revoltado temporariamente com uma negativa paterna de alguns dinheirinhos, decidiu dar o troco das moedas que não recebeu, preparando a cena: subiu até o ponto mais alto, ali onde os galhos se retorciam – ciosos de não poderem mais crescer – e ameaçava se jogar. Papai, à porta, dizia que iria chamar os bombeiros. Eu ria, incrédulo da cena. Lembro-me que o único efeito doloroso disso tudo foi um grande galo na minha cabeça, realizado pela mão paterna, que, fechada, rápida e certeira, atingiu meu cocuruto na hora em que me esbaldava no riso.

Na mangueira subiu também uma vez o meu irmão Janair que logrou realizar um dos maiores dramas da minha infância, quando, aos berros que se ouviam em quase todo o Barro Vermelho – da Jaguarari até a Olinto Meira, da Segundo Wanderley até a Meira e Sá – se desesperava, afirmando que as abelhas estavam o atacando. A cena era patética e assustadora. Hoje, graças a Deus, somente risível. Meu irmão, longilíneo como sempre foi, preparava-se para saltar, de pé sobre um galho forte. Um dos outros manos estava sob a mangueira, com os braços abertos, aguardando o tombo, como se pudesse segurar aquele varapau que perigava se precipitar lá de cima. Até que a coragem apareceu (ou a platéia) e o que estava trepado desceu, aos gritos e choros, ralando-se todo pelo tronco espesso e verrugoso da árvore fantástica.

Não me lembro de minha irmã Jaiana, ou o meu irmão Jaime, terem se arriscado nos braços daquela planta majestosa. Preferiam o perfume e o sabor dos frutos carnudos, fibrosos e suculentos, debaixo da bela e agradável sombra (que nos períodos de entressafras – porque não corríamos o risco de termos a cabeça atingida por um bólido cor de rosa – era o nosso lugar predileto de estudos).

Hoje são só lembranças. Nesses dias de verão, a mangueira, aquela mangueira única e inesquecível que se tornara quase um membro da família, já não vive, atingida que foi pelo cupim. Resta o sabor da memória. O sal da lágrima que embota o olho saudoso de quem viveu aqueles dias felizes e ingênuos. Esse mesmo sal que era melado e aplicado ao fruto sensual e colorido, que sorvíamos como o seio materno, lambuzando de paz e de conforto os nossos rostos e espíritos infantis.

Lívio Oliveira

por Alma do Beco | 6:35 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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