“Temos de reconhecer que estamos um pouco surpresos com o nível de intensidade (da violência), e com o fato de que a oposição em algumas áreas não se baseia em táticas tradicionais de atirar e correr.”
James Jones, comandante militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), surpreso com a reação talebã no Afeganistão
Hugo Macedo
Era rio
Depois da resistência,
holandeses vencidos,
muitos se foram
poucos ficaram
a contemplar o rio
como em vigília
Foram anos, décadas
Três séculos de monotonia
e medo da escuridão
Uns, guardados pela Fortaleza
outros, na duna alta
ribanceira oposta ao mangue
de longe, a vigiar a barra
Em volta da capelinha,
deixada da fundação,
cabanas foram ficando
a demarcar meio à mata
sítios ermos, ali, ali
A oeste, o rio pequeno
de beber água boa, pura
como aqueles dias
de muita espera
- Tijuru?
- Tissuru, respondia o índio
A pesca, a caça, a coleta
a criação de pequeno porte
a agricultura de poucos elementos
o cuidar dos animais
eram o fazer do dia-a-dia.
Marasmo da vida inteira
Natal nem era cidade
mas o Potengi era rio
Eduardo Alexandre
Cantões é roteiro
Demorará décadas, séculos.
A coisa já foi contada uma vez. E bem.
Houve uma paciência, uma parcimônia, um querer dizer as coisas e escolher as pessoas para dizê-las.
Diria que o tópico primeiro seria a tatajubeira, por tão óbvio, dado o cascudiano tratamento — diga-se: tudo a ser dito bebe nessa fonte (não na da vila cincinato, mas na de Cascudo).
Porque décadas e séculos, só por isso: a história do centro da cidade do Natal tem nome: "Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão". Ele, Djalma que, década de 50, inaugurou uma bossa marqueteira: uma faixa, cruzando a Rio Branco (Nova), margeando a João Pessoa (Tocos), na hoje C & A.
Diria, mas não digo. Digo desse tempo, posto ser esse meu compromisso, como foi, antanho, o de dizer, alguém, o supra rabiscado.
Beco da Lama. Tarde qualquer de Sábado. Tarde qualquer de um dia qualquer de qualquer mês e ano idem.
Hugo Macedo, vasta cabeleira, indefectível sorriso independente de ter morrido o Papa, o Presidente, a mãe, o amigo, o raio que o parta.
Manias gargalheiras de mostrar o que lhe apraz. Mas é puta sacanagem circunscrever um artista num rótulo: quando eu digo: "Gargalheiras", eu sacaneio Hugo. Diminuo Hugo (embalde saber que NINGUÉM jamais retratou o Gargalheiras como ele, eu o diminuo). Hugo é mais. É o grande nome das artes dessa Poti mais bela e vã. Sei da cor azul conseguida a ângulo de 45º no Pataxó — invenção sua. Coisa de gênio. Sei dos raios furando nuvens nas serras curraisnovenses tantas vezes motivo de papel de parede nesse micro que ora teclo. E o que digo das cores dos brincantes desse Agosto folclórico de dois mil e seis? Cantão é roteiro.
Digo de Alex, pato rouco, irmão, com quem compartilho o momento ímpar de sua produção jornalística. À profusão. Está aqui e, de repente, em Mossoró. Volta, dá-nos o Potengi, sabe do nascer da Ponte de Navarro. Vistas primeiras de onde nascerão outras. Ouve, Alex: sob o teu ângulo potengi, daqui a vintanos, outros ângulos virão; mas o teu, agora, é primeiro. Aproveita. Não deixa nada sem que seja agora visto. Dá-me esse presente: eu, já velho e carcomido, direi: já vi isso quando Alex viu por mim. Vê tudo. Escreve tudo. Clica tudo. É o que vale, mano.
Cantão é roteiro.
Abraço Leonardo. Meu irmão. Estou sempre com ele. Ele está a umas centenas de quilômetros, mas está aqui. Ninguém parte quando nunca vai embora. Li a tua viagem ao céu. Fiquei calado, como muitos, porque sabemos que assim deve ser. Invejo-te a compulsão. Tudo para ti é motivo para se dizer no papel — e dizes tão bem. Rio às escâncaras no teu inimitável "ó quê?". Vibro, igualmente, nessa tua fase editorialina: esse é o teu espaço e o teu momento. Cantão é roteiro.
Chega Laélio, gênio filho de gênio. Quanta honra em saber que esse cara, independente de ser filho de quem é, passou por isso: ouviu, na intimidade do lar, a voz do grande bardo da segunda metade do século passado. Basta isso. Juro que adoraria e pagaria tudo o que tenho ou não para: ouvi-lo. Imagine ouvir-lhe dizendo: "Laélio, ajeite as meias!". E aí eu me pergunto: será que esse puto aquilata essa dádiva? Mas quero falar d'O cara. Do poeta Laélio. Do teimoso e difícil Laélio. Esse que é o MAIOR glosador vivo nessa terra potiguarina. O cara que pira e inspira quem ao seu derredor. Ninguém fica imune: desça-se o malho ou se lhe erga o pedestal. Sou dos que se lhe erguem. Combato-o e o admiro. Assim, tudo ao mesmo tempo. Sou feliz por testemunhar umas das mais perfeitas glosas já vista nessa terra: aquela onde Malgênius Netto é vítima (risos). Cantões é roteiro.
Lourenço: O Chagas. Nome completo: Chagas Lourenço. Charutão por disfarce. Amo esse cara. É irmão de Leonardo; logo, meu também.
É O MELHOR PÉ-QUEBRADO QUE JÁ OUVI EM TODOS OS TEMPOS. Puta poeta. Sonoríssimo. Passo uma tarde toda ao lado desse camarada. Sabe de histórias de corar Pe. Agostinho e Orf, o Oswaldorf — dois cabras bons. O primeiro, irmão, literalmente, da gente. O segundo, da gente, literalmente irmão. Uma lapada de cana para os três.
Cantões é roteiro. Sempre.
Digo do queridíssimo Dunga, dito Eduardo Alexandre, o culpado pelos "Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão", papafigo e mandachuva do CEDOC, da Fundação José Augusto, o mestre e menestrel de todos nós, o homem da Galeria que é do Povo, dos Primeiros Dias da Poesia, dos pratos del mondo. E da nossa razão de estar aqui e dizer e dizer: Dunga, te agradecemos por tudo. Cantões é roteiro.
Antoniel Campos