segunda-feira, março 27, 2006

NEM AS BATATAS

Marcus Ottoni


“Não, não quero isso. Reluto em perder a fé nos meus semelhantes. Porém, sou obrigado a sucumbir perante a malfadada dança da deputada Ângela Guadagnin e, mesmo com o coração sangrando, confessar que aquele ato nos diminuiu como pessoas, mitigando a grandeza dos seres humanos, amiudando sua nobreza e, por fim, exaurindo a mínima dignidade que ainda se possa extrair das suas entranhas. (...)
A Ângela, nem as batatas...”
Luiz Lopes de O. Filho, Procurador de Justiça

“A posição de Palocci se tornou insustentável desde que ficou claro, ao longo das últimas duas semanas, que ele mentiu para uma comissão parlamentar de inquérito."
Financial Times, jornal inglês

Hugo Macedo


A dança de Ângela

Definida etimologicamente como a atitude ou manifestação ostensiva de desdém, de menosprezo, de ironia ou sarcasmo, ainda que por vezes causando indignação às pessoas, o escárnio é uma das atitudes de maior desrespeito de um ser humano em relação a outro. É quando alguém se acha acima da condição dos demais humanos. É quando se olha de cima para baixo e se anula qualquer sentimento de respeito e de consideração para com seu semelhante. É quando, mesmo tacitamente, há a postura de completo desapreço em relação aos outros, e como se as opiniões desses outros fossem fúteis e desqualificadas, quando não inexistentes.

O escarnimento traduz a completa falta de sentimento e de consideração de uma pessoa em relação às outras ou mesmo de alguém em relação à opinião e ao pensar de um grupo social em referência a si mesmo.

Em outras palavras é o completo desprezo. Mais ainda: É a total repulsa e preterição em detrimento do conceito de terceiro sobre atos que o desdenhador tenha, por ventura, praticado.
No entanto, se o escárnio se acompanha da zombaria e da ridicularização de tudo que se possa achar sobre a postura do zombador, forma-se, então, a dualidade da arrogância, caminho que desembocará, lastimavelmente, no desplante da soberba e da empáfia.

Os últimos atos do Poder Legislativo Federal têm se mostrado como um grande escárnio daquela instituição para com o povo brasileiro. Não há nada similar, quando se cuida do compromisso dos membros daquele poder para com o povo.

Há algum tempo tenho acompanhado a atitude de alguns parlamentares brasileiros e confesso que já estou começando a me indignar com uns tantos.

Tomo como exemplo aquela deputada federal pelo Estado de São Paulo que, numa posição sempre preconcebida de tumultuar os processos do conselho de ética, do qual faz parte, já alardeava bem antes que iria pedir vistas nos julgamentos que tentavam cassar os parlamentares do PT. Agora, achando pouco, resolve "dançar" no plenário da Câmara Federal e desdenhar do povo, tudo isto por causa da absolvição de um deputado que confessou haver recebido aproximadamente R$ 450.000,00 do "valerioduto". Não abomino a absolvição, embora discorde dela. Execro, sim, o deboche da deputada para com a opinião pública, e indago: Precisava mesmo dançar?

Quero deixar bem claro que não generalizo a postura de tal deputada. Sei – e não poderia deixar de ser assim – que existem muitos parlamentares sérios no PT, assim como no PMDB, PFL, PSD, etc... Não quero aqui, nem muito menos acolá, perder a ternura da crença no ser humano. Não, não quero! Ao contrário, quero crer nos homens, apesar dos pesares, até porque também sou da raça humana. Se deixasse de acreditar nos meus semelhantes, como eu ficaria sentindo-me parte de uma estirpe degradada da mínima credibilidade? Não, não quero isso. Reluto em perder a fé nos meus semelhantes.

Porém, sou obrigado a sucumbir perante a malfadada dança da deputada Ângela Guadagnin e, mesmo com o coração sangrando, confessar que aquele ato nos diminuiu como pessoas, mitigando a grandeza dos seres humanos, amiudando sua nobreza e, por fim, exaurindo a mínima dignidade que ainda se possa extrair das suas entranhas.
Ângela e sua dança, para mim, foram o epílogo da decência. Não há mais palavras a serem ditas e, talvez, nem o silêncio sirva como resposta.

A Ângela, nem as batatas...

Luiz Lopes de O. Filho
Procurador de Justiça (luizlopes.rn@uol.com.br)


Beto Barata/AE
Beto Barata/AE




MEA CULPA

Encontro ocasional, espontâneo
Quase emocional
Um bem assim me faz
Seja em Paris, virtual ou em Natal

Na areia meu delírio
Perco a noção do tempo
Bebo vinho, café
Quero tanto dizer
No entanto
Calada decido permanecer

Derrubo barreiras
Do tempo, do som, da probabilidade
Mais uma vez desafiando
Minha própria insanidade

Escutei versos
Refresquei a memória
O resto, o resto meu amigo fica sendo
Pura absoluta indiscutível
Longínqua história

Deborah Milgram



Escrava

Teu poema, inclemente, me encarcera,
umedecendo, de gozo, os meus versos.
Espancando, com a pena, as minhas rimas,
se assanha, feito bicho, entre meus seios.

Teus dedos em tuas mãos; ágeis tentáculos,
aprisionam de vez minhas vontades,
deixando-me à mercê dos teus domínios,
amarrando-me os pulsos, como escrava.

O ar que me vem é da tua boca.
Meus gemidos, quem sufoca é tua língua.
Teu verbo, desconexo aos meus ouvidos,
me faz louvar - indecente - o teu nome.

Em minha barriga, passeia impune, o teu falo.
Sob teu corpo, o meu, é prazer e desgoverno.
Entre minhas coxas, tu desenhas a tua fúria,
em teu pescoço, cravo dentes de poesia..

Mariza Lourenço



Se não se disse o que pensado

Se não se disse o que pensado
— cego.
Se não se vê o percebido
— mudo.
Se não se sente o que ouvido
— ego.
Sabe-se o ponto não tocado
— tudo.

É como ser o que não tido
— nudo.
Ter como sina o não chegado
— lego.
E cada toque ser riscado
— rudo.
E ao fim e ao cabo resumido
— nego.

(Se cego e mudo, o ego e tudo nego.
Se nudo, lego o rudo, o ego e tudo.
Se nego tudo, o ego é mudo e cego.)

Ser tido um não pensado ou percebido,
sem ter chegado a ouvido ou ser tocado,
tal sido não riscado: resumido.

Antoniel Campos



Registro

Como havia um Beco no meio do caminho, fiz dele o beco que passou em minha vida.

Do beco, por ser viço, fez-se vício que, como droga, contagia e arregimenta, multiplica-se.

Como na sarjeta do vício havia um corpo, no beco, o bolero entoado em desafino juntou-se a um violão que juntou-se a uma caixa de fósforos, que se fez percussão. Alimento.

Do bolero nasceu a banda e da banda fez-se espetáculo.

E vieram festas e vieram vozes e veio o coro no meio da noite em serenata.

A menina, linda menina, fez-se encantada praieira ao som da flauta, que fez-se harmônica, que fez-se sinfônica, que um dia chegará ao Beco que desnuda-se em todas as madrugadas.

No meio da cidade, da minha cidade, havia um beco. Um beco tão grande que tinha nome de rua e era pai de todos os becos. Não os da cidade, mas pai de todos os becos do mundo, abençoado Beco.

Sua cidade decerto tem um beco como a minha. Um beco da lama como o meu.

Se não tiver, deve ser triste a sua cidade.

E deve ser triste porque na sarjeta do vício feito beco não haverá um bêbado cantando a volta do boêmio. Volta ao beco, ao álcool, ao vício maior que é o próprio beco.

Não por ser o Beco pelo Beco, mas pelo que ele guarda em suas canções tristes ou baladas alegres, beco que se desfaz em sorrisos e tem pernas de apaixonada amante, sempre aberta a amar por amar. Como vício.

Vício de ser e querer ser sempre beco. Ou beco ser enquanto ente: vivo, pulsante, feito ribombares de zés-pereiras em sábados de carnaval.

Nesse Beco, rio de minha vida, por sorte ou ventura, havia um tamborete e havia uma mesa que pedia uma cerveja que pedia companhia.

Da companhia, o beco fez-se confraria e a confraria tomou a cidade por não se bastar a si mesma. .
E foram tantos os becos, tantos os bêbados trôpegos que não se pode mais: de beco da cidade, a cidade tornou-se beco de seu próprio beco, pois dele encantou-se para poder ser, com nome, identidade e todas as digitais guardadas - registro de antigamente em cartórios de saudade: poesia.

Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 7:02 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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