“Eu posso te garantir que 90% do partido ou mais estão coesos em torno da candidatura do presidente Lula.”
Tarso Genro
Me perdoe a pressa
Pode ser que ela seja a “alma dos nossos negócios” como diz o melodioso Luiz. Mas, apenas e tão somente para alguns negócios ela serve. Que é a inimiga nº 1 da perfeição, é uma certeza indubitável, apesar dos modernos preceitos da administração quererem provar o contrário sempre vinculando agilidade às padronizações pra garantir a maior eficácia das rotinas. Aí é onde está a alma do negócio, pois tempo é dinheiro. Contudo, não é necessário aplicar tal assertiva a todos os segmentos da vida.
Alguns dias longe da cidade, das rotinas e responsabilidades, tivemos oportunidade para parar e perceber as riquezas que o ócio permitido pode trazer. E é no momento exato, quando pensamos não haver mais barulho algum, que paramos para ouvir os sons do silêncio e recebemos surpresas inestimáveis: é o murmurar das ondas trazendo segredos das terras de além-mar; o farfalhar das palhas dos coqueiros compondo cantigas de acalanto; o vento tocando gaita nas frestas das telhas ou uivando a solidão das almas penadas..
Há tanta coisa boa no dolce far niente dos dias ditos inúteis!
Nestes dias, ficamos a divagar sobre o rumo que nossas vidas estão tomando, sempre empurrado pelos hábitos e obrigações muitas vezes tão distantes do que realmente desejamos para nós.
Ainda estamos (enquanto escrevo) na primeira quinzena de novembro e já é Natal. Ruas, lojas, casas e eventos já estão organizados para a grande festa. Todos se apressam nos preparativos: presentes, roupas, confraternizações. Mais uma alegria com data marcada. Muitos correm mais cedo ao trabalho, tentam concluir as tarefas com antecedência para sobrar um tempinho para as compras, para o lazer ou para o esporte. E nesse corre-corre desenfreado, querendo sempre economizar algum tempo para usufruir depois, nem percebemos que o planeta parece estar contaminado com nossa pressa.
O dia amanhece e anoitece mais cedo. Não há tempo para ver um pôr-do-sol, uma chanana desabrochar ou o mutante rendilhado das sombras das folhas de uma árvore na grama. Sequer lembramos desses detalhes, pois nossa preocupação está em sincronizar a última mastigada com a última pastada e esta terminar exatamente em frente à escova de dentes.
Pensamos, nesses tempos de minutos que parecem ter menos que sessenta segundos, em começar a testar a ambidestreza: escovar os dentes com a mão direita e pentear os cabelos com a esquerda. Ou vice-versa, de acordo com a comodidade, já que a ordem dos fatores não irá interferir no resultado final. E testamos, já lembrando do trânsito que vamos enfrentar, sem prestar atenção se os dentes ficaram bem escovados ou não. Vivemos sempre o próximo capítulo sem usufruir integralmente o atual, num eterno planejamento que antecipa o amanhã e torna o hoje já passado.
E passamos. Passamos pela vida sem viver intensamente. Pelas refeições, sem observar o colorido dos alimentos, sem sequer raciocinar sobre as combinações energéticas e seus benefícios. Passamos pelos relacionamentos sem mergulhar de cabeça para vivermos as dores e as delícias do estar juntos; sem ter tempo para descobrir o brilho interior de cada um, refletir sobre seus deslizes e respectivos perdões; sem ter tempo para reescrever história. É tudo tão rápido, direto, pragmático... E sem poesia!
Para que tanta pressa? Onde queremos chegar? Haverá tempo suficiente? Não será melhor dar tempo ao tempo e viver o agora, o presente posto, que ele é a única certeza – afora a morte -, com a qual podemos contar no momento?
Que fiquem estas reflexões para os momentos de ócio deste final de ano. Trago-as comigo há tanto tempo, sem ter tempo para buscar suas respostas. Que cada um, a seu turno, chegue às próprias conclusões. Do meu lado, só posso torcer para que sejam as mais acertadas e proveitosas. Boa sorte para todos.
Cristina Tinoco
UM VERSO DE PAUL VERLAINE
Teu olhar, meu consolo mais dilecto,
Do mais doce clarão vinha repleto.
Trazia o espelho mago do passado.
Tinha o reflexo d’outro olhar extincto
Para sempre.. Em teus olhos — eu não minto —
olhava-me do céu um morto amado.
Teu sorriso era a copia mais perfeita
D’aquele a quem minh’alma foi sujeita
N’um relance por toda a eternidade.
Na tua bocca o riso parecia
Como visão do céo, que me fazia
Sentir d’uma carícia a suavidade.
Escutando-te a voz sonhava tanto!
Embalada num terno e ameno capto
Que tinha d’outra vida, um não sei que.
Tua voz me acalmava a angústia infrene,
N’ella ouvia, qual diz Paul Verlaine:
“L’inflexion d’une voix chère qui s’est tué...”
Úrsula Garcia
Da Revista: O Lyrio nº 8, 05 de junho de 1903, Recife/PE
A VIDA
A vida é um sonho. Há sonhos deliciosos:
E o tempo alegre e com deleite passa.
Passa, porém, não volta, e os doces gosos
Se desfazem ao sopro da desgraça.
A vida é um sonho. Há sonhos horrorosos:
Causticante martyrio que espedaça
O coração em haustos dolorosos,
Passa também: — na vida tudo passa.
É um sonho a existência. Há lindos sonhos,
e há pesadelos horridos, medonhos!...
Oh! nunca um dia se repete igual!
Tudo muda, desfaz-se, tudo cança...
Como eterna só temos a esperança —
E sem tréguas em lucta — o bem e o mal.
Úrsula Garcia
Da Revista: O Lyrio nº 2, 10 de dezembro de 1902, Recife/PE
Úrsula Barros de Amorim Garcia, Aracati/CE, 03/03/1864 – Recife/PE, 16/07/1905)
Hipopótamo*
Enorme corpo negro sobre a lama
Olhando eu e você
Olhando ele
Massa agigantada
Feito carne feito
Sangue feito poeira
Lento, lerdo, errante,
Desprezando cristais
E pratarias
Lerdo, errante, lento,
Ignorando cercas, represas
E pradarias
Olha para a lama,
Míope,
E não consegue alcançar as
Mangueiras que
Enfeitam os jardins
Do cardeal.
Grito rouco
Sussurrante
Dia inteiro disfarçando
Sonolência
Feita de sol
E lama.
Dono de religioso passado
Feito de mitos e
Arcanos: Behemoth, Baphometh, Belial.
Inerte, sonolento, eternamente
Chafurdando na lama,
Negra mancha perpétua
Ampla
Envolta em
Negro fedor.
Marcílio Farias
*Versão livre de “Hippos”, de T.S.Eliot, apud “Collected Poems”, Faber & Faber/1963
Karl Leite
Marcelus Bob e Eduardo Alexandre
Grande Ponto
Ganhei a antologia "Cantões, Cocadas - Grande Ponto Djalma Maranhão", tarde dessas, quando tomava aulas de "Professor" no Beco da Lama, em Natal, mais especificamente no Bar de Nazaré, onde se realizava o lançamento do cordel "A peleja da cultura popular contra o tal do 'Ralouin'", do jornalista Cefas Carvalho, ex-repórter da Gazeta do Oeste e hoje editor do Potiguar Notícias, de Parnamirim.
Quem me deu o presente foi o jornalista, artista plástico e poeta Eduardo Alexandre, o grande Dunga, organizador da seleta e presidente da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (Samba).
Ele falou "Taí pra você" e saiu sem autografar o trabalho que reproduz textos de várias pessoas, entre as quais Luiz da Câmara Cascudo, Deífilo Gurgel, Falves Silva, Marcos Maranhão, Ticiano Duarte, Leo Sodré, Casciano Vidal, Vicente Serejo, Talvani Guedes, Inácio Magalhães de Sena e Ney Leandro de Castro.
Quem também está na antologia é Celso da Silveira, com o seu "Memorial do Grande Ponto", onde se lê na primeira estrofe: "Os bares do Grande Ponto/ tenho os seus nomes de cor:/ Botijinha, Dia-e-Noite,/ Acácia Bar, Rio Grande,/ Onde a cachaça de Ovídio/ Dessedentava a goela/ De Evaristo e Babuá."
O próprio Dunga fala em "Cantões/ cocadas/ Grande Ponto Djalma Maranhão/ poeta-prefeito/ poemas, escrevivências/ crônicas, fatos, gente/ do Grande Ponto/ efervo memorial do momento".
Recebi o livro e só me lembrei de agradecer quando estava a caminho de casa, de carona no meu próprio carro. Apesar da situação em que eu me encontrava e da briga com a mulher, cujo motivo se perdeu numa conveniente amnésia alcoólica, ainda li muita coisa, começando pelas citações transcritas nas orelhas.
Enquanto percorria as páginas, imaginava o que em minha terra correspondeu ao Grande Ponto do ainda vivo Café São Luiz, onde se reuniam intelectuais, políticos, curiosos, estudantes, boêmios, lugar freqüentado por meu pai e pelo pai dele.
Eureca, meu pai! Resolvi socorrer-me dele que morou em Natal e fez parte daquele "território encantado onde vive a alma errante, boêmia e lírica, curiosa e loquaz, da gente natalense", nas palavras de Joanilo de Paula Rêgo.
Nem telefonei, não foi preciso, porque ele me ligou antes, como se tivesse ouvido meu chamado por telepatia. Acontece freqüentemente na família. Disse-lhe que a crônica precisava ser escrita com um paralelo. "Não havia nada em Mossoró que se assemelhasse ao Grande Ponto", desiludiu-me, acrescentando: "O Pavilhão Vitória na Praça do Pax foi, durante anos, local de encontro. Mas era diferente".
Pensei em voz alta: "Que droga, a crônica morreu!". Desculpe-me o leitor, desculpe-me a terra que me acolhe tão bem há quase oito anos. O problema é que não consigo escrever sobre algo de Natal sem a referência de Mossoró.
Cid Augusto
O Cantões, Cocadas Grande Ponto Djalma Maranhão está disponível no
http://cantoes.blogspot.com/