sábado, novembro 26, 2005

A MARMITA

Marcus Ottoni




Léo Sodré


“As coisas chegaram a uma situação quase insustentável. A crise está deixando de ser política e está virando entre os Poderes.”
Senador Delcídio Amaral (PT-MS), presidente da CPI dos Correios

Hugo Macedo

Açude Gargalheiras, visto do topo da Serra das Araras

Meu Poema do Absurdo

Tava bebendo cachaça,
cum um pastô paraibano;
êle inrolô um cigano,
numa troca de animá.
No açude de Boqueirão,
meiguiêi fazendo farra,
saí na bôca da barra,
lá na Ridinha, in Natá.

Gostando da bricadêra,
alí meiguiêi de nôvo.
Saí no Parque do Povo,
numa rêde de máia fina.
Vestido só cuma tanga,
me incrontei cum um jabuti,
qui vinha do Cariri,
p'ro cabaré dais Bunina.

Dali mermo, de Campina,
peguei um trem p'ro Japão.
Num jumento garanhão,
cheguei lá, pasme vocêis:
Me incrontei cum Zé Limêra,
seu parêia, Orlando Tejo,
e uma quenga lá do brejo,
na zona duis japonêis.

A farra foi de lascá;
japonêsa sem vistido,
no forró de chão batido,
eu de cueca e gibão.
Fiz forró de pé de serra,
in riba d'uma catatumba,
triângo, fole e zabumba,
na capitá do Japão...

Bob Motta



ESTÁ ACONTECENDO

estão vendendo
o amor
empacotado
engarrafado
tabelado
num armazém
de secos & molhados
a felicidade
tem preço marcado
e pelas ruas
encontramos
os vendedores ambulantes
do ar que respiramos
e no artigo do dia
a ternura tem abatimento
o carinho está pelo preço da vida
e o sexo é mercadoria de alta rotação

Bosco Lopes
[ in Corpo de pedra. Natal: Clima, 1987 ]




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A MARMITA

Ela tinha mais ou menos uns 18 por 10 centímetros, com uns, sei lá, uns 3 centímetros de altura.
Ainda lembro do cheiro frio que ela exalava no final da tarde, quase noitinha. Talvez viesse com outros cheiros, mas minha memória, aos 3 anos de idade, só salvou o cheiro do feijão, todos os dias o cheirinho de feijão bem cozido e temperado.
Quando a tampa de alumínio da marmita tilintava na pia da cozinha, significava que meu pai chegara do emprego. E seu garfo - o maior garfo que tinha em casa, fornido, talvez, de prata - era uma peça única, sobrevivente de um faqueiro antigo ou um aparecido do nada.
Até hoje não tive explicação de onde apareceu aquele garfo ...

Meire Gomes


O PT e a traição da ética

Enquanto espero o bonde de Lagoa Seca, na baldeação da praça Gentil Ferreira, vendo lá nos fundos o Quitandinha, abro as páginas do Jornal do Brasil, passo pelo Augusto Nunes, contorno o Ricardo Boechat, cumprimento o Villas-Bôas Corrêa, tiro um fino no Informe JB e vou direto para o púlpito do Frei Leonardo Boff, minha leitura obrigatória - e prazerosa - de todas as sextas-feiras. Antes que o pessoal do São Luís chegue, subo no bonde e vou lendo o meu teórico preferido da Teologia da Libertação. Fixo os olhos já no título do artigo: “A dívida maior do PT”. O frei começa assim, de cara, dedo firme no gatilho:

- A grande dívida do PT não é financeira. É política e ética. Os eventos ocorridos nos últimos meses envolvendo sofisticada corrupção no grupo de direção do partido tiveram um efeito devastador na população, especialmente, naqueles que alimentavam um sonho histórico de mudanças de rumo. Vigorava grande despolitização como de resto no mundo inteiro. Mas com o advento do PT e com a irrupção carismática de Lula se acendeu a chama da libertação tão ansiada (...) Tudo se faria sob a égide da ética, da transparência e de uma articulação orgânica e dinâmica do Governo com as bases da sociedade. Toda uma geração seria mobilizada.”

Li de um fôlego só, respiração segura nas rédeas da emoção, o bonde já subindo a avenida Presidente Bandeira no rumo da brisa que vem dos morros distantes do Tirol e Morro Branco. É noite de lua em quarto crescente. Passo para o período seguinte, onde Frei Boff cita Machiavel ao se referir que faltou ousadia no Governo, “a capacidade de captar o sentido profundo da história, de intervir nela para inaugurar um novo rumo”. Diz o frade que depois de dois anos nada ocorreu da pregação ética do PT: “trocaram a pérola mais preciosa que possuíam, a ética, por quinquilharias baratas de camelô”.

Quando o bonde já descendo a inclinação da Avenida Dois para entrar na rua São João, à esquerda, leio - parecendo ouvir - as palavras do frade:

- A traição ética fez com que a política voltasse a ser vista novamente como mundo do sujo, dos propósitos escusos, das negociatas e da corrupção. Esta leitura faz injustiça aos políticos sérios dentro do PT e de outros partidos (...) Cabe ao PT resgatar sua opção originária. Ele nasceu e se estruturou por mais de duas décadas com esta intenção, de ser o conduto das transformações necessárias. O PT deve pagar a dívida ética com a moeda da humildade e da coerência, arremata o teólogo.

Aí o bonde já chegou às mangubeiras da rua São João. Estamos no coração da Lagoa Seca. Desço os dois estribos e vou no rumo de casa.

Woden Madruga
Tribuna do Norte, 25 de novembro de 2005



Carta para Yenoh*
De Charles M. Phelan

Sri Lanka, 05 de abril de 1968.
Minha doce, Yenoh


Esta carta nasceu de um sentimento que há muito me perturba, minha querida Yenoh. Uma provocação interna que me põe a indagar qual o propósito da minha vida, e, que, se a priori, não parece complexa a pergunta, certamente para mim, o tem sido.
Faço este exercício contemplativo enquanto deitado, embora não fique restrito ao conforto de uma cama. Minha única exigência é o silencio. Agora, encontro-me deitado, e como sempre, inicio minha procura, pensando em você, Yenoh. Tenho pouco controle sobre isso. Depois de você vem o silêncio. Divago no desconhecido. Ansioso. Inquisitivo. Insaciável. Afinal é sobre mim que procuro respostas.
Não sucumbo aos pensamentos simplórios de que a vida resume-se ao bom caráter, boa educação, diploma universitário, trabalho e a criação dos filhos. Este é o pensamento do conformista que se esconde sob a égide da ignorância. Este é o pensamento daqueles que reduzem a vida-plena, a uma formula. Uma equação. Aceitar a vida, assim, é subtrair dela seu verdadeiro frescor e propósito, meu doce.
Procuro, procuro, e procuro. As respostas parecem, minha bela Yenoh, estar tão próximas, e tão longe ao mesmo tempo. Por vezes, na minha solidão, quase consegui capturar a essência da minha existência. Pensei que havia, finalmente, entrado no mundo desconhecido das revelações. Havia atingido um nível de concentração espantoso. A razão da minha existência estava na eminência de ser revelada. Estava a segundos da alegria plena.... Mas sem que eu tivesse controle, surgiu sua imagem inesperada, invadindo o meu silêncio, deflagrando, em mim, uma desconcentração suficientemente cruel, permitindo que tudo me escapasse a consciência, vagarosamente, antes que eu pudesse absorvê-las. Acordei em pânico. Reconheço que preciso me dedicar mais à busca. Preciso silenciar a mente mais vezes e por mais tempo e com menos interferências. Queria poder achar a felicidade nas coisas efêmeras, nas coisas simplórias. Evitaria, assim, o martírio que sofro diariamente. Ahhh, se meu pensamento não vagasse além do que posso ver. Mas é o escuro, por trás do visível, que me atrai. Busco o que todos evitam: o desconhecido.
Recuso-me a acreditar que vim para esse mundo para viver no raso, e ser uma marola que mal consegue balançar o barco (minha própria vida), ou ser o vento que deixa intacto, o tremular da vela. Se servir, a mim, é meu destino, então não farei falta ao mundo quando partir. E se falta não farei, por que vim? Será Deus tão desalmado, a ponto de dar espaço a quem irá apenas ocupá-lo para nada? Ou estou incumbido da minha própria descoberta? Essa é minha busca, Yenoh.
São inúmeras as perguntas. Poucas são as respostas. Os homens não ponderam sua própria existência. Concentram-se em conhecer o outro, enquanto desconhecem a si, e por isto são infelizes. Eu, Yenoh, vago no vale da escuridão, procurando o desconhecido, e com ele, as respostas para minha vida.
Escrevi por escrever, embora saiba que seus olhos jamais passarão por esta página. Nunca leu nada que escrevi, nem tampouco se preocupou com a minha busca. Agora que você se foi, atenta-me a todo instante onde menos tenho controle: o subconsciente. A busca é complexa, Yenoh, e é a mim que procuro, não a você.

*Carta encontrada no bolso do paletó do escritor, na exumação de seu cadáver.
Adeus,
Nalehp O. Selrahc

por Alma do Beco | 11:20 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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