sexta-feira, maio 12, 2006

MÚSICA DO BECO

Marcus Ottoni


"Se a Petrobras não participar do gasoduto do sul, não haverá gasoduto do sul."
Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores

MPBECO
I FESTIVAL DE MÚSICA DO BECO DA LAMA

Festival do Beco da Lama tem primeira eliminatória neste sábado

A primeira eliminatória do Festival de Música do Beco da Lama – I MPBECO – acontece neste sábado, 13 de maio, a partir das 15:30 horas. A etapa reunirá 10 músicas, escolhidas por sorteio, entre as 20 que foram selecionadas pela Comissão Julgadora.
Cada intérprete terá até 20 minutos para fazer a sua apresentação. O tempo foi definido em reunião conjunta da produção do Festival com os músicos, e é considerado suficiente para a realização de ajustes de som e organização do plano de palco.

Na abertura da eliminatória, antes das apresentações, será empossada a nova diretoria da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama – SAMBA.

Com este evento, o horário previsto para o encerramento das apresentações concorrentes é 19:30 horas, mas a festa prosseguirá com um show da “The Bluesy Band”. A banda é formada por Ricardo Silva, Écio Silva e Gilmar Santos, e apresentará um repertório que privilegia clássicos do rock e do blues dos anos 60 e 70. No intervalo do show serão anunciadas as cinco músicas classificadas para a etapa final, com realização prevista para 27 de maio.

Músicas Concorrentes da 1ª Eliminatória com seus intérpretes


Música nº 01: Nátalia - Khrystal

Música nº 02: O Exterminador de Sentidos – Rodolfo Amaral

Música nº 03: Sonho de Palhaço – Raniery Araújo

Música nº 04: Pra Desopilar – Banda Kassava

Música nº 05: Volta – Simona Talma

Música nº 06: Cordel da Morte da Amada – Cleudo Freire

Música nº 07: Santa TPM – Franklin Novaes

Música nº 08: Cultura - Neguêdmundo

Música nº 09: Côco Existencial – Jorge Negão

Música nº 10: Seu Lugar – Valéria Oliveira





O BUNDA-MOLE

- Ei, Quinho...Quinhooô, porra ! – deu um baita berro, do portão principal, Kid Vigarista, um sete-um das Celas Novas, metido a queixudo, cheio de guereguere.

- Pede aí pro Turco, ou vai tu mesmo, galado, fazer uma mola no Coroa da biblioteca. Caçote, da Cafuinha, tá pedindo um adianto de branco e um galo lá pro homem – Kid deu o recado, aos berros.

- Porra, meu irmão, logo agora ? – emputeceu-se Evilásio.

Quase toda noite o melado do caçote enchia o saco de uns e outros. Um galado, dentro da cadeia, pedindo arrego adoidado. Agora, uma carteira de giz e mais cincoentinha do cente-e-vinte-um-puro gente boa. A grana, sacava, era prá completar o preço de um chara de manga-rosa. Andava custando (puta que pariu!) sessenta pau, sem choro nem vela. A merda que a maioria da maria-Joana entocada nas bocas da colônia num tava com nada, era paia pura. Não dava prá fazer um fumaceiro legal, rodar o básico numa boa, ficar doidão, curtir a lombra, tirar um bode...

Deu uns três berros, chamando o Turco. Nada. Merda! Devia tá no coito da igreja dos crentes, esparrando com a bíblia na mão, tirando onda de obreiro. Ou então (fila da puta!) escondido, se mancando para não fazer a mola, o mandado do pinta cheio de mistura nos artigos.

O jeito era ir ele mesmo; A lei da cadeia obrigava. Agora era Caçote que tava a fim de um arrego, mas amanhã podia ser ele, Evilásio Joaquim dos Santos, de vulgo “Quinho do Morro”, conheiro necessitado, querendo fazer a cabeça, arrochar um murrão de elba-Ramalho, esquecer essa praga de cunhão, sonhar com as lias da vida...

No comprido corredor iluminado e vazio da Galeria, caminhou no devagar, pelo meio, cabrito, filmando com o rabo do olho as celas do lado esquerdo, escuras e aparentemente silenciosas. Era ali que a moçada da pesada pagava sentença, gente de crepe, cadeia-grande. Pouco papo com aquela rapaziada, nenhum acerto! Urubu, ali por cima, voava de costa, meu irmão! Com eles, tinha que ser “bom-dia”, “sarava” e “boa-noite” e tamos conversado.

Há uns três dias, mesmo, Cara de Gato, um sarará barril-de-chope, bicho cevado do Rancho, tinha buchichado no campo de futebol que na cela 08 havia um arrumadinho feito para fazer um duzentos-e-treze que o homem, o diretor, tinha, muito Cabral, botado na enfermaria dos tuberculosos, longe daquelas feras. O estrompador, bicho nojento, no avião, ia pagar com o frinfa a miséria que tinha feito com uma boizinha, filha de um pedreiro da Cidade Nova. Se botasse queixo, rodava! O baixinho da faxina, zagueiro do Limpol Futebol Clube – podia até ser esparro, também! – garantiu ter dado um flagrante em Pirado e Sérgio Caveira, as duas peças pagando sugesta num dos rancheiros, um armeiro cobra-criada, para atravessar muito ferro bom prá quentura da Galeria.

Imaginando o tamanho das naifes do armeiro, sonhou ter uma daquelas. Valiam uma nota dentro da cadeia. Mas , quem era ele? Não era barão. Cadê Cabral? Era um provisório, ainda, quase um Zé. Mesmo assim, tinha lá o seu bico, feito por ele mesmo. Um cabo de colher, amolado na medida, espetado com muita arte, espetado num pedaço de cabo de vassoura, apertado com tira de câmara-de-ar. Enrustido, mocozado, num tijolo solto da parede da cela, encostado ao come-quieto – uma limpeza, meu irmão!

Lembrou do último baculejo que os homens deram, de madrugada, num esporro do caralho. Uma geral do cacete! Feita pelo Cabo Neném, um samango até bom prá preso mas muito malandro na hora de descobrir transação-errada nos bagulhos da rapaziada. Pintou sujeira, naquele dia. Foi uma merda na Galeria e nas individuais. Só não mexeram na biblioteca e no plantão-de-luz. Até faca-peixeira de 12 polegadas, uma massa, novinha, o desgraçado levantou ! O pau comeu, sujesta geral! Foi muito nego prá cafua grande por conta de fumo, pneu e ferro. Parecia, até, que todo mundo tava de-cima. Trinta, sessenta dias de cunhão, de mofo, no pavilhão de segurança, onde não tem moleza, sem visita, sem banho de sol, sem mulher. Ele não, qualé ? Esperto, tava na sua, ligado na geral, sem lombra, sem dar bobeira. Os homens passaram longe do mocó do ferrinho, deram só uma revirada ligeira no caixote dos possuídos e ele, Evilásio, cheio de munganga, dando “bom-dia” a um e a outro soronha, oferecendo branco, “sim senhor” prá cá e prá lá, muito malandro. Ficara ancho da vida com o sete-um bem aplicado na guarda. É isso aí, tava ficando esperto, cadeieiro sabido, um pilantrinha. Tudo isso só com dez meses e poucos dias de cana.

Ia pisando numa banana podre jogada no caminho sujo do final do corredor. Lembrou o nome tão falado:“Caldeirão do Diabo”! Achava bonito esse nome. Parecia negócio de filme de bangue-bangue, arrebite como o diabo! Era como chamava a cadeia, na Rádio Caboré, um tal de Biratan Camélia, na “Ronda da Cidade”, uma zorra do caralho, maninho! Todo santo dia, antes da sirene buzinar o rango, João de Bituca, cento-e-vinte-um, cadeia-grande que tinha vindo da Detenção em Petrópolis, ligava, na cela, o papagaio-de-pilha muito chinfra para ouvir o pilantra. João conhecia a peça. Jurava de pé junto que o tal locutor metido a queixudo, malhador de preso, era um xis-nove do cacete e não passava de um cento-e-vinte-e-um-melado das bandas de Pernambuco, matador de duas mulheres. Tinha puxado cadeia aqui, o vagabundo, transferido e encagaçado. Pirulitara por conta de transação de político canalha, era um boca-preta, cheio de arrumado, recebendo toco de traficante, fazendo acerto também com os homens. Sabia lá! Era tanto buchicho que ninguém morava mais no que era quente ou não...

Chegou à grade da biblioteca, butucou: cadeado na porta, luz apagada, televisão desligada. Mão na bermuda, tirou a carteira de branco dos colhões, o isqueiro: catinga de pica do caralho! O Coroa dormindo? Chamou, baixinho. Nada. Mais uma filmada para dentro: bulhufas! Resolveu esperar, sentado na borda do jarrão de planta. Acendeu a canela-branca, ficou na dele, cubando. Caçote que se fudesse, doido por maconha, pedindo favor daqueles.

Um puto grito na enfermaria dois, ali perto. No mínimo, devia ser Luís Doido, fugindo da turbina de algum bicho atrasado, desses que não recebem mulher no parlatório, no refúgio-do-amor, nos come-quietos das celas.. Eita Diabo ! Hoje ninguém sorna direito por aqui, nesses lados. Faz pena mesmo, o doidinho. Era uma lapa de homem, todo mundo diz. Fechou um cara com uma birrada de tamborete, prás bandas de Alexandria. Não tem ninguém por ele, o coitado. Hoje, definhado de corpo, amarelo, pirado todo, impregnado de remédio, servindo de menino prá vagabundo, gritando a noite toda, de dia comendo casca de banana e barro de reboco. ´E do cacete, mesmo!

Pancada no portão da frente, bate-bate de cadeado, papo-furado de carcereiro, polidoro do caralho. Deve ser Baixa-Verde ou Pé-de-Pato chegando. Dois frajolas. O capa-preta deixa trabalhar fora (trabalhar , uma buceta!), uma tal de prisão-albergue. O cara só vem dormir e se manda cedo, prá liberdade, prás gatas, pro bem-bom – fazer transação-errada, isso sim!

Deu um barrufo no branco e sacou, dos lados do aviário (parece que é na guarita do canto do muro!), a voz de Elísio, um soldado, pedindo a Paulo Lagartixa, da cela dos pedreiros, um papagaio emprestado, aos gritos, para espantar o sono.

Porra, nada do velho, do coroa! O bichano de Paraíba, saindo na carreira, desembarreirou do escuro da biblioteca (fila da puta!), passando por cima do seu pisante, à toda, no rumo do gabinete do diretor. Bichão cevado! Se der sopa, vacilar na galeria, tá fudido, vira ensopado, não dá outra.

Levantou o rádio para espiar o rolé do peludo. Tirou uma linha, deu uma mironada com a luneta, indo bater no portão da administração. Estirando as pernas deu uma chegadinha no plantão de luz: Ceará, escornado, de bode, enrolado na baladeira puída, da cabeça aos pés. Adiante, brechou uma réstia de luz, por baixa da igreja dos crentes. Nunca entendeu aquela palavra, “ecumênica”, que o coroa mandou pintar na porta, com autorização do coronel. Luz acesa, naquela hora, só pode ser o Turco, o sacana malandrão. É quem fica com a chave, dá uma, também, de zelador, bota banca de bom moço, “aleluia”, “aleluia” (aleluia é o caralho, filho de rapariga!).

Se mandou de volta prá porta da biblioteca. Merda de avião, fresco do Kid Vigarista, filho de cangaieira Caçote! O coroa era capaz de ter se mandado prá Cela Especial jogar baralho com os Carneiro, perder e sair puto da vida, esculhambando todo mundo. É dar um tempo, prá ver.

Botou, de novo, o trucado no cimento do jarrão. Passou a mão no penúltimo canela-branca da carteira amassada e fedorenta. O isqueiro, no fim do gás, quase não fez fogo. Prá prevenir, tinha de fazer, quando chegasse à cela, uma teresa fina, boa também para afugentar muriçoca. Deu a primeira puxada olhando para os mosaicos do chão e, levantando a lata, filmou a placa “gabinete dentário”. Era ali onde tirava serviço de faxina Geraldinha (puta que pariu!), entendida em erva e cento-e-cincoenta-e-sete. Caiu por fumo. Era boa como o cão. Cada peitaço, um bruto coxame, os pés bonitos... Parecia, até com Judite!

Ditinha, aquela rapariga! Dois meses sem pintar no pedaço. Deve tá numa boa, a piranha. As meninas na casa de mamãe, o bruguelo em Macaíba com a filha de Raimunda (cagüeta sem-vergonha!). E eu, porra? Aqui, no cunhão, sem descolar nenhum, a não ser o do giz – que a velha traz, coitada, na visita. Maconha minha, mesmo, nunca mais! A base, agora, é fumar baga dos outros, na marica dos outros, e quando dão, porra! A galinha safada (eu pego aquela puta!) nem para me arriar o óleo aparece! Prá mim, Quinho do Morro, desde os doze anos na vagabundagem, bom até no priz-de-suta, punga de primeira, ventanista dos bons! Eu, Evilásio, que lhe tirou os tampos (buceta e cu!) e que lhe deu, lá fora, vida mansa. Para mim é que ela (a rapariga!) não tá fazendo mola e adianto! E isso tudo (tô sabendo!) faturando macho em Ponta Negra, na Praia do Meio. Gringo e turista! Dando uma (tô sabendo!) de granfa nos cortiços-de-bacana, fazendo particular, brizoletando com filhinho-de-papai, fazendo apontamento de brilho prá barão ! Só tá faltando mesmo é ela em vez de cafungar, passar a enfiar nos canos. Aí eu quero ver se arranja macho se ficar toda bichada, pé-de-chumbo, indo parar na colônia dos doidos! Pode até (maconheira sem-vergonha!) dançar numa overdose de coca ou de josafan!

Levantou-se, puto. Bateu o piso no chão, com raiva e força. Arrancou uma folha da planta do coroa, o cigarro no bico, fumaça na bicicleta, injuriado na cuca. Juca Sexta-cheira caiu aqui uns dias e derrubou mais serviço de Ditinha, lembrou. Mafioso, o sacana do pinta. Também o que ele transa de pó e fumo não está no gibi. Tem dinheiro, é bacana, barão. Advogado não lhe falta (puta que o pariu!). Com pouco tempo de cadeia, deu uma de dezesseis, gastou os tubos com um porta-de-xadrez aloprado e se mandou prá rua prá vender pros granfinos e cheirar de novo. Juca é escroto mas também não ia levantar aquela parada: o lance de Ditinha cheirando a neve direto! Já tava, disse ele, de venta escorrendo. Nota alta prá esse talco todo ela não tem! Brizola é coisa prá ricaço, doutor, madame emperequetada, tudo no mocó. Prá sacanear mais, o sacana do traficante jurou por todos os santos que o particular de Judite, agora, era na casa de um doutor, na praia, bichão importante. A mulher do barão, disse Juca (prá completar!), é uma doidona cheia de arrumado que escreve em jornal e tem uma porrada de emprego! Essa pinta, Juca morou, joga nas três colunas: transa cafifa, sapatão e sapatilha (puta que a pariu. tô fudido!)! E Ditinha entrando nessa, pode? Tem nada não, um dia eu saio desta merda, na limpeza ou no pinote, e aquela nojenta do caralho me paga, vira presunto, eu garanto!

Demoronando, no vacilo, descontrolado – depois de queimar os dedos com a piúba do cigarro –,levantou-se e a plenos pulmões, tossindo como um gato engasgado, uivou:

- Puta merda, onde é que aquela rapariga foi se meter, porra !

Deu-se a primeira merda, então:

- Que porra de esporro é esse aí fora?! – Era o coroa, voz alterada, o sono interrompido na sua comarca.

- Seu coroa, não é nada não! É que Caçote mandou pedir um adianto... - Vá pro caralho, seu bunda mole ! Espere aí, seu ladrão de merda, pé-de-chinelo ...!

Evilásio Joaquim dos Santos, o “Quinho do Morro”, pagando cana por um lance mal aplicado dentro de um coletivo, punga-melado e ex-cafifa de Judite Marques, conhecida na orla como “Ditinha Maluca”,dançou com o sapo do coroa. Botou a viola no saco, passou lotado pelo corredor da galeria, entrou na sua coletiva, sentou na baladeira suja, bateu a grade com um dos pés sujos e desandou a chorar, feito um menino novo, escondendo a lata com as mãos...

Na cela vizinha e fronteira Zé-de-Nita, duzentos-e-treze amansado por uns três ou quatro aviões, robô e laranja de primeira, no momento o garoto exclusivo do dedo-mole Severino de Patu, refestelado no colo e na tipóia do seu respeitado franchone, gritou, zonando, debochado:

- Vai dormir, bunda-mole corninho! Teu mal é sono, tetéu! Vai pular da caixa-d’água, otário!

Laélio Ferreira
in “Trampo na Comarca”, inédito

por Alma do Beco | 12:43 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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