"Eu convoco os iraquianos a começarem a resistir aos invasores."
Saddam Hussein
Versos decididos
por Fernanda Garrafiel
Jornalista por formação, Marize Castro trabalha há muitos anos com edição de livros, jornais e revistas. Mas foi na poesia que a autora encontrou seu centro. “A poesia me escolheu. Ela confiou em mim e eu me abri para ela. Ensinou-me, acima de tudo, a extrair meus poderes de mim mesma.” Entre suas influências, as norte-americanas Emily Dickinson e Silvia Plath, a brasileira Ana Cristina César e a inglesa Virginia Woolf. “Estas autoras são as minhas estrelas guias. Mas ainda há Clarice, Whitman, Rosa, Pound, Drummond, Rimbaud, Rilke, Auden, Pessoa … “ Ao falar de suas influências, Marize aponta um de seus poemas, de em seu último livro, Esperado Ouro:
Néctar
A verdade aproxima-se.
Olha-me com os olhos
abismados da beleza.
Não sou a mulher
que corta os pulsos e se joga da janela
nem aquela que abre o gás
nem mesmo a loba que entra no rio
com os bolsos cheios de pedra.
Sou todas elas.
Escrever me fez suportar todo incêndio
– toda quimera.
A autora tem quatro livros publicados, todos de poesia. Em 1984, lançou seu primeiro livro, Marrons Crepons Marfins, premiado e editado pela Fundação José Augusto – a fundação de cultura do Rio Grande do Norte –, e aclamado pela crítica paulista. Isso não garantiu a distribuição nacional da edição, mas expoentes como o escritor Ignácio de Loyola Brandão, o poeta e crítico Moacir Amâncio e Haroldo de Campos leram e incentivaram Marize a prosseguir. Quase dez anos depois, Marize lançou o seu segundo livro, Rito. Editado pelo Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, recebeu indicação de leitura da Folha de São Paulo e teve poemas traduzidos pelo professor e crítico literário norte-americano Steven White. O terceiro livro, poço. festim. mosaico., editado pela editora da UFRN, permanece quase inédito, pois a tiragem foi ínfima.
A guinada na carreira de Marize se deu em outubro de 2005. A autora lançou, em João Pessoa, seu quarto livro - Esperado Ouro - durante o projeto "Tome Poesia". “Espero que ele, com a sua claridade, possa chegar a várias almas neste país imenso, e reafirmar: o poema é linguagem erguida.” Desta vez, a autora decidiu ser a única responsável pela edição do livro e criou a UNA, uma pequena editora, bem articulada com as gráficas e instituições culturais de Natal. “Para o livro tornar-se realidade, procurei algumas pessoas e instituições e todas me responderam sim, as portas se abriram e todo ele foi patrocinado.” – conta Marize. Por enquanto, a poeta deu lugar à empresária e trabalha fazendo contatos, enviando o livro, recebendo livros de outros autores, agradecendo os livros enviados. “Poetas como Carlos Ávila, Guido Bilharinho, Luiz Edmundo (o incansável editor de Tanto), Ana Rüsche e tantos outros têm me enviado seus livros, tecendo uma rara teia. Na semana passada recebi Corpo Sutil, do poeta paranaense Ricardo Corona, que estou lendo com muita atenção e admiração. Na dedicatória, ele me alerta sobre nossas afinidades poéticas. É um trabalho que demanda tempo, gastos materiais, mas que é infinitamente prazeroso.”
Em maio, Marize Castro estará em Salvador, a convite do poeta José Inácio Vieira de Melo (autor de A Terceira Romaria), participando do projeto “Poesia na Boca da Noite” e lançando Esperado Ouro. Nos próximos meses, a autora vai iniciar um projeto intitulado “Flores do mais”, uma homenagem explícita a Ana Cristina César e Baudelaire, no mesmo tom do "Tome Poesia", no qual pretende ter sempre um poeta convidado de um outro estado do Brasil, para falar sobre a sua poesia ao lado de um poeta potiguar. “Tudo isto porque, a exemplo do poeta mexicano Octavio Paz, acredito que há uma característica comum a todos os poemas, sem a qual nunca seriam poesia: a participação.”
“Se a poesia nos escolhe, não há mais nada a fazer, o caminho é escrever.” E Marize Castro escreve com maestria, uma poesia curta e intensa, onde não há desperdício de palavras ou idéias. Parafraseando Haroldo de Campos: “Em seus versos há algo de fundamental, algo entre o belo e o verum, a verdade em beleza, um cuidade especial com a síntese, um encontro com a poesia.”
De veludo e sangue
Porque declino do seu amor, o véu das torres me invade.
Já engoli espermas. Já voei muito alto.
Aos santuários de meninos-lodos e meninas-ostras.
Neste hemisfério, o tempo é vermelho.
A fé: andrógina. A inocência: anônima.
O amante: cego e corcunda.
O meu leite rega a flor que o inimigo trouxe.
Aqui não há solidão
há bosques de lágrimas
unicórnios reunidos para falar de amor
aranhas flutuando num mar
de veludo e sangue.
Poema extraído do livro Esperado Ouro, de Marize Castro
Matéria publicada no
Café Literário – Jornal do Brasil
http://www.cafeliterario.jor.br/novos_autores/marizecastro.html