"Não tem aliança, não tem apoio. Ele nunca conversou comigo, nem eu com ele. Fora disso, é viagem interplanetária."
Heloísa Helena, sobre a manifestação de apoio de Anthony Garotinho a sua candidatura
Alexandro Gurgel
O POETA BOB MOTTA
O poeta trovador,
trova dor e trova amor.
O poeta cantador,
canta dor e canta amor.
Seu matuto coração
- que de rimar não se cansa -
aposta vingar a esperança,
qual semente em rico chão.
Cantando a vida e a lida
de um povo e de seu lugar,
vê a Poesia, guarida,
no peito de um potiguar.
Neide de Camargo Dorneles
Como satisfazer uma mulher
acaricie a fala massageie os lábios cante seus cabelos suporte a ânsia alimente o pensamento dê banho em sua sombra ria do nada sorria sem motivo estimule a invenção console o pensamento abrace a sua alma excite cada poro pacifique a mordida proteja no seu corpo seduza a cada olhar ligue ontem corresponda antes antecipe hoje perdoe sem motivo sacrifique-se por tudo assessore antes do pedido mostre-se igual sem perceber fascine sem palavras respeite a cada toque encante sem querer eleve e se ajoelhe defenda-a dos seus medos faça planos juntos enfatize o comezinho faça serenata ainda que em silêncio agrade naturalmente mime e goste de mimar nine-a em seus caprichos se banhe na sua saliva se perfume no cheiro dela elogie o seu batom faça uma surpresa a cada olhar acredite cegamente santifique-se pela presença dela reconheça seus incometidos pecados seja gentil e educado mas a pegue firme atualize-se na sua cor predileta aceite sem ressalvas presenteie mesmo sem presentes peça o impossível escute e adivinhe entenda o que não foi dito leve a qualquer lugar bonito e único acalme suas dúvidas mate por ela qualquer obstáculo morra por ela a todo instante e momento sonhe com ela acordado prometa e cumpra se entregue como condição para viver se comprometa e seja inteiro alivie seus pés sirva a sua boca salve a noite o dia a tarde prove as suas coxas agradeça a cada sim dance com ela olhe nos olhos presentes em todo o seu corpo escove os seus pêlos seque os seus pêlos dobre os seus joelhos lave as suas coxas passe a sua perna em suas pernas guarde essa mulher cozinhe qualquer coisa idolatre essa fêmea ajoelhe-se e sorva-a e diga que a ama todos os dias de antes e de depois e volte ao começo e faça tudo de novo + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes + 10 vezes.
Antoniel Campos
Vinte anos sem o mestre
Luís da Câmara Cascudo era, sobretudo, cioso das suas responsabilidades como escritor e jornalista, procurando fazer todos os registros de suas pesquisas com fidelidade. Seus biógrafos relatam que ele “desconfiava da interpretação apressada, por saber que, quando se cava um poço a primeira água sai barrenta”.
O mestre Cascudo era considerado uma das maiores autoridades em folclore nacional. Nascido no Rio Grande do Norte, sempre morou em Natal, exceto no período em que estudou Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, terminando por se formar em Direito em Recife, pois naquele tempo não havia faculdades em Natal. Exerceu várias funções. Foi jornalista e até deputado estadual e durante vários anos lecionou em escolas e na faculdade de Direito de Natal.
Ele começou a se interessar pelo folclore quando ainda era um menino. Dizem que ele tinha um ouvido especial para os “causos” que eram contados por vaqueiros, cantadores sertanejos, pescadores, rendeiras, enfim, tudo que emanasse do povo e que representasse tradições, hábitos, crendices e superstições, tanto da área rural quanto da cidade grande. Sem esquecer de suas incursões nos terreiros de macumba, nas praias para estudar costumes e portos de jangadeiros, além de inúmeras visitas para o sertão.
Na África, pesquisou os hábitos alimentares de regiões colonizadas por portugueses, que motivou um estudo sobre a herança culinária deixada pelos escravos no Brasil, gerando informações que se transformaram no livro História da Alimentação no Brasil.
Cascudo escreveu cerca de 190 obras, sendo a Antologia do Folclore Brasileiro considerada uma das mais importantes. Ele morou num casarão defronte ao rio Potengi, que amava, em meio a livros, obras de arte, objetos sacros e outros que ia recolhendo durante suas viagens de pesquisa. Na porta daquele ambiente que misturava o passado e o presente, a inevitável placa: “O professor Cascudo não recebe pela manhã”.
Obra - O seu primeiro livro foi Vaqueiros e Cantadores, publicado em 1939, que juntou poesia sertaneja e literatura de cordel. Outros famosos são Dicionário de Folclore Brasileiro, Geografia dos Mitos Brasileiros, Civilização e Cultura, Literatura Oral no Brasil, Locuções Tradicionais do Brasil, Contos Tradicionais do Brasil, Prelúdio da Cachaça e História dos Nossos Gestos.
É importante destacar que Cascudo trabalhava como jornalista desde 1918. Aliás, o seu “debut” foi exatamente no dia 18 de outubro daquele ano no jornal A Imprensa, que era de seu pai, o coronel Cascudo e que circulava desde 1914. Depois ele trabalhou no jornal A República e escreveu crônicas para vários veículos de comunicação, sempre com novos nomes para seus espaços de crônicas, tais como “Ensaios Literários”, “Cartas do Rio”, "Notas de História”, “Biblioteca” e “Actas Diurnas”, considerada a mais importante de todas.
Comunicação - O escritor mantinha uma constante comunicação com a cidade e o Rio Grande do Norte. Ele chegava a todos os níveis de leitores. Falava do tempo, da terra, dos homens, das lendas, de literatura, de arte, de boemia, enfim, abordava assuntos diários e alcançáveis que seus livros, mais específicos, não traziam. Sobre isso, alguém escreveu que “o livro seria, talvez, a sua torre-de-marfim, aberta apenas a iniciados”. Mas, melhor do que falar em Cascudo é ler Cascudo, por isso, abaixo emprestamos uma crônica da série “Acta Diurna”, publicada a 25 de setembro de 1943, em A República, e intitula-se O Tonel das Danaides:
“As Danaides eram cinqüenta filhas de Danão, rei de Argos. Seu irmão, Egito, tinha cinqüenta filhos. Mandou a filharada masculina casar com as primas. Danão não queria o casamento. Combinou com as filhas um plano.
Os cinqüenta recém-casados tiveram a mais estranha noite de núpcias de que há notícias no mundo. Foram todos assassinados pelas esposas. Só escapou um, Linceu, poupado por sua mulher, Hipernestra.
Júpiter condenou as Danaides às penas do Tártaro, que era o Inferno daquele tempo. As Danaides enchiam um tonel sem fundo. Séculos e séculos, sem pausa, sem descanso, interrupção, as moças carregavam água, despejando-a no barril furado.
Teodoro de Banville contou o fim dessas Danaides, na Lanterna Mágica.
Os Titãs venceram os Deuses. O Tártaro ficou sem chefe, despovoado de sofredores, todos perdoados.
Astperio anuncia a terminação da sentença:
- Acabou vosso suplício. Largai essa penitência. O tonel está cheio.
As Danaides pararam, pela primeira vez, há milênios. Enxugaram a fronte, descendo as bilhas infatigáveis. E dizem confusas e desapontadas:
- Está cheio o tonel? Pois bem! Que havemos de fazer? Já estamos habituadas com o trabalho contínuo, mesmo inútil.
Não perguntem, pois amigos, por que escrevo sempre, com ou sem leitores, com ou sem compreensão, estímulo ou tolerância. Deixem-me com o meu barril sem fundos. A tarefa finda significaria o repouso incômodo, a displicência, a preguiça mortal.
Por isso, mesmo sem ter ofendido Apolo, encho, obstinado e tranqüilo, a talha imperfeita, escondido num recanto de província. Quando não mais ouvirem o rumor da água agitada, não se dirá que Júpiter sucumbiu.
Será que, para sempre, desfaleceu na morte, o braço humilde do trabalhador...”.
Leonardo Sodré