"Quando a água recuou, todo mundo começou a gritar que vinha um 'tsunami'. Agarrei a minha mulher e meus dois filhos e fomos para longe da praia, de moto. Ficamos com muito medo. Esta noite ninguém dormiu. Nossa casa fica muito perto do mar e, de longe, vimos como ela desapareceu debaixo de uma parede de água negra."
Deny Mulyani, pescador indonésio
Hugo Macedo
Confirme
Se recebeu um arco-íris de presente
Confirme o que sente
E vê se não desmente
O que ainda não disse
Vê também se não desmente
O que de se bem querer não Kiss
É apenas para entender
E não se desfazer
De todo meu bem querer
Confirme
Se além do arco-íris
Existir uma lua
E com ela meio deserta, meio nua
Uma velha rua
E sob ela, a sombra da lua
Nossos corpos a planar
De mãos dadas, em pleno ar
Confirme
Se há algo melhor
Que essa estranha e insustentável
Sensação de leveza
Que só o amor dá
Confirme !!!
Cristina Tinoco
GREENWICH
Foi num desses verões
Tropicais,
Peles queimadas pelo sol,
Rostos reluzentes
Sonhavam com outro presente
Acompanhavam
Foi num desses verões
Tropicais
Na calçada fervente
Almas em trânsito
Pararam, olharam,
Evaporaram
Foi num desses verões
Tropicais
De repente duas bocas
Doces sensuais
Emudecem, umedecem
Estremecem
Deborah Milgram
O amor
Uma praia deserta, uma barraca, um jovem casal apaixonado, muitos beijos e carícias em meio à luminosidade de um final de tarde e nenhum dos dois cabe em si de tanta felicidade. É uma cena da novela das sete, onde o casal protagonista irá enfrentar muitos desafios e desencontros, antes de ficarem juntos e viverem felizes para sempre.
O amor. Ah... o amor! Tão lindo e tão contraditório é o amor. A sua busca pelo ser humano é a mesma busca pela felicidade. Encontrar a metade da laranja, o outro pé do chinelo, a alma gêmea e ser feliz é tudo o que se quer desde sempre, pois “ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, sem amor eu nada seria”. E do amor “falou-se tudo e tanto e sigo e segues entendendo quase nada”.
Há quem acredite no amor predestinado, escrito nas estrelas, amor pra vida inteira, que se perpetua e não acaba nem com a morte. Há quem acredite no amor do aqui e agora e que devemos amar tudo e tanto quanto for possível e dane-se o resto. Há os que amam tanto que por medo de perder transformam o amor em posse e prisão até que ele acabe e vire dor.
Há também os que acreditam que estão fadados a amores impossíveis, do tipo “quando é a minha hora nunca é a sua vez”, e para esses não tem jeito porque o sonho sempre acaba doído e tarde. Há, ainda, os que preferem o anonimato dos amores escondidos. E há, também, os que como a minha sábia vizinha, acreditam que não há amor que sobreviva às dificuldades impostas pela miséria e “quando a pobreza bate à porta, o amor sai pela janela”. Como Fernando Pessoa, há os que pensam que “ninguém ao outro ama, senão o que de si há nele” e nesse caso amaríamos no outro o nosso próprio reflexo.
Eu, romântica que sou, acredito em muitos tipos de amor, mesmo nos proibidos, e que cada um ama conforme a sua capacidade de amar. E que em troca do amor que damos, não recebemos, necessariamente, a mesma medida. Acredito, também, que o amor pode acontecer a qualquer um e em qualquer tempo e lugar e que chega desavisadamente e se instala, soberano, dentro de nós. Que ele, o amor, está fora de todos os códigos que conhecemos e que por vezes parece ter vontade própria e nos transforma em títeres. Nada é estranho, nada é proibido aos que amam. A experiência inigualável do amor é a mágica do conhecer e do descobrir dentro de si e do outro, lugares e sentimentos nunca antes visitados.
Faço parte daquele grupo que pensa que é o amor que colore a vida, nos dá viço e gosto de viver. Que é quando amamos que ficamos mais interessantes, nossos olhos brilham mais, ficamos mais criativos, motivados e sentimos prazer e nos realizamos.
Quando não amamos ficamos como plantas impedidas de ver luz e sentir o calor do sol, e por isso os nossos dias, independentemente da estação do ano, são frios e a vida é um filme em preto e branco. Sabemos que as cores estão lá, mas não as vemos, não estamos sintonizados com elas, pois estão escondidas em meio à bruma triste do nosso não sentir.
Acredito no amor que vê no ser amado a beleza que os outros não conseguem ver. No amor que está além da idade e que o tempo não acaba, como aquele que Rubem Alves descreve entre a Menina e o Pássaro Encantado, cuja história termina assim:
“Muito longe dali, o Pássaro se olhava no espelho e chorava os sinais do tempo gravados no seu rosto e a única coisa que via era sua própria imagem. De repente, entretanto, algo passou bem no fundo a sua alma, como se fosse um Vento Leve, bem leve; ou um raio de sol crepuscular; uma pequena chama de fogueira no frio das montanhas; um sonho bonito, em meio à noite... E ele se lembrou da Menina. Onde estaria ela?
Deixou sobre a mesa o espelho e saiu 'em busca das marcas da sua Ausência', no perfume das flores, no gosto dos frutos, no quarto vazio... Havia por todos os lugares a presença da sua Ausência. E naquele corpo, por tanto tempo morto dentro do espelho, o Desejo cresceu, o rosto sorriu, as asas se abriram e o que era pesado voou... ressuscitou...
E cada um deles (pássaro e menina) partiu, ignorando o que o outro fazia, em busca do reencontro... O feitiço fora quebrado. Estavam apaixonados. Voavam leves, ao Vento, com as asas da saudade... E ambos traziam, no brilho dos olhos, os sinais da juventude eterna que os anos não conseguem apagar... Porque os que estão apaixonados, não envelhecem jamais...”
Ah....não é mesmo lindo o amor? Mas nos tempos de hoje, somente um amor e uma cabana não bastam para que alguém seja feliz. Pode ser contraditório, mas nesses casos, até o meu romantismo exagerado tem limite.
Neide de Camargo Dorneles
Antiga guloseima é vendida nas ruas de Mossoró
"O homem do cavaco chinês - estranha massa de farinha de trigo, parece que feita exclusivamente para aguçar a fome - com um baú cilíndrico às costas e a agitar o característico triângulo numa inconsciente aplicação prática da ação do som sobre a secreção salivar, vibrava nesses tímpanos e espremia nossas glândulas salivares enquanto anunciava:
- Ôie o cavaquinho chinês".
(O Jornal. Rio de Janeiro, 03/09/1950 - Brandão, Téo, em Boletim trimestral da Comissão Catarinense de Folclore).
O vendedor de cavaco chinês era inevitável nas ruas da infância. Ele passava todos dos dias tocando um triângulo de ferro, oferecendo a guloseima que parece um casquinho de sorvete, mas que é muito mais gostosa. E é barato. Até hoje é muito barato. Em Mossoró, ele custa R$ 0,20 centavos a unidade, sendo oferecido no formato de uma casquinha gigante parecido com as de sorvete. Delicioso e aceito por todos. Noutras cidades, como Natal, ele é vendido chapado dentro de saquinhos de plástico. A informação é do único fabricante mossoroense do produto, Manoel Maria Marinho que, aos 28 anos, casado e pai de dois filhos, sobrevive apenas disso. Aprendeu o ofício ainda adolescente "com um vendedor chamado Josimar".
Depois, conheceu "seu Francisquinho", 102 anos, que lhe vendeu a primeira prensa, que ele chama de "máquina" e que calcula ter uns 120 anos, considerando que ele já há havia adquirido de outra pessoa, no início de sua carreira de fabricante de cavaco chinês. Ele imagina que Francisquinho foi a primeira pessoa a fabricar o produto em Mossoró, no início do século passado.
Não é fácil encontrar muitas informações sobre a origem do cavaco chinês. Na Internet quase não tem nada. Poucas citações lúdicas, mas Manoel Maria diz saber que "cavaco significa raspa de pau, coisa pouca e que teria sido inventado na Índia, porque pessoas muito pobres precisavam aproveitar o máximo do pouco que tinham para distribuir em casa". "Por isso - enfatiza, - o cavaco chinês, que não tem nada de chinês, é tão fino e delicado".
A "fábrica" é nos fundos da casa de Manoel, que produz e vende juntamente com apenas um vendedor, Marcos Roberto da Silva, 27, também casado e pai dois filhos. Produz em média 300 cavacos por dia, das seis até as 12 horas, almoça e depois sai para vender nas regiões próximas da sua casa, que fica no bairro Belo Horizonte.
Perguntado por que vendia tão barato, explicou: "Dependendo do freguês, pode ficar um pouquinho mais caro".
Ele tem uma clientela fiel e normalmente vende toda a produção. "Tem gente que vem de Areia Branca e outras cidades, mas eu não dou conta de fornecer para muita gente porque eu não posso perder a qualidade do produto". Realmente, ele trata com carinho todo o processo de fabricação, inclusive usando luvas e procurando evitar o máximo de contato de pessoas quando está assando a massa, que manuseia de forma artesanal. "Aqui somente uso água, farinha de trigo e açúcar e cada cavaco é feito individualmente nas prensas novas e na velha que foi de seu Francisquinho", explica.
O TRIÂNGULO E A LATA - A lata, como chama o cilindro que os vendedores usam para transportar o produto, é absolutamente igual em todos os locais. Os vendedores de cavaco chinês sempre a usaram e são reconhecidos de longe. Mas, existe um componente interessante: O triângulo feito de ferro que, segundo Manoel Maria, é usado para chamar a atenção termina servindo para criar estilos musicais. "Eu toco mais compassado, diz, e ele, (Marcos) toca mais fininho, mais rápido".
Curiosidade - Manoel Maria afirma que "muita gente não sabe o que é um cavaco chinês. A gente sai tocando, chamando a atenção e as pessoas perguntam: O que é isso? Não é casquinha de sorvete? Outros perguntam pelo "recheio". E não vai botar nada aí dentro? Outros somente querem tocar o triângulo e terminam comprando o produto que é feito em fogão a carvão, lentamente".
As pessoas mais novas ficam curiosas e quando provam gostam do gosto do passado de muitos que, fora o cavaco chinês, conheciam poucos outros doces. "Muita gente importante, comerciantes, industriais, gente mais velha, vem até aqui em casa para comprar. Usam em aniversários, ornamentam tortas, esse tipo de coisa"... Encerrou.
Leonardo Sodré