quinta-feira, setembro 07, 2006

ROTEIRO

Marcus Ottoni


“Temos de reconhecer que estamos um pouco surpresos com o nível de intensidade (da violência), e com o fato de que a oposição em algumas áreas não se baseia em táticas tradicionais de atirar e correr.”

James Jones, comandante militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), surpreso com a reação talebã no Afeganistão

Hugo Macedo














Era rio

Depois da resistência,
holandeses vencidos,
muitos se foram
poucos ficaram
a contemplar o rio
como em vigília

Foram anos, décadas
Três séculos de monotonia
e medo da escuridão

Uns, guardados pela Fortaleza
outros, na duna alta
ribanceira oposta ao mangue
de longe, a vigiar a barra

Em volta da capelinha,
deixada da fundação,
cabanas foram ficando
a demarcar meio à mata
sítios ermos, ali, ali

A oeste, o rio pequeno
de beber água boa, pura
como aqueles dias
de muita espera
- Tijuru?
- Tissuru, respondia o índio

A pesca, a caça, a coleta
a criação de pequeno porte
a agricultura de poucos elementos
o cuidar dos animais
eram o fazer do dia-a-dia.
Marasmo da vida inteira

Natal nem era cidade
mas o Potengi era rio

Eduardo Alexandre



Cantões é roteiro


Demorará décadas, séculos.
A coisa já foi contada uma vez. E bem.
Houve uma paciência, uma parcimônia, um querer dizer as coisas e escolher as pessoas para dizê-las.
Diria que o tópico primeiro seria a tatajubeira, por tão óbvio, dado o cascudiano tratamento — diga-se: tudo a ser dito bebe nessa fonte (não na da vila cincinato, mas na de Cascudo).
Porque décadas e séculos, só por isso: a história do centro da cidade do Natal tem nome: "Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão". Ele, Djalma que, década de 50, inaugurou uma bossa marqueteira: uma faixa, cruzando a Rio Branco (Nova), margeando a João Pessoa (Tocos), na hoje C & A.
Diria, mas não digo. Digo desse tempo, posto ser esse meu compromisso, como foi, antanho, o de dizer, alguém, o supra rabiscado.
Beco da Lama. Tarde qualquer de Sábado. Tarde qualquer de um dia qualquer de qualquer mês e ano idem.
Hugo Macedo, vasta cabeleira, indefectível sorriso independente de ter morrido o Papa, o Presidente, a mãe, o amigo, o raio que o parta.
Manias gargalheiras de mostrar o que lhe apraz. Mas é puta sacanagem circunscrever um artista num rótulo: quando eu digo: "Gargalheiras", eu sacaneio Hugo. Diminuo Hugo (embalde saber que NINGUÉM jamais retratou o Gargalheiras como ele, eu o diminuo). Hugo é mais. É o grande nome das artes dessa Poti mais bela e vã. Sei da cor azul conseguida a ângulo de 45º no Pataxó — invenção sua. Coisa de gênio. Sei dos raios furando nuvens nas serras curraisnovenses tantas vezes motivo de papel de parede nesse micro que ora teclo. E o que digo das cores dos brincantes desse Agosto folclórico de dois mil e seis? Cantão é roteiro.
Digo de Alex, pato rouco, irmão, com quem compartilho o momento ímpar de sua produção jornalística. À profusão. Está aqui e, de repente, em Mossoró. Volta, dá-nos o Potengi, sabe do nascer da Ponte de Navarro. Vistas primeiras de onde nascerão outras. Ouve, Alex: sob o teu ângulo potengi, daqui a vintanos, outros ângulos virão; mas o teu, agora, é primeiro. Aproveita. Não deixa nada sem que seja agora visto. Dá-me esse presente: eu, já velho e carcomido, direi: já vi isso quando Alex viu por mim. Vê tudo. Escreve tudo. Clica tudo. É o que vale, mano.
Cantão é roteiro.
Abraço Leonardo. Meu irmão. Estou sempre com ele. Ele está a umas centenas de quilômetros, mas está aqui. Ninguém parte quando nunca vai embora. Li a tua viagem ao céu. Fiquei calado, como muitos, porque sabemos que assim deve ser. Invejo-te a compulsão. Tudo para ti é motivo para se dizer no papel — e dizes tão bem. Rio às escâncaras no teu inimitável "ó quê?". Vibro, igualmente, nessa tua fase editorialina: esse é o teu espaço e o teu momento. Cantão é roteiro.
Chega Laélio, gênio filho de gênio. Quanta honra em saber que esse cara, independente de ser filho de quem é, passou por isso: ouviu, na intimidade do lar, a voz do grande bardo da segunda metade do século passado. Basta isso. Juro que adoraria e pagaria tudo o que tenho ou não para: ouvi-lo. Imagine ouvir-lhe dizendo: "Laélio, ajeite as meias!". E aí eu me pergunto: será que esse puto aquilata essa dádiva? Mas quero falar d'O cara. Do poeta Laélio. Do teimoso e difícil Laélio. Esse que é o MAIOR glosador vivo nessa terra potiguarina. O cara que pira e inspira quem ao seu derredor. Ninguém fica imune: desça-se o malho ou se lhe erga o pedestal. Sou dos que se lhe erguem. Combato-o e o admiro. Assim, tudo ao mesmo tempo. Sou feliz por testemunhar umas das mais perfeitas glosas já vista nessa terra: aquela onde Malgênius Netto é vítima (risos). Cantões é roteiro.
Lourenço: O Chagas. Nome completo: Chagas Lourenço. Charutão por disfarce. Amo esse cara. É irmão de Leonardo; logo, meu também.
É O MELHOR PÉ-QUEBRADO QUE JÁ OUVI EM TODOS OS TEMPOS. Puta poeta. Sonoríssimo. Passo uma tarde toda ao lado desse camarada. Sabe de histórias de corar Pe. Agostinho e Orf, o Oswaldorf — dois cabras bons. O primeiro, irmão, literalmente, da gente. O segundo, da gente, literalmente irmão. Uma lapada de cana para os três.
Cantões é roteiro. Sempre.
Digo do queridíssimo Dunga, dito Eduardo Alexandre, o culpado pelos "Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão", papafigo e mandachuva do CEDOC, da Fundação José Augusto, o mestre e menestrel de todos nós, o homem da Galeria que é do Povo, dos Primeiros Dias da Poesia, dos pratos del mondo. E da nossa razão de estar aqui e dizer e dizer: Dunga, te agradecemos por tudo. Cantões é roteiro.

Antoniel Campos

por Alma do Beco | 9:55 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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