Alex: - Léo devia ter pintado a marca da Sempre Samba na minha camiseta… Assim, Bira termina ganhando essa eleição.
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Léo Sodré
Netão: - Quem é vivo sempre aparece.
No dia 21 de novembro, prestam-se, a cada ano, homenagens ao dia do encontro da imagem, na Pedra do Rosário, margem direita do rio Salgado, daquela que é a padroeira da Cidade do Natal – uma efígie da senhora do Rosário, entronizada como Nossa Senhora da Apresentação.
Isto aconteceu na Natal em algum ano das décadas entre 30 e 60 do século XVIII, em uma cidade à feição de povoado, de arenosas ruelas irregulares e de casario de barro taipado a mão, pequena e isolada em relação ao resto da Capitania do Rio Grande.
Ainda havia no território, então, muitos homens que tinham participado da guerra contra os indígenas das nações conhecidas genericamente como tapuias. Milhares destes primevos brasileiros morreram na sucessão de combates e entreveros que, iniciados nos finais do século XVII, adentraram até cerca de 1720. Povos audazes e valentes se bateram com destemor e coragem ímpar contra a frente colonizadora portuguesa. Ciosos de suas terras e de sua ancestralidade, povoaram de ossadas brancas a caatinga - o branco mato.
Em quase quarenta anos de combates intermitentes - na regularidade dos movimentos de diástole e sístole -, um mundaréu de gentes foram enviadas para combatê-los: das ordenanças da própria Capitania até conquistadores como Domingos Jorge Velho e bandeirantes desbravadores do sertão vindos de São Paulo – os Terços paulistas.
O fato de que tal resistência, de que tão dignificantes feitos tenham se esvaído da memória histórica dessa nossa terra, mais do que impressionar, envergonha, pois quase todos nós nessa latitude somos descendentes deles, direta ou indiretamente. É, no mínimo, estranho e inexplicável, esse descaso com a etnia indígena. Lutaram tanto e deles quase nada restou, nem na memória nem na lembrança das pessoas. E não é por causa da época longínqua, pois sabemos o nome e as atitudes dos comandantes que os combateram. Muitas cidades do sertão nasceram dos pontos fortificados para obstar os movimentos de guerra dos autóctones.
Uso, portanto, da homenagem à santa que se ‘apresentou’ à Cidade do Natal, para apresentar um pleito para que haja no Estado do Rio Grande do Norte um Dia ao Indígena Tapuia, ao Índio de Corso, ao Índio Guerreiro, ao brasileiro resistente. E, para tanto, lhes faço uma ode de glorificação:
Ode ao indígena norte-rio-grandense
A poeira do tempo vai aos poucos cobrindo a memória indígena do Rio Grande do Norte.
Quem lembra das orgulhosas tribos que dominavam essas vastidões encandeadas de sol?
Quem lembra dos indígenas como eles gostariam de ser lembrados, senhores de si, plenos de vitalidade, valentes no domínio de seus chãos, grandiosos na peculiaridade de suas culturas?
Quem guarda seus sonhos? Quem cultua seus nomes para a posteridade? Quem zela pelos lugares que lhes foram sagrados? Quem lhes garante a eternidade através da lembrança de suas façanhas? Quem marca, em honra deles, um só lugar onde viveram?
Quem recorda as vitórias que tiveram e as glórias que conquistaram?
Quem ensina às crianças o valor de suas culturas, a dignidade de suas lutas, a virilidade de suas resistências, a fidelidade de suas alianças, o direito de suas opções?
Quem as ensina que o sangue e a cultura indígena não se esvaiu, mas está em nós e em nossos atos, pois são nossos ancestrais e avoengos, como os outros que costumamos lembrar?
Onde existe um memorial que lhes faça homenagem, um monumento que lhes assegure o crédito da parte que lhes toca na formação histórica e social desta terra?
Por que estão na história como figurantes, se foram seus agentes? Por que estão sempre como pano de fundo dos atos europeus, se foram atores altivos?
Somos um povo miscigenado, fruto de uma simbiose cultural e biológica, acontecida na terra dos brasis, único e diferenciado. Como esquecer a parte da herança que nos faz diferenciados?
Como tirar a dignidade de uma parte de nós mesmos, seja esquecendo-a, seja negando-lhe, através de utopias deformantes, a realidade que tiveram?
Se tanto foi perdido, há muito que recuperar. Mas há que se recuperar primeiramente a realidade histórica do indígena, para que a memória dele possua a altivez que sempre demonstraram, e não a comiseração que nunca suplicaram. Há que se recuperar a dignidade de que sempre se revestiram, como seres reais, e não inculcar-lhes ingênuos valores e virtudes advindos do imaginário europeu ou das frustrações da sociedade moderna.
Escutemos com atenção, pois das planícies sertanejas, dos serrotes empedrados, das serras que balizam as solidões, ergue-se um grito de séculos:
NÃO SE ESQUEÇAM DE NÓS! HONREM-NOS!
Walner Barros Spencer